Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07148/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/26/2014
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:IMPUGNAÇÃO – RELATÓRIO DE INSPECÇÃO – FORÇA PROBATÓRIA – ÓNUS DE PROVA
Sumário:(i) O valor probatório do relatório de inspecção está condicionado pela aplicação do princípio do contraditório.
(ii) Assim, o valor probatório do relatório da inspecção tributária só poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas
(iii) O ónus de prova do acordo simulatório pertence à Administração Tributária; compete àquele contra quem a imputação de simulação é feita contradizer essa prova, ou seja, provar a veracidade desse acordo
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1 - Relatório

a) - As partes e o objecto do recurso

A FAZENDA PÚBLICA, inconformada com a sentença do TAF de Sintra que julgou totalmente procedente a impugnação que a recorrida J....................., S.A., deduziu contra as liquidações adicionais de IRC n° 8310017552 e 8310017606, respectivamente dos exercícios de 2003 e 2004, e liquidações de juros compensatórios n.°s 1997399 e 1999953, no montante global de € 964.389,86, veio interpor recurso jurisdicional em cujas alegações concluiu como segue:
1.ª No caso dos autos recolheu a Administração Tributária indícios sérios de que a contabilização do negócio entre a Impugnante e a O....., Lda. referente aos lotes de terreno 58 e 59 da Urbanização Jardins da Parede II, não foi efectuada nos termos reais para efeitos de apuramento de IRC do exercício.
2.ª Não obstante, constar do probatório, na alínea L), que o aditamento ao contrato promessa não foi executado, conforme depoimento da 2a testemunha, verifica-se que não tendo a mesma intervindo no contrato e não possuindo um conhecimento directo dos factos, não é o mesmo testemunho por si só suficiente para permitir aquela conclusão, não devendo ser dado como provado este facto.
3.ª Estando-se em presença de um presumível negócio simulado, em que se procuraram omitir valores de proveitos perante a Fazenda Nacional, a sua documentação dificilmente passaria pela contabilidade através da qual seriam esses proveitos apurados, o que justifica o desconhecimento por parte da testemunha para os contornos reais do negócio e para o facto de os mesmos não estarem evidenciados na contabilidade.
4.ª De acordo com a O......, Lda., o referido aditamento ao contrato promessa foi lavrado para garantia de um negócio verbal estabelecido entre as partes - isso mesmo consta do termo de declarações assinado pelos sócios gerentes da O......, Lda., datado de 03/07/2007, junto aos autos em 12/10/2012 - com o RIT do exercício de 2003 da O......, Lda.. - pela Fazenda Pública, com o n.° de registo SITAF 173653 e 173654.
5.ª O presidente do Conselho de Administração da Impugnante, como consta do RIT, no ponto 2.2. e que terá assinado em representação desta sociedade na procuração junta aos autos, também explicou o referido aditamento com a indicação de que o mesmo consubstanciava uma garantia em declarações prestadas no âmbito de procedimento de inspecção pela sua procuradora, conforme consta no ponto II 1.1.4 do RIT, factos que deveriam ter sido levados ao probatório.
6.ª Assim sendo, verifica-se que foi mesmo atribuído, pelas partes, um conteúdo e efeito ao referido aditamento.
7.ª Tal como explicado pela O......, Lda.., cf. ponto III.1.2 do RIT, e termo de declarações acima mencionado de 03/07/2007, o negócio a que o referido aditamento visou servir de garantia, consubstanciou-se na cedência de terrenos da propriedade da Impugnante, obrigando-se por sua vez a O......, Lda.. à construção de um empreendimento e posterior venda das fracções autónomas edificadas nesses lotes. No referido termo de declarações, é ainda esclarecida a entrega ao Sr. J...... do valor de 40% do valor real da venda das fracções, como contrapartida daquele negócio.
8.ª Sendo que, como resulta das declarações recolhidos junto dos compradores das fracções, referidas em 2.4.1 e em III. 4.1 do RIT referente à inspecção feita ao ano de 2003 à O......, Lda., (junto aos autos com o n.° de registo SITAF 173653 e 173654 de 12/10/2012), e como resulta deste termo de declarações dos sócios gerentes da O......, Lda., o valor declarado nas escrituras de venda das fracções em causa era inferior ao valor real - facto que também deveria constar do probatório.
9.ª Esses valores, como resulta do RIT junto aos autos pela Fazenda Pública em 12/10/2012, eram omitidos na contabilidade da O......, Lda., sendo compagináveis com os valores a entregar ao Sr. J......, conforme resulta da descrição do negócio efectuada pela O......, Lda..
10.ª Contudo, este "aditamento" que, na explicação do Sr. José Dias garantiria um negócio particular, como referido no probatório, foi assinado pelo Sr. José A............... em representação da Impugnante.
11.ª E, os terrenos objecto daquele "aditamento" eram, como resulta da escritura, propriedade da Impugnante.
12.ª Ora, tendo a Impugnante intervindo no "aditamento", bem se compreende que também o negócio "real" se tenha repercutido na sua esfera patrimonial, nomeadamente pelas entregas ao seu accionista J...... por parte dos Sócios gerentes da O......, Lda..
13.ª Acrescendo que o suposto empréstimo, para o qual não foi apresentado qualquer elemento de prova documental, que seria nulo por falta de forma, e que configuraria um negócio usurário, datando de 31/03/2000 é posterior à data da prestação da garantia.
14.ª Em face dos elementos constantes dos autos apenas poderia servir como garantia ao cumprimento do negócio de partilha de proveitos entre a O......, Lda. e a J. ........., SA, nos termos que a Administração Tributária fez constar do RIT.
15.ª Deste modo atendendo aos elementos carreados para os autos e á fundamentação constante do relatório de inspecção verifica-se que "os elementos avançados pela administração tributária no sentido de suportar a conclusão da existência do referido acordo simulatório" efectivamente comprovam, ou indiciam de forma séria, a existência desse acordo simulatório e consequentemente a não aderência à realidade da documentação objecto de contabilização, em violação do disposto no art. 3o n.° 1 al. d) e n.° 2 e 17° do CIRC.
16.ª Concluindo-se assim que a actuação da Administração Tributária decorreu da verificação dos pressupostos legais - a existência de indícios sérios e credíveis - que o permitiam e, por essa razão, recaía sobre a contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação, que não demonstrou.
17.ª Nos presentes autos, estamos perante uma causa de valor superior a € 275.000,00, estabelecendo o n.° 7 do art. 0 6o do RCP que "(...) o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
18.ª Ora no caso dos autos, não obstante existir alguma complexidade nas questões em apreciação, a mesma complexidade não se nos afigura de molde a exigir o pagamento daquele remanescente, o qual tem apenas em consideração o valor do processo sendo independente da sua complexidade, o que se encontra em violação dos princípios constitucionais de proporcionalidade e de acesso aos tribunais, artigos 20°, 2o e 18° n.° 2 segunda parte da Constituição.
19.ª E as partes não tiveram, a nosso ver, no âmbito do processo um comportamento que se tivesse afastado da normalidade, ou fosse determinante de um grau de censura que implicasse o pagamento daquele remanescente.


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Colhidos os vistos vem o processo à conferência.

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2 – Fundamentação

a) - De facto
(1). A Impugnante exerce a actividade de "construção e engenharia civil" a que corresponde o CAE 45212.
(2). A Impugnante está enquadrada no regime especial de tributação em sede de IRC.
(3). Em cumprimento da Ordem de Serviço n ° 01 200705505 e OI200705506, ambas de 23.03.2007, foi efectuada acção inspectiva interna, para o exercício de 2003 e 2004 à Impugnante.
(4). A acção de inspecção a que se alude em (3) surgiu na sequência da " Acção Mútuos 2002" realizada ao exercício de 2003 à empresa, "O……….., Sociedade de Construções, Lda.".
(5). Na sequência da acção de inspecção a que se alude em (3) foi elaborado Relatório Final do qual consta:
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES
MERAMENTE ARITMÉTICAS NA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
lll.1. Descrição dos factos
III.1.1 Negócio tributado
O S.P. realizou um Contrato de Promessa de Compra e Venda em 1 de Abril de 1991, com a entidade O………, Sociedade de Construções, Lda., NIPC ……………, no qual promete vender dois lotes de terreno, para construção de prédios urbanos, sujeitos (De acordo com o descrito no aditamento ao contrato promessa de compra e venda de 20 de Março de 2000 ) [ao] regime de propriedade horizontal, designados por lotes 58 e 59, da Urbanização "Jardins da Parede 2".
Em 20 de Março de 2000 foi celebrado um aditamento ao mesmo contrato, que altera o preço inicialmente acordado, para € 2.493.989,49 (Anexo I).
Em 31 de Março de 2000, no Cartório Notarial de Oeiras, as partes envolvidas nos contratos de promessa descritos, foram outorgantes na Escritura de Compra e Venda lavrada no Livro 745, de fls. 46 a 47v.º, dos referidos lotes 58 e 59, pelo preço de 267,000.000$00 (€1.331.790,39) e 20.500.000f 00 (€102.253,57), respectivamente, perfazendo o valor total de €1.434. 043, 95;
Estes lotes originaram os prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia da Parede sob os artigos n.°s 5686 e 5687, compostos por 4 e 42 fracções, respectivamente.
No exercício de 2003 e 2004, foram alienadas respectivamente, 18 (dezoito) e 4 (quatro) fracções do artigo 5687, através de escritura pública de compra e venda, em que os valores outorgados são invariavelmente inferiores ao efectivamente pago pelas transacções.
Foram ainda alienadas do mesmo empreendimento, três fracções em 2005 e três em 2006. 1
III.1.2 Exposição da O…… do Negócio efectuado
No decurso da acção inspectiva à firma O…… Sociedade de Construções, Lda., através da consulta aos seus documentos contabilísticos e da análise das informações recolhidas junto das diversas entidades (Cartórios, Câmara Municipal, Sistema Informático da DGCI) e dos intervenientes nas transacções efectuadas (representantes da Olago e particulares adquirentes das fracções), foi possível concluir que o negócio celebrado entre as empresas O…… e J…….., não foi efectuado nos contornos descritos no ponto anterior, quer quanto à sua natureza, quer quanto ao seu valor.
Do supra citado procedimento inspectivo e do contacto estabelecido com os Sr.s C……….. e M………………….., na qualidade de sócios gerentes O…. Sociedade de Construções, Lda., realçam-se os seguintes aspectos:
Quanto ao pagamento dos valores declarados na escritura de compra e venda dos lotes de terreno 58 e 59 efectuado a J. ……….., SA, o mesmo foi realizado através de dois cheques emitidos pela O…. à ordem da alienante, no montante de 267.000.000$00 e 20.500.000$00, conforme talões de depósito que se juntam (Anexo II);
Paralelamente, na data da realização da escritura, o Sr. J…….., NIF ……….. Presidente do Conselho de Administração da empresa J. ……….., SA, procedeu à devolução destas importâncias, mediante a entrega de dois cheques à ordem dos mencionados sócios da alago, um no valor de 267.000.000$00 e outro de 20.500.000$00 (Anexo III);
Quanto ao aditamento ao Contrato de Promessa de Compra e Venda, não foi efectuado qualquer pagamento, porquanto, este apenas foi lavrado para garantia dum negócio verbal estabelecido entre as partes;
Em virtude da O…. não possuir capacidade financeira para adquirir o terreno e simultaneamente construir tal empreendimento, celebrou verbalmente com o Sr. J…….. o citado negócio. Este, consiste, em suma, na cedência dos terrenos pela sociedade J…………., SA, obrigando-se por sua vez a O…. à construção de um empreendimento e posterior venda das fracções autónomas edificadas nesses lotes. Como contrapartida pelo negócio a empresa J…………., S.A., na pessoa do Sr. J…….., receberia 40% do valor real da venda de cada uma das fracções, ficando os remanescentes 60% para a O…….., Sociedade de Construções, Lda.;
Com o intuito da referida partilha, foram emitidos cheques ao longo dos anos, pelos sócios da O…. a J…….., correspondentes a 40% das importâncias que iam sendo recebidas dos adquirentes (sinal reforço e valor da escritura, perfazendo o valor real efectivamente pago por cada fracção);
Com referência às alienações efectuadas nos anos ele 2002, 2003 e 2004, foram emitidos cheques no montante total de € 3.947.986,54, conforme cópias entregues pelos declarantes. (...)
III.1.3 Exposição do representante da J…………, SA do negócio efectuado
Ao abrigo do dever de colaboração, previsto no n.° 4 do artigo 59° da LGT, foi notificada a sociedade J. ..........., S.A. para comparecer nestes Serviços a fim de confirmar o valor pelo qual efectuou as alienações dos lotes da Urbanização Jardins da Parede. Em 16 de Maio de 2007, compareceu nesta Direcção de Finanças o Sr. José A....................., NIF133.765.563, na qualidade de administrador da referenciada sociedade, procedendo à entrega das escrituras de compra e venda e respectivos talões de depósito dos meios de recebimento dos diversos lotes de terreno alienados desde 1999, entre os quais os lotes 58 e 59.
Declarou conforme Termo de Declarações (Anexo IV), não ter encontrado na contabilidade mais elementos do que os que exibiu, nomeadamente os contratos de promessa de compra e venda, não tendo contudo autorizado a Administração Fiscal a aceder aos documentos/elementos bancários.
Adiantou ainda, embora não tenha ficado lavrado no citado termo, que os negócios referentes aos referenciados lotes de terreno, correspondiam ao transcrito nas respectivas escrituras de compra e venda e que como tal, estavam relevados na contabilidade da firma J............., S.A..
III.1.4 Exposição de J........ do negócio efectuado
No âmbito do despacho externo n.° DI200704683, contactamos o Sr. José Dias NIF 133.765.601, que compareceu neste serviços no dia 15 de Junho de 2007, e em resposta às questões colocadas no Termo de Declarações, a Dra. P......................, na qualidade de procuradora do mesmo, afirmou, que a divergência entre o valor declarado na escritura e o valor mencionado no aditamento ao contrato de promessa de compra e venda destinava-se "... a garantir um empréstimo pessoal que J........ fez a Luís F................ e C................... em 31 de Março de 2000." (data da escritura), nos montantes de 267.000.000$00 e 20.500.000$00 através de dois cheques da Caixa Geral de Depósitos n.°'s 7023624772 e 6123624773, dos quais anexou cópia dos duplicados.
Afirmou ainda que "Para garantir o retorno de tais montantes, vários anos depois, tendo em conta o risco e remuneração do capital emprestado, estabeleceram os interessados um diferencial de preço através de aditamento ao contrato promessa. Tratava-se de mera garantia e não de qualquer valor ou preço a receber pela sociedade que nada mais recebeu do que o valor constante na escritura.".
111.2. Apreciação dos factos
Na escritura efectuada em 31.03.2000 em que são outorgantes as sociedades J…………., S.A. e O…. Sociedade de Construções, Lda., é estabelecida a compra/venda dos lotes 58 e 59, propriedade da primeira, pelo preço global de 287.500.000$00 (€1.434,043,95).
No aditamento, efectuado em 20.03.2000, ao Contrato de Promessa realizado entre as mesmas partes outorgantes da escritura, foi fixado como valor global da transacção, a importância de 500.000.000$00 (€2.493.989,49).
3. O representante da empresa J…………., SA no citado aditamento foi o Sr. José A…………………, descendente do Sr. J……...
4. O Sr. José A…………………, na qualidade de administrador da firma J. ……….., SA, afirma que não encontrou quaisquer contratos de promessa relativos à venda dos lotes de terreno.
5. O aditamento ao Contrato de promessa referido no ponto 2, é mencionado pela procuradora do Sr. J…….. como garantia dum empréstimo pessoal efectuado por ele aos sócios da O…..
6. Da análise à empresa O…. Sociedade de Construções, Lda., foi possível depreender, relativamente ao mesmo aditamento, que esse serviu não de garantia de um empréstimo pessoal mas sim de garantia para o negócio descrito no ponto 111.1.2.
7. O montante do "empréstimo" que o Sr. J…….. alega ter efectuado é suportado por dois cheques emitidos à ordem dos sócios da O…., de valor igual ao da escritura e teria sido efectuado na mesma data.
8. Os cheques emitidos pelos sócios da O…. a J…….., ao longo dos anos em que decorreu a comercialização das fracções, correspondem aproximadamente a 40% do valor real das transacções das mesmas, conforme discriminação em quadro anexo (Anexo V).
9. Os proveitos omitidos pela O….. que foram recebidos na esfera pessoal dos seus sócios nos diversos exercícios, correspondem a uma percentagem superior a 40% do valor real das transacções das fracções.
Face ao exposto infere-se a existência de inconsistências entre os factos e as diferentes alegações prestadas pelos intervenientes (e seus representantes no negócio):
A data em que é efectuado o aditamento ao contrato promessa (20 de Março de 2000) é anterior à data da celebração da escritura e à data em que é efectuado o "empréstimo", ambas a 31 de Março de 2000;
O suposto "empréstimo"foi comprovado através de dois cheques emitidos na mesma data e no mesmo montante dos utilizados pela O…. na alegada aquisição, sendo que os beneficiários destes (sócios da O….) são diferentes dos outorgantes na suposta garantia (O…./J. ……….., SA);
Sendo que este empréstimo seria, desde logo, nulo por falta deforma, pois que ao abrigo do disposto no art.° 1143 do Código Civil, "O contrato de mútuo de valor superior a 20.000 euros só é válido se for celebrado por escritura pública (. .. )" Considerando que os montantes envolvidos de empréstimo perfaziam um total de 1.434.043,95 €, e atenta a qualidade de José Dias afigura-se, no mínimo, estranha a conduta do mesmo, não titulando de modo algum tal empréstimo. Não apresentado sequer documento escrito assinado pelos mutuários.
A propriedade dos lotes de terreno é da sociedade J. ……….., SA e a alegada garantia foi prestada a J…….. que refere ser um empréstimo pessoal.
Os intervenientes no aditamento ao contrato promessa invocado pela procuradora do Sr. J…….. como garantia do "empréstimo" pessoal não correspondem aos aludidos "devedores" e "credor", não tendo o referido "credor" (J……..) qualquer intervenção na execução do aditamento.
Mais, cai por terra a versão dos factos apresentada por J…….., quando este mesmo aditamento ao Contrato de Promessa foi efectuado pelo Sr. José A…………………, na qualidade de administrador da J. ……….., SA.
Assim, este aditamento apenas poderia servir de garantia ao cumprimento do negócio de partilha de proveitos estabelecido entre as partes envolvidas – O…. Sociedade de Construções, Lda. e J. ……….., SA.
A diferença entre os valores da escritura e do aditamento ao contrato de promessa (€1.039.946,53) não se mostra suficiente para hipoteticamente garantir o “empréstimo” (€1.434.043,95), muito menos a remuneração da capital referida pela procuradora do Sr. J……...
O invocado retorno do empréstimo de 287.500.000$00 (€1.434.043,95) e da remuneração de capital (€2.513.942,59), perfaz o montante de € 3.947.986,54 em conformidade com os meios de pagamento recolhidos.
Importa salientar que estes pagamentos são apenas relativos às alienações escrituradas até 2004, e que o valor de € 2.513.942,59 a ser considerado remuneração de capital corresponderia a taxas de juro incompatíveis com as praticadas no mercado.
Assim, a aceitar-se como verdadeiras as declarações de J…….., estaríamos perante um negócio usurário, nos termos conjugados dos artigos 1146.°e 282.0 do Código Civil constituindo tal crime conforme disposto no art.º 226 do Código Penal, punível com pena de prisão até dois anos." (...)
III-4. Apuramento das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
Em resultado das notificações efectuadas aos adquirentes das fiações alienadas em 2003 e 2004, e dos meios de pagamento apresentados, foi possível apurara o valor real das transacções efectuadas, que nos anos em análise totalizou a importância de € 5.590.249,96 e € 1.056.217,00, respectivamente.
Tal com referido no ponto III. 3.1 o negócio real estabelecido entre as empresas O…. e J……, determina que o valor real das vendas do exercício de 2003 e 2004, que perfazem, os montantes de € 5.590.249,96 e € 1.056.217,00, seja partilhado pelas sociedades intervenientes, na proporção da percentagem acordada, correspondendo ao SP os proveitos constantes no quadro seguinte: Quadro 1

Exercício
Proveitos Totais
% participação
Proveitos a imputar
2003
5.590.249,96
40%
2.236.099,98
2004
1.056.217,00
40%
422.486,80

(...)
Assim deverá cada um dos intervenientes do negócio reconhecer a sua parte no rédito que obtêm pela venda dos bens resultantes do empreendimento conjunto.
Desta forma será de reconhecer proveitos do exercício de 2003 e 2004 os montantes de € 2.236.099,98 e € 422.486,80, respectivamente, apurados no ponto III.4.1.
De acordo com as correcções previstas, determinamos o lucro tributável conforme se descrimina:
2003 2004
1) Lucro tributável declarado € 298.222,38 € 2.191.127,23
2) Correcções €2.236.099,98 € 422.486,80
Proveitos omitidos € 2.236.099,98 €422.486,80
Total das correcções €2.236.099,98 € 422.486,80
3) 1 +2= Lucro tributável € 2.534.322,36 €2.613,614,03
( Doc. de fls. 26/77 do processo administrativo tributário apenso)
Na sequência da acção de inspecção tributária a que se alude em (3), a Administração Fiscal efectuou as liquidações adicionais de IRC n°s 2007- 8310017552 e 2007-8310017606, referentes respectivamente aos exercícios de 2003 e 2004, nos valores de € 737.912,99 e € 116.183,86 e liquidações de juros compensatórios n.°s 2007-1997399 e 2007-1999954, referentes aos exercícios de 2003 e 2004, nos montantes de € 10.988,12 e € 964.389,86. (Doc. n.°s 1 e 2 junto à p.i.)
(5). A sociedade "O…. Sociedade de Construções, Lda." possui como sócios L…………………, C………………., M………………….. e A……………………. (Doc. fls. 273/290 dos autos)
(6). Em 20.03.2000, entre a Impugnante e a sociedade "O…. - Sociedade de Construções, Lda.” respectivamente na qualidade de promitente vendedora e compradora celebraram um acordo que designaram "Aditamento aos contratos de promessa celebrados em 01/04/1999", do qual se extrai designadamente o seguinte:
"CONSIDERANDO QUE:
A primeira e a segunda outorgantes, na prossecução das sua finalidades sociais, celebraram em 30 de Março de 2000, os contratos promessa de compra e venda cujas cópias se juntam em anexo, relativamente à aquisição dos lotes de 58 e 59 da Urbanização " Jardins da Parede 2";
Nos referidos contratos previa-se a possibilidade de alteração do preço, no caso do Alvará de Loteamento sofrer alterações, quanto ao índice de construção, tipologias previstas, ou se os valeres médios de comercialização de lotes ele terreno idênticos fossem superiores à data da celebração da escritura pública de compra e venda:
Nos termos do n" 2 da cláusula 4" do supra referido contrato promessa, o valor do preço pode ser alterado por acordo elas partes, desde que formalizado por documento particular;
d) Entendendo que, devido ao facto do Alvará de Loteamento do imóvel não se ter aprovado nas exactas condições acordadas (alteração positiva do índice de construção e aumento do valor comercial dos referidos lotes), a primeira e a segunda outorgantes acordam na alteração do preço, nos termos abaixo referidos.
Assim, é livremente e de boa fé celebrado e reduzido a escrito particular o presente aditamento ao contrato promessa de compra e venda junto em anexo, o qual se rege pelos pressupostos expressos e pelas cláusulas seguintes:

1.ª CLÁUSULA
Atendendo ao facto do Alvará de Loteamento ter sido aprovado com alteração positiva do índice de construção previsto aquando da celebração dos contratos mencionados e, ainda, ao aumento do valor comercial dos referidos lotes, as partes outorgantes acordam em alterar o preço global dos Lotes de terreno para Esc. 500.000.000$00 (Quinhentos milhões de escudos).
2.ª CLAUSULA
O valor do preço ora acordado, no montante de 500.000.000$00 (quinhentos milhões de escudos), poderá ser liquidado através da entrega das fracções autónomas a construir nos lotes identificados, desde que exista acordo entre as partes, formalizado por escrito (contrato promessa de compra e venda das fracções).
3.ª CLAUSULA
A transferência das fracções para a titularidade da primeira outorgante, ou de quem esta indicar, será efectuada pela forma que esta entender, considerando-se o preço pago na data da assinatura do auto de entrega (tradição do bem).
4.ª CLAUSULA
Ambas as outorgantes acordam e reiteram a aceitação dos direitos e obrigações emergentes dos contratos prometidos, que se mantém inalterados quanto ao restante clausulado. "(Doc. fls. 78/80 do processo administrativo tributário apenso - Anexo I ao RIT)
(7). J…….. emitiu o cheque n.° 7023624772, no valor de 267.000.000$00 com data 31.03.2000, sacado sob a conta n.° 00025728730 da agência de Oeiras da Caixa Geral de Depósitos, S.A. tendo apresentado a pagamento em 04.04.2000 em conta titulada por L…………………, C………………., M………………….. e A……………………. (Doc. fls. 108/110 dos autos e Anexo III ao R.I.T.)
(8). J…….. emitiu o cheque n.° 7023624773, no valor de 20.500.000$00, com data de 31.03.2000, sacado sob a conta n.° 00025728730 da agência de Oeiras da Caixa Geral de Depósitos, S.A. tendo sido apresentado a pagamento em 04.03.2000, em conta titulada por L…………………, C………………., M………………….. e A……………………. (Doc. fls. 135 dos autos)
(9). Mediante escritura pública de compra e venda lavrada em 31.03.2000, no Cartório Notarial de Oeiras, J…………………….., na qualidade de procurador e em representação da Impugnante declarou vender à sociedade, "O…..- Sociedade de Construções, Lda." e esta declarou comprar os lotes de terreno para construção, designados por lotes 58 e 59, sitos na Urbanização Jardins da Parede ii" pelo preço de € 14.34.043,95 (PTE 287.500.000$00), quantia essa que declarou já ter recebido.(Doc. fls. 154/157 dos autos)
(10). O Aditamento ao Contrato Promessa não foi executado. (Depoimento da 2.ª Testemunha)
(11). Em 19.03.2008, deu entrada em juízo a petição inicial que originou os presentes autos. (Fls. 2 dos autos)

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b) - De Direito

A sentença julgou a impugnação procedente basicamente por considerar que a recorrente Fazenda Pública não fez prova dos factos que lhe competia provar.

Contra o decidido a recorrente principia por afirmar que a Administração Tributária recolheu “indícios sérios de que a contabilização do negócio entre a Impugnante e a O......, lda.. referente aos lotes de terreno 58 e 59 da Urbanização Jardins da Parede II, não foi efectuada nos termos reais para efeitos de apuramento de IRC do exercício”.

O que são indícios?

Recorrendo ao Dicionário Online da Porto Editora, fica-se a saber que indícios significam “indicação; sinal; vestígio”(1).

Já a prova, embora no mesmo dicionário tenha também significado de “aquilo que serve de indício; marca”, em contexto processual tem mais do que um significado: pode designar a actividade probatória, o resultado probatório, neste caso numa perspectiva de convencimento do juiz ou como material probatório, o motivo ou argumento probatório destinado a influenciar a convicção do julgador ou exprimir o resultado final da instrução ou como meio probatório(2).

No caso presente tem um significado preciso: demonstrar a realidade dos factos (art.º 341.º do CC), isto é, mostrar ou confirmar a veracidade dos factos alegados pela parte a quem aproveitam segundo as regras de distribuição do ónus probatório (cfr. art.º 342.º do CC), o que corresponde ao segundo sentido acima referido.

Ora, a Fazenda Pública apoia-se no relatório de inspecção para fazer valer os seus argumentos.

Será assim?

O art.º 76.º, n.º 1, da LGT estabelece que “as informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei”. O art.º 115.º, n.º 2, do CPPT, institui que “as informações oficiais só têm força probatória quando devidamente fundamentadas, de acordo com critérios objectivos”. A fundamentação de que o preceito fala não se refere à fundamentação da própria informação, sob pena de se cair numa tautologia, mas sim a elementos objectivos e exteriores que comprovam as asserções produzidas pela inspecção tributária.

Para além disso o valor probatório do relatório de inspecção está condicionado pela aplicação do princípio do contraditório, sob pena de directa violação do art.º 20.º, n.º 4, da CRP, que postula um processo judicial tributário equitativo e subordinado a critérios de legalidade (due process of law), o que requer plena igualdade de armas entre ambas as partes, como de resto é reconhecido pelo art.º 98.º da LGT.

Actuado esse princípio e não sendo o relatório impugnado, este passa a ter força probatória plena. Sendo impugnado o que sucede?

Valem para esta situação as judiciosas palavras de Manuel de Andrade: “Se a parte a quem incumbe o ónus probandi fizer prova de per si suficiente (prova principal) o adversário terá, por seu lado, de fazer prova que invalide aquela; que a neutralize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza (convicção negativa). Não carece de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (convicção positiva); cfr. artigo 346.º do Código Civil”(3).

Ora, com as provas que ofereceu a recorrida logrou instilar a dúvida quanto à veracidade das informações contidas no relatório de inspecção, cuja insuficiência probatória é manifesta. Aliás, sintomático do pouco cuidado posto na recolha de prova são os documentos fotocopiados a fls. 49 e 53 do PA, que nem sequer se apresentem totalmente legíveis, pois à partes desses documentos que não foram fotocopiadas, pese embora sobrar espaço na folha de cópia…

Neste contexto a prova carreada para os autos pela Fazenda Pública é quase inexistente, pouco mais que nada. Nem sequer se dignou acatar o despacho de fls. 64. Não estão assim demonstrados os factos sobre os quais se apoiam as liquidações, cuja prova não se basta com meros indícios como sustenta a recorrente, antes impõe uma prova sólida que dê a conhecer a realidades dos factos (art.º 341.º do CC), sendo de salientar que o relatório de inspecção, pese embora o disposto nos artigos 76º, n.º 1, da LGT e 115.º, n.º 2, do CPPT, não constitui uma prova legal plena na acepção do art.º 347.º do CC, ao contrário do que certamente entende a recorrente.

Recorde-se que o ónus de prova do acordo simulatório ou pelo menos dos indícios sérios que o demonstram pertence à Fazenda Pública, como se decidiu no Acórdão deste TCAS de 06-10-2010(4), competindo à impugnante, ora recorrida, criar a fundada dúvida sobre os mesmos indícios(5)

Por outro lado, não é possível alterar a resposta dada por referência ao depoimento da segunda testemunha da impugnante, por dois motivos: o primeiro e decisivo, porque a recorrente não estruturou a impugnação da matéria de facto segundo os ditames do art.º 685.º-B do CPC, na redacção então vigente; o segundo, porque a alteração da matéria de facto significaria invadir o espaço da livre apreciação da prova e alterar a convicção da Senhora Juíza a quo, sem fundamento material bastante, já que não se antolha qualquer erro manifesto ou palmar nesse domínio.

Sucede que não houve o cuidado, em sede de inspecção, de juntar elementos documentais que claramente evidenciem essa realidade, pelo que perante a impugnação de tais factos pela recorrida outra solução não restava que não considerar tal factualidade.

Nesta ordem de ideias não merece acolhimento a pretensão de aditamento ao probatório dos factos constantes das conclusões 5.ª a 7.º; de resto o consta do probatório que nas escritura pública de compra “os valores outorgados são invariavelmente inferiores ao efectivamente pago pelas transacções.”

É certo que o tribunal a quo deu como provado um facto essencial à decisão da causa (que o aditamento ao contrato promessa não foi executado – cfr. n.º 10 do probatório), com base no depoimento de uma única testemunha, mas como não vem questionada a credibilidade da mesma e a força do seu depoimento, e não existindo uma dissonância patente entre esse facto e a demais factualidade apurada, que levasse a duvidar da sua veracidade, afigura-se-nos que não estamos perante uma situação que imponha (cfr. art.º 662.º, n.º 1, do CPC), a alteração da matéria de facto nesse concreto aspecto.

Assim, claudicando a argumentação da recorrente tendente a demonstrar a existência de provas quanto aos factos em que se apoiam as liquidações e baqueando a impugnação da matéria de facto, esboroam-se todas as conclusões formuladas pela recorrente, pelo que outro caminho não resta que não seja negar provimento ao recurso.

Por fim, quanto à questão da taxa de justiça, uma vez que o tribunal a quo não foi confrontado com a mesma, o que consubstancia questão nova para o tribunal de recurso, como é jurisprudência constante, dela não cabe conhecer.


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3 - Dispositivo:

Em face de todo o exposto acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

D.n.

Lisboa, 2014-03-27

________________________________________ (Benjamim Barbosa)

____________________________________________ (Anabela Russo)

_____________________________________________ (Cristina Flora)


1- In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-03-12].

2- Cfr. Michele Taruffo, La prova dei fatti giuridici: nozioni generali, Milano, Giuffrè, 1992, p. 47 e Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Ed.ª, 1979, p. 191.

3- Op. Cit., pp. 207/208.

4- Rec. n.º 03629/09, Rel. Gomes Correia.
5- Cfr. Ac. do TCAS de 20-04-2010, rec. n.º 03564/09, Rel. Eugénio Sequeira.