Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03692/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/12/2010
Relator:LUCAS MARTINS
Descritores: IRC
MÉTODOS INDIRECTOS
CONTABILIDADE
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:1. A correcção formal da contabilidade não colide com a sua regularidade substantiva não sendo, por isso e apesar disso, impeditiva do recurso a metodologia alternativa, por parte da AT, na fixação da matéria colectável, designadamente à avaliação indirecta;
2. Por força do art.º 690.º-A, do CPC, impugnado, no recurso, o julgamento da matéria de facto, impõe-se ao recorrente, sob pena de rejeição, a indicação, cumulativa, por um lado, dos concretos pontos de facto que entenda incorrectamente julgados e, pr outro, dos concretos meios probatórios que imponham uma apreciação daqueles aludidos pontos diversa da acolhida pela decisão recorrida.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- «A...– Imobiliária e Construções Civis, S.A.», cm os sinais dos autos, por se não conformar com a decisão proferida pela Mm.ª juiz do TAF de Sintra, documentada de fls. 276 a 291, inclusive, dos autos e, pela qual, lhe julgou improcedente esta impugnação judicial que deduziu contra liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 1998, no valor de € 194.758,03, dela veio interpor o presente recurso apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões;

I) A Recorrente não aceita a tributação, por presunção, da qual foi alvo por parte da Administração Fiscal, respeitante ao IRC do exercício do ano de 1998, no montante de € 194.758,03.

II) E a sua não aceitação tem como reflexo a sua discordância com a aplicação dos métodos indirectos por parte da Administração Fiscal.

III) Afigura-se ainda à Recorrente que a douta Sentença não levou em consideração nenhum dos argumentos expostos na Impugnação Judicial, apesar de apoiados em factos e em depoimentos.

IV) A sentença recorrida acolhe os princípios elencados pela Administração Fiscal para aplicação dos métodos indirectos.

V) A Recorrente alegou, sustentou e provou que a aplicação dos métodos indirectos foi desprovida de fundamento e logo ilegal.

VI) A Administração Fiscal nunca pôs em causa – RIT – a contabilidade da Impugnante nem fidedignidade dos suportes documentais.

VII) O artigo 52º do CIRC estatui que os métodos indirectos só podem ser aplicados nas condições previstas nos artigos 87º e 88º da Lei Geral Tributária.

VIII) A Impugnante ora Recorrente demonstrou que não estavam reunidas as condições previstas nos artigos 87º e 89º da Lei Geral Tributária, pelo que não se poderiam ter aplicado os métodos indirectos.

IX) A Administração Fiscal dispôs de todos os meios necessários para a comprovação e quantificação real e directa da matéria tributável.

X) Não há, nos elementos contabilísticos da Recorrente, qualquer anomalia que inviabilizasse o apuramento da matéria tributável, não havendo justificação para o recurso à avaliação indirecta.

XI) O ónus da prova da verificação das condições necessária à aplicação dos métodos indirectos é responsabilidade da Administração Fiscal que não o conseguiu fazer.

- Conclui que, pela procedência do recurso, se determine a anulação da decisão recorrida e, em consequência, a anulação do acto tributário impugnado.

- Não houve contra-alegações.

- O EMMP, junto deste Tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 317 a 319, inclusive, dos autos, pronunciando-se, afinal, pela improcedência do recurso, já que apesar da recorrente questionar o julgamento da matéria de fato, não deu acatamento ao disposto no art.º 690.º-A, do CPC, não sendo, por outro lado, caso de aplicação do art.º 712.º/1/a, do mesmo compêndio legal, pelo que, o mesmo e neste âmbito, não pode deixar de ser rejeitado; Por outro lado e quanto ao julgamento da matéria de direito, entende que a decisão recorrida não padece de qualquer erro já que a AT fez prova dos elementos necessários ao recurso da metodologia indiciária, bem como, indicou os critérios que utilizou na fixação da matéria colectável não tendo, por outro lado, a recorrente, demonstrado erro, por excesso, nessa quantificação, como lhe competia.

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- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

- A decisão recorrida deu, por provada, a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -


A) A Impugnante exerce a actividade de construção de edifícios – CAE 45211.

B) A Impugnante encontra-se enquadrada em IRC no regime Geral de Tributação.

C) Na sequência das Ordens de Serviço n.º 128975 e 18976 de 25.02.2002, a Impugnante foi sujeita a uma acção de Inspecção, relativa aos exercícios de 1998 e 1999, tendo-se concluído pelo apuramento do lucro tributável da Impugnante, relativo àqueles exercícios, por recurso a métodos indirectos, conforme parecer e despacho datado de 25.07.2002 proferido no Relatório de Inspecção, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (Cfr. Relatório da Inspecção junto a fls. 5 a 23 e respectivos anexos a fls. 24 a 152 do processo administrativo tributário em apenso).

D) Do Relatório de Inspecção a que alude a al. C) do probatório destaca-se o seguinte;
«IV- Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos.
No decurso da inspecção efectuada aos exercícios de 1998 e 199(8)9, detectaram-se situações indiciárias de omissão de prov(isões)eitos, nomeadamente a venda de fracções com prejuízo e valores de sinais que não deram entrada na empresa. Esse facto levou-nos a efectuar determinados controlos cruzados, tendo para o efeito seleccionado algumas situações detectadas ao longo da fiscalização.
(…)
Em conclusão, os factos descritos demonstram que as omissões detectadas, não se tratam de casos pontuais, sus(peitáveis)ceptíveis de serem acrescidos aos valores declarados como correcções técnicas como é pretensão do contribuinte. Antes assim, demonstra, que a escrita não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.
Atente-se que estão em causa situações detectadas não isoladamente num único mediador, mas sim em vários mediadores que comercializam fracções no Cacém, designadamente B..., a C..., a D....»;

E) A Administração Fiscal, para efeitos de determinação do lucro tributável, adoptou a metodologia descrita no ponto V do Relatório de Inspecção, utilizando um critério de apuramento para as vendas do Edifício ...distinto do utilizado para a Urbanização Vale de ...– Cacém;

F) No que concerne ao Edifício Duque ... a Administração Fiscal optou por:
«(…) considerar a margem apurada na venda da fracção AI correspondente ao 6º B, cerca de 12%. Refira-se que a venda da fracção originou lucro, bem como na fracção (N)AN correspondente ao 7º C.
(…)
Importa referir que não obstante a venda do 6º B ter ocorrido em 1999, a formação total dos custos ocorreu em 1997, e tendo em conta a homogeneidade dos custos das fracções presume- -se que a margem apurada nas restantes fracções seja também (em) de 12%.
Finalmente salienta-se que esta margem de 12% é também a que consta nos rácios do sujeito passivo (vide R09 no anexo 15) pelo que afigura-se-nos que o critério utilizado é consistente e razoável, porquanto atende à situação concreta do contribuinte.»

G) No que respeita ao apuramento do valor das vendas na Urbanização Vale da ...– Cacém, a Administração Fiscal considerou que os dados disponíveis indiciam que o valor contabilizado está, em média, 1.000.000$00 abaixo do valor real da venda (valor médio assente no descrito nos pontos 4.1.3. e 4.2.2.), sendo este o valor a corrigir por cada fracção vendida.

H) Da aplicação dos métodos indirectos resultaram, para o que aqui importa, correcções à matéria colectável, em sede de IRC, no valor de € 840.873,92 (168.580.085$00), a acrescer ao resultado declarado do exercício de 1998, alterando o lucro tributável ao exercício de 1998 de € 150.938,79 (30.260.511$00) para € 571.767,18 (198.840.596$00).

I) A Impugnante solicitou, ao abrigo do art. 91º da LGT, a revisão da matéria tributária para o IRC do exercício de 1998, tendo este procedimento terminado sem acordo entre as partes, conforme laudos lavrados pelos peritos nomeados pela Fazenda Pública e pelo contribuinte, constantes da Acta n.º 76/02 de 26.09. (Doc. a fls. 44 a 52 dos autos);

J) Por despacho de 30.09.2002, do Director da 2.ª Direcção de Finanças de Lisboa, foi decidido manter o valor da matéria tributável já fixado nas conclusões apresentadas no Relatório de Inspecção e identificado na al. H) do probatório (€ 571.767,18). (Doc. a fls. 53 a 56 dos autos);

K) Conforme se retira pela análise do relatório da Consultan – Soc. Mediação Imobiliária (empresa imobiliária que comercializou parte das fracções do Edifico Duque de ...) os preços de tabela fixados pela identificada empresa relativamente a cada uma das fracções s(ao)ão muito superiores aos valores de venda registados. (Doc. a fls. 42 a 50 – Anexo 5 do relatório de Inspecção);

L) Resulta do confronto dos documentos juntos a fls. 75 a 83 e 105 a 120 corporizados nos Anexos 6 e 9 juntos ao Relatório de Inspecção (documentos internos e escrituras de compra e venda) que vêm indicados valores de venda superiores aos valores constantes da escritura de compra e venda, relativos aos lotes 45 e 48 da Urbanização Vale da ...– Cacém;

M) Todas as fracções vendidas no ano de 1998 do Edifício ...originaram prejuízo com excepção da fracção “AN” correspondente ao 7º C. (art. 37º, 46º e 47º da p.i. a fls. 77 a 789 dos autos);

N) A zona onde está localizado o Edifico Duque de ..., sito na Av. ... é considerada pelos agentes do sector como uma zona de “gama alta”;

O) O Edifício Duque de ..., sito na Av. das ...é considerado um prédio de luxo. (Cfr. depoimento da testemunha E...a fls. 71 a 74 dos autos);

P) A Impugnante no ano de 1998 tinha prédios para venda na zona do Cacém. (Cfr. depoimento da F...);

Q) Em 20.01.1998, Nuno G...outorgou o documento titulado por PROMESSA UNILATERAL DE COMPRA, referente ao 3º andar Dt. do lote 48 do prédio sito na Urbanização Vale de ..., Cacém, do qual consta, valor de venda 15.750.000$00, sinal 100.000$00. (Doc. a fls. 109 e 110 dos pat em apenso);

R) Em 09.04.1998, Nuno G...outorgou o CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA referente ao 3º andar Dt. do lote 48 do prédio sito na Urbanização Vale de ..., Cacém, nele constando; preço acordado para a prometida compra e venda é de Esc; 14.750.000$00, (…) No dia 9 de Abril de 1998, com a assinatura do presente Contrato Promessa de Compra e Venda, o SEGUNDO OUTORGANTE entregará à PRIMEIRA OUTORGANTE a quantia de Esc: 100.000$00, quantia entregue a título de sinal e princípio de pagamento. (Doc. a fls. 113 a 117 do pat e apenso);

S) Por escritura pública lavrada a 01.02.1999, H...e I..., adquiriram pelo preço de 12.500.000$00 a fracção autónoma designada pela letra “T”, correspondente ao rés-do-chão letra “C” do lote 48 sito na Urbanização Vale de
.... (Doc. a fls. 125 a 133 do pat em apenso);

T) No Acto Notarial lavrado a 01.02.1999, pode ler-se, ainda: “Os segundos outorgantes confessam-se ainda solidariamente devedores à CEMG da quantia de catorze milhões e quinhentos mil escudos, que neste acto dela recebem a título de empréstimo, (…) sendo doze milhões e quinhentos e cinquenta (mil) escudos, para aquisição do imóvel adiante hipotecado (…) e o remanescente de um milhão novecentos e cinquenta mil escudos para a realização de obras de beneficiação (…)”. (Doc. a fls. 125 a 133 do pat em apenso);

U) Notificado nos termos constantes a fls. 122 do pat, que aqui se dão como integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, H...informou a 2ª Direcção de Finanças de Lisboa, para além do mais do seguinte: “(…) não tenho nem nunca tive qualquer documentação referente às obras que foram efectuadas pelo construtor e vendedor do imóvel.
No entanto devo dizer que quando adquiri o meu imóvel, o mesmo encontrava-se em fase de construção, pelo que as obras que foram efectuadas estiveram a cargo da firma que me vendeu o imóvel.
Depois da vossa carta contactei a referida firma no sentido de me ser fornecida essa documentação, através de uma funcionária de nome Isabel, tendo-me sido respondido que não tinham, nem passavam qualquer documentação sobre as obras em causa, já que as mesmas fazem parte integral do imóvel”. (…). (Doc. a fls. 122 a 124 do pat em apenso);

V) Com base nas correcções efectuadas, em 30.10.2002 foi emitida a liquidação adicional n.º 8310035835, relativa ao exercício de 1998, no valor € 194.758,03, correspondendo € 37.368,22 a Juros Compensatórios, cuja data limite de pagamento se mostra fixada em 16.12.2002. (Doc. a fls. 156 dos autos);

W) A 24.02.2003, deu entrada em juízo a presente impugnação judicial. (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos).

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- Mais se deram, como não provados, quaisquer outros factos, diversos dos mencionados nas precedentes alíneas, enquanto relevantes à decisão final a proferir.

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- Em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto consignou-se, expressamente, na decisão recorrida, que «A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos não impugnados, que dos autos constam, e depoimento prestado pelas testemunhas E...e ...tudo conforme referido a propósito década uma das alíneas do probatório.».

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- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -


- Delimitando, desde logo, a questão decidenda é assertivo que, como resulta das conclusões do presente recurso, enquanto balizadoras dos respectivos âmbito e objecto, ela se circunscreve à de saber se, “in casu”, se encontravam, ou não, - na linha do sustentado, respectivamente, pela AT e pela Recorrente -, verificados os pressupostos legais legitimadores do recurso à avaliação indirecta e, por consequência, se a decisão recorrida, na medida em que deu cobertura legal ao agir da AF, padece, ou não, de erro de julgamento.

- E, em abono do seu entendimento, a Recorrente esgrime com matéria de facto, quando sustenta ter demonstrado que a aplicação dos métodos indirectos foi desprovida de fundamento, já que a AT nunca colocou em causa a sua contabilidade nem a fidedignidades dos respectivos suportes documentais e que colocou à disposição desta última todos os elementos que permitiam a quantificação real e directa da matéria colectável.

- Cabe aqui referir que, nos termos do art.º 690.º-A, n.ºs 1 e 2, do CPC, aqui aplicável uma vez que se trata de processo instaurado em 2003, a Recorrente, na medida em que se insurgisse contra o julgamento da matéria de facto efectuado pelo Tribunal recorrido, se encontrava vinculada, sob pena de rejeição, a, cumulativamente, indicar, por um lado, os concretos pontos de facto que entenda incorrectamente julgados e, por outro, os concretos meios probatórios, particularmente do registo áudio dos depoimentos testemunhais produzidos, e que, em seu entender, impusessem uma apreciação daqueles referidos pontos de factos, diversa da acolhida pela decisão recorrida.

- Ora, como o atestam as aludidas conclusões do presente recurso, a Recorrente não dá o mínimo acatamento ao, assim, determinado pelo referido art.º 690.º-A, do CPC; Por consequência, o que tal acarreta é que o julgamento da matéria de facto levado a cabo pela decisão recorrida, - na medida em que se não vislumbra ser caso de aplicação do estatuído no art.º 712.º, do CPC -, se tenha de ter por inalterado, sendo, pois, à sua luz que caberá indagar se o julgamento de direito consequente, no que toca à verificação dos pressupostos legais da avaliação indirecta, padece, ou não, de vício de fundo.

- E, antecipando, desde já, a nossa perspectiva da questão, dir-se-á que a resposta não pode deixar de ser negativa, isto é, que a posição defendida pela recorrente, não pode obter vencimento de causa, em termos que se subsumem, no essencial, ao discurso jurídico da sentença ora em crise.

- Assim e como é sobejamente sabido, o nosso ordenamento jurídico consagra o princípio do sistema declarativo, como meio de apuramento da matéria colectável, surgindo as outras vias da sua determinação, da iniciativa da AF, como meios subsidiários ou residuais.

- De facto e como é bem de ver o sistema jurídico tinha, necessariamente de prever meios alternativos ao apuramento da matéria colectável dos impostos, no caso daquele princípio não operar por motivos imputáveis ao contribuinte, como será, além do mais e designadamente, o caso de não disponibilizar os elementos necessários ao controlo da sua situação tributária, por parte da AT, no exercício do poder vinculado que a esta está conferido por lei, ou de os disponibilizar com fundadas suspeitas, segundo juízos de probabilidade e normalidade adequada, de que não têm aderência á realidade, tendo presente que, se por um lado «... a fiabilidade do registo contabilístico dos factos patrimoniais» se «fundamenta(...) na chamada escrituração comercial, constituída pelos livros e registos obrigatórios e submetidos a formalidades legais, pelos livros facultativos ou a estes equiparados (folhas soltas, volantes ou avulsas, v.g. folhas de caixa, artºs. 31º a 37º do C. Com.) e, ainda, pelos documentos justificativos, não sendo de esquecer que, de acordo com a lei, a escrituração comercial é, não só, o meio descritivo dos factos patrimoniais como, também, o modo formal da respectiva comprovação.»(1), por outro, a afirmação da regularidade formal da contabilidade, não implica, por si só, qualquer contradição insanável com a atestação da impossibilidade de quantificação directa e exacta da matéria colectável, - impondo-se, por isso, o recurso à avaliação indirecta -, ou seja e dito por outras palavras, não é a correcção formal da escrita dos contribuintes que acarreta a sua aderência à realidade substancial, do que, igualmente, decorre que, quando a AT, apesar de referir de tal regularidade formal, contesta a sua aderência à realidade, está, necessariamente, a colocar em causa a respectiva credibilidade substantiva.

- Do acima referido resulta que, tendo os elementos contabilísticos do contribuinte de se encontrar organizados segundo os sãos princípios da lei comercial e fiscal, quer do ponto de vista da forma, quer do ponto de vista substancial, casos em que gozam de uma presunção de veracidade, tal não implica, no entanto e “a contrario”, como já acima se referiu,- pela circunstância de tais elementos se encontrarem organizados correctamente do ponto de vista meramente formal -, a inibição da AT, no uso daqueles poderes de controlo, servindo-se dos meios legais alternativos ao declarativo no apuramento da matéria colectável, já que o que importa é apurar, tanto quanto possível e ao que aqui releva, o rendimento tributável efectivo.

- Por outro lado e como, também, certeiramente se afirma na decisão recorrida, a demonstração dos necessários pressupostos legais ao recurso à metodologia alternativa, designadamente a indiciária, cabe à AF, tendo presente que, nos termos das regras do ónus da prova em sede de direito administrativo tributário, sem embargo de não haver uma particular incumbência de prova, por parte de quem quer que seja, à luz dos vigentes princípios de descoberta da verdade material e, da consequente, oficiosidade de investigação e indagação das provas, tal não deixa de implicar que, pela impossibilidade de manutenção de um “non liquet”, a ausência de prova de factos relevantes tenha de desfavorecer quem com ela estiver onerado, o que vale por dizer que tal obrigação de prova significa que é à AT que cabe a obrigação “... da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) ...” pertencendo, por contrapartida, “...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos ...” sob pena de a sorte do pleito, no que da respectiva factualidade dependa, lhes seja desfavorável.

- Na linha deste entendimento e secundando jurisprudência deste Tribunal(2) “... cabendo à AF o ónus de provar dos pressupostos da tributação por métodos indiciários, é a ela que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto (...)».

- Ora, dentro desta linha de entendimento, afigura-se-nos que a razão falece á recorrente, quando questiona a verificação dos legais pressupostos legitimadores do recurso aos métodos indiciários, desde logo por a AF não ter colocado, no caso vertente, em causa nem a sua contabilidade nem a fidedignidade dos respectivos elementos de suporte.

- De facto, tendo presente, por um lado, o probatório fixado e, por outro, que a acção inspectiva aqui em causa se reportou aos exercícios de 1998 e 1999, é evidente que, para efeitos do aferir da credibilidade da actuação da Recorrente, na feitura da sua contabilidade, não deixam de relevar todos os factos com que a fiscalização se tenha deparado quanto a ambos exercícios sem embargo de tal não colidir com a eventual e específica correcção técnica que, concomitantemente, se pudesse impor relativamente a qualquer deles.

- Ora, como resulta do relatório da fiscalização que, em última instância, serviu de suporte ao agir da AT, esta deparou com circunstâncias que se não vislumbra como, segundo parâmetros de razoabilidade e normalidade, pudessem levar a ilações distintas daquelas que a AF extrapolou nesta matéria.

- Basta, para o efeito, atentar, por um lado, no facto de, no que concerne ao edifício situado junto às Forças Armadas em Lisboa, notoriamente uma zona nobre da cidade, acrescido da circunstância da qualidade enunciada e anunciada, nos seus acabamentos, se não justificar, como princípio, que do total das fracções que o compõem (26), em onze delas (mais de 40%) tenham sido alienadas com prejuízo; e menos se compreende, ainda, que tais prejuízos, por fracção, possam corresponder a importâncias superiores aos 23.000 contos, para um valor de custos de cerca de 78.500 contos (6.ª-A), em percentagens que oscilam entre um mínimo superior a 7%, até ao máximo superior a 23%, sendo que apenas em três situações, ela é inferior a 10%.

- A isto acresce que, do cotejo dos elementos referidos no relatório da acção inspectiva e dos anexos que o documentam, ressalta que se não coaduna com as alegadas dificuldades financeiras (cfr. art.ºs 40.º e ss. da p.i.) e que ancora no colapso do mercado imobiliário (cfr. art.º 44.º da mesma peça processual), quando os mesmo atestam, por um lado, que, no princípio de Junho, de 1997, 62% dos apartamentos estavam vendidos, correspondendo à totalidade dos T2, a 33% dos T3 e a 60% dos T4, com um incremento de dois T4, por referência às vendas efectuadas até finais de Abril desse mesmo ano, sendo que, até Outubro seguinte terão sido vendidos mais dois T3 (cfr. fls. 62, 67 e 70, do PAT) e, por outro, que, com diferença de apenas um ano, - de 1998 e 1999 – tenham sido alienados apartamentos com idêntica situação (sexto andar) e com área ligeiramente superior do alienado em 1998, por valores, respectivamente, de 55.000 e 80.000 contos (cfr. relatório da inspecção e laudo do perito da FP).

- Mas, para além disto, a AF constatou a ocorrência de circunstâncias que, para além de anormais, - como seja o caso de preços inferiores para imóveis de maior permilagem e situados em pisos superiores (cfr. fls. 9 do PAT) -, são, não só reveladoras de um juízo de suspeita fundado da falta de aderência à realidade dos dados levados à contabilidade, como, mais do que isso, por si só indiciadoras de ter sido um prática ocorrida ao longo do tempo, nos anos aqui em causa e, nessa medida, justificativa da sua extrapolação para os outros andares vendidos e, nessa medida, inviabilizantes do correcção directa e real através de correcções técnicas, por se desconhecerem os elementos que possam mensurar, com efectividade, os respectivos preços de venda; estamos a reportar-nos às detectadas faltas de entrada na empresa de valores de sinalização dos andares em questão.

- Na realidade, em face de tais circunstâncias, o que se não descortina é como pretender que a AT poderia ter procedido a meras correcções técnicas da matéria tributável da Recorrente, no exercício aqui em causa; para que assim sucedesse cabia-lhe, já, a ela, demonstrar a ocorrência de causas justificativas bastantes e excepcionais, que retirassem legitimidade ao agir da AF e que, como se referiu, lhe foi conferida pela constatação das circunstâncias aludidas no relatório e a que, acima, se fez alusão.

- Ora, nesta matéria, como se começou por referir, aquilo a que há que atender é, precisamente, à matéria de facto dada por provada, uma vez que a Recorrente, - sendo caso disso o que, desde logo, apenas se admite como hipótese de trabalho -, não deu acatamento ao determinado pelo art.º 690.º-A, do CPC.

- E, sendo assim, entende-se que, como se começou por referir, na linha, aliás, do decidido quanto às correcções operadas ao exercício de 1999, decorrentes da mesma acção inspectiva, a razão falece à Recorrente.

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- D E C I S Ã O -


- Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCASul, em negar provimento ao recurso, assim se conformando a decisão recorrida que, nessa medida, se mantém na ordem jurídica.
- Custas pela recorrente, com a menor taxa de justiça.

LISBOA, 12/05/2010

LUCAS MARTINS
MAGDA GERALDES
JOSÉ CORREIA

1- Cfr. Ac. deste Tribunal , in Rec. n.º 2.597/99.
2- Cfr. Ac. de 02.06.18 , Rec. nº. 6.388/02.