Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2950/12.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/14/2019
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA;
24º, Nº1, ALÍNEA A) DA LGT
Sumário:1 No caso - não é controverso - foi com base na alínea a) do nº1 do artigo 24º da LGT que se efectivou a reversão contra a ora Recorrida.

2 Para a efectivação da responsabilidade subsidiária da revertida não pode deixar de resultar provada a sua actuação efectiva como gerente e, bem assim, a sua culpa na insuficiência do património da pessoa colectiva para a satisfação das dívidas tributárias, sendo que o ónus da prova cabe à Fazenda Pública.

3 Em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas indicadas no artigo 24º, nº1 da LGT a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções. Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

4 Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, na oposição deduzida por Ana .......... contra a execução fiscal nº .........., instaurada pelo Serviço de Finanças de Lourinhã, relativamente à devedora originária A.........., para cobrança de dívida de IRC de 2007 e 2008, julgou procedente a oposição, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:

A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.

B. Na presente oposição, considerou o douto Tribunal que a Oponente não exerceu a gerência de facto da devedora originária.

C. Todavia, face à prova produzida deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que a oponente foi efetivamente gerente da devedora originária, no período a que respeitam os impostos em divida.

D. Inacreditavelmente, não foi tido em consideração na douta sentença os documentos assinados pela ora recorrida, juntos ao relatório final do procedimento inspetivo de que a devedora originária foi alvo e que demonstram o exercício da gerência de facto da Opoente na devedora originária.

E. Perante tal quadro factual não pode a Fazenda Pública concordar com a desconsideração de tais funções percorrida na sentença em mérito, pois provando-se que a oponente foi nomeada gerente e que no período temporal a que se reportam as dívidas exequendas assinou documentos necessários ao giro comercial da sociedade, vinculando-a perante terceiros, tem-se por verificada a gerência de facto.

F. No caso em apreço, resultou provado que a oponente era gerente da sociedade e que, nessa qualidade, assinava documentos respeitantes àquela, o que representa exercício típico de gerência.

G. Para a oponente assinar documentos da devedora originária é porque tem os respetivos poderes de representação e de vinculação jurídica e cambiária de tal sociedade – o que resulta quer da factualidade dos autos, quer do próprio regime legal bancário e financeiro.

H. Exercício de poderes representativos da sociedade que não poderá ser desacreditado ou diminuído, tal como o foi na sentença em mérito, sob pena de se cair no paradoxo de se conceder na prática de atos de gestão, vinculativos da sociedade, por quem não era gerente de facto.

I. Em suma, não há gerentes parciais, ou gerentes apenas para a prática de determinados atos; ou se é efetivamente gerente e se praticam os atos próprios de quem reveste tal qualidade, tal como o fez a oponente, ou não se é gerente.

J. Por outro lado, e é do senso comum, que qualquer pessoa normal, minimamente informada, não desconhecerá a consequência dos atos por si praticados, no que toca ao preenchimento e assinatura de documentos e os efeitos de tais atos no que concerne ao impacto de tal atuação na esfera societária e ao reconhecimento da gerência de facto.

K. Admitir-se raciocínio contrário é conceder na criação de sociedades em que se nomeia um gerente para a prática de atos de representação da sociedade, vinculando-a perante terceiros, tais como a prática de assinar documentos, movimentar contas bancárias e assumir compromissos financeiros da sociedade, deixando incólume o responsável subscritor, com fundamento no não exercício das funções de gerência.

L. Assim e salvo o devido respeito, a prova ínsita nos autos e, as consequências necessárias que dali de aferem sustentam a posição da Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão da execução fiscal contra a responsável subsidiária, devendo ser considerada legitima a reversão contra a recorrida.

M. Deste modo, deveria determinar-se a improcedência da oposição pela convição da gerência de facto da oponente/recorrida, formada a partir do exame crítico das provas.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!


*

A Recorrida, Ana .........., apresentou contra-alegações que concluiu assim:

A) A douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz julgou totalmente procedente a ação intentada e em consequência determinou a extinção do processo de execução fiscal em relação à Oponente;

B) A douta sentença centrou-se em dois pontos o não exercício de gerência de facto por parte da Oponente na sociedade devedora originária e a falta de fundamentação legalmente devida do despacho de reversão.

C) Incumbe à Administração Tributária comprovar a alegação de exercício efetivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. A) do nº 1 do artigo 24º da LGT).

D) Incumbe à Administração Tributária comprovar a alegação de exercício efetivo do cargo e incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do artigo 24º da LGT)

E) Tendo a reversão sido concretizada ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT à Administração Tributária cabe fazer a prova do exercício do facto de gerência da oponente e de que foi culpa sua que o património societário se torna insuficiente para satisfazer as dívidas.

F) Resulta desse normativo que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto, real e efetiva, constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo ou que se designa por gerência nominal ou de direito;

G) É sobre a Administração Tributária, enquanto titular do direito de reversão que recai o ónus de demonstrar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária e, nomeadamente, os factos integradores do efetivo exercício da gerência, de acordo com a regra geral de direito probatório segundo a qual, àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito que alega. (Artigos 342º nº 1 do Código Civil e 74º nº1 da LGT)

H) Com efeito, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito, o efetivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus de prova recai sobre a Administração Tributária, cumprindo salientar que da inscrição no registo comercial da nomeação de alguém como gerente apenas resulta a presunção legal de que o nomeado é gerente de direito, não de que exerce funções de gerência e só quem tem a seu favor uma presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz. (artigo 350º do Código Civil)

I) Temos também assente que é à Administração Fiscal enquanto exequente, como titular do direito de executar o património do responsável subsidiário que compete demonstrar os pressupostos da reversão, designadamente o efetivo exercício de facto da gerência.

J) A Administração Fiscal não logrou provar factos de vida real da empresa que permitam concluir que aquela pessoa controlava os desígnios da sociedade de forma clara e consciente.

K) Não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efetivo exercício o dessa função ou que faça inverter o ónus da prova que recai sobre a Administração Tributária.

L) Acontece que contrário ao alegado pela Recorrente dos factos provados não resultou que a Recorrida exerce as funções de gerente de facto muito pelo contrário, e mais em momento algum o órgão de execução fiscal não enunciou nenhum facto, ocorrência da vida real demonstrativo de que a Recorrida tivesse uma ação decisiva no desenvolvimento da atividade da sociedade devedora originária.

M) Ora o único ato apresentado documentalmente pela Recorrente é o ato de depositar dinheiro no banco, e que surge em 2 documentos apresentados, acontece que o ato em si se consubstancia apenas num ato material que não demonstra a prática de atos definidores da atividade da sociedade devedora originária pela Oponente.

N) Certo é que tendo sempre presente a dúvida a respeito da efetividade da gerência a Opoente não aproveita à Fazenda Pública, que é a parte onerada com a prova desse facto, outra solução não resta ao presente Tribunal se não declarar que a Opoente não exerceu a gerência de facto da devedora originária, dando-se consequentemente como não verificado um dos pressupostos obrigatórios para a que a Opoente fosse revertida para a execução fiscal.

O) Concluiu o douto Tribunal Recorrido e bem que não se mostrando provado o pressuposto da alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT verificou-se a ilegitimidade da Opoente para a execução quanto à dívida contra ela revertida nos termos do artigo 204 nº 1 al. b) do CPPT.

P) Nessa medida, reconheceu ainda o douto Tribunal recorrido que seria desnecessário conhecer dos restantes pressupostos da reversão e das demais alegações formuladas pela Opoente fase à ilegitimidade da Opoente para a execução quanto à dívida contra ela revertida.

Q) No entanto, sempre se dirá que mesmo que o douto Tribunal recorrido não tivesse reconhecido e bem a ilegitimidade da Opoente sempre se diria que teria de ter em conta a falta de fundamentação do despacho de reversão por não se verificarem reunidos os pressupostos que se reportam o artigo 24º nº 1 da Lei Geral Tributária, já que também não foram ali referidos os factos em que se imputa a atuação culposa.

R) Desde logo, não se encontra preenchida a culpa do responsável subsidiário no despacho de reversão.

S) Nem ficou demonstrada em audiência de julgamento a culpa do responsável subsidiário.

T) Ora, atento o despacho de reversão verifica-se que a reversão foi efectuada ao abrigo do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 24º da LGT, como já havia sido referido.

U) Ora nos termos desta disposição legal, para que o gerente possa ser responsável subsidiariamente pela dívida exequenda, torna-se necessário que, em qualquer dos casos aí previstos, tenha sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento e a prova da culpa da insuficiência do património da sociedade recai sobre a administração tributária.

V) A Administração Tributária não fez qualquer prova sobre a culpa da ora oponente na insuficiência do património da sociedade devedora originária, pelo que se deverá concluir que o despacho de reversão carece de fundamentação.

W) Pelo que deverá se concluir que não se mostram preenchidos todos os requisitos para a reversão da execução, daí que tem de concluir-se que o aqui oponente também seria parte ilegítima na execução fiscal por inobservância de factos que demonstrem a culpa do oponente pela insuficiência do património.

X) As dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. Neste caso, o ónus da prova da culpa também aqui recai sobre a Fazenda Pública.

Y) Uma vez cessada a devedora originária por dissolução, se a administração tributária não demonstra que o revertido exercia as funções de gerência na data em que terminou o prazo de pagamento ou entrega de algumas dessas dívidas e que foi por culpa sua a insuficiência do património da devedora originária, tendo a dissolução da sociedade executada sido decretada antes dessa data, será aplicável o regime probatório previsto na aliena a) do nº 1 do art. 24º da Lei Geral Tributária.

Z) De salientar que a liquidação adicional de IRC objeto dos presentes autos que tem por base relatório de inspeção que anula faturas de aquisição de bens e serviços por parte da empresa que já se encontrava cessada, mais precisamente dissolvida na data em que é notificada da liquidação adicional de IRC os seus gerentes de direito.

AA) Na previsão da al. a), do artº.24, nº.1, da Lei Geral Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente.

TERMOS EM QUE, deve o recurso improceder, por não provado, mantendo-se a douta decisão judicial.

Vossas Excelências, porém, farão a tão costumada e esperada

J U S T I Ç A


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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Tal parecer apresenta o teor que, em parte, se transcreve:

“Afigura-se-nos, salvo o devido respeito, que os fundamentos do recurso não permitem abalar os fundamentos de facto e de direito constantes da decisão recorrida.

Como fundamento da oposição, invocou a Recorrida, para além do mais, a sua ilegitimidade consubstanciada no não exercício da gerência de facto no período a que se reportam as dividas.

A presente reversão foi efectuada nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 24º da LGT.

Na previsão da al. a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente.

De acordo com o estipulado nos artigos 259.º e 260.º, ambos do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social.

A chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros.

É à administração tributária, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam a reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência da gerência de facto - de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos – artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil artigo 74.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária – cfr neste sentido Acórdão do STA do Pleno do CT, de 28/2/2007,. 1132/06; Acórdão do TCASul, 20/9/2011, proc.4404/10).

Como se escreve no Ac. TCA Norte de20.12.2011, proc. nº 0639/04.5BEVIS, que aqui transcrevemos e à qual aderimos: “A determinação da responsabilidade subsidiária por dívidas tributárias afere-se à luz do regime legal em vigor à data em que as dívidas foram geradas.

2. Para se afirmar a responsabilidade subsidiária do alegado gerente da executada originária exige-se a demonstração de que aquele exerceu tal gerência de modo efectivo ou de facto.

3. É sobre quem pretende efectivar a responsabilidade subsidiária dos gerentes através da reversão da execução que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência.”

O ónus de alegar e provar os factos integradores do efectivo exercício da gerência ou, dito de outra forma, da gerência de facto recai sobre quem pretende efectivar a responsabilidade subsidiária dos gerentes através da reversão da execução fiscal, ou seja sobre a AT.

No caso em apreço, a AT indicou como factos demonstrativos da gerência de facto por parte da Oponente o teor do anexo I ao RIT junto a fls. 38 e seguintes do processo físico, a certidão permanente e o contrato de sociedade.

A certidão permanente e o contrato de sociedade, por si só, não permitem demonstrar exercício de facto da gerência.

Quanto aos documentos que integram o referido Anexo 1 do RIT e constantes de fls. 59 a 61- referidos em 13. do probatório- verifica-se que:

- na transferência constante de fls. 59, a ordem de transferência foi dada pelo outro gerente;

- o depósito em numerário constante de fls. 59 vº foi assinado pela Oponente mas, tal acto, não configura, só por si, acto inerente ao exercício de facto da gerência pois, pode ser feito por funcionário ou outra pessoa encarregada pela sociedade de tal acto;

- a ordem de pagamento da taxa social única constante de fls. 60, não está assinada pela Oponente nem dela consta ter sido por si dada a ordem de pagamento;

- do que resulta de fls. 60 vº é uma “Entrega na Conta nº ..........” de numerário pelo que se trata de situação idêntica a que acima nos referimos quanto ao depósito de fls. 59 vº;

- a fls. 61 consta um lançamento em conta de juros de utilização de conta corrente caucionada nada resultando quanto á intervenção da Oponente.

Assim, não logrou a AT demonstrar o exercício de facto da gerência por parte da Oponente no período a que se reportam as dividas.

Por outro lado, também dos autos não resultam elementos probatórios de que possa resultar a convicção do efectivo exercício da gerência de facto por parte da Oponente.

Em consequência, em nossa opinião, a douta sentença recorrida fez uma correcta apreciação da matéria fáctica apurada assim como subsumiu correctamente os factos às normas legais aplicáveis, não padecendo dos vícios que lhe são imputados.

Pelo exposto, emito parecer no sentido da improcedência do recurso”.


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Com dispensa dos vistos, vêm os autos à conferência.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, dão-se como provados os seguintes factos:

1. A sociedade “A.........., Lda.”, constituída em 2006, tem por objecto social a recolha, triagem, valorização e comercialização de resíduos metálicos e não metálicos. Prestação de serviços inerentes. Recolha, triagem, valorização e comercialização de resíduos industriais banais. Transporte rodoviário de mercadorias, recolha e logística de todo o tipo de resíduos. Prestação de serviços inerentes ao transporte. Representação comercialização e aluguer de máquinas e equipamentos – cfr. fls. 40v dos presentes autos.

2. Resulta do registo de conservatória do Registo Comercial da sociedade identificada em 1. para além de outros averbamentos os seguintes, com interesse para a decisão da causa: “Sócios e Quotas: Quota: 30.000,00 Euros Titular: António .......... (…). Quota: 20.000,00 Euros Titular: Ana .......... (…). Forma de obrigação/Órgãos sociais: Forma de obrigar: é necessária a intervenção de qualquer um dos sócios gerentes. Órgão(s) Designados: António .......... … Ana .......... Data da deliberação: 20061019 (…)” – cfr. fls. 23 a 25 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

3. Em 30/12/2011 foi instaurado sobre a sociedade referida em 1. o processo de execução fiscal n.º .......... no qual se visava a cobrança de dividas de IRC referentes ao ano de 2008 e respectivos juros no montante global de 48.940,00€ - cfr. fls. 1 e 2 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

4. Em 13-08-2012 foi lavrado Auto de Diligências pelo órgão da execução fiscal onde consta que “consultados os sistemas informáticos não constam quaisquer bens averbados em nome da executada”, a sociedade identificada em 1. – cfr. fls. 29 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

5. Em 13-08-2012 foi lavrada Informação para a reversão com o seguinte conteúdo: “…Os presentes autos dizem respeito a dívidas em nome da executada de IRC do ano de 2008 – liquidações adicionais, no montante de €48.940,00, resultante de uma acção de inspecção externa no ano de 2010, aos exercícios de 2007 e 2008, após terem sido detectadas divergências entre os valores declarados pela executada e o fornecedor… divergências identificadas no relatório de inspecção aos exercícios de 2007 e 2008… De acordo com o relatório de inspecção para os exercícios de 2007 e 2008 – Ordem de Serviço nº OI.........., foram notificados o sócio e representante da cessação da firma A.........., Lda, o Sr. António .......... e a sócia Ana .........., nos seus domicílios fiscais, por cartas registadas e não exerceram o direito de audição, pelo que se procederam às correcções em sede de IRC e IVA dos exercícios de 2007 e 2008, tendo sido elaborados os respectivos documentos de correcção – DC, constantes do relatório de inspecção… A firma foi notificada da liquidação adicional de IRC de 2008, em 2011/10/27…Importa identificar, de forma clara os responsáveis subsidiários… A declaração de início de actividade da executada foi entregue no serviço de finanças de Alenquer em 2006/11/10, constando como sócios António .......... (…) e Ana .........., (…) assumindo ambos a gerência da sociedade; Os sócios António .......... e Ana .......... exerceram as funções de gerente de facto e de direito de acordo com os documentos constantes do Anexo I do relatório da inspecção para os exercícios de 2007 e 2008 – (…), nomeadamente o contrato de Constituição de Sociedade, as Notas de Lançamento da Caixa .......... de Torres Vedras e os Talões de Entrega de depósitos no M..........; De acordo com o relatório da inspecção para os exercícios de 2007 e 2008 – (…), o sócio António .........., declarou que nos anos de 2007 e 2008, efectivamente “Foi o sócio gerente da sociedade A.........., Lda., sendo também sócia gerente a Sra. Ana ..........”… A sociedade em causa não tem bens penhoráveis, tendo sido registada a sua dissolução e encerramento da liquidação, de acordo com o Auto de Diligências que antecede, pelo que, se verifica uma situação de fundada insuficiência do património da devedora originária para satisfazer a dívida dos presentes autos… Assim, em face do exposto, sou de parecer que deve a execução ser revertida para os responsáveis subsidiários supra indicados nos termos da al a) do nº 1 do artº 24 da LGT, pelo que, devem ser notificados nos termos do artº 60º da LGT, para exercerem o direito de audição…” – cfr. fls. 30 a 34 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

6. Em 13-08-2012 foi proferido despacho para audição (reversão), contra a Opoente, constando no campo “Projecto da Reversão” o seguinte: “…Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (artº 24/nº 1/a LGT)…” – cfr. fls. 35 a 38 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

7. Em 13/08/2012 foi elaborada a notificação da Opoente para exercer o direito de audição relativamente ao projecto de reversão referido em 8., na qual constava no respectivo campo “Projecto da Reversão” o seguinte: “…Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis subsidiários sem prejuízo do benefício de excussão (artº 23º/nº 2 da LGT). Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (artº 24/nº 1/a LGT. Anexo conclusão/informação para reversão, por cópia e cujo conteúdo se por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais…” – cfr. fls. 39 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

8. A Opoente exerceu o seu direito de audiência prévia por referência ao despacho referido em 8. e 9. – cfr. fls. 48 e 49 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

9. Em 19/09/2012 foi proferida informação pelos serviços do órgão da execução fiscal com o seguinte conteúdo: “… Em face do exposto, somos da opinião que deverá reverter a presente execução contra os responsáveis subsidiários…Ana…… nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária…” – cfr. fls. 57 e 58 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

10. Em 19/09/2012 foi proferido pelo órgão da execução fiscal despacho com o seguinte conteúdo: “…Em face da informação que antecede, e estando concretizada a audição dos responsáveis subsidiários, prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra…Ana…… nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo24º da Lei Geral Tributária (LGT), e proceda-se à citação dos referidos responsáveis subsidiários por reversão, nos termos do artigo 160º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT)…” – cfr. fls. 57 e 58 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

11. Na sequência de 12., a Opoente foi citada, por reversão, para o processo de execução fiscal n.º.........., citação essa que apresentava o seguinte conteúdo: “…OBJECTO E FUNÇÃO DO MANDADO DE CITAÇÃO… Pelo presente fica citado(a) de que é executado(a) por reversão, nos termos do artº 160º do CPPT, na qualidade de responsável subsidiário para no prazo de 30 dias, a contar desta citação, pagar a quantia exequenda de 48.940,0 EUR de que era devedor(a) o(a) executado(a) infra indicado(a), ficando ciente de que nos termos do nº 5 do artº 23º da LGT se o pagamento se verificar no prazo acima referido não lhe serão exigidos juros de mora nem custas…

IDENTIFICAÇÃO DO EXECUTADO A.........., Lda. … FUNDAMENTOS DA REVERSÃO Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício de excussão (artº 23º/nº 2 da LGT). Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (artº 24/nº 1/a LGT). Anexo a cópia conclusão/informação para reversão de fls. 23 a 27 e conclusão/informação do despacho de fls. 52 e 53, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais…” – cfr. fls. 60 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

12. A citação referida em 13. foi remetida à Opoente via postal sob registo e com aviso de recepção, tendo o respectivo aviso de recepção sido assinado em 24/09/2012 – cfr. fls. 64 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.

13. Do relatório inspectivo elaborado na sequência do procedimento inspectivo de que a devedora originária, sociedade referida em 1., como documentos utilizados para comprovar a gerência de direito e de facto dessa sociedade foram utilizados a certidão permanente da sociedade devedora originária, o seu respectivo contrato de sociedade, uma ordem de transferência, um comprovativo de depósito bancário, um comprovativo de transferência bancária e dois outros comprovativos de movimento de conta – cfr. fls. 40v, 53v e 55 a 61 dos presentes autos.

Factos não provados.

Com relevância para a pronúncia a emitir nos presentes autos, inexistem factos que importe dar como não provados.

Motivação da decisão sobre a matéria de facto.

A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e no processo de execução fiscal apenso, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados, merecendo a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.

2.2. De direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões da alegação recursória, dúvidas não restam que a questão a apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal a quo errou ao concluir pela ilegitimidade da Oponente, ora Recorrida, por ter entendido que a AT não logrou provar, como lhe competia, que a Oponente, para além da qualidade de gerente de direito, exerceu efectivamente tais funções no período de tempo que releva nos autos.

Com efeito, a Fazenda Pública vem invocar, no essencial, o seguinte: a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida; face à prova produzida deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que a oponente foi efetivamente gerente da devedora originária, no período a que respeitam os impostos em divida; erradamente, não foi tido em consideração (…) os documentos assinados pela ora recorrida, juntos ao relatório final do procedimento inspetivo de que a devedora originária foi alvo e que demonstram o exercício da gerência de facto da Opoente na devedora originária.

Assim, conclui a Fazenda Pública, o Tribunal violou o disposto no artigo 24º, nº1, da LGT, quanto à efectivação da responsabilidade subsidiária, razão pela qual deve a sentença sob escrutínio ser revogada.

Vejamos, então, tendo presente aquele que foi, no essencial, o discurso adoptado pelo TT de Lisboa, após fazer o devido enquadramento legal e jurisprudencial da questão que lhe foi colocada, para o que convocou a exposição constante do acórdão do TCA Norte, de 10/11/16, proferido no processo nº 0013/16 BEBRG.

“(…)

Ora, colhidos os ensinamentos constantes dos excertos que supra transcrevemos, a cujas conclusões e soluções propugnadas aderimos na íntegra e sem reserva, impõe-se que os transportemos para o caso sub judice.

E do acervo factual adquirido pelos presentes autos, nomeadamente 5., 7., 9., 10. e 13. dos factos provados, conclui-se quem em momento algum o órgão da execução fiscal alegou, substanciou ou enunciou um único facto que consubstanciasse o exercício da gerência de facto da sociedade devedora originária pela Opoente. Isto é, o órgão da execução fiscal não enunciou nenhum facto (ocorrência da vida real) demonstrativo de que a Opoente tivesse uma acção decisiva no desenvolvimento da actividade da sociedade devedora originária. Sustentando-se o órgão da execução fiscal na afirmação da existência de uma presunção legal de gerência de facto uma vez conhecida a gerência de direito, que, como já vimos, não existe no ecossistema dos presentes autos.

O órgão da execução fiscal ainda alude a uns documentos juntos ao relatório final do procedimento inspectivo de que a devedora originária foi alvo como forma de demonstrar factos de onde de se possa concluir pelo exercício da gerência de facto da Opoente na devedora originária. Mas conferidos os mesmos – 13. dos factos provados – constata-se que os mesmos se quedam por documentos, em número reduzidíssimo, certificativos de transferências e depósitos bancários, sendo que o nome da Opoente só surge em 2 desses documentos. Factualidade que só por si, atenta a residual expressão que apresenta segundo aquilo que nos termos da experiência comum seria a normal actividade da devedora originária e de os actos em si considerados consubstanciarem apenas um acto material (o acto de depositar o dinheiro no banco) não demonstram a prática de actos definidores da actividade da sociedade devedora originária, a partir dos quais se possa concluir pelo exercício da gerência de facto da devedora originária pela Opoente, mostram-se de todo imprestáveis tais documentos a sustentar a conclusão de que a Opoente exerceu a gerência de facto da devedora originária.

Assim sendo, e tendo sempre presente que a dúvida a respeito da efectividade da gerência da Opoente não aproveita à Fazenda Pública, que é a parte onerada com a prova desse facto, outra solução não resta ao presente Tribunal se não a de declarar que a Opoente não exerceu a gerência de facto da devedora originária, dando-se consequentemente como não verificado um dos pressupostos obrigatórios para a que a Opoente fosse revertida para a execução fiscal que serve de cenário aos presentes autos, falecendo, desse modo, in totum o direito do órgão da execução fiscal reverter a mesma sobre a Opoente.

Procedendo, como procede, nos termos supra, a alegação de que não se verifica o pressuposto do exercício da gerência de facto da devedora originária pela Opoente, desnecessário se torna conhecer dos restantes pressupostos da reversão e demais alegações formuladas pela Opoente, sendo que a reversão conformadora dos presentes autos tem por fundamento a alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT e não se mostrando provado o pressuposto supra analisado, é de concluir pela ilegitimidade da Opoente para a execução quanto à dívida contra ela revertida nos termos do artigo 204º, n.º 1, alínea b) do CPPT, consequentemente procedendo a presente oposição com a devida extinção do processo de execução fiscal em relação à Opoente”.

Vejamos, então.

A AT reverteu a execução fiscal contra Ana .......... com base na gerência de facto da apontada sociedade comercial, A....., invocando, para tanto, o disposto no artigo 24º, nº1, alínea a), da LGT.

Tenhamos presente, então, o disposto no nº 1 do artigo 24º da LGT, respeitante à responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos:

1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

Temos, assim, que o transcrito artigo 24.º da LGT distingue duas diferentes situações:

- a primeira correspondente à alínea a), e refere-se à “responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do fato tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torna-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efectiva - culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à AT alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores” – cfr. acórdão do TCA Sul, de 24/11/16, processo nº 9780/16;

- a segunda, tal como consta da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à divida tributária. No artigo 24.º, n.º1, al. b), da LGT já se presume que a falta de pagamento da obrigação é imputável ao gestor.

Ora, no caso - não é controverso - foi com base na alínea a) do nº1 do artigo 24º da LGT que se efectivou a reversão contra a ora Recorrida.

Nesta conformidade, para a efectivação da responsabilidade subsidiária da revertida não pode deixar de resultar provada a sua actuação efectiva como gerente e, bem assim, a sua culpa na insuficiência do património da pessoa colectiva para a satisfação das dívidas tributárias, sendo que o ónus da prova cabe à Fazenda Pública.

No caso concreto, resulta para nós incontroverso que, como o Tribunal a quo abundantemente evidenciou, a AT não demonstrou minimamente o que lhe competia, isto é, que a revertida era gerente de facto da devedora originária no período temporal aqui em causa, não oferecendo dúvidas – repete-se - que é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício da gerência.

Na verdade, em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas indicadas no artigo 24º, nº1 da LGT a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções. Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto.

Com efeito, e como repetidamente se vem considerando na jurisprudência, da gerência de direito não se retira, por presunção, a gerência de facto.

A este propósito, deixamos transcritas as considerações feitas no acórdão do TCAN, de 30/04/14, processo nº 1210/07.5, as quais assumem aqui inteira pertinência:

“(…)

Pois bem, e tal como se aponta no Ac. do S.T.A. de 02-03-2011, Proc. nº 0944/10, www.dgsi.pt, “… Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC). As presunções legais são as que estão previstas na própria lei. As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).

De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).

Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»

Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que o revertido tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.

Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar” (fim de citação).

Ora, como a sentença evidenciou, da factualidade apurada resulta incontroversa a gerência de direito da devedora originária, o que, para efeitos de responsabilidade da Oponente, pouco adianta, uma vez que – repete-se – da mera prova da titularidade da qualidade de gerente não se presume a gerência de facto.

Ora, da matéria de facto provada consta o seguinte: “13. Do relatório inspectivo elaborado na sequência do procedimento inspectivo de que a devedora originária, sociedade referida em 1., como documentos utilizados para comprovar a gerência de direito e de facto dessa sociedade foram utilizados a certidão permanente da sociedade devedora originária, o seu respectivo contrato de sociedade, uma ordem de transferência, um comprovativo de depósito bancário, um comprovativo de transferência bancária e dois outros comprovativos de movimento de conta – cfr. fls. 40v, 53v e 55 a 61 dos presentes autos”.

Sobre este acervo documental, em concreto sobre a sua relevância para efeitos de aferir do exercício efectivo da gerência por parte da Oponente, pronunciou-se o Tribunal evidenciando que “os mesmos se quedam por documentos, em número reduzidíssimo, certificativos de transferências e depósitos bancários, sendo que o nome da Opoente só surge em 2 desses documentos. Factualidade que só por si, atenta a residual expressão que apresenta segundo aquilo que nos termos da experiência comum seria a normal actividade da devedora originária e de os actos em si considerados consubstanciarem apenas um acto material (o acto de depositar o dinheiro no banco) não demonstram a prática de actos definidores da actividade da sociedade devedora originária, a partir dos quais se possa concluir pelo exercício da gerência de facto da devedora originária pela Opoente, mostram-se de todo imprestáveis tais documentos a sustentar a conclusão de que a Opoente exerceu a gerência de facto da devedora originária”.

É contra esta apreciação crítica da prova que a Recorrente se insurge, nos termos já expostos, defendendo que os documentos juntos ao RIT “demonstram o exercício da gerência de facto da Oponente na devedora originária”.

Vejamos o que se nos oferece dizer a este propósito, apreciando cada um dos documentos em causa, juntos como anexo I ao relatório de inspecção, sob a designação gerência de facto e de direito. Assim:

- o primeiro documento corresponde à cópia da certidão de teor de matricula e todas as inscrições em vigor, da Conservatória do Registo Comercial de Lourinhã, relativa à devedora originária;

- o segundo documento corresponde à cópia do contrato de constituição de sociedade, da A.....;

Ora, como é evidente, destes elementos apenas se pode retirar, com respeito à Ana .........., a condição de sócia e de gerente nominal da devedora originária, o que, nos presentes autos, não é controverso.

Prosseguindo:

- o documento de fls. 59/frente, corresponde a uma nota de lançamento da Caixa .........., respeita a uma transferência efectuada por ordem de António .........., daí não constando qualquer menção à Oponente, ora Recorrida;

- na mesma situação se encontra o documento junto a fls. 60/frente, referente ao pagamento da taxa social única, já que de tal nota de lançamento não consta qualquer menção à Oponente, ora Recorrida;

- o mesmo vale para o documento de fls. 61/frente, nota de lançamento, respeitante a juros pela utilização de conta corrente caucionada, do qual não consta qualquer menção à Oponente, ora Recorrida;

Ora, como é evidente, destes elementos nada, rigorosamente nada, se pode retirar relativamente ao efectivo exercício da gerência da A..... por parte da ora Recorrida;

Por último, importa considerar os seguintes dois documentos:

- a fls. 59/verso, consta o talão de depósito, de 25/06/07, de banco M.........., o qual se mostra assinado por Ana .........., a ora Recorrida; em idênticas circunstâncias, o documento junto a fls. 60/verso, um talão de entrega em numerário, do banco M.........., o qual se mostra assinado pela mesma Ana ..........;

Ora, apesar de nos apontados documentos constar a assinatura da Recorrida, a verdade é que tal circunstancialismo, por si só, nada de conclusivo revela sobre o real e efectivo exercício da gerência de facto por banda da Ana .........., pois que, como bem refere a EMMP, daquilo que se trata é de actuações que podem ser levadas a cabo por qualquer funcionário ou terceiro encarregado pela sociedade para tal.

Em suma, atendendo à natureza dos dois referidos actos em que se revelou a intervenção da Recorrida, deve concluir-se, com a sentença, que o apontado circunstancialismo é notoriamente insuficiente para permitir a conclusão de que a Oponente exerceu a gerência de facto da devedora originária no período de tempo que aqui importa considerar, atento o artigo 24º, nº1, alínea a) da LGT.

Note-se que a gerência de facto de uma sociedade consiste “no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho - Francisco Rodrigues Pardal, Código de Processo das Contribuições e Impostos, Anotado e Comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, pág. 139” – cfr. acórdão do TCA Norte, de 30/04/14, no processo nº 1210/07.5 BEPRT.

Em face de tudo o que vem dito e tendo presente o circunstancialismo fáctico que subjaz à oposição/ recurso em análise, constata-se que ficou por demonstrar uma realidade susceptível de evidenciar o exercício efectivo dos poderes de gerência por parte da ora Recorrida, sendo que, como antes já dissemos, era sobre a FP que recaia o ónus de provar o exercício da mesma.

Não se provando o exercício efectivo da gerência, o qual é pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão, é evidente que só se pode manter a sentença recorrida que, nos termos vistos, julgou verificado o fundamento de oposição previsto no artigo 204º, nº1, alínea b) do CPPT.

Tanto basta, pois, sem necessidade de maiores considerandos, para concluir pela improcedência das conclusões da alegação de recurso, impondo-se, como tal, confirmar a decisão sindicada, negando-se provimento ao recurso jurisdicional em análise.


*

3 - DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 14/11/19


(Catarina Almeida e Sousa)

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)