Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:367/10.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/22/2020
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO;
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA;
GERÊNCIA DE FACTO.
Sumário:I- O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
II- O ónus da prova da gerência de facto recai sobre a Fazenda Pública.
III- Na responsabilidade subsidiária por coimas prevista no art. 8º do RGIT recai sobre a Fazenda Pública o ónus da prova dos respectivos pressupostos de culpa ou imputabilidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição à execução deduzida por M........... contra a decisão de reversão proferida no processo de execução fiscal nº ........... e apensos, instaurado originariamente contra a sociedade “R........... – .........., Lda.”, por dívidas tributárias de IVA dos anos de 2000, 2001 e 2003 a 2006, IRC de 2006 e respectivas coimas no montante total de € 11.010,42.

A Recorrente, nas suas alegações formulou conclusões nos seguintes termos:

“I. Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a oposição à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que a administração tributária não juntou prova suficiente sobre o facto do Oponente durante o período a que se reportam as dívidas ter exercido gerência.

II. No entanto torna-se evidente pelos contornos factuais ínsitos nos autos, que cabe excogitar, o ora Oponente deve ser considerado como parte legítima no procedimento de reversão, e na modificação subjectiva das dívidas, porquanto a matéria de facto assente, que fundamenta a decisão (consta no ponto 3.), cuja conclusão deve ser que o Oponente para além de sócio, seria um dos gerentes de direito e um dos gerentes de facto.

III. Considerando que a gerência abrange quer a gestão, quer a representação, portanto no âmbito das relações internas e externas da vida societária, a primeira premissa será que a sociedade existe, é uma pessoa colectiva, representada por pessoas singulares, sendo caracterizada por um ou mais sujeitos, tem um património autónomo para o exercício de atividade económica, ao fim que visa, para obter lucros e atribuí-los aos sócios.

IV. Pelo que neste caso estando ativa a sociedade e estando os seus gerentes designados, haverá sempre responsabilidade subsidiária por parte do Oponente, que não diligenciou pelo encerramento da sociedade, nem pelo cumprimento das obrigações da mesma.

V. A Fazenda Pública considera, que o Oponente exerceu de facto a gerência pois a mesma era conjunta e plural, sendo que a sociedade se obrigava com a sua assinatura.

VI. O Oponente não teve uma atitude diligente nem criteriosa face ao que impõe a Lei, porquanto não a geriu com prudência de modo a não colocar em crise os interesses dos credores, descurando o dever de diligência, tendo violado os deveres e os direitos, desprotegendo os credores, nomeadamente a Fazenda Pública.

VII. Não tendo providenciado pelo encerramento e a liquidação da sociedade, nem pelo cumprimento dos deveres que visava cumprir em representação da sociedade, deve ser responsabilizado senão pelos atos positivos, por deserção, por omissão no dever de diligência no cumprimento das obrigações.

VIII. Neste desiderato, o Oponente é parte legítima da presente oposição, pois, além de ter exercido a gerência de facto e de direito da sociedade, foi por sua culpa que o património da mesma se tornou insuficiente para solver as dívidas.

IX. Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “ad quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados nos art.ºs 252.º, 259.º, 260.º, 261, 78.º todos do CSC bem como do art.º 24.º da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, com as devidas consequências legais.”
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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito por deficiente apreciação dos factos considerados provados e das normas legais ao decidir que o oponente era parte ilegítima na execução fiscal.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão da causa, com base nos documentos existentes nos autos e no processo de execução, consideramos assente a seguinte factualidade:

A) A sociedade R........... – .........., Lda foi constituída em 21/10/1994 com o capital social dividido em duas quotas de 200.000$00 cada pertencentes ao Oponente e a R .........., ambos nomeados gerentes – cf. cópia da escritura pública a fls. 45;

B) A sociedade obriga-se a com a assinatura de ambos os sócios – cf. fls. 44;

C) Em 9/12/1994 o Oponente subscreveu a declaração de inicio de actividade da sociedade identificada em A) na qualidade de seu representante legal – cf. fls. 64 dos autos;

D) Em 20/9/1995 o Oponente subscreveu a declaração de alterações da sociedade identificada em A) na qualidade de seu representante legal – cf. fls. 64 dos autos;

E) Em 18/9/2008 a sociedade estava pendente de dissolução administrativa - cf. Averbamento 1 ao registo comercial da sociedade a fls. 42;

F) Em 18/12/2008 a sociedade identificada em A) cessou a sua actividade em sede de IVA e IRC – cf. fls. 68;

G) Em 9/11/2002 o Serviço de Finanças Lisboa – 13 instaurou contra a sociedade R........... – .........., Lda o processo de execução fiscal n.º ........... e apensos, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IVA dos anos de 2000, 2001 e 2003 a 2006, IRC de 2006 e coimas às coimas aplicadas por factos verificados em Dezembro de 2000, Dezembro de 2001, 2006, 2007 e 2008 no valor global de € 11.010,42 – cf. fls. 17 a 39 e 80 dos autos;

H) Em 23/6/2003 a sociedade identificada em A) foi citada – cf. fls. 80;

I) Por despacho de 21/4/2009 foi determinada a preparação daquele processo para efeitos de reversão contra o Oponente, e, bem assim a notificação para efeitos de exercício do direito de audição sobre o projecto de reversão – cf. fls. 46;

J) Na mesma data foi expedida carta com vista à notificação do Oponente para o exercício do direito de audição – cf. fls. 49 a 52;

K) O Oponente pronunciou-se invocando que não exerceu a gerência de direito nem de facto porquanto a devedora originária não exerceu actividade e que as dívidas exequendas anteriores a 2004 se encontram prescritas – cf. fls. 61;

L) Foi prestada informação propondo o prosseguimento dos autos por não terem sido trazidos elementos novos aos autos – cf. fls. 61;

M) Em 7/5/2009, foi proferido despacho de reversão com fundamento na inexistência de bens em nome da devedora originária e no facto de se a oponente ser responsável subsidiária - cfr. fls. 53 a 55;

N) Na mesma data foi remetido ao Oponente oficio de citação por reversão no Processo de execução fiscal identificado em A) – cf. fls. 56 e aviso de recepção a fls. 58;

O) Em 15/5/2009 o Oponente foi citado – cf. fls. 56 a 58 dos autos;

P) A presente Oposição foi apresentada em 15/6/2009 no Serviço de Finanças de Lisboa – 13 – cf. fls. 17 dos autos.
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Não se provou em que data os sócios deliberaram proceder à cessação da actividade da sociedade executada originária. Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos alegados e não provados.
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A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos constantes dos autos e pontualmente referidos, na posição expressa pelas partes nos respectivos articulados e nos elementos constantes do processo de execução fiscal constante dos autos.”

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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal recorrido julgou a oposição procedente tendo considerado, em síntese, que o Oponente é parte ilegítima na execução fiscal em apreço, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, por entender que a Administração Tributária não logrou provar a gerência de facto pelo Oponente.

A Recorrente não se conforma com o decidido invocando, também em síntese, que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado o Oponente, parte ilegítima na presente execução fiscal.

Defende a Recorrente que “(…) estando ativa a sociedade e estando os seus gerentes designados, haverá sempre responsabilidade subsidiária por parte do Oponente, que não diligenciou pelo encerramento da sociedade, nem pelo cumprimento das obrigações da mesma. (…) que o Oponente exerceu de facto a gerência pois a mesma era conjunta e plural, sendo que a sociedade se obrigava com a sua assinatura. O Oponente não teve uma atitude diligente nem criteriosa face ao que impõe a Lei, porquanto não a geriu com prudência de modo a não colocar em crise os interesses dos credores, descurando o dever de diligência, tendo violado os deveres e os direitos, desprotegendo os credores, nomeadamente a Fazenda Pública e não tendo providenciado pelo encerramento e a liquidação da sociedade, nem pelo cumprimento dos deveres que visava cumprir em representação da sociedade, deve ser responsabilizado senão pelos atos positivos, por deserção, por omissão no dever de diligência no cumprimento das obrigações. (…) o Oponente é parte legítima da presente oposição, pois, além de ter exercido a gerência de facto e de direito da sociedade, foi por sua culpa que o património da mesma se tornou insuficiente para solver as dívidas.” (cfr. Conclusões IV a VII).

Apreciando.

Importa desde já salientar que estamos perante dívidas tributárias de IVA dos anos de 2000, 2001 e 2003 a 2006, IRC de 2004 e 2005 e respectivas coimas, sendo que o regime da responsabilidade subsidiária dos gerentes, no caso dos tributos encontra-se previsto no art. 24º da LGT e, em relação às coimas no art. 8º do RGIT.

Quanto à responsabilidade subsidiária dos tributos importa ter presente o disposto no nº 1 do art. 24º da Lei Geral Tributária que consagra o seguinte regime:

“1- Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

O Tribunal a quo considerou o Oponente, ora Recorrido, como parte ilegítima das execuções fiscais, vertendo na sentença recorrida a seguinte fundamentação:
No caso, discutindo-se nestes autos a eventual responsabilidade subsidiária do Oponente, que foi, comprovadamente, nomeado gerente da sociedade devedora originária, pelo pagamento de dívida relativa a impostos e coimas é condição da legalidade e sustentabilidade dessa responsabilização, «o comprovativo do exercício, por aquele, de facto, efectivo, da gerência, no espectro temporal em que a dívida tributária se constituiu e/ou terminou o respectivo prazo legal de pagamento ou entrega». Ora, «tal efectivo exercício da gerência pode, pelo juiz, ser inferido do conjunto da prova produzida e/ou omitida, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc., estando, porém, impedido de retirá-lo, mecanicamente, sem mais, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal, apontando esse desfecho» ― cfr. Acórdão do TCAS de 9/3/2010, P. 02486/08, disponível em www.dgsi.pt.

Dos factos carreados para os autos resulta a assinatura pelo Oponente das declarações de início e de alteração da actividade da executada originária em 1994 e 1995, não resultando a prática pelo Oponente de quaisquer outros actos que obrigassem a sociedade devedora originária ou a vinculassem perante terceiros. A mera circunstância de estar previsto no pacto social que aquela sociedade se obrigava com a intervenção dos dois sócios, associada ao facto de ser o Oponente um dos sócios nomeados para essa função não permite ter por provada a gerência de facto do ora Oponente.

Conforme se escreveu no Acórdão do TCAS de 8/6/2010, P. 03846/10, «(…) a circunstância do pacto estipular a necessidade da assinatura de dois sócios da executada originária para a poderem vincular perante terceiros, não acarreta forçosamente que ela assim tenha procedido, podendo ter girado comercialmente sem respeitar tal condicionalismo, sendo certo que tal conduta apenas se reflecte ao nível da sua responsabilidade perante aqueles e, por consequência, se e na medida em que não cumpra os acordos e transacções comerciais que tenha celebrado.

- Por consequência, daquela imposição do pacto social não se pode concluir decorrer uma qualquer presunção natural de que, os sócios da sociedade executada exerceram a gerência da mesma.»

Os factos assentes nestes autos não se mostram suficientes para, por ilação ― presunção judicial ― dar por firmado o exercício de facto da administração da devedora originária por parte do Oponente durante o período a que respeitam as dívidas.

Assim sendo ― e cabendo à AT, conforme jurisprudência reiterada e constante dos tribunais, o ónus de prova dos factos que sustentam a responsabilidade subsidiária do gerente ou administrador da pessoa colectiva executada originária pelo pagamento da dívida exequenda, enquanto condição da reversão ―, não basta a comprovação da gerência de direito para o período a que respeitam as dívidas, pelo que se conclui que não logrou a AT demonstrar (nem tal resultou de outros elementos carreados para os autos) que à designação tenha correspondido por parte do Oponente ao exercício efectivo da função de gerente para aquele período.

O que acarreta, necessariamente, que tenha de se concluir pela não verificação dos pressupostos legais da responsabilização subsidiária do ora Oponente, enquanto administrador da executada originária, que é, por isso, parte ilegítima para a execução.”

Do regime constante do art. 24.º, n.º 1 da LGT resulta que o chamamento dos “administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados”, os quais são subsidiariamente responsáveis em relação à dívida e solidariamente responsáveis entre si, depende da verificação do exercício efectivo de gerência, ou seja a existência de uma situação de gerência de facto (Acórdão do STA de 09/04/2014, proc. n.º 0954/13), não bastando a mera titularidade do cargo de gerente, isto é, a gerência nominal ou de direito.

Assim, a responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente ou administrador.

Como se salienta no Acórdão do STA, de 02/03/2011 no recurso nº 0944/10, “Como se conclui da inclusão nesta disposição das expressões «exerçam, ainda que somente de facto, funções» e «período de exercício do seu cargo», não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções, ponto este que é pacífico, a nível da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo.

Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto, à semelhança do que o artigo 13.º do CPT também já consagrava”.


É também pacífico na jurisprudência o entendimento de que é à Fazenda Pública como titular do direito de reversão que compete fazer a prova da efectividade da gerência. Na verdade, ao abrigo do regime previsto no art.º 24.º, n.º 1, da LGT, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, se dê por provado o efectivo exercício da função de gerente, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova desse pressuposto da responsabilidade subsidiária, aí se incluindo o exercício de facto da gerência.

Como também se referiu no já citado Acórdão do STA, de 02/03/2011 no recurso nº 0944/10 : “Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC).

As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.

As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).

De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.

No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).

Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.

Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»

Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.

Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar. (…)

Como este Tribunal já afirmou em acórdão de 28/02/2007, no recurso n.º 1132/06, proferido em Pleno da Secção de Contencioso Tributário, «As presunções influenciam o regime do ónus probatório.

Em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos. Mas, se o onerado com a obrigação de prova beneficia de uma presunção legal, inverte-se o ónus. É o que decorre dos artigos 342.º n.º 1, 350.º n.º 1 e 344.º n.º 1 do Código Civil.

Também aqui o que vale para a presunção legal não serve para a judicial. E a razão é a que já se viu: o ónus da prova é atribuído pela lei, o que não acontece com a presunção judicial. Quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.

(…) Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Mas, no regime do artigo 13.º do CPT, porque beneficia da presunção legal de que o gerente agiu culposamente, não tem que provar essa culpa.

Ainda assim, nada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora.

Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.

Este efectivo exercício pode o juiz inferi-lo do conjunto da prova, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, etc.

Mas não pode retirá-lo, mecanicamente, do facto de o revertido ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.

A regra do artigo 346.º do Código Civil, segundo a qual «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova», não tem o significado que parece atribuir-lhe o acórdão recorrido. Aplicada ao caso, tem este alcance: se a Fazenda Pública produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.”.

Desde logo se salienta que, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e acima mencionada, mesmo nas situações de comprovada gerência de direito, a Fazenda Pública não pode alhear-se da prova quanto à efectividade da gerência, sem prejuízo de o julgador poder inferir o exercício dessa gerência da globalidade da prova produzida.

Importa apurar se os factos dados como provados na sentença do Tribunal Tributário de Lisboa permitem concluir pelo exercício da gerência de facto por parte do Recorrido, como alega a Recorrente.


No caso em apreço resultou provada a gerência de direito porquanto o Oponente foi nomeado gerente e a sociedade obrigava-se com a assinatura conjunta dos dois gerentes (cfr. alíneas A) e B) do probatório).

No entanto como já referimos, não constituindo a mera nomeação ou inscrição no registo comercial como gerente prova suficiente para se concluir pela gerência efectiva, importa analisar que actos resultam do probatório, que sejam imputáveis ao Recorrido e susceptíveis de indicar o exercício efectivo da gerência.

Destarte resultaram provados os seguintes factos:

- Em 09/12/1994 o Oponente subscreveu a declaração de início de actividade da sociedade, na qualidade de seu representante legal (cfr. alínea C) do probatório).

- Em 20/09/1995 o Oponente subscreveu a declaração de alterações da sociedade, na qualidade de seu representante legal (cfr. alínea D) do probatório).


Para a Recorrente tais factos são suficientes para a prova da gerência, alegando ainda que “estando activa a sociedade e estando os seus gerentes designados, haverá sempre responsabilidade subsidiária por parte do Oponente, que não diligenciou pelo encerramento da sociedade, nem pelo cumprimento das obrigações da mesma (…) não tendo providenciado pelo encerramento e liquidação da sociedade, nem pelo cumprimento dos deveres que visava cumprir em representação da sociedade, deve ser responsabilizado senão pelos actos positivos, por deserção, por omissão no dever de diligência no cumprimento das obrigações.” (cfr. Conclusões IV e VII).

Mas não lhe assiste razão.

No caso em apreço estamos perante dívidas de tributos dos anos de 2000, 2001 e 2003 a 2006 sendo evidente que em relação a esses períodos nada ficou provado quanto à gerência do Recorrido, destacando-se que os dois actos praticados pelo Recorrido reportam-se a 1994 e 1995. Assim, impendia sobre a Fazenda Pública a prova de que o Recorrido, no período a que respeita a dívida, praticou actos de gerência e como tal recaía sobre si a responsabilidade pelo encerramento da sociedade e pelo cumprimento das obrigações. Na verdade a Fazenda Pública, nas conclusões acima mencionadas, limita-se a proferir afirmações conclusivas sem que tenha recolhido elementos probatórios que permitam sustentar tais conclusões.

Ressalte-se que o julgador deve extrair do conjunto dos factos provados o efectivo exercício da gerência, formando a sua convicção pelo exame crítico das provas.

Com efeito, no Acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12, é referido que: “I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social. II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário. III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova. IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência. V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.”

Desta forma, no procedimento de reversão, a Administração Tributária deve verificar se os gerentes de direito exerceram de facto essa gerência, e para formar a sua convicção, deve juntar ao procedimento elementos de prova que a sustentem, por forma a assegurar o seu ónus probatório. Se concluir pelo não exercício de facto da gerência pelos gerentes de direito, deve então apurar quem exerceu a gerência de facto do sujeito passivo, na medida em que tais pessoas são responsáveis subsidiários ainda que a sua actuação seja “somente de facto”, como refere o n.º 1 do art.º 24.º da LGT, pois do preceito legal não se exige a gerência nominal ou de direito, sendo suficiente a mera gerência efectiva ou de facto.

Chegados aqui, dúvidas não existem que perante a factualidade fixada na sentença recorrida é de concluir que, não tendo sido feita qualquer prova de que o Oponente, para além de deter a qualidade de gerente de direito da devedora originária, também a exerceu de facto, praticando os actos próprios e típicos da gerência, no período aqui em causa (seja a assinatura de contratos ou quaisquer outros documentos, a efectivação de pagamentos, a contratação de pessoal, a alienação ou aquisição de património, a negociação de fornecimentos, entre outros), não pode ser responsabilizado, a título subsidiário, pelo pagamento das dívidas exequendas referentes a IVA dos anos de 2000, 2001 e 2003 a 2006 e a IRC de 2006, sendo por isso parte ilegítima na execução fiscal. E repete-se, como acima foi referido, que era à Fazenda Pública que competia a prova de tal exercício.

Importa agora analisar a responsabilidade subsidiária da dívida de coimas fiscais do ano de 2009.

Dispõe o art.º 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º15/2001, de 5 de Junho, no segmento pertinente para os autos:

«1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:
a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;
b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento».

Como resulta da letra do preceito acima transcrito, a Administração Tributária não tem a seu favor qualquer presunção legal de culpa do revertido, de que se possa prevalecer.
Isto significa que na reversão das dívidas exequendas subjacentes a coimas fiscais, cabe à Fazenda Pública o ónus da prova no que diz respeito aos pressupostos constitutivos da culpa do revertido na insuficiência do património social ou na falta de pagamento da coima.

Como no Acórdão do STA de 27/09/2017 no proc. 0377/17 se refere “O artigo 8º do RGIT não consagra uma presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do despacho de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social e, sempre que essa alegação seja contestada em sede de oposição, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de a provar, em conformidade com o disposto no artigo 74º nº 1 da LGT, sob pena de ilegitimidade do oponente para a execução.”

Ora, no despacho de reversão nada consta no que concerne à culpa do Oponente na situação de insuficiência patrimonial ou de falta de pagamento das coimas, também a Fazenda Pública na contestação, nada alegou de pertinente e menos logrou provar quanto à culpabilidade do Oponente na insuficiência patrimonial da pessoa colectiva, pelo que quanto a estas dívidas provenientes de coimas fiscais, ocorre efectivamente a ilegitimidade do Oponente para a execução.

Em suma, porque à luz da factualidade provada se verifica que nada ficou demonstrado quanto à eventual culpa do Oponente pela falta de património social para pagamento das dívidas provenientes de coimas, e porque competia à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos para essa responsabilização subsidiária, há que valorar essa falta de prova contra si.

Destarte se conclui que todos os fundamentos invocados no presente recurso pela Fazenda Pública mostram-se improcedentes, devendo manter-se a sentença recorrida.


V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente em ambas as instâncias.

Lisboa, 22 de Outubro de 2020
[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha].
Luisa Soares