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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04880/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:08/12/2011
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CITAÇÃO EM EXECUÇÃO FISCAL.
FORMALIDADES DA CITAÇÃO PROVISÓRIA REALIZADA NOS TERMOS DO ARTº.191, DO C.P.P.T.
CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO. ARTº.715, DO C. P. CIVIL.
NOÇÃO E ÂMBITO DA PENHORA.
BENS RELATIVAMENTE IMPENHORÁVEIS. ARTº.823, Nº.1, DO C.P.CIVIL.
BENS PERTENCENTES A PESSOAS COLECTIVAS DE UTILIDADE PÚBLICA.
Sumário:1. A citação é o acto pelo qual se chama a juízo o réu numa dada acção, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender (cfr.artº.228, do C.P.Civil; artºs.35, nº.2, e 189, do C.P.P.Tributário). Actualmente, a regulamentação nuclear da matéria relativa à citação, e respectivas formalidades a respeitar, no âmbito dos processos de execução fiscal, acha-se vertida nos artºs.188 a 194, do C.P.P.T.
2. No artº.191, nºs.1 e 2, do C.P.P.T., prevê o legislador a forma de citação através de postal, registado ou não, consoante o valor da execução em causa for ou não superior a dez U.C., mais se fixando em 250 U.C. o limite para além do qual a citação tem de ser pessoal, tal como nos casos de efectivação de responsabilidade subsidiária (cfr.artº.191, nº.3, do C.P.P.T.).
3. De acordo com o artº.715, do C. P. Civil, pode-se aplicar no processo vertente a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução que deu ao litígio, tudo ao abrigo do princípio da economia processual, o qual, no caso concreto, se sobrepõe à eventual preocupação de supressão de um grau de jurisdição.
4. Aplicando-se a regra da substituição, deve o relator do processo, antes de ser proferida decisão, a fim de evitar decisões-surpresa, mandar notificar cada uma das partes para, em dez dias, se pronunciarem sobre as questões objecto dessa decisão (cfr.artºs.3, nº.3, e 715, nº.3, ambos do C.P.Civil).
5. A penhora consubstancia-se na apreensão jurídica de bens do devedor ou de terceiro, em termos de desapossamento em relação àqueles e de empossamento quanto ao Tribunal, tudo com vista à realização dos fins da acção executiva. O património do devedor susceptível de penhora constitui a garantia geral de cumprimento das suas obrigações. A regra é a da penhorabilidade de todos os bens do devedor, sem discriminação entre eles, desde que sejam susceptíveis de produzir um qualquer valor, neles se incluindo os simples créditos, seja qual for a sua natureza (cfr.artº.601, do C.Civil; artº.821, do C.P.Civil). O âmbito da penhora é, obviamente, delimitado pelo fim do processo executivo: a satisfação do crédito exequendo. Daí que seja dominado por um princípio de proporcionalidade (cfr.artº.821, nº.3, do C.P.Civil), expressamente consagrado no artº.217, do C. P. P. Tributário, no que ao processo tributário diz respeito.
6. Na penhora de bens em execução fiscal devem aplicar-se as restrições e condicionamentos previstos no processo civil (“ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), nomeadamente quanto a matérias que se prendem com o prévio exame do requisito da idoneidade dos bens a apreender, ou seja, da sua penhorabilidade (cfr.artº.822 a 824-A, do C.P.Civil ).
7. O artº.823, nº.1, do C. P. Civil, consagra o regime de impenhorabilidade relativa ou subsidiária de bens, desde logo, ressalvando a hipótese de execução para pagamento de dívida com garantia real. Dizem-se relativamente impenhoráveis os bens que apenas podem ser penhorados em determinadas circunstâncias ou com vista ao pagamento de certas dívidas.
8. O reclamante/recorrido, “Sport Grupo Sacavenense”, de acordo com a matéria de facto provada (cfr.nº.5 da matéria de facto provada) é uma associação (cfr.artº.157, do C.Civil) que goza do estatuto de utilidade pública, o qual lhe foi atribuído ao abrigo do regime previsto no dec.lei 460/77, de 7/11 (cfr.actualmente o dec.lei 391/2007, de 13/12). Encontramo-nos, portanto, perante uma pessoa colectiva privada à qual foi atribuído o estatuto de utilidade pública e que a doutrina denomina como pessoa colectiva de mera utilidade pública.
9. Os bens de pessoas colectivas de utilidade pública somente estão isentos de penhora ao abrigo do artº.823, nº.1, do C. P. Civil, quando se demonstre encontrarem-se especial e efectivamente afectados à realização de fins de utilidade pública, cumprindo ao executado o ónus de provar essa especial afectação, conforme resulta do artº.342, nº.2, do C. Civil.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mma. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.240 a 247 do presente processo, através da qual julgou procedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal deduzida por “A...”, executado no âmbito do processo de execução fiscal nº.3492-2006/107082.7, o qual corre seus termos no 4º. Serviço de Finanças de Loures, em cujo dispositivo decide:
“…Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julgo procedente a reclamação deduzida por A..., anulando o acto reclamado quanto à penhora das rendas…”.
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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.261 a 266 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Conclui-se, pois, que no caso concreto a alegada falta de prova da citação efectuada, nos termos do artº.191, do C.P.P.T., não se verifica, uma vez que a prova junta pela R.F.Pública é manifestamente suficiente para conferir ao douto Tribunal a certeza de que a mesma foi efectivamente realizada;
2-Subsidiariamente e no seguimento da citação efectuada, nos termos do artº.191, do C.P.P.T., e face ao seu carácter provisório, deverá ser a ora reclamante considerada devidamente citada nos termos do artº.193, do mesmo diploma, uma vez que não se verifica a falta de citação susceptível de prejudicar a defesa da mesma;
3-Assim, a douta sentença ora recorrida, a manter-se na ordem jurídica, é convencimento da Fazenda Pública que incorreu em erro de julgamento sobre a prova documental apresentada, consubstanciando esta uma errada interpretação e aplicação das normas legais já citadas;
4-Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando­-se, em consequência, a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da total procedência do presente recurso e acompanhando, em síntese, a argumentação da recorrente Fazenda Pública (cfr.fls.279 e 280 dos autos).
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.707, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.244 e 245 dos autos):
1-Em 13/12/2006 foi instaurada à reclamante no 4º. Serviço de Finanças de Loures, o processo de execução fiscal nº.3492-2006/107082.7 para a cobrança coerciva do montante de € 967,54 e acrescido, respeitante a Coimas de 2006;
2-No âmbito do processo de execução fiscal foram efectuadas as seguintes penhoras:
a) Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 3125 da freguesia de Sacavém, concelho de Loures, com o VPT de € 2.595.600,00;
b) Rendas recebidas pela reclamante por força de um contrato de arrendamento que mantém com a sociedade “B..., Serviços, Lda.”;
3-Por despacho de 18/12/2009 da Chefe de Finanças, por Delegação, a Adjunta, foi levantada a penhora do imóvel referido no número anterior.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte “…Que a reclamante tivesse sido citada antes das penhoras referidas no nº.2 dos factos provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte “…Os factos provados assentam na análise crítica dos elementos constantes dos autos, nomeadamente dos títulos executivos, das informações oficiais e dos documentos juntos…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso e, por outro lado, que a recorrente impugna a decisão da matéria de facto constante da sentença objecto do presente recurso num ponto específico, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), e 2, do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
4-No âmbito do processo de execução fiscal identificado no nº.1 supra, figura como executado e ora recorrido, o “A...”, com o n.i.p.c. ..., mais tendo domicílio fiscal no Largo 5 de Outubro, 2685-000 Sacavém (cfr.documentos juntos a fls.15 e 29 dos presentes autos; factualidade admitida pelo reclamante/recorrido na p.i.);
5-O executado e ora recorrido goza do estatuto de utilidade pública (cfr.despacho do Primeiro-Ministro, datado de 7/8/1986, efectuado ao abrigo dos artºs.2 e 3, do dec.lei 460/77, de 7/11, e publicado na II série, do D.R. 193, de 23/8/1986, a pág.7872);
6-Em 21/12/2006, foi expedido aviso-citação do executado para o seu domicílio fiscal, através de postal registado nos CTT sob o nº. RP311868648PT, o qual não foi devolvido (cfr.informação exarada a fls.23 dos presentes autos; documentos juntos a fls.216, 222 e 223 dos presentes autos);
7-Em 7/10/2009, foi concretizada a penhora de rendas identificada no nº.2, al.b), supra, tendo o 4º. Serviço de Finanças de Loures procedido à notificação da mesma penhora e citação pessoal do executado, no pretérito dia 21/10/2009 (cfr.documentos juntos a fls.12 e 16 dos presentes autos; informação exarada a fls.23 dos presentes autos; factualidade admitida pela reclamante/recorrida na p.i.).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos e informações oficiais referidos, tal como na análise dos mecanismos de admissão de factualidade por parte do reclamante/recorrido, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação jurídico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr.artº.361, do C.Civil).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida considerou, em síntese, julgar procedente a reclamação deduzida por “A...”, anulando o acto reclamado quanto à penhora das rendas, dado não existir prova nos autos de que a Fazenda Pública tenha procedido à citação do reclamante/executado mediante postal nos termos do artº.191, do C. P. P. Tributário.
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O recorrente discorda do decidido sustentando desde logo, como supra se alude, que a alegada falta de prova da citação efectuada, nos termos do artº.191, do C.P.P.T., não se verifica, uma vez que a prova junta pela R.F.P. é manifestamente suficiente para conferir ao douto Tribunal a certeza de que a mesma foi efectivamente realizada (cfr.conclusões 1 e 2 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.668, do C. P. Civil.
Cremos que o caso “sub judice” se integra na primeira hipótese já que o que a recorrente pretende é que a sentença dá como não provados factos que o devem ser (erro de julgamento da matéria de facto).
Saber se os factos que o recorrente considera relevantes e a provar mediante a produção de prova documental, por serem relevantes para o enquadramento jurídico das questões a apreciar e decidir, é matéria que se coloca claramente no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal. Ou seja, o facto de na sentença não ter sido considerada a factualidade - provada e não provada - referida pelo recorrente poderá constituir erro de julgamento, mas já não nulidade da sentença.
Passemos, então, ao exame do dito erro de julgamento da matéria de facto, o qual o recorrente reconduz à análise dos documentos juntos aos autos pela Fazenda Pública durante a instrução do processo em 1ª. Instância.
Antes de avançarmos na apreciação, haveremos de ter presente que a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, consagrada no artº.712, do C. P. Civil, tem de conviver com o princípio da livre apreciação da prova, logo na 1ª. Instância (artº.655, nº.1 do C.P.Civil, aplicável ao processo tributário “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), Segundo o princípio da livre apreciação da prova o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.Prof.Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
No caso concreto, este Tribunal já supra se pronunciou, tendo aditado à factualidade provada os nºs.4 a 6 exarados anteriormente, sendo que o nº.6 da factualidade aditada se fundamenta precisamente nos documentos juntos pela Fazenda Pública durante a instrução do processo em 1ª. Instância.
Face ao exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se procedente o vício assacado à sentença objecto de recurso e sob apreciação.
Mais argúi o recorrente que a douta sentença ora recorrida, a manter-se na ordem jurídica, é convencimento da Fazenda Pública que incorreu em erro de julgamento sobre a prova documental apresentada, consubstanciando esta uma errada interpretação e aplicação das normas legais constantes dos artºs.191 e 193, do C.P.P.T. (cfr.conclusões 2 e 3 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, segundo cremos, erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O processo de execução fiscal tem como objectivo primacial a cobrança dos créditos tributários, de qualquer natureza, estando estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o intuito de conseguir uma maior celeridade na sua cobrança, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas.
A citação é o acto pelo qual se chama a juízo o réu numa dada acção, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender (cfr.artº.228, do C.P.Civil; artºs.35, nº.2, e 189, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul, de 24/5/2011, proc.4478/11).
Actualmente, a regulamentação nuclear da matéria relativa à citação, e respectivas formalidades a respeitar, no âmbito dos processos de execução fiscal, acha-se vertida nos artºs.188 a 194, do C.P.P.T. (cfr.artºs.272 a 278, do anterior C.P.Tributário).
No artº.191, nºs.1 e 2, do C.P.P.T., prevê o legislador a forma de citação através de postal, registado ou não, consoante o valor da execução em causa for ou não superior a dez U.C., mais se fixando em 250 U.C. o limite para além do qual a citação tem de ser pessoal, tal como nos casos de efectivação de responsabilidade subsidiária (cfr.artº.191, nº.3, do C.P.P.T.). Esta forma de citação, embora tendencialmente funcione como meio de proporcionar ao destinatário o conhecimento da instauração de uma execução contra ele, não fornece garantias para o processo de a citação ter chegado ao conhecimento do citando, principalmente nos casos que o postal nem sequer é registado. Por isso, ela é considerada como uma citação meramente provisória/prévia que só dispensa uma citação definitiva (pessoal ou edital - cfr.artº.192, do C.P.P.T.), nos casos em que não vier a ser efectuada penhora. Com efeito, no artº.193, do mesmo diploma, prevê-se que, quando a citação é efectuada por postal nos termos do examinado artº.191, nºs.1 e 2, se o postal não vier devolvido, ou sendo-o, não indicar nova morada do destinatário, proceder-se-á de imediato à penhora, mas, se se conseguir penhorar bens, proceder-se-á à citação pessoal do executado, mais se devendo levar a cabo citação edital se não for conhecida a sua morada. Esta solução da citação provisória/prévia (a consagrada no artº.191, nºs.1 e 2, do C.P.P.T.), pode aceitar-se, já que não havendo penhora de bens, não pode resultar do processo lesão patrimonial para a pessoa singular ou colectiva contra quem corre a execução e, consequentemente, não se torna indispensável assegurar que lhe é dada possibilidade de defesa contra a pretensão do exequente (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 31/1/2007, rec.697/06; ac.T.C.A.Norte, de 14/6/2007, proc.1212/04.3BEBRG; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.271 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Almedina, 2000, pág.456 e seg.; Carlos Paiva, O Processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.197 e seg.; Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.48 e seg.).
“In casu”, no processo de execução fiscal nº.3492-2006/107082.7, no âmbito do qual foi deduzida a reclamação que originou os presentes autos, levando em consideração o montante da dívida exequenda (€ 967,54, conforme se retira do nº.1 da matéria de facto provada), a citação do executado/reclamante devia ser realizada através de postal registado (cfr.artº.191, nºs.1 e 2, do C.P.P.T.), dado que o débito exequendo concreto era superior a dez (10) e inferior a duzentas e cinquenta (250) unidades de conta (no período compreendido entre 1/1/2004 e 31/12/2006 o valor da U.C. cifrou-se em € 89,00, atento o disposto nos artºs.5, nº.2, e 6, nº.1, do dec.lei 212/89, de 30/6 - cfr.Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 2ª. edição, 2009, pág.29 e seg.).
Conforme se retira da matéria de facto provada o executado/reclamante foi citado em 21/12/2006, ao abrigo do artº.191, nº.2, do C.P.P.Tributário, através de aviso-citação registado e no âmbito do processo de execução fiscal nº.3492-2006/107082.7 (cfr.nº.6 da matéria de facto provada), não obstando à prova de tal citação o facto de o aludido aviso-citação ter sido enviado no âmbito de um registo colectivo, dado que não foi o mesmo devolvido.
Nestes termos, reunidos se encontravam os pressupostos para que a A. Fiscal procedesse à penhora de bens do executado/reclamante, conforme dispõe o artº.193, nº.1, do C.P.P.Tributário, o que na realidade viria a ocorrer em 7/10/2009, consubstanciando-se, além do mais, na penhora de rendas, e tendo o 4º. Serviço de Finanças de Loures procedido à notificação da mesma penhora e citação pessoal do executado, no pretérito dia 21/10/2009 (cfr.nº.7 da matéria de facto provada), tudo como se encontra consagrado no artº.193, nºs.1 e 2, do citado diploma.
Em conclusão, nada a apontar ao cumprimento e respeito pelos pertinentes normativos legais por parte da Fazenda Pública e no âmbito do processo de execução fiscal nº.3492-2006/107082.7, o qual corre termos no 4º. Serviço de Finanças de Loures.
Terminando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se procedente este fundamento do recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida a qual padece do vício de erro de julgamento de direito incidente sobre a alegada falta de prova da citação do reclamante/executado mediante postal nos termos do artº.191, do C. P. P. Tributário, no âmbito do processo de execução fiscal nº.3492-2006/107082.7, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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Haverá, agora, que saber se, de acordo com o artº.715, do C. P. Civil, se pode aplicar no processo vertente a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução que deu ao litígio, tudo ao abrigo do princípio da economia processual, o qual, no caso concreto, se sobrepõe à eventual preocupação de supressão de um grau de jurisdição.
Pensamos que sim, desde logo porque a factualidade provada se baseia em prova documental, assim nada havendo que obste a tal conhecimento e dispondo dos elementos de facto para tal, neste conspecto se devendo levar em consideração a matéria de facto aditada ao probatório.
Mais se dirá que, aplicando-se a regra da substituição, deve o relator do processo, antes de ser proferida decisão, a fim de evitar decisões-surpresa, mandar notificar cada uma das partes para, em dez dias, se pronunciarem sobre as questões objecto dessa decisão (cfr.artºs.3, nº.3, e 715, nº.3, ambos do C.P.Civil).
“In casu”, tal despacho foi exarado a fls.282 dos presentes autos, somente tendo o reclamante/recorrido produzido alegações complementares (cfr.fls.285 e 286 dos autos), nas quais termina pugnando pelo provimento da reclamação e consequente anulação da penhora de rendas.
Concluindo, deve este Tribunal avançar para o conhecimento em substituição, resultante da revogação da decisão recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de direito incidente sobre a alegada falta de prova da citação do reclamante/executado, mediante postal e nos termos do artº.191, do C. P. P. Tributário.
A reclamação que deu origem ao presente processo tinha por objecto inicial a penhora de um imóvel e a penhora de rendas, ambas levadas a efeito no âmbito do processo de execução fiscal nº.3492-2006/107082.7, o qual corre termos no 4º. Serviço de Finanças de Loures (cfr.nº.2 da matéria de facto provada e supra exarada). Tendo a penhora sobre o imóvel sido levantada pela Fazenda Pública, através de despacho de 18/12/2009 (cfr.nº.3 da matéria de facto provada), foi declarada a inutilidade superveniente da lide nesta parte, através de sentença com trânsito em julgado (cfr.sentença exarada a fls.56 a 62 dos autos).
Nestes termos, resta apreciar a matéria relativa à penhora de rendas, rendas essas recebidas pelo reclamante “A...” por força de um contrato de arrendamento que mantém com a sociedade “B..., Serviços, L.da.”, as quais o mesmo reclamante qualifica como um bem relativamente impenhorável, assim sendo ilegal a respectiva penhora, devido a violação do disposto no artº.823, nº.1, do Código de Processo Civil, mais devendo ser anulada, nos termos do artº.135, do C.P.A.
A penhora consubstancia-se na apreensão jurídica de bens do devedor ou de terceiro, em termos de desapossamento em relação àqueles e de empossamento quanto ao Tribunal, tudo com vista à realização dos fins da acção executiva. O património do devedor susceptível de penhora constitui a garantia geral de cumprimento das suas obrigações. A regra é a da penhorabilidade de todos os bens do devedor, sem discriminação entre eles, desde que sejam susceptíveis de produzir um qualquer valor, neles se incluindo os simples créditos, seja qual for a sua natureza (cfr.artº.601, do C.Civil; artº.821, do C.P.Civil). O âmbito da penhora é, obviamente, delimitado pelo fim do processo executivo: a satisfação do crédito exequendo. Daí que seja dominado por um princípio de proporcionalidade (cfr.artº.821, nº.3, do C.P.Civil), expressamente consagrado no artº.217, do C. P. P. Tributário, no que ao processo tributário diz respeito (cfr.Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª.edição, Almedina, 2010, pág.92 e seg.; Carlos Paiva, O Processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.273 e seg.; Artur Anselmo de Castro, A acção executiva singular, comum e especial, 3ª. edição, Coimbra Editora, 1977, pág.107 e seg.; Salvador da Costa, O Concurso de Credores, Almedina, 1998, pág.27 e seg.).
Na penhora de bens em execução fiscal devem aplicar-se as restrições e condicionamentos previstos no processo civil (“ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), nomeadamente quanto a matérias que se prendem com o prévio exame do requisito da idoneidade dos bens a apreender, ou seja, da sua penhorabilidade (cfr.artº.822 a 824-A, do C.P.Civil; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.441).
No caso “sub judice”, conforme se retira da matéria de facto provada (cfr.nº.2 da matéria de facto provada e supra exarada), o que está em causa é a penhora de rendas, rendas essas recebidas pelo reclamante “A...” por força de um contrato de arrendamento que mantém com a sociedade “B..., Serviços, L.da.”. No âmbito do processo executivo tributário, a penhora de rendas, enquanto modalidade de rendimentos periódicos, está prevista e deve seguir as formalidades dos artºs.228 e 229, do C. P. P. Tributário.
Alega o reclamante/recorrido que as rendas em causa se devem considerar como um bem relativamente impenhorável, assim sendo ilegal a respectiva penhora, devido a violação do disposto no artº.823, nº.1, do Código de Processo Civil.

Diz-nos o citado artº.823, nº.1, do C. P. Civil, na sua redacção actual, resultante do dec.lei 38/2003, de 8/3, o seguinte:
ARTIGO 823.º
(Bens relativamente impenhoráveis)
1-Estão isentos de penhora, salvo tratando-se de execução para pagamento de dívida com garantia real, os bens do Estado e das restantes pessoas colectivas públicas, de entidades concessionárias de obras ou serviços públicos ou de pessoas colectivas de utilidade pública, que se encontrem especialmente afectados à realização de fins de utilidade pública.

Este preceito consagra o regime de impenhorabilidade relativa ou subsidiária de bens, desde logo, ressalvando a hipótese de execução para pagamento de dívida com garantia real. Dizem-se relativamente impenhoráveis os bens que apenas podem ser penhorados em determinadas circunstâncias ou com vista ao pagamento de certas dívidas (cfr.José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, 3º. Volume, Coimbra Editora, 2003, pág.352). Os bens do domínio público do Estado e de outras pessoas colectivas públicas são absolutamente impenhoráveis (cfr.artº.822, al.b), do C.P.Civil). Já os bens que integram o seu domínio privado estão sujeitos a penhora salvo se, não incidindo sobre eles garantia real a favor do exequente, se encontrarem especial e efectivamente afectados à realização de fins de utilidade pública. O mesmo acontece com os bens pertencentes a entidades concessionárias de obras ou serviços públicos ou a pessoas colectivas de utilidade pública, os quais são impenhoráveis, igualmente, quando a penhora recaia sobre bens sobre que não incida garantia real a favor do exequente e que estejam especial e efectivamente afectados à realização de fins de utilidade pública. Mais se dirá que os bens de pessoas colectivas de utilidade pública somente estão isentos de penhora ao abrigo do artº.823, nº.1, do C. P. Civil, quando se demonstre encontrarem-se especial e efectivamente afectados à realização de fins de utilidade pública, cumprindo ao executado o ónus de provar essa especial afectação, conforme resulta do artº.342, nº.2, do C. Civil (cfr.José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, 3º. Volume, Coimbra Editora, 2003, pág.352 e seg.; Carlos Lopes do Rego, Comentários ao C. P. Civil, II Volume, Almedina, 2ª. edição, 2004, pág.47 e seg.; ac.S.T.J., 20/1/2010, proc.642/04.5TBSXL-B.L1.S1; ac.R.Porto, 22/5/2006, proc.651458).
“In casu”, o reclamante/recorrido, “A...”, de acordo com a matéria de facto provada (cfr.nº.5 da matéria de facto provada) é uma associação (cfr.artº.157, do C.Civil) que goza do estatuto de utilidade pública, o qual lhe foi atribuído ao abrigo do regime previsto no dec.lei 460/77, de 7/11 (cfr.actualmente o dec.lei 391/2007, de 13/12). Encontramo-nos, portanto, perante uma pessoa colectiva privada à qual foi atribuído o estatuto de utilidade pública e que a doutrina denomina como pessoa colectiva de mera utilidade pública (cfr.Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, I, Almedina, 1990, pág.565 e seg.; Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, I, 10ª. edição, Almedina, 1991, pág.396 e seg.).
Enquanto pessoa colectiva de utilidade pública o reclamante/recorrido enquadra-se na previsão do examinado artº.823, nº.1, do C. P. Civil, mais se devendo concluir que as rendas por si percebidas e que foram objecto de penhora no âmbito do processo de execução fiscal nº.3492-2006/107082.7, o qual corre termos no 4º. Serviço de Finanças de Loures, somente estão isentas de penhora ao abrigo do mesmo preceito, quando se demonstre encontrarem-se especial e efectivamente afectadas à realização de fins de utilidade pública, cumprindo ao “A...” o ónus de provar essa especial afectação, conforme resulta do artº.342, nº.2, do C. Civil.
Ora, nos presentes autos, o reclamante/recorrido não faz prova da especial e efectiva afectação das rendas penhoradas à realização de fins de utilidade pública derivados do seu estatuto. E compreende-se perfeitamente que assim seja. É que, os citados fins de utilidade pública são perfeitamente reconhecíveis relativamente a um campo de jogos ou um pavilhão desportivo, por exemplo. Mas já não se compreendem relativamente a rendas percebidas, as quais se reconduzem a dinheiro. O que caracteriza o dinheiro é precisamente a sua fungibilidade por bens ou serviços. É para isso que foi concebido.
Nem doutro modo podia ser. O executado, sendo uma pessoa colectiva de mera utilidade pública, que prossegue fins sociais relevantes, não deixa, por isso, e no seu dia-a-dia, de ser um ente como os outros. Que, como os outros, assume obrigações e que, como os outros, as deve cumprir.
Finalizando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente este fundamento da reclamação deduzida por “A...”, em consequência do que se mantém o acto reclamado no que diz respeito à penhora de rendas levado a efeito no âmbito do processo de execução fiscal nº.3492-2006/107082.7, dado que estas não devem considerar-se bens relativamente impenhoráveis ao abrigo do artº.823, nº.1, do C. P. Civil, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO e revogar a sentença recorrida a qual padece do vício de erro de julgamento de direito;
2-CONHECENDO EM SUBSTITUIÇÃO, julgar improcedente a reclamação deduzida por “A...”, em consequência do que se mantém o acto reclamado, no que diz respeito à penhora de rendas, levado a efeito no âmbito do processo de execução fiscal nº.3492-2006/107082.7 (cfr.nºs.2, al.b), e 7 da matéria de facto provada).
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Condena-se o reclamante/recorrido em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 12 de Agosto de 2011


(Joaquim Condesso - Relator)

(Carlos Araújo - 1º. Adjunto)


(Cristina dos Santos - 2º. Adjunto)