Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:432/07.3BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC.
REGIME SIMPLIFICADO.
Sumário:O regime simplificado de tributação assenta numa presunção do rendimento colectável, a qual pode ser ilidida pelo contribuinte. Tal sucede, por exemplo, quando se demonstra que no exercício em causa não existiu rendimento.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I- Relatório

“M..........., Lda.”, veio deduzir impugnação judicial contra a liquidação de IRC de 2001, emitida em 29.05.2004, no valor de € 1.029,34,

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls. 215 e ss., (numeração do SITAF), datada de 06 de Março de 2019, julgou procedente a Impugnação apresentada.

Desta sentença foi interposto recurso, conforme requerimento de fls. 269 e ss., (numeração do SITAF).

A Fazenda Pública alega em síntese nos termos seguintes:

«a.Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial procedente e, em consequência, anulou a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2001, no valor de € 1.029,34.

b. Salvo o devido respeito, a douta sentença enferma de erro de julgamento resultante da incorreta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e aplicação do direito, tendo, assim, violado a norma prevista no n.º 4, do artigo 53.º do CIRC.

c. Importa salientar que o conceito de cessação da atividade em sede de IVA não coincide com a cessação de atividade para efeitos de IRC, pelo que a inatividade da sociedade não obsta a que esta possa ser sujeito passivo de imposto, pois, mantendo a sua existência jurídica e tributária, esta pode ter obtido rendimentos tributáveis, ainda que não resultantes do exercício do seu objeto social.

d. Assim, competia à Impugnante o ónus de demonstrar que a sua matéria tributável é efetivamente inferior à apurada sob o regime simplificado escolhido pela Impugnante.

e. O regime simplificado é um sistema de avaliação indireta - por se basear em rendimentos presumidos - previsto na lei (artigo 87.º, n.º 1, al. a) da LGT).

f. Competia à impugnante arguir e fazer prova dum suposto excesso de quantificação da matéria tributável determinada nesses termos, de acordo com o nº3 do art. 74º da LGT, demonstrando não apenas a pretensa inatividade, mas a falta de obtenção de rendimentos.

g. A sentença recorrida fundamentou a ilegalidade da liquidação porque a sociedade se encontrava inativa desde 1994, no entanto não ficou demonstrado que a Impugnante não obteve rendimentos no exercício de 2001. A sentença não fixou nenhuma factualidade a este respeito, até porque a impugnante não fez prova dessa factualidade.

h. Ante a factualidade dada como provada na sentença não se pode declarar que o ato tributário impugnado, lançado com base na aplicação do nº 4 do art. 53º do ClRC e, portanto, no valor mínimo de rendimento a considerar segundo essa norma, não pode subsistir por não terem sido obtidos os rendimentos ficcionados ou quaisquer rendimentos.

i. Deste modo, e salvo melhor opinião, o recurso em apreço deverá ser julgado procedente e a sentença recorrida revogada, por não ter sido ilidida a presunção iuris tantum de obtenção de rendimentos consagrada na norma do nº4 do art. 53º do ClRC, e decidida a improcedência da impugnação.

j. Com efeito, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de direito quando anulou o ato impugnado com base na violação do princípio da capacidade contributiva e do artigo 73.º da LGT.

k. Face ao exposto, é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, devendo ser a mesma revogada e ser decidido pela legalidade da liquidação de IRC de 2001 aqui em causa.

Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a     impugnação judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»

X
A Recorrida não contra-alegou.
X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X


II- Fundamentação.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

«A) A ora Impugnante foi constituída em 1991, sendo a respetiva dissolução e encerramento da liquidação registada em 12.02.2009 - cf. Certidão Permanente junta à contestação como doc. 1.

B) As declarações de IVA da ora Impugnante foram regularmente entregues, apresentadas sem qualquer movimento desde 1994 - facto não controvertido.

C) A sociedade Impugnante deixou de exercer a atividade em 1994, altura desde a qual os sócios não mais se dedicaram ao desenvolvimento da respetiva atividade - facto não controvertido (por alegado pela Impugnante e não contrariado pela AT, antes resultando da informação que contem a decisão de indeferimento do recurso hierárquico que «estamos perante um sujeito passivo que, como as suas declarações demonstram, já não exerce a actividade desde a década de 1990»).

D) Em relação ao período de 2001 a Impugnante não apresentou a declaração modelo 22 de IRC dentro do prazo - por confissão no art.º 29.º da p.i.

E) Em 25.05.2004 a Impugnante entregou, por via informática, a declaração Mod. 22 relativamente ao exercício de 2001 onde “optou” pelo regime simplificado de determinação do lucro tributável, assumindo o pré-preenchimento do sistema informático da AT - cf. fls. seguintes a fls. 53 do PAT apenso, que não se encontram numeradas.

F) Em 11.06.2004 a Impugnante apesentou uma declaração de substituição à que antecede, sem quaisquer proveitos, que ficou no sistema informático como “D.R. NÃO LIQUIDÁVEL” - cf. fls. seguintes a fls. 53 do PAT apenso, que não se encontram numeradas.

G) Ato impugnado: Na sequência da declaração submetida em 25.05.2004 foi emitida a liquidação de IRC n.º ..........., na qual foi considerada matéria coletável de € 23.394,00, que apurou imposto a pagar no valor de € 1.029,34 - facto não controvertido e cf. fls. seguintes a fls. 53 do PAT apenso, que não se encontram numeradas.

H) Em 30.11.2004 a Impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação que antecede - facto não controvertido.

I) A reclamação graciosa identificada na alínea que antecede foi indeferida por despacho de 09.05.2005 - facto não controvertido.

J) Em 13.06.2005 a ora Impugnante deduziu recurso hierárquico contra a decisão que antecede invocando a inexistência de facto tributário - cf. fls. 52/53 do PAT apenso.

K) Em 31.12.2004 a Impugnante apresentou declaração de cessação da atividade em IVA e em 12.03.2009 para efeitos de IRC - facto não controvertido.

L) Em 04.03.2006, relativamente ao requerimento de recurso hierárquico, foi elaborada informação pela Direção de Serviços de Imposto sobre o Rendimento que conclui no sentido de estarem “reunidos os pressupostos para que seja concedido provimento ao [...] recurso hierárquico. [...] inexistindo facto tributário que dê suporte legal à liquidação” - cf. doc. 1 junto com a petição inicial.

M) Ato impugnado: Em 10.11.2006 foi exarado, sobre a informação que antecede, o despacho da Diretora de Serviços (por subdelegação) com o seguinte teor: «Indefiro o recurso com os fundamentos apresentados no parecer n.º 58/06 do CEF, superiormente sancionado, com dispensa do direito de audição (art.º 60.º, n.º 3, da LGT)» - cf. doc. 1 junto com a petição inicial.

N) Por ofício de 31.01.2007 a ora Impugnante foi notificada da decisão que antecede à qual foi junto o parecer n.º 58/06 do CEF (Centro de Estudos Fiscais) ali mencionado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e de onde resulta, além do mais, o seguinte:

«[…]

III. Da aplicação do regime simplificado às sociedades “inactivas”.

[...] as sociedades inactivas não estão afastadas do âmbito aplicativo do IRC, pelo que se encontram prima facie abrangidas por todos os esquemas próprios de tributação do IRC, incluindo o regime simplificado [...] algo que se retira, a contrario, do art. 63º, nº 4 do CIRC [...].» - cf. docs. 1 e 2 juntos com a petição inicial.

O) A petição inicial que deu origem aos presentes autos deu entrada neste TAF em 12.04.2007 - cf. fls. 2/3 dos autos (suporte físico).

 

Factos não provados:

Não resultam dos autos outros factos, com relevo para a decisão do mérito da causa, que importe dar como não provados.

Motivação de facto:

A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, bem como pela posição assumida pelas partes nos respetivos articulados.»


X


2.2. Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto ao direito aplicável em que terá incorrido a sentença recorrida.

2.2.2. Para julgar procedente a impugnação, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte.
«A norma cuja interpretação é questionada nos presentes autos - o artigo 53.º n.º 4 do Código do IRC (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 159/09, de 13 de Julho) - vem sistematicamente incluída na Secção V (Determinação do lucro tributável por métodos indirectos), do Capítulo III (Determinação da matéria colectável) do Código do IRC, respeitante à “quantificação” da obrigação tributária, logicamente subsequente ao Capítulo respeitante à incidência (capítulo I) e ao respeitante às isenções (capítulo II).
A inserção sistemática da norma em causa no capítulo III do CIRC, o respeitante à determinação da matéria colectável, constitui um importante subsídio interpretativo para determinar o alcance da norma questionada. É que desta inserção sistemática resulta que a norma em causa não deve ser interpretada como procedendo a uma extensão da incidência objectiva do imposto, pois que se trata de norma inserida no procedimento de quantificação do imposto a pagar, procedimento este que pressupõe a prévia verificação dos pressupostos (objectivos e subjectivos) do tributo em causa, concretizados nas regras de incidência objectiva e subjectiva que se contêm no Capítulo I do Código. (…) // Parece certo, em face das normas de incidência subjectiva do IRC, que a inactividade da empresa não obsta a que esta possa ser sujeito passivo de imposto, pois que mantém a sua existência jurídica não obstante o não exercício do objecto social (embora a personalidade jurídica não seja, sequer, pressuposto da sua potencial sujeição - cfr. a alínea b) do n.º 1, do artigo 2.º do CIRC) e pode ter obtido outros rendimentos tributáveis. Sucede, contudo, que tal só sucederá verificado que seja o pressuposto do imposto, ou seja, que tenha obtido rendimentos, mesmo que provenientes de actos ilícitos (artigo 1.º do CIRC), pois que não basta que possa ser sujeito passivo, necessário é também que se verifique o facto constitutivo da relação jurídica de IRC. // É a esta luz que se há-de interpretar o n.º 4 do artigo 53.º do CIRC, que dispõe, sob a epígrafe regime simplificado de determinação do lucro tributável: «Na ausência de indicadores de base técnico-científica ou até que estes sejam aprovados, o lucro tributável, sem prejuízo do disposto no n.º 11, é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente de 0,45 ao valor dos restantes proveitos, com exclusão da variação de produção e dos trabalhos para a própria empresa, com o montante mínimo igual ao valor anual do salário mínimo nacional mais elevado». // No caso dos autos, perante a declaração de rendimentos nulos, deve o IRC ser liquidado assumindo-se como lucro tributável o valor correspondente ao valor anual do salário mínimo nacional mais elevado? Entender que sim [...] significaria assumir que, no âmbito do regime simplificado, o pressuposto do imposto pode ser ficcionado, pois que não há quaisquer indícios de terem sido obtidos rendimentos pelo sujeito passivo em causa, sendo, aliás, todos os indícios em sentido inverso».

2.2.2. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Invoca erro de julgamento quanto ao direito aplicável. Alega que: «Competia à impugnante arguir e fazer prova dum suposto excesso de quantificação da matéria tributável determinada nesses termos, de acordo com o nº3 do art. 74º da LGT, demonstrando não apenas a pretensa inatividade, mas a falta de obtenção de rendimentos»; «A sentença recorrida fundamentou a ilegalidade da liquidação porque a sociedade se encontrava inativa desde 1994, no entanto não ficou demonstrado que a Impugnante não obteve rendimentos no exercício de 2001. A sentença não fixou nenhuma factualidade a este respeito, até porque a impugnante não fez prova dessa factualidade».


Apreciação.
A sentença decidiu com acerto, devendo ser confirmada na ordem jurídica.
A norma em causa nos autos consiste no artigo 53.º do CIRC (“Regime simplificado de determinação do lucro tributável”). «Ficam abrangidos pelo regime simplificado de determinação do lucro tributável os sujeitos passivos, não isentos nem sujeitos a algum regime especial de tributação, com excepção dos que se encontrem obrigados à revisão legal de contas, que apresentem, no exercício anterior ao da aplicação do regime, um volume total anual de proveitos inferior a 30 000 000$00 e que não optem pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável previsto nas subsecções anteriores» (n.º 1). «Na ausência de indicadores de base técnico-científica ou até que estes sejam aprovados, o lucro tributável, sem prejuízo do disposto no n.º 11, é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente de 0,45 ao valor dos restantes proveitos, com exclusão da variação da produção e dos trabalhos para a própria empresa, com o montante mínimo igual ao valor anual do salário mínimo nacional mais elevado» (n.º 4). O que caracteriza o regime simplificado de tributação, em IRC, consiste no seguinte: 1) ser aplicável a sujeitos passivos, residentes em território nacional, que exerçam a título principal, uma actividade comercial, industrial ou agrícola e cuja actividade empresarial seja de pequena dimensão (artigo 53.º, n.º 1).; 2) ser opcional (artigo 53.º, n.os 1 e 7).; 3) implicar uma presunção de custos (artigo 53.º, n.º 4)[1]. O regime simplificado assenta numa presunção do rendimento colectável, a qual pode ser ilidida pelo contribuinte[2].
A questão que se suscita nos autos consiste em saber se é lícita a aplicação do regime em de tributação simplificada em apreço, nos casos em que não existe actividade e por isso rendimento do contribuinte (alíneas C) a F), do probatório).
A este propósito, colhe-se da jurisprudência fiscal os ensinamentos seguintes:
i) «Não se demonstrando nos autos a obtenção de rendimentos pelo sujeito passivo, não há lugar à determinação do lucro tributável por aplicação do n.º 4 do artigo 53.º do Código do IRC (regime simplificado), pois que não se verifica o pressuposto do imposto (artigo 1.º do Código do IRC), inexistindo facto tributário. // Mas mesmo que o sujeito passivo tivesse obtido rendimentos, o que não é o caso nos autos, o valor mínimo constante do n.º 4 do artigo 53.º do Código do IRC (…), sempre deverá ser entendido como mera presunção ilidível, por força do disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária»[3].
ii) «Inexistindo facto tributário em resultado da inactividade do sujeito passivo e consequente não demonstração da obtenção de receitas no ano a que respeita a tributação, não se verifica o pressuposto do imposto (artigo 1.º do CIRC). // Daí que, ainda que vigorando as regras do regime simplificado, não haja lugar à determinação do lucro tributável por aplicação do n.º 4 do artigo 53.º do CIRC. // Mas mesmo que o sujeito passivo tivesse obtido rendimentos, o que não é ocaso dos autos, o valor mínimo constante do n.º 4 do artigo 53º do CIRC (…), sempre deverá ser entendido como mera presunção ilidível, por força do disposto no artigo 73.º da LGT»[4].

No caso, resulta da matéria de facto assente, não impugnada pela recorrente, que no exercício de 2001, a impugnante não exerceu actividade, nem obteve rendimento (alíneas C) a F), do probatório). A quantificação da matéria colectável do exercício com base no regime simplificado de tributação, no caso, constitui preterição do próprio regime do artigo 53.º do CIRC, dado que o mesmo pressupõe a existência de rendimento sobre o qual incide a tributação. O que não se comprova nos autos. A inexistência do facto tributário determina a ilegalidade da quantificação da matéria colectável com base no método presuntivo em apreço.

Ao decidir no sentido referido, a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1ª. Adjunta)



 (2ª. Adjunta)

_______________


[1] V. Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, pp. 173/175
[2] Neste sentido, V. João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Almedina, Coimbra, 2010, p. 506.
[3] Acórdão do STA, de 02-03-2011, P. 0997/10
[4] Acórdão do STA de 02.03.2011, P. 01039/10