Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02956/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/15/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NATUREZA SUBSTANTIVA E SUBSIDIÁRIA DO MÉTODO DE AVALIAÇÃO INDIRECTA DA MATÉRIA COLECTÁVEL.
DEVER DE CUIDADA FUNDAMENTAÇÃO QUANTO À OPÇÃO PELA SUA UTILIZAÇÃO POR PARTE DA A. FISCAL.
AVALIAÇÃO INDIRECTA DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL AO ABRIGO DO ARTº.87, AL.B), DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ARTº.88, ALS.A) E D), DA L.G.TRIBUTÁRIA.
PARÂMETROS LEGAIS DA ACTUAÇÃO DA A. FISCAL NO EXERCÍCIO DA SUA COMPETÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO.
Sumário:1. A avaliação indirecta reveste natureza substantiva, dado que através dela se pode determinar o essencial do facto tributário, isto é, a sua quantificação. Por outro lado, a mesma avaliação indirecta tem carácter subsidiário (cfr.artº.85, nº.1, da L.G.T.), visto que o respectivo regime só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade ou uma dificuldade grave em determinar a matéria tributável através da avaliação directa ou objectiva, não se devendo a ela recorrer sem a verificação plena desse requisito. Isto significa que, mesmo quando o sujeito passivo viole os deveres de cooperação, a primeira forma a que se deve recorrer para fixar a matéria colectável é a avaliação directa (v.g.correcções técnicas), mais devendo ser efectuada a devida fundamentação relativamente à inviabilidade desta, antes de se recorrer à avaliação indirecta. Por outras palavras, a Administração Fiscal deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (cfr.artº.77, nº.4, da L.G.T.).
2. O recurso ao método de avaliação indirecta só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.artº.81, nº.1, da L.G. Tributária).
3. O artº.87, al.b), da L.G.Tributária, cuja redacção foi estabelecida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, prevê a possibilidade de avaliação indirecta da matéria tributável quando se verifica a falta dos elementos necessários para comprovar e quantificar directa e exactamente a matéria tributável, pelo que a avaliação directa é impossível. Esta impossibilidade, porém, só pode resultar das anomalias e incorrecções taxativamente indicadas nas várias alíneas do artº.88, da L. G. Tributária (cfr.artº.81, nº.1, da L.G. Tributária). Nestes casos, a avaliação da matéria tributável é feita com base em indícios, presunções ou outros elementos de que a Administração Tributária dispuser, de entre os taxativamente indicados no artº.90, nº.1, do mesmo diploma. Já o artº.88, als.a) e d), da L. G. Tributária, cuja redacção foi igualmente introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, consagra dois dos casos em que pode ser impossível a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável.
4. Como se constata pelas situações descritas no artº.87, da L.G.Tributária, o que releva para determinar o impedimento não é uma impossibilidade absoluta de avaliação directa da matéria tributável, mas sim a impossibilidade de tal avaliação no momento em que ela deve ser efectuada (impossibilidade relativa), assim se fazendo cessar a presunção de veracidade dos elementos declarativos e de escrita do sujeito passivo e incidindo sobre a A. Fiscal o ónus da prova de tal factualidade (cfr.artºs.74, nº.3, e 75, nº.1, da L.G.T.).
5. No artº.88, al.a), da L.G.Tributária, prevêem-se várias situações constitutivas de infracções tributárias (cfr.v.g.artº.116, do R.G.I.T.), designadamente a falta de entrega de declarações, a inexistência de contabilidade ou de livros fiscalmente relevantes, a não organização da contabilidade de harmonia com as regras de normalização contabilística e os atrasos na sua execução.
6. Já quanto ao artº.88, al.d), da L.G.Tributária, permite este normativo que o recurso à tributação por métodos indirectos possa assentar, autonomamente, em duas situações que não resultam, ao menos directamente, de uma falta de colaboração manifesta do sujeito passivo. O preceito sob exame veio introduzir a possibilidade de recorrer a indícios fundados de que as declarações, contabilidade ou escrita, não reflectem o conhecimento da matéria tributável real para legitimar o recurso à tributação indirecta sem necessidade de confirmar a falta de colaboração do contribuinte. A qual passará a deduzir-se de outros factos externos que manifestem ou patenteiem uma capacidade contributiva superior à declarada. Poderá aqui falar-se de uma falta de colaboração presumida, no sentido de que é ela própria extraída indirectamente desses indicadores externos, que não derivam da mera análise dos elementos declarativos, avaliativos ou organizativos em que se concretiza esse dever de colaboração. As duas situações previstas e que poderão levar, de acordo com esta alínea d), à presunção de falta de colaboração são as seguintes:
a) discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços;
b) factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva superior à declarada.
7. A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente, a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram à aplicação dos métodos indirectos de avaliação que suportam a liquidação. Mais devendo chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.).


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal, visando sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.204 a 219 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a impugnação intentada tendo por objecto liquidações de I.R.C. e juros compensatórios, relativas ao ano de 2002 e no montante total de € 746.447,63.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.245 a 253 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso visa reagir contra a decisão de julgar procedente a impugnação judicial contra actos tributários em sede de I.R.C., relativamente ao exercício de 2002, no montante de € 746.447,63, fruto de correcção efectuada pela Administração Tributária à declaração modelo 22 de I.R.C., nos termos do disposto nos artºs.109, nº.1, al.b), e 112, nº.1, ambos do C.I.R.C.;
2-Nos termos do artº.83, nº.10, do C.I.R.C., os serviços da A.T. procederam ao controlo dos proveitos indicados na declaração periódica de rendimentos modelo 22, tendo concluído, após análise, que os proveitos declarados pela ora impugnante, eram inferiores aos apurados pelos Serviços da Inspecção Tributária (SIT);
3-O projecto de correcções foi notificado à impugnante, para efeitos do exercício do direito de audição prévia, em cumprimento do disposto no artº.60, da L.G.T., e artº.60, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (R.C.P.I.T.), sendo que no exercício daquele direito, a impugnante não trouxe factos ou elementos novos que afastassem as conclusões apuradas em sede de inspecção, pelo que, as correcções propostas se mantiveram, convertendo-se o Projecto de Relatório no Relatório Definitivo;
4-As correcções efectuadas traduziram-se na liquidação de I.R.C. em falta, e respectivos juros compensatórios, no valor total de € 746.447,63, liquidação essa impugnada;
5-A acção inspectiva, foi motivada pela disparidade entre os valores reais de venda das fracções comercializadas pela ora impugnante, e os valores das escrituras que serviram de base ao registo de proveitos, aquando da fiscalização de que tinha sido objecto, relativamente ao exercício de 2001;
6-Tendo presente a al.a), do artº.82, do C.I.R.C., tem competência para a liquidação, o sujeito passivo quando procede à autoliquidação na declaração periódica de rendimentos modelo 22 a que se refere o artº.112, do mesmo diploma, não obstante a A.T. proceder a liquidação adicional quando constate que o imposto liquidado é inferior ao imposto devido, em consequência de erros de facto ou de direito verificados em qualquer liquidação, conforme preceituado no nº.1, do artº.91, do C.I.R.C.;
7-Por defender o princípio da justiça e imparcialidade previsto no artº.5, da L.G.T., princípio que pressupõe a existência de critérios de justiça e isenção na averiguação dos factos tributários, ao qual está subjacente o princípio da igualdade de comportamentos exigidos a todos os contribuintes em circunstâncias análogas (artº.55, da L.G.T.), é que a A.T. mandou abrir a Ordem de Serviço nº.01200508162, para que se procedesse a uma acção de inspecção ao exercício de 2002, com os resultados constantes dos autos e referidos no ponto 3.11. destas alegações de recurso;
8-Quanto à utilização do método da avaliação indirecta, diremos que o facto de três dos adquirentes terem vindo confirmar a existência de valores simulados nas escrituras por si assinadas, omitindo montantes significativos, é mais do que suficiente para a sua aplicação, uma vez que a lei não faz depender a sua aplicação do número de ocorrências, mas tão-somente da sua existência;
9-A impugnante apresentava na sua contabilidade, omissões e inexactidões ao nível dos proveitos, que impossibilitam a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à sua correcta determinação, não espelhando a totalidade dos proveitos, de modo a apurar com exactidão o valor tributável das operações praticadas;
10-Ficou amplamente demonstrada, quer no procedimento inspectivo, quer no procedimento de revisão, a verificação dos pressupostos para a aplicação dos métodos indirectos com o objectivo na determinação do lucro tributável relativamente ao exercício de 2002, nos termos estatuídos nos artºs.52 e 54, do C.I.R.C., conjugados com a al.b), do artº.87, da L.G.T., e als.a) e d), do artº.88, do mesmo diploma legal;
11-Uma vez demonstrados e especificados esses pressupostos, entende-se que passaria a competir à impugnante, o ónus da prova da ilegitimidade do acto de determinação por métodos indirectos, seja por erro nos pressupostos para a avaliação, seja por excesso na quantificação da respectiva matéria colectável (artº.74, nº.3, da L.G.T.), o que de todo a impugnante não fez, abrindo assim portas a que os S.I.T. concluíssem pela inexistência de elementos suficientemente claros e precisos, que permitissem apurar de forma inequívoca o lucro tributável, até porque, como já se disse, extrai-se do Relatório de Inspecção e da Comissão de Revisão (fls.156 a 168 e 125 a 131 dos autos), a existência de irregularidades que retiraram credibilidade à sua contabilidade;
12-Estamos assim perante fortes indícios de prática de negócios simulados, com obtenção, quer por parte da impugnante na qualidade de vendedora, quer por parte dos compradores, de vantagens patrimoniais resultantes da não entrega nos cofres do Estado, de I.R.C. e de Sisa;
13-Contrariamente ao entendimento proferido pelo Tribunal “a quo”, estamos em presença de factos constitutivos e de indícios mais que seguros, de omissão de proveitos, facto que, só por si, determina a falta de credibilidade da contabilidade da impugnante, por não reflectir os resultados (proveitos) efectivamente obtidos;
14-No tocante à invocação pelo Tribunal da falta de apresentação de documentação comprovativa da entrega à entidade vendedora do diferencial relativo ao valor constante da escritura e o valor real da aquisição dos respectivos imóveis, desconsiderando a prova fornecida por três compradores e, bem assim, da falta da recolha de outros elementos junto dos identificados contribuintes, diremos que o Tribunal, no seu douto entendimento, não ponderou convenientemente o facto de três compradores (à data dos factos), e após alertados pela A.T., terem vindo de forma voluntária regularizar a sua situação, rectificando para tanto as declarações por si anteriormente prestadas aquando do pagamento da Sisa, quatro e cinco anos antes;
15-Quanto ao facto de o Tribunal entender que a A.T. deveria proceder à recolha de outros elementos de prova junto dos contribuintes que de forma voluntária regularizaram a sua situação, assim não o entendemos, até porque, que maior prova os referidos contribuintes poderiam dar, do que o facto de terem reconhecido, e assumido publicamente, os valores pelos quais foi realizada a escritura de compra dos imóveis por si adquiridos, os quais em nada coincidem com os valores constantes das escrituras, contabilisticamente registadas pela impugnante;
16-Motivos pelos quais não comungamos do entendimento contido na sentença proferida;
17-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, porém, V. Exas., decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.
X
Contra-alegou o recorrido, o qual pugna pela confirmação do julgado (cfr.fls.254 a 265 dos autos), sustentando, nas Conclusões, o seguinte:
1-Muito concretamente, a contra-alegante/impugnante, no exercício da sua actividade de construção civil, no exercício de 2002, vendeu vários andares dos prédios que construiu, pelos valores que figuram nas escrituras de compra e venda;
2-Não sendo verdade, o que a Administração Fiscal pretendeu provar, sem qualquer êxito, que a contra-alegante tenha vendido os andares por valores superiores aos declarados e que figuram contabilizados na sua escrita;
3-Pois solicitou-lhe, por várias vezes (ao longo do exame à escrita; quando exerceu o de audição prévia e quando elaborou o pedido de revisão formulado ao abrigo do artº.91, da L.G.T.), que obtivessem obter qualquer comprovativo junto dos compradores que pagaram a sisa adicional, que comprovasse o pagamento à impugnante, administradores ou familiares, das importâncias que sujeitaram àquelas sisas, assim como do destino dado aos valores dos empréstimos contraídos para obras, o que nunca foi feito;
4-Não é verdade que a impugnante, agora contra-alegante, não tivesse suscitado factos ou elementos novos, como diz o R.F.P. nas suas alegações de recurso, pois suscitou-os em sede de audição prévia e do pedido de revisão da matéria tributável;
5-Ou seja, será que quando a impugnante pediu, à Administração Tributária, que adquirisse junto dos compradores que pagaram as sisas adicionais, as provas em como lhe tinham pago e por que meios o tinham feito, isto não são factos ou elementos novos ?
6-Será que, quando a impugnante sugeriu à Administração Tributária a derrogação do sigilo bancário, relativamente a si, aos seus administradores e familiares, isto não um facto ou elemento novo ?
7-Mas mais, não será que a impugnante, ao formular tais pedidos, estava a pretender clarificar a situação e que não revelava receio algum de ser desmentida nas afirmações que fez, tanto no decorrer da acção de fiscalização, como várias vezes, ao longo do procedimento, desde o exercício de audição prévia ao pedido de revisão elaborado nos termos do artº.91, da L.G.T. ?
8-Não será, antes, de pensar-se que se a Administração Fiscal ao não colaborar com a impugnante foi por saber ou ter receio de não provar absolutamente nada do que estava a propor em prejuízo nítido da impugnante ?
9-Ora, a Administração Fiscal não fez o mínimo esforço que fosse para apurar a verdade substancial do que se propôs apurar e sempre fez “ouvidos moucos” e “tábua rasa” do que, por sucessivas vezes, a impugnante sugeriu que fizesse, uma vez que, face às situações levantadas e lesivas da impugnante, na impossibilidade de inverter o ónus da prova por desconhecimento total dos motivos que levaram os 3 autores do pagamento das sisas adicionais a fazê-lo, e do destino dado aos valores dos segundos empréstimos (para obras), sugeriu-lhe (Administração Fiscal) que procedesse às necessárias indagações junto deles e à derrogação do sigilo bancário;
10-Portanto, a Administração Fiscal desinteressou-se, completamente, de fazer a prova substancial do que estava a presumir e, sabendo que a impugnante nunca teria hipótese de fazer prova de que os 3 compradores que pagaram a sisa adicional estavam a prestar declarações falsas, não se sabe com que intenção e também se desinteressou de fazer a prova de que os apartamentos vendidos no lote 58, foram por valores superiores aos das escrituras de compra e venda, uma vez que o valor dos empréstimos contraídos para obras não servem de prova alguma, como é hoje doutrina do S.T.A., que a douta sentença em recurso menciona;
11-Logo, está claro que a Administração Tributária não conseguiu provar que a impugnante praticou omissões ou inexactidões na sua contabilidade, uma vez que as que sugeriu estavam relacionadas com as tais diferenças que foram sujeitas às sisas adicionais e;
12-Nesta medida, nunca a Administração Fiscal poderia ter recorrido ao método indirecto para determinar a matéria tributável do exercício de 2002;
13-Por outro lado, se fosse possível aceitar que os citados valores a que ficaram sujeitas as sisas adicionais eram valores reais, como refere o R.F.P. nas alegações de recurso e referiu a Fiscalização Tributária que procedeu ao exame à escrita, posteriormente corroborado pela perita da Fazenda Pública que apreciou o referido pedido de revisão e pelo Director de Finanças que fixou a matéria tributável, então estavam reunidas as condições para apurar aquela matéria tributável pelo método directo ou das correcções técnicas;
14-Consequentemente, estes são motivos pelos quais se rejeitam, por infundadas e despropositadas, as alegações do R.F.P.;
15-Termos em que, deve o recurso interposto ser julgado improcedente por infundado e mantida a douta sentença que não merece qualquer tipo de censura.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da total procedência do presente recurso, acompanhando a argumentação expendida pela recorrente Fazenda Pública (cfr.fls.274 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.280 e 289 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.207 a 214 dos autos):
1-A impugnante dedica-se à actividade de construção de edifícios, CAE 45.211 (cfr.cópia do relatório de inspecção junta a fls.41 a 50 do processo instrutor apenso);
2-Com referência ao exercício de 2002, foi, a impugnante, sujeita a uma acção de inspecção externa em sede de I.R.C., a qual decorreu entre 3/10/2006 e 2/3/2007 (cfr. cópia do relatório de inspecção junta a fls.41 a 50 do processo instrutor apenso);
3-A referida acção de inspecção culminou com elaboração do relatório de 20/3/2007, que constitui fls.41 a 50 do processo instrutor apenso e aqui damos por integralmente reproduzido face à sua extensão, de que consta, textual, expressa e, designadamente, o seguinte:
“IV - MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

1. Verificando-se a conta 71, constatou-se que os proveitos da firma no exercício de 2002 foram na sua maioria provenientes da venda dos lotes 58, 72 e 73, sitos na freguesia da Póvoa de Santa Iria, Quinta da Piedade 2a fase, tendo vendido e escriturado 20 apartamentos e 2 lojas no lote 58, l apartamento no lote 72 e 22 apartamentos no lote 73.
2. Foram contactados os adquirentes das referidas fracções (...) a fim de prestarem declarações sobre as transacções efectuadas com a firma e sobre eventuais mútuos que tenham contraído com base na hipoteca dos imóveis em questão.
3. Desse contacto, obtiveram-se os elementos constantes dos quadros em anexo 4 (lote 73), anexo 5 (lote 58) e o seguinte relativamente ao lote 72:
(...)
4. As correcções voluntárias correspondem a regularizações efectuadas pelos adquirentes que, tendo admitido que as escrituras estavam sub-avaliadas, procederam à declaração do valor real, pagando a respectiva SISA adicional.
(...)
Nos casos em que os valores dos mútuos são superiores ao valor da escritura os adquirentes alegaram que esses valores em excesso, foram gastos em obras ou em mobiliário, no entanto, nenhum apresentou comprovativos desses gastos. No caso do lote 58 fracção X contraiu um empréstimo único de € 130. 000,00. Os adquirentes das fracções N, W e T, realizaram dois mútuos um no valor da escritura e outro para obras e outras despesas.
De referir que todos os empréstimos têm como garantia real o imóvel em causa o que pressupõe que o valor deste será superior à soma dos mútuos.
5. Estamos perante elementos concretos que evidenciam manifesta discrepância entre o valor declarado, através das escrituras e o valor de mercado dos bens transmitidos (as fracções em causa) e efectivamente praticado, pois não é crível que os imóveis transaccionados num espaço temporal próximo (datas de escrituras próximas), na mesma zona (rua), no mesmo prédio e com tipologias e valores patrimoniais idênticos, assim como permilagens idênticas, o tenham sido por valores tão díspares com se verifica pelos quadros em anexo 4 e 5; por exemplo, verifica-se que a fracção U do lote 58 com valor patrimonial de € 73.130,25 e permilagem de 41 foi escriturado por € 79.808,00 e a fracção M com valor patrimonial de € 61.285,00 e permilagem de 36 (portanto com menor valor) foi escriturada por € 85.419,00;
Verifica-se ainda que as fracções do lote 73 foram escrituradas maioritariamente no início do ano e as do lote 58 no fim do ano, pelo que este lote seria tendencialmente mais caro.
6. Os factos descritos evidenciam omissões e irregularidades, na execução da contabilidade da firma, na forma de omissão de proveitos cujo valor real se desconhece (uma vez que os proveitos apenas reflectem o valor das escrituras), pelo que a mesma não permite a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável em sede de IRC, do exercício em causa.
Assim, nos termos do artº52 do CIRC, da alínea b) do art°87° e alíneas a) e d) do artº 88°, ambos da LGT, procede-se à avaliação indirecta da matéria tributável (aplicação de métodos indirectos)”.
4-Com base nas conclusões da acção de inspecção e com recurso a métodos indirectos, foram propostas correcções à matéria tributável do I.R.C., na importância de € 1.903.994,87 (cfr.mapa resumo junto a fls.42 do processo instrutor apenso);
5-A impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos (cfr.documento junto a fls.93 a 102 dos presentes autos);
6-Na falta de acordo entre os peritos, o Sr. Director de Finanças de Lisboa, por despacho de 21/5/2007, a fls.7 a 13 do apenso instrutor e que damos aqui por integralmente reproduzido face à sua extensão, manteve os valores apurados na acção de inspecção;
7-Consta do despacho identificado no nº.6, textual, expressa e, designadamente, o seguinte:

“(…)
C. Decisão

Quanto aos pressupostos de aplicação do método de avaliação indirecta

Pelo exposto e pelos elementos constantes do processo, relatório de inspecção tributária, pedido de revisão e as posições dos peritos intervenientes do debate contraditório, que aqui se dão como inteiramente reproduzidos, os quais foram abordados supra, conclui-se que a contabilidade não foi elaborada de acordo com a normalização contabilística, conforme refere o n°3 do art°17° do Código do IRC, nem observa o preceituado no art°115° do mesmo Diploma, pois verificou-se, em síntese, o seguinte:
-Os proveitos da firma foram na sua maioria provenientes da venda de andares dos lotes 58, 72 e 73, inscritos na freguesia de Póvoa de Santa Iria, tendo vendido e escriturado, 22 fracções do lote 58, 1 fracção do lote 72 e 22 fracções do lote 73;
-Foram contactados os adquirentes das fracções para prestarem declarações sobre as transacções efectuadas com a firma e, sobre a existência de eventuais mútuos que tenham contraído com base na hipoteca dos imóveis em causa;
-Após estas diligências, alguns dos adquirentes vieram declarar valores de aquisição muito superiores aos valores constantes das escrituras e contabilizados pela empresa. Para o efeito regularizaram voluntariamente o pagamento da Sisa, declarando um novo valor como valor real da transacção;
-Casos houve em que os valores dos mútuos foram superiores aos valores da escritura e em que os adquirentes pretenderam que os valores em excesso foram gastos em obras ou em mobiliário. Só que não foram apresentados quaisquer comprovativos desses gastos;
-Os Serviços de Inspecção concluíram que havia elementos concretos que evidenciavam manifesta discrepância entre o valor declarado através das escrituras e o valor de mercado, não sendo crível que os imóveis transaccionados num espaço temporal próximo, na mesma zona, no mesmo prédio e com tipologias, valores patrimoniais e permilagens idênticas, tenham sido escriturados por valores tão díspares como os evidenciados pela contabilidade;
-Que o facto de só três dos adquirentes é que vieram confirmar os valores simulados nas escrituras, omitindo montantes significativos, é mais que suficiente para aplicação de métodos indirectos, uma vez que a lei não faz depender a sua aplicação do número de ocorrências, mas tão somente da sua existência;
-Tal evidencia que houve pagamentos feitos ao sujeito passivo que não estão relevados na contabilidade o que perante as discrepâncias constatadas levou a concluir pela prática generalizada destas operações. Os factos descritos mostram a existência de vantagens patrimoniais indevidas, pois adquirentes houve que pagaram o Imposto Municipal de Sisa por valores inferiores aos devidos e, por outro lado, terá ocorrido omissão de proveitos com reflexo no lucro tributável da sociedade vendedora.

Os pressupostos de aplicação do método de avaliação indirecta não foram assim validamente postos em causa, quer no pedido de revisão, quer no debate entre os peritos pois nem o contribuinte, nem o perito por si nomeado, vieram a destruir tais argumentos, mantendo-se os mesmos sem contestação convincente, sendo a sua aplicação defendida pelo perito da AT.
Em face da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável do exercício de 2002, foi considerado encontrarem-se reunidos os pressupostos para a determinação do lucro tributável por aplicação de métodos indirectos, daquele exercício, para efeitos de IRC, conforme previsto nos art°87°, alínea b) e art°88°da LGT e artº 54°do CIRC.

Conclui-se, então, que se encontram verificados indubitavelmente os pressupostos de aplicação do método de avaliação indirecta para a determinação do lucro tributável nos termos dos artigos 52° e 54°do Código do IRC, relativamente ao exercício de 2002, de conformidade com o disposto nos art°s 87° e 88°da LGT.
Os métodos estão, assim, plenamente justificados (…) ”.

8-Em seguimento, foi efectuada a liquidação de I.R.C./2002, nº.2007 8310013610, de 23/5/2007, na importância de € 746.447,63 (cfr.documentos juntos a fls.65 a 67 dos presentes autos);
9-A impugnação foi apresentada em 30/7/2007 (cfr.data de entrada aposta a fls.2 dos presentes autos);
10-Para o ano de 2002, o lucro tributável declarado da impugnante foi de € 120.814,40 (cfr.cópia do relatório de inspecção junta a fls.41 a 50 do processo instrutor apenso; cópia da declaração de rendimentos mod.22/I.R.C. junta a fls.160 a 162 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada…”.
X
Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
11-No ano de 2002, a empresa impugnante, “A...- Construções, S.A.”, com o n.i.p.c. 501 971 831, era sujeito passivo de I.R.C. no regime geral de tributação, devido ao exercício da actividade de construção de edifícios, CAE 45 211, sendo colectada pelo 2º. Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira (cfr.cópia do relatório de inspecção junta a fls.41 a 50 do processo instrutor apenso; cópia da declaração de rendimentos mod.22/I.R.C. junta a fls.160 a 162 dos presentes autos);
12-No pedido de revisão da matéria tributável identificado no nº.5 supra, além do mais, a empresa impugnante/recorrida nega que lhe tenham sido pagos, tal como a algum dos seus administradores ou familiares destes, os montantes pecuniários que fundamentaram o pagamento das sisas adicionais por parte dos três adquirentes que assim procederam (cfr.documento junto a fls.93 a 102 dos presentes autos);
13-Da acta da reunião referente ao pedido de revisão identificado no nº.5 do probatório, datada de 18/5/2007, além do mais, consta o laudo do perito indicado pela impugnante/recorrida em que este reafirma que o sujeito passivo apenas vendeu os andares pelo preço constante das escrituras (cfr.cópia da acta da reunião junta a fls.105 a 111 dos presentes autos).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos e informações oficiais referidos em cada um dos números do probatório.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação que originou o presente processo, o qual tem por objecto a liquidação de I.R.C., relativa ao ano de 2002, nº.2007 8310013610 e identificada no nº.8 do probatório, tudo em virtude da falta de prova da omissão de proveitos ou da falta de credibilidade da contabilidade da sociedade impugnante, pressupostos em que a Administração Fiscal assentou as correcções levadas a efeito por métodos indirectos.
X
Antes de mais, refere-se que são as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.684 e 690, do C.P.Civil, então em vigor; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese e como supra se alude, que quanto à utilização do método da avaliação indirecta, o facto de três dos adquirentes terem vindo confirmar a existência de valores simulados nas escrituras por si assinadas, omitindo montantes significativos, é mais do que suficiente para a sua aplicação, uma vez que a lei não faz depender a mesma do número de ocorrências, mas tão-somente da sua existência. Que ficou amplamente demonstrado, quer no procedimento inspectivo, quer no procedimento de revisão, a verificação dos pressupostos para a aplicação dos métodos indirectos com o objectivo de determinação do lucro tributável relativamente ao exercício de 2002, nos termos estatuídos nos artºs.52 e 54, do C.I.R.C., conjugados com a al.b), do artº.87, da L.G.T., e als.a) e d), do artº.88, do mesmo diploma legal, tudo em virtude da existência de irregularidades que retiraram credibilidade à contabilidade da sociedade impugnante. Que estamos, assim, perante fortes indícios de prática de negócios simulados, com obtenção, quer por parte da impugnante na qualidade de vendedora, quer por parte dos compradores, de vantagens patrimoniais resultantes da não entrega nos cofres do Estado, de I.R.C. e de Sisa. Que no tocante à invocação pelo Tribunal da falta de apresentação de documentação comprovativa da entrega à entidade vendedora, e ora impugnante, do diferencial relativo ao valor constante da escritura e o valor real da aquisição dos respectivos imóveis, desconsiderando a prova fornecida por três compradores e, bem assim, da falta da recolha de outros elementos junto dos identificados contribuintes, diremos que o Tribunal, no seu douto entendimento, não ponderou convenientemente o facto de três compradores (à data dos factos), e após alertados pela AT, terem vindo de forma voluntária regularizar a sua situação, rectificando para tanto as declarações por si anteriormente prestadas aquando do pagamento da Sisa (cfr.conclusões 8 a 15 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (I.R.C.), introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 442-B/88, de 30/11, pode definir-se como um imposto directo, tanto de um ponto de vista jurídico (como tal é classificado no Orçamento do Estado), como de um ponto de vista económico, dado que incide sobre manifestações directas ou imediatas da capacidade contributiva como é o rendimento real (em geral lucros) das empresas com sede ou direcção efectiva em Portugal. É um imposto de características reais, visto não levar em consideração os sinais pessoais que se verificam na pessoa do contribuinte, antes se dirigindo objectivamente à tributação da riqueza. É, igualmente, um tributo de características unitárias, no sentido de abranger tendencialmente todos os rendimentos das pessoas colectivas. Encontramo-nos perante um imposto proporcional, dado a sua taxa ser fixa qualquer que seja o montante da matéria colectável e assentando, em princípio, na tributação do rendimento real ou efectivo, embora admita presunções de rendimento, assim como a sua fixação através de métodos indiciários. Por último, encontramo-nos perante um tributo periódico, visto que a obrigação de imposto se renova nos sucessivos períodos anuais de tributação, dando origem, consequentemente, a sucessivas obrigações tributárias anuais e independentes umas das outras (cfr.artºs.1, 2, 3, 7, 51 e 69, todos do C.I.R.C.; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.215 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.573 e seg.).
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Refira-se, ainda, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.115, do C.I.R.C., na versão em vigor no ano de 2002, actual artº.123, do C.I.R.C.; artºs.29 e 31, do C.Comercial).
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
Examinemos, então, se a A. Fiscal fez prova, como defende, dos pressupostos para recurso ao método de avaliação indirecta da matéria colectável da sociedade impugnante.
A avaliação indirecta reveste natureza substantiva, dado que através dela se pode determinar o essencial do facto tributário, isto é, a sua quantificação.
Por outro lado, a mesma avaliação indirecta tem carácter subsidiário (cfr.artº.85, nº.1, da L.G.T.), visto que o respectivo regime só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade ou uma dificuldade grave em determinar a matéria tributável através da avaliação directa ou objectiva, não se devendo a ela recorrer sem a verificação plena desse requisito. Isto significa que, mesmo quando o sujeito passivo viole os deveres de cooperação, a primeira forma a que se deve recorrer para fixar a matéria colectável é a avaliação directa (v.g.correcções técnicas), mais devendo ser efectuada a devida fundamentação relativamente à inviabilidade desta, antes de se recorrer à avaliação indirecta. Por outras palavras, a Administração Fiscal deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (cfr.artº.77, nº.4, da L.G.T.; João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, 2010, pág.201 e seg.).
Concluindo, a tributação por métodos indirectos não só não constitui o meio normal, como a possibilidade do seu uso está restringida aos casos em que a lei expressamente a admite, verificados que estejam determinados pressupostos (cfr.artºs.81, nº.1, 87 e 88, da L. G. Tributária). O que vale por dizer que nem a Fazenda Pública, nem o contribuinte, podem, de seu livre alvedrio, optar pela tributação indiciária, ainda que aquela cuide assim arrecadar receita maior, ou este acredite furtar-se a uma tributação mais pesada. Por outras palavras, o apuramento alternativo pela A. Fiscal deve ser feito, sempre que possível, com recurso a métodos directos ou correcções técnicas, isto é, pela determinação da matéria colectável através dos elementos da própria contabilidade do sujeito passivo, e só pode haver recurso a métodos presuntivos quando aquele apuramento directo se mostre de todo inviável, não gozando a Fazenda Pública de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (directo ou indirecto) de avaliação da matéria tributável. Em suma, o recurso aos métodos indiciários só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.artº.81, nº.1, da L.G.Tributária; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª.edição, Lex, 2000, pág.303; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/2/2006, rec.1011/05; ac.T.C.A.-2ª. Secção, 4/11/2003, proc.282/03).
“In casu”, dir-se-á que o regime de apuramento da matéria tributável aplicável é o previsto na L. G. Tributária (“ex vi” do artº.52, nº.1, do C.I.R.C.), levando em consideração a data em que se iniciou a inspecção externa que originou a liquidação objecto do presente processo, conforme se retira do nº.2 da matéria de facto provada (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, págs.32 e 34; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/11/2004, rec.657/04; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/4/2005, rec.368/04).
De acordo com o regime da L. G. Tributária, as situações em que a matéria colectável é fixada por métodos indirectos são as taxativamente indicadas no seu artº.87. Subjacente a todas elas encontra-se uma de duas situações: ou a inexistência de elementos de escrituração ou a sua não idoneidade para comprovarem o lucro revelado pela escrita do contribuinte. De notar a preocupação do legislador em objectivar as aludidas situações, por forma a evitar valorações subjectivas por parte da A. Fiscal.
O recurso ao método indirecto está legitimado por força do princípio da capacidade contributiva que só se respeita fielmente quando se mede directamente a matéria tributável e sendo, por isso, uma faculdade da A. Fiscal (cfr.artº.82, nº.2, da L.G.T.) no exercício do seu poder/dever de liquidar impostos quando, comprovadamente, demonstre não poder, por via directa, calcular o rendimento tributável do sujeito passivo em causa.
Mais se dirá que o recurso a este método de tributação se funda na dupla vertente preventiva e repressiva, potenciando-se a dissuasão de comportamentos de evasão fiscal, incutindo nos contribuintes um maior rigor e verdade declarativos, e, na esfera do prevaricador, a determinação de uma matéria tributável presumida mais próxima da efectivamente tida e não declarada. Esta metodologia de tributação não comporta a mesma precisão de apuramento de imposto da resultante do método declarativo, sendo alcançada mediante índices que só por coincidência concordarão com a realidade, subsistindo sempre um concreto grau de dúvida sobre a quantificação, a qual só constituirá dúvida fundada quando o contribuinte, positivamente, prove que a quantificação em causa é errada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2º.Juízo, 7/3/2006, proc.993/06; ac.T.C.A.Sul-2º.Juízo, 30/6/2009, proc.2694/08).
Voltando ao caso “sub judice”, também da matéria de facto provada se retira (cfr.nº.3 “in fine”, da matéria de facto provada), que a determinação do resultado tributável da sociedade impugnante/recorrida, no exercício de 2002, foi efectuada por métodos indirectos ao abrigo dos vectores constantes dos artºs.87, al.b), e 88, als.a) e d), ambos da Lei Geral Tributária, “ex vi” do artº.52, do C.I.R.C.
O artº.87, al.b), da L. G. Tributária, cuja redacção foi estabelecida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, prevê a possibilidade de avaliação indirecta da matéria tributável quando se verifica a falta dos elementos necessários para comprovar e quantificar directa e exactamente a matéria tributável, pelo que a avaliação directa é impossível. Esta impossibilidade, porém, só pode resultar das anomalias e incorrecções taxativamente indicadas nas várias alíneas do artº.88, da L. G. Tributária (cfr.artº.81, nº.1, da L.G. Tributária). Nestes casos, a avaliação da matéria tributável é feita com base em indícios, presunções ou outros elementos de que a Administração Tributária dispuser, de entre os taxativamente indicados no artº.90, nº.1, do mesmo diploma. Já o artº.88, als.a) e d), da L. G. Tributária, cuja redacção foi igualmente introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, consagram dois dos casos em que pode ser impossível a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, págs.442 e seg.; João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, 2010, pág.247 e seg.).
Como se constata pelas situações descritas no preceito, o que releva para determinar o impedimento não é uma impossibilidade absoluta de avaliação directa da matéria tributável, mas sim a impossibilidade de tal avaliação no momento em que ela deve ser efectuada (impossibilidade relativa), assim se fazendo cessar a presunção de veracidade dos elementos declarativos e de escrita do sujeito passivo e incidindo sobre a A. Fiscal o ónus da prova de tal factualidade (cfr.artºs.74, nº.3, e 75, nº.1, da L.G.T.).
No artº.88, al.a), da L.G.T., prevêem-se várias situações constitutivas de infracções tributárias (cfr.v.g.artº.116, do R.G.I.T.), designadamente a falta de entrega de declarações, a inexistência de contabilidade ou de livros fiscalmente relevantes, a não organização da contabilidade de harmonia com as regras de normalização contabilística e os atrasos na sua execução.
Já quanto ao artº.88, al.d), da L.G.T., permite este normativo que o recurso à tributação por métodos indirectos possa assentar, autonomamente, em duas situações que não resultam, ao menos directamente, de uma falta de colaboração manifesta do sujeito passivo. O preceito sob exame veio introduzir a possibilidade de recorrer a indícios fundados de que as declarações, contabilidade ou escrita, não reflectem o conhecimento da matéria tributável real para legitimar o recurso à tributação indirecta sem necessidade de confirmar a falta de colaboração do contribuinte. A qual passará a deduzir-se de outros factos externos que manifestem ou patenteiem uma capacidade contributiva superior à declarada. Poderá aqui falar-se de uma falta de colaboração presumida, no sentido de que é ela própria extraída indirectamente desses indicadores externos, que não derivam da mera análise dos elementos declarativos, avaliativos ou organizativos em que se concretiza esse dever de colaboração. As duas situações previstas e que poderão levar, de acordo com esta alínea d), à presunção de falta de colaboração são as seguintes:
a) discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços;
b) factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva superior à declarada (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 3ª. Edição, 2003, pág.442 e seg.; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.363 e seg.; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pág.179 e seg.).
“In casu”, mais uma vez examinando a matéria de facto provada (cfr.nº.3 da matéria de facto provada), pode constatar-se que a Administração Fiscal concluiu pela omissão de proveitos, a partir do testemunho de três compradores de imóveis transaccionados pela impugnante/recorrida, no sentido de que o valor declarado nas escrituras de compra e venda e reflectido na contabilidade, não correspondia ao real, mas era substancialmente superior, diferença pela qual vieram a liquidar adicionalmente o imposto de Sisa devido. Mais diz a Administração Fiscal que os mencionados três compradores, apesar de terem declarado no procedimento de inspecção, que o excedente mutuado se destinou a obras e/ou aquisição de mobiliário, nenhuma prova fizeram de ter sido esse o destino do dinheiro.
Ora, a factualidade em causa não consubstancia indício seguro de omissão de proveitos e de que a contabilidade da sociedade impugnante/recorrida não reflecte o resultado efectivamente obtido. Para atingir tal desiderato, era necessário demonstrar que o valor declarado pelos três compradores, que liquidaram Sisa adicional como correspondendo ao preço real de compra das fracções, tinha sido efectivamente pago à impugnante /recorrida, a qual afirma não o ter recebido.
E recorde-se que a A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente, a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram à aplicação dos métodos indirectos de avaliação que suportam a liquidação. Mais devendo chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.).
Pelo que, deveria a A. Fiscal ter indagado da existência de um qualquer documento de quitação ou comprovativo do pagamento efectuado à impugnante/recorrida. Ou, no mínimo, diligenciado junto dos citados compradores sobre o modo como tinham efectuado o pagamento da diferença à sociedade vendedora. Na ausência dessa prova, entende o Tribunal que não está minimamente caracterizada a omissão de proveitos ou a conclusão de que a contabilidade não reflecte o resultado efectivamente obtido, pressupostos em que a Administração Fiscal assentou as correcções que levou a efeito por métodos indirectos no que diz respeito à sociedade impugnante/recorrida, em sede de I.R.C. e quanto ao ano fiscal de 2002.
Por consequência, se impõe concluir que, no caso vertente, não se encontravam verificados os necessários pressupostos legais para que a A. Fiscal lançasse mão da metodologia indirecta com base na factualidade constante do probatório, assim naufragando, nessa precisa medida, as conclusões de recurso sob análise e devendo confirmar-se a douta decisão recorrida.
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, não se concede provimento ao recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
Ofício junto a fls.320 dos autos: após trânsito, remeta cópia certificada do presente acórdão.
X
Lisboa, 15 de Maio de 2012


(Joaquim Condesso - Relator)

(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)