Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 05418/12 |
Secção: | CT- 2º JUÍZO |
Data do Acordão: | 10/16/2014 |
Relator: | LURDES TOSCANO |
Descritores: | GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO GARANTIA DE QUE GOZAM OS CRÉDITOS DE I.M.I. PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL |
Sumário: | I- Se existiam dúvidas sobre as dívidas exequendas respeitarem ou não ao imóvel penhorado nos autos de execução fiscal a que se referem os presentes autos de Verificação e Graduação de Créditos, e podendo essa dúvida influenciar a decisão, incumbia ao Tribunal a quo, no âmbito dos poderes que lhe são conferidos nos termos do art. 13º, nº 1, do CPPT, realizar ou ordenar todas as diligências úteis ao apuramento da verdade, não bastando, deste modo, a mera constatação de que se desconhecem os factos relevantes para a decisão. II - Encontra-se documentado nos autos que o crédito exequendo (que nos termos do artº.240º nº.2 do Código de Procedimento e Processo Tributário não carece de ser reclamado) de I.M.I. dos anos de 2006, 2007 e 2008 respeita ao imóvel penhorado, o que deveria ser levado ao probatório. III - Ora, tais créditos de I.M.I., porque incidentes sobre o imóvel penhorado no processo de execução, gozam de privilégio imobiliário especial incidente sobre o bem imóvel cujos rendimentos a eles estejam sujeitos, desde que inscritos para cobrança no ano da penhora ou nos dois anteriores, (cfr.artºs.735º, nº.3, e 744º, nº.1, do C.Civil, “ex vi” do artº.122º, nº.1, do C.I.M.I.). IV - O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul l - RELATÓRIO O Representante da Fazenda Pública deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmo. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.119 a 125 do presente processo, através da qual reconheceu e graduou créditos em incidente que corre por apenso ao processo de execução fiscal nº …………… e apensos, que a Fazenda Pública instaurou contra Palmira ……….………, para cobrança coerciva de dívidas referentes a I.M.I., que corre termos no Serviço de Finanças de Sintra-4.Queluz.
I) Nos termos do art. 240° n. 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT): O crédito exequendo não carece de ser reclamado. II) Por outro lado, dispõe o art. 13° n.º 1 do CPPT, corporizando o principio do inquisitório que enferma todo o processo tributário, que: "Aos juizes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer." III) E, aliás o mesmo regime decorre do regime previsto no art. 809º e 265° n.º 2 do CPC, também aplicáveis ex vi artigos 2° alínea e) e 246° do CPPT.
IV) Ou seja, no caso em apreço, desconhecendo-se se as dívidas exequendas respeitam ou não ao imóvel penhorado nos autos de execução fiscal a que se referem os autos de Verificação e graduação de créditos, a decisão de que os créditos exequendos de IMI não gozam de privilégio creditório imobiliário nos termos disposições conjugadas do art. 122° do CIMI e arts. 735° e 744° n.º 1do CC, enferma de erro de facto e de direito. Isto porque, V) Caso, fosse entendido como necessário que nos autos fosse melhor explicitado se os créditos exequendos referentes a IMI dizem respeito ao imóvel penhorado, incumbia ao Meritíssimo Juiz, no âmbito dos poderes que lhe são conferidos nos termos do art. 13° n. 1 do CPPT, realizar ou ordenar todas as diligências úteis ao apuramento da verdade, não bastando, deste modo, a mera constatação de que se desconhecem os factos relevantes para a decisão. VI) E tanto mais assim deveria ser, porquanto terá de se atender ao facto de os créditos exequendos não carecerem de ser reclamados. VII) Contudo, uma vez que o Meritíssimo Juiz não promoveu a realização de qualquer diligência para apurar a verdade relativamente aqueles factos que lhe era lícito conhecer, nomeadamente solicitar essa informação ao órgão da execução fiscal onde corre termos o respectivo processo de execução fiscal, verificou-se um défice instrutório, o qual influi na decisão da causa. VIII) Sendo que, conforme decorre dos documentos já juntos aos autos, os créditos exequendos respeitam efectivamente ao Imóvel penhorado, beneficiando de privilégio creditório os créditos de Imposto Municipal sobre Imóveis -IMI inscritos para cobrança no ano comente na data da penhora e nos dois anos anteriores. IX) Isto porque consta a identificação do imóvel a que o IMI em causa nos autos respeita na certidão constante a fls. 10 dos presentes autos, onde se refere que respeita ao imóvel ………-U-……..-A, isto é ao artigo Urbano Fracção A inscrito na matriz predial sob o n.º ……….. de Queluz, sendo que ainda que o código 111107 constante desta certidão pudesse suscitar a dúvida de respeitar à freguesia de Queluz, constata-se que: XVIII) Deste modo, beneficiam de privilégio creditório os créditos exequendos de IMI, respeitantes ao imóvel penhorado, inscritos para cobrança nos anos de 2007, 2008 e 2009. Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.
O Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr. fls. 164 a 167 dos autos). II – FUNDAMENTAÇÃO II.1. De Facto A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas do probatório.
II.2. De Direito
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida relativamente aos créditos exequendos de I.M.I., considerou que “não se encontrando documentado nos autos se os créditos exequendos referentes IMI dizem respeito ao imóvel penhorado, não gozam de privilégio creditório imobiliário, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 122° do CIMI e arts. 735° e 744°,n°1 do CC, mas apenas da garantia conferida pela penhora efectuada na execução fiscal”. Nestes termos, procedeu à graduação dos créditos da seguinte forma: 1° - Crédito reclamado pela Fazenda Pública referente a IMI do ano de 2008 e respectivos juros. 2° - Créditos reclamados pela Caixa …………., S.A. e respectivos juros até três anos por força da garantia emergente das hipotecas. 3° - Créditos exequendos. Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.685º-A, do C.P.C e artº.282º, do C.P.P.T). Neste recurso as questões que se colocam são as seguintes: - saber se os créditos exequendos de IMI respeitam ou não ao imóvel vendido na execução fiscal, - e se essa informação consta dos autos e apenso, ou se se verificou um défice instrutório, o qual influiu na decisão da causa.
O recorrente discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e como supra se alude, que caso, fosse entendido como necessário que nos autos fosse melhor explicitado se os créditos exequendos referentes a IMI dizem respeito ao imóvel penhorado, incumbia ao Meritíssimo Juiz, no âmbito dos poderes que lhe são conferidos nos termos do art. 13° n. 1 do CPPT, realizar ou ordenar todas as diligências úteis ao apuramento da verdade, não bastando, deste modo, a mera constatação de que se desconhecem os factos relevantes para a decisão. Assiste razão ao recorrente nesta questão. O art. 13° nº 1 do CPPT, corporizando o principio do inquisitório que enferma todo o processo tributário, dispõe que: "Aos juizes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer." E, aliás o mesmo regime decorre do regime previsto no art. 809º e 265° n.º 2 do CPC, também aplicáveis ex vi artigos 2° alínea e) e 246° do CPPT. No mesmo sentido veja-se o douto Acórdão do STA, proferido em 29/06/2011, Proc. nº 0243/11, disponível em www.dgsi.pt onde se pode ler no seu Sumário: “I - Quando as dívidas exequendas dizem respeito a IMI e a certidão de dívidas emitida pelo órgão da execução fiscal para efeitos de reclamação de créditos não é clara quanto à identificação dos imóveis sobre que incidiu esse imposto, pode e deve o julgador, no exercício do seu poder geral de controlo e dos poderes de direcção do processo, previstos nos artigos 809.° e 265.°, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 2.°, alínea e) e 246.° do CPPT, promover as diligências necessárias para clarificar a situação, de modo a proceder à graduação dos créditos exequendos no lugar que legalmente lhes compete.”
No caso concreto, se existiam dúvidas sobre as dívidas exequendas respeitarem ou não ao imóvel penhorado nos autos de execução fiscal a que se referem os presentes autos de Verificação e Graduação de Créditos, e podendo essa dúvida influenciar a decisão, incumbia ao Tribunal a quo, no âmbito dos poderes que lhe são conferidos nos termos do art. 13º, nº 1, do CPPT, realizar ou ordenar todas as diligências úteis ao apuramento da verdade, não bastando, deste modo, a mera constatação de que se desconhecem os factos relevantes para a decisão. E tanto mais assim deveria ser, porquanto terá de se atender ao facto de os créditos exequendos não carecerem de ser reclamados. Uma vez que o Tribunal a quo não promoveu a realização de qualquer diligência para apurar a verdade relativamente aqueles factos que lhe era lícito conhecer, nomeadamente solicitar essa informação ao órgão da execução fiscal onde corre termos o respectivo processo de execução fiscal, será que nos presentes autos se verifica um défice instrutório? Julgamos que não. Encontra-se documentado nos autos que o crédito exequendo (que nos termos do artº.240º nº.2 do Código de Procedimento e Processo Tributário não carece de ser reclamado) de I.M.I. dos anos de 2006, 2007 e 2008 respeita ao imóvel penhorado, o que deveria ser levado ao probatório. Que consta deste processo de verificação de créditos, a fls.10, certidão de dívidas onde consta a identificação do imóvel a que o IMI em causa nos autos respeita na certidão, onde se refere que respeita ao imóvel ………..-U-……..-A, isto é ao artigo Urbano Fracção A inscrito na matriz predial sob o n.º ……. de ………, sendo que ainda que o código ………. constante desta certidão pudesse suscitar a dúvida de respeitar à freguesia de Queluz, conforme alínea E) do probatório, ora aditada. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº 655º, do C.P.C.; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.). Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr. artºs 653º, nº 2, 655º e 659º do C.P.C) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.T.). O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72). Voltando ao caso concreto, remete-se o recorrente para a factualidade aditada ao probatório por este Tribunal e supra exarada (cfr. alínea E) da matéria de facto), factualidade essa que concretiza, se bem percebemos, o que defende o apelante quanto ao que se deve extrair da produção de prova documental no âmbito dos presentes autos. Nestes termos, deve este Tribunal concluir pela existência de erro de julgamento de facto de que padece a decisão recorrida no que se refere aos créditos exequendos de I.M.I. dos anos de 2006, 2007 e 2008, inscritos para cobrança, respectivamente, em 2008 e 2009 (conforme alínea E) do probatório), assim sendo forçoso julgar procedente este fundamento do recurso. Defende, por último e em síntese, o apelante que tendo a penhora sido efectuada em 2009, beneficiam de privilégio creditório os créditos de I.M.I. reclamados e exequendos respeitantes ao imóvel penhorado, inscritos para cobrança nos anos de 2007, 2008 e 2009. Que deveriam, por conseguinte, os créditos de I.M.I. dos anos de 2006 e 2007 inscritos para cobrança em 2008, respectivamente (processos de execução fiscal nº. ……………….., ………………….., ……………..), bem como o crédito de I.M.I. do ano de 2008 inscrito para cobrança em 2009 (processo de execução fiscal nº ……………….), bem como os respectivos juros de mora, conforme certidão de dívidas a fls, 10 dos autos e PEF apenso, ter sido graduados de acordo com o privilégio creditório de que beneficiam, juntamente com o crédito reclamado de I.M.I. do ano de 2008, com base em tal alegação pretendendo, supomos, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida. A sentença objecto do presente recurso, na sua fundamentação, pondera que os créditos exequendos de I.M.I. porque não se encontram documentados nos autos que os mesmos digam respeito ao imóvel penhorado, não gozam de privilégio creditório imobiliário, nos termos das disposições conjugadas do artº.122, do C.I.M.I., e artºs.735º e 744º, nº.1, do C.Civil, mas apenas da garantia conferida pela penhora efectuada (registada em 08/10/2009 - cfr. alínea D) do probatório). Com base em tal entendimento, no dispositivo da sentença exarada na 1ª. instância, tais créditos encontram-se graduados em 3º. lugar, tudo conforme mencionado supra para onde se remete. Nestes termos, os privilégios imobiliários especiais, relativos a I.M.I., de que se valem os mencionados créditos exequendos fazem com que os mesmos prefiram face ao crédito de que é titular o reclamante "Caixa Geral de Depósitos, S.A.", o qual se encontra garantido por hipoteca, assim devendo ser pagos com preferência em relação a este (cfr.artº.751º, do C.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5898/12; Salvador da Costa, O Concurso de Credores, Livraria Almedina, 1998, págs.182 e 189).
Concluindo, o recurso merece provimento, não podendo manter-se a decisão recorrida, a qual será revogada e substituída pelo presente acórdão que organizará a graduação de créditos nos termos supra examinados, ao que se procederá na sua parte dispositiva.
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