Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9687/16.1BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/13/2022
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IRC
RETENÇÃO NA FONTE
ENTIDADE NÃO RESIDENTE
ESTABELECIMENTO ESTÁVEL
Sumário:I. As sucursais não gozam de personalidade jurídica e como tal não constituem sujeitos autónomos de direitos e obrigações, pois são meros órgãos de administração local dentro da estrutura da sociedade. Todavia, a sucursal de uma sociedade com sede em um país estrangeiro, dispõe de personalidade tributária e capacidade judiciária tributária, quanto aos rendimentos gerados em Portugal
II. Considerando a legislação então em vigor, os pagamentos efetuados pela sucursal à sede (entidade não residente), pela disponibilização do equipamento necessário à execução de obra em território nacional não estavam sujeitos a retenção na fonte, em sede de IRC.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Fazenda Pública, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por V. & S. H. B.V. Sucursal em Portugal, S. A., contra o indeferimento da reclamação graciosa apresentada por sua vez contra a liquidação de IRC – retenção na fonte, relativa ao exercício de 1997, no montante global de € 121 264,44, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira, formula as seguintes conclusões:

A. Salvo o devido respeito, a douta sentença incorre em erro de julgamento que resulta não só da incorrecta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e violação da lei.

B. A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber se o estabelecimento estável situado em território português está ou não obrigado a proceder à retenção na fonte de IRC relativamente às importâncias pagas à sede holandesa.

C. Perante o quadro legal vigente à data dos factos (na redacção originária do IRC e nas alterações introduzidas pelos diplomas posteriores - DL 37/95, de 14/02 e Lei 39-8/94, de 27/12) e contrariamente ao sustentado na sentença recorrida, resulta claro que a situação em apreço se integra na norma de incidência do art. 4°, nº 3, al. c), número 2 do CIRC.

D. Tendo sido, aliás, esse o enquadramento dado pelo Tribunal na douta sentença.

E. De facto, os valores pagos pela impugnante tiveram como contrapartida o uso e utilização de equipamento, necessário à execução, em território português, do contrato mencionado em 2. e são imputáveis à impugnante, que constitui um estabelecimento estável situado em território português.

F. Mostrando-se, por esta via, preenchidos todos os pressupostos da obrigação de retensão do imposto por parte da recorrida, já que também não invocou a concreta convenção que exclua tais pagamentos da retenção na fonte.

G. Assim, tendo as rendas sido debitadas pela casa-mãe ao estabelecimento estável sito em território português e constituindo um custo para este, estava a impugnante obrigada, ao proceder ao pagamento de tais montantes, à retenção do imposto devido, a titulo definitivo, nos termos preceituado nos art. 69°, nº 1 e 2, al. b) e art. 75°, nº 1, al. b), nº 2 e 3 do CIRC.

H. Decorre do exposto que, ao ter decidido com base em entendimento contrário ao sustentado nas presentes alegações, no que respeita à tributação dos rendimentos em causa, a sentença recorrida violou os preceitos legais invocados nas mesmas, razão pela qual deverá ser revogada, com as legais consequências.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.

POREM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA

A Recorrida, apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

A. Estando em causa recurso sobre a matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 640/1 do Código de Processo Civil ("CPC"), aplicável ex vi artigos 2 alínea e) e 281.º, ambos, do CPPT, impende sobre a Fazenda Pública um ónus rigoroso da impugnação da matéria de facto.

B. Da análise das Alegações de Recurso apresentadas, conclui-se que foi incumprido o ónus de impugnação nos termos previstos no artigo 640.!! do CPC, dado que é invocada, de forma genérica e sem qualquer concretização, "uma incorrecta valoração da factualidade assente" ( vide, Conclusão A das Alegações de Recurso).

C. Não é questionado qualquer elemento de prova produzido no processo, nem é apresentado qualquer outro meio probatório, por referência à alegada errónea valoração da factualidade assente, que permita extrair tal conclusão.

Sem conceder,

D. A Recorrida foi registada em Portugal, em 24/01/1997, sob forma de sucursal / estabelecimento estável da sociedade de direito holandês V. &: S. H. B.V. (Sede), de forma executar o contrato de construção da monobóia e do "pipeline" do P. L..

E. O pagamento dos custos imputados, realizados pela ora Recorrida à Sede/"casa-mãe", referentes à utilização temporária de equipamento, não poderia ter sido efetuada qualquer retenção na fonte.

F. A tributação é efetuada como se o estabelecimento estável fosse uma "empresa distinta e separada", porém, essa ficção apenas ocorre para efeitos de determinação do seu lucro tributável.

Isto porque,

G. Como se concluiu, com clareza, na sentença recorrida "(...) como tem sido considerado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, «a sucursal [uma das "formas" de estabelecimento estável] não passa de um estabelecimento desprovido de personalidade jurídica que pertence a uma pessoa coletiva e que efetua a atividade desta, sendo as operações que realiza diretamente imputáveis à empresa-mãe" (de resto, tal entendimento, é pacífico na nossa Jurisprudência - vide, Acórdãos do TCA - Sul, proferidos no âmbito dos Proc. n.º 02161/07 e Proc. n.º 02298/08).

Ou seja,

H. No caso ora vertente, estamos perante a mesma pessoa jurídica, porquanto a Sucursal e a Sede são uma única entidade jurídica, pelo que geram-se, tão-somente, meros fluxos financeiros entre ambas.

Assim,

I. Não poderão, naturalmente, incidir retenções na fonte, conforme de resto, é pacífico na nossa Jurisprudência (vide, entre outros, os Acórdãos do TCA-Sul proferidos no âmbito dos Proc. n."' 02298/08 e 02161/07).

J. Em suma, incidir retenções na fonte sobre as operações em crise implicaria concluir - de modo ilegal - que existir dois sujeitos passivos do imposto.

Termos em que deverá a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser mantida com as legais consequências.

COM O QUE SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA


O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso jurisdicional.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: se a sentença que julgou procedente a impugnação padece de erro de julgamento de facto e de direito.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A. Em 10 de Dezembro de 1996, a P. P. – P., S. A., celebrou com a V. & S. H. B. V., com sede na Holanda e a SMM, S. M. M., S. A., acordo para a execução, no que respeita à Engenharia, Aprovisionamento, Construção e Gestão do Colector Terminal de Oleoduto (“Pipeline End Manifold – PLEM”) do Sistema de Pé de Apoio de Amarração de Catenário (“Catenary Anchor Leg Mooring – CALM) do P., bem como dos oleodutos (cf. documento junto com a p. i., a fls. 4 e 5, com tradução a fls. 242 e 243, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B. Ficou acordado que “o contratante” está na posse do know-how, experiência, capacidade e disponibilidade necessários e tem pessoal qualificado e experiente, tendo instalações, meios e equipamentos suficientes para levar a cabo este trabalho e que está na disposição de o efectuar nas condições estipuladas (cf. documento junto com a p. i., a fls. 21 e segs., com tradução a fls. 242 e 243, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

C. A Impugnante foi constituída em 24 de Janeiro de 1997 como representação permanente da V. & S. H., B. V., com sede na Holanda, tendo por objecto a projecção, contratação e execução de oleodutos, linhas de cabo, estações de bombagem, sondagens, tufos de tratamento de água, estações de tratamento de águas, construção e execução de quaisquer trabalhos hidráulicos relacionados, bem como a participação no capital de outras empresas e a gestão e financiamento de outras empresas, de qualquer tipo, assunção e concessão de empréstimos ou garantias, para débitos de terceiros ou não, bem como quaisquer outras actividades relacionadas com as anteriormente referidas ou necessárias à sua prossecução (cf. documento junto com a p. i., a fls. 21 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D. Para a execução do contrato referido nas letras A e B, a V. & S. H., B. V., com sede na Holanda, colocou à disposição da Impugnante, entre o mais, equipamento específico de que era proprietária e pelo qual esta lhe pagaria uma renda a título de aluguer (acordo das partes – cf. fls. 123 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e alegação 4.ª da Fazenda Pública);

E. A V. & S. H., B. V., com sede na Holanda, emitiu à Impugnante, no ano de 1997, as facturas números 760…, 761…, 761…, 761…, 761…, 761…, 762…., 762…., 762…, juntas a fls. 28, 31, 34, 38, 41, 44, 48, 49, 50, referentes, entre o mais, a “equipamento alugado” (cf. documento junto com a p. i., a fls. 25 e segs.; cf., ainda, tradução a fls. 242 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F. Sobre os pagamentos das facturas referidas na letra anterior, a Impugnante efectuou retenção na fonte a título definitivo, no montante total de € 121.264,44, referente aos períodos de Maio a Dezembro de 1997, tendo procedido à respectiva entrega nos cofres do Estado (acordo das partes - cf. documento junto com a p. i., a fls. 25 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fls. 123 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

G. Em 3 de Novembro de 1998, deu entrada na Repartição de Finanças do 10.º Bairro Fiscal de Lisboa a reclamação graciosa constante de fls. 72 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

H. Por despacho de 2 de Abril de 2002, foi sancionado o projecto de decisão da Direcção de Finanças de Lisboa, no sentido da ilegalidade da pretensão da reclamante (cf. fls. 123 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

I. De tal despacho foi a Impugnante notificada em 17 de Abril de 2002 (cf. fl. 126 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

J. Em 30 de Abril de 2002, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia através do requerimento constante de fls. 128 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

K. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 28 de Junho de 2002 do Director de Finanças, que remete para informação e parecer no sentido da legalidade das retenções na fonte efectuadas e pela improcedência do pedido (cf. fls. 136 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

L. De tal despacho foi a Impugnante notificada em 12 de Julho de 2002 (cf. fl. 141 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

M. Em 16 de Setembro de 2002, deu entrada em juízo a p. i. da presente impugnação (cf. carimbo aposto na p. i., a fl. 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

N. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do ofício de 19 de Março de 1997 que consubstancia o documento junto com a p. i., a fls. 54 e segs.;

O. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da sentença de 26 de Agosto de 2012 proferida no processo de impugnação n.º 1156/07 – 437/03.52 que consubstancia o documento junto com as alegações da Impugnante, a fls. 168 e segs. (cf. SITAF).


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

Com interesse para a decisão a proferir nada mais se provou.


II.2 Do Direito

A ora Recorrente não se conforma com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial apresentada contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRC – retenção na fonte, do ano de 1997, à qual imputa erro de julgamento resultante da incorreta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e violação da lei [cf. conclusão A)].

Nas contra-alegações a invoca a Recorrida que a Recorrente não cumpriu com o ónus de impugnação da matéria de facto assente na sentença, nos termos previstos no artigo 640º do CPC, dado que é invocada, de forma genérica e sem qualquer concretização, "uma incorreta valoração da factualidade assente".

Com efeito, a Recorrente não indicou nas respetivas conclusões, nem nas alegações, os factos que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, e a decisão que, no seu entender pretende aditar, complementar ou substituir, limitando-se a apresentar razões de discordância com o decidido na sentença por entender que a factualidade nela assente não permitia concluir, como se concluiu, que sobre os montantes pagos pela sucursal à casa mãe não cabiam na norma de incidência e não estavam sujeitos a retenção na fonte.

Assim, e entendendo que a Recorrente nas alegações de recurso não pretendeu procedeu a uma verdadeira e própria impugnação da matéria de facto fixada na sentença, cabendo o alegado no erro julgamento, não tem razão a ora Recorrida, ao defender a rejeição do recurso nessa parte. Foi alegado sim, insiste-se, o erro de julgamento.

Aliás, é a própria Recorrente que na conclusão B) das alegações de recurso resume a questão a decidir a saber-se se: o estabelecimento estável situado em território português está ou não obrigado a proceder à retenção na fonte de IRC relativamente às importâncias pagas à sede holandesa.

Ora, conforme resulta dos factos provados, e não é facto controvertido nos autos, a Impugnante, ora Recorrida, é uma sucursal/representação permanente, em território nacional da sociedade de direito neerlandesa V. & S. H. B.V., constituída em Janeiro de 1997, erigida para permitir o cumprimento do contrato celebrado e identificado na alínea A) dos factos provados, relativo à construção da monobóia e pipeline no P. L.

A Impugnante, ora Recorrida tem, pois, sede ou direção efetiva fora do território nacional e uma sucursal em Portugal e, no caso, está em causa apenas se e qual a tributação incidente sobre os pagamentos feitos pelo estabelecimento estável à entidade não residente.

Sobre os pagamentos prestados pela sucursal a favor da sede, a ora Recorrida, procedeu à retenção na fonte de IRC, a título definitivo, sobre as quantias a que se referem as faturas emitidas pela sede identificadas com os nº 760…, 761…, 761…, 761…, 761…, 761…, 762…, 762… 762…, referidas na alínea E) dos factos provados.

Apesar de ter efetuado a retenção na fonte de IRC, a título definitivo, mas com ela não concordando, a Impugnante ora Recorrida, reclamou da mesma. E, notificada do despacho de indeferimento da reclamação apresentada, deduziu impugnação judicial.

A impugnação judicial foi julgada procedente. É desta sentença que vem interposto o presente recurso.

Para julgar procedente a impugnação diz a sentença recorrida no excerto relevante que se transcreve:

A questão sub judice tange com a sujeição a retenção na fonte dos pagamentos efectuados pela Impugnante, representação permanente (estabelecimento estável), à V. & S. H., B. V., sociedade mãe (não residente), a que se reportam as facturas referidas na letra E do probatório, pela disponibilização do equipamento necessário à execução do contrato referido nas letras A e B do probatório (e não com a questão de saber se tais pagamentos são dedutíveis como custos da representação permanente, para então serem considerados benefícios da sociedade mãe).
Vejamos.
Dispõe o artigo 4.º, n.ºs 2, 3, alínea c) 2 e 5 do CIRC, na redacção em vigor ao tempo dos factos: “(…) 2 - As pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos. 3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam: (…) c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado: (…) 2) Rendimentos derivados do uso ou da concessão do uso de equipamento agrícola, industrial, comercial ou científico. (…) 5 – Considera-se estabelecimento estável qualquer instalação fixa ou representação permanente através das quais seja exercida uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”.
Dispõe, por sua vez, o artigo 69.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do CIRC: “ 1 - A taxa do IRC é de 36,5%, excepto nos casos previstos nos números seguintes. 2 - Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%, excepto relativamente aos seguintes rendimentos: (…) b) Rendimentos derivados do uso ou da concessão do uso de equipamento agrícola, industrial, comercial ou científico, em que a taxa do IRC é de 15%”.
Dispõe, por último, o artigo 75.º, n.ºs 1, alínea b), 2 e 3 do CIRC: “1 - O IRC é objecto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português: (…) b) Rendimentos derivados do uso ou da concessão do uso de equipamento agrícola, industrial, comercial ou científico; (…) 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos mencionados no n.º 3 do artigo 4.º, exceptuados os referidos no n.º 4 do mesmo artigo. 3 - As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, excepto quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis, caso em que a retenção na fonte tem carácter definitivo”.
Ora, como tem sido considerado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, “a sucursal não passa de um estabelecimento desprovido de personalidade jurídica que pertence a uma pessoa colectiva e que efectua a actividade desta, sendo as operações que realiza directamente imputáveis à empresa-mãe ou dominante, embora possa ter autonomia na sua gestão, (contratar, facturar etc.)” (cf. acórdão do TCA Sul de 29 de Janeiro de 2008, proferido no processo n.º 02161/07, disponível em www.dgsi.pt).
No mesmo sentido, lê-se no sumário do acórdão do STA de 7 de Maio de 2008, proferido no processo n.º 0200/08, disponível em www.dgsi.pt: “IV - A atribuição de personalidade tributária a entidades sem personalidade jurídica que não tenham sede ou direcção efectiva em território português tem em vista apenas determinar a «extensão da obrigação de imposto», na terminologia do art.º 4.º, do CIRC, sujeitando as sociedades estrangeiras a tributação nacional apenas quanto aos rendimentos obtidos em território nacional. V - Mas, a atribuição de personalidade tributária a um «estabelecimento estável» sem personalidade jurídica não tem quaisquer consequências a nível do património da sociedade-mãe, pois todos os bens que forem afectados à actividade desse estabelecimento estável, continuam a pertencer à sociedade que o criou”.
Pelo que, os pagamentos efectuados pela Impugnante, representação permanente (estabelecimento estável), à V. & S. H., B. V., sociedade mãe (não residente), a que se reportam as facturas referidas na letra E do probatório, pela disponibilização do equipamento necessário à execução do contrato referido nas letras A e B do probatório, na base de uma relação interna entre a sede estrangeira da Impugnante e o seu estabelecimento estável português, não estão sujeitos a retenção na fonte, devendo antes ser considerados simples fluxos financeiros.
Por outro lado, tal como se asseverou na fundamentação da sentença proferida no processo de impugnação n.º 1156/07 – 437/03.52 e referida na letra O do probatório, para a qual se remete por se concordar inteiramente com a mesma, devendo, no entanto, ser lida com as necessárias adaptações, a retenção em causa reporta-se ao ano de 1997, não podendo fazer-se qualquer interpretação do quadro normativo aplicável às relações internas entre a sede estrangeira e o estabelecimento estável português com base em normas de determinação da matéria colectável introduzidas posteriormente ao momento da ocorrência dos factos tributários.
Neste sentido, lê-se na fundamentação do acórdão do TCA Sul de 21 de Abril de 2009, proferido no processo n.º 02468/08, disponível em www.dgsi.pt, citado pelo Magistrado do Ministério Público no seu parecer: “No caso, na redacção originária do CIRC e nas alterações introduzidas pelos diplomas posteriores – Dec-Lei n.º 37/95, de 14 de Fevereiro e Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro – a situação em causa não se integrava na norma de incidência do art.º 4.º, n.º3, alínea c) do CIRC, porque tais pagamentos dos afretamentos dos navios à referida C...., não se integravam em nenhum dos cinco números de tal alínea c), ainda que o pagamento tivesse sido imputado a estabelecimento estável situado em Portugal, como no caso não se coloca em causa que aconteceu, pelo que tais pagamentos então, não se encontravam sujeitos a qualquer tributação em sede de IRC, em Portugal”.
Assim, os pagamentos efectuados pela Impugnante, representação permanente (estabelecimento estável), à V. & S. H., B. V., sociedade mãe (não residente), a que se reportam as facturas referidas na letra E do probatório, pela disponibilização do equipamento necessário à execução do contrato referido nas letras A e B do probatório, não estão sujeitos a retenção na fonte (nem são dedutíveis como custos na esfera do estabelecimento estável português, nem ainda são tributáveis na esfera da sede estrangeira).
Não se verificam, por isso, os pressupostos fáctico-jurídicos necessários à aplicação do disposto do artigo 4.º, n.ºs 2, 3, alínea c) 2 do CIRC, como o entendeu a Administração Fiscal, padecendo o acto de liquidação de IRC impugnado, referente ao ano de 1997, de vício de violação de lei.
(…).

A Recorrente discorda do decidido defendendo: a situação em apreço integra[-se] na norma de incidência do art. 4°, nº 3, al. c), número 2 do CIRC, com a redação à data - cf. conclusão C) das alegações de recurso.

O artigo 4º CIRC, com a epígrafe Extensão da Obrigação de Imposto, diferencia os sujeitos passivos de acordo com o país em que se situa a sede ou direção efetiva, se em Portugal, se fora do território nacional e, relativamente a estes últimos, a tributação do rendimento consoante este seja ou não imputável a estabelecimento estável situado em Portugal.

Nos termos do número 2 da alínea c) do número 3 do artigo 4º CIRC, citado pela Recorrente, para efeitos de tributação em IRC são considerados rendimentos obtidos em Portugal quando o devedor tenha residência sede ou direção efetiva em território nacional ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado.

Como referido na sentença recorrida, é entendimento jurisprudencial que as sucursais não gozam de personalidade jurídica e como tal não constituem sujeitos autónomos de direitos e obrigações, pois são meros órgãos de administração local dentro da estrutura da sociedade. Todavia, a sucursal de uma sociedade com sede em um país estrangeiro, dispõe de personalidade tributária e capacidade judiciária tributária, quanto aos rendimentos gerados em Portugal [cf. além da jurisprudência já citada na sentença recorrida, também o Ac. TCAS de 2007.09.25, Proc nº 00580/05, todos disponível em www.dgsi.pt.].

O estabelecimento estável é assim entendido como um mero prolongamento da sede localizada noutro Estado, Estado da residência, que não dispõe, personalidade jurídica, embora para efeitos fiscais seja considerada como um estabelecimento estável com personalidade tributária.

Atente-se a que a liquidação impugnada é relativa ao exercício de 1997, e como, aliás, referido na sentença, a legislação aplicável, em termos de tributação em sede de IRC tem a redação anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, relativa à disciplina das “relações especiais” em matéria de preços de transferência, nomeadamente, o artigo 57.º do CIRC.

Sobre as relações que se estabelecem entre o estabelecimento estável e a sede, escreve Alberto Xavier:
(…)
Mais complexo é o problema no que se refere às relações internas entre o estabelecimento estável e a sede, caso em que a “unidade da pessoa coletiva” rejeita a existência de verdadeiras relações jurídicas, pois não pode haver relações consigo próprio. (1)


As relações internas entre a sede e a sucursal surgem de necessidades de economia e disciplina interna das organizações, podendo traduzir-se em movimentos de dinheiro, de mercadorias ou de pessoas de um para outro estabelecimento de uma pessoa colectiva. Todavia, tais relações não revestem a natureza de relações jurídicas, precisamente porque este conceito pressupõe logicamente a existência de dois sujeitos de direito e, no caso, existe apenas um. (2)

Assim, feito este enquadramento doutrinal e considerando a legislação então em vigor, no que respeita às relações entre a sede estrangeira e o estabelecimento estável localizado em Portugal, concluímos que a sentença recorrida não merece a censura que lhe foi dirigida.

Com efeito, a sentença recorrida delimitou corretamente a questão a decidir e a legislação aplicável, encontrando-se bem fundamentada, pouco mais havendo, aliás, a acrescentar ao decidido.

Com efeito, os pagamentos efetuados pela sucursal/estabelecimento estável em Portugal, à sede/ entidade não residente, pela disponibilização do equipamento necessário à execução do contrato não estavam sujeitos a retenção na fonte, não existindo, pois, uma nova incidência na fonte por ocasião de uma eventual transferência efetiva dos lucros para a sede. (3)

Em face do exposto, concluímos que é de confirmar a sentença recorrida.

Não tem, pois, razão a Recorrente, improcedendo todas as conclusões de recurso.


Sumário/Conclusões:

I. As sucursais não gozam de personalidade jurídica e como tal não constituem sujeitos autónomos de direitos e obrigações, pois são meros órgãos de administração local dentro da estrutura da sociedade. Todavia, a sucursal de uma sociedade com sede em um país estrangeiro, dispõe de personalidade tributária e capacidade judiciária tributária, quanto aos rendimentos gerados em Portugal
II. Considerando a legislação então em vigor, os pagamentos efetuados pela sucursal à sede (entidade não residente), pela disponibilização do equipamento necessário à execução de obra em território nacional não estavam sujeitos a retenção na fonte, em sede de IRC.


III - Decisão

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Sem custas, por não serem devidas.

Lisboa, 13 de janeiro de 2022

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Cristina Flora










1) Aut Cit., DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL, 2ª Ed. Atualizada, Almedina 2011, pág. 328, 329
2) Id., pág. 325
3) Id., pág. 561