Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1774/15.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO;
PAGAMENTO POR CONTA;
ADMOESTAÇÃO;
DISPENSA E ATENUAÇÃO DA PENA.
Sumário:I. Na decisão de aplicação de coima não viola os direitos de defesa da arguida a não indicação do cálculo do pagamento por conta, bastando a indicação da prestação tributária devida;
II. No âmbito dos processos de contra-ordenação tributária o tribunal de recurso pode conhecer de questões não suscitadas em 1.ª instância, ou seja, questões novas, porquanto reconhece-se ao tribunal de recurso verdadeiros poderes de substituição e não simples poderes de cassação;
III. Não se poderá dispensar a arguida da coima nos termos do art. 32.º, n.º 1 quando não se encontra pago o imposto e juros compensatórios, porque não se verifica o pressuposto previsto na alínea b), nomeadamente, “estar regularizada a falta cometida”.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

C… C… E… L… E F...F..., SA., melhor identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada que julgou improcedente o recurso e manteve a decisão de aplicação da coima por decisão do Chefe de Serviço de Finanças do Seixal, no montante de €1.474,42 no processo de contraordenação nº 3697201506000031….

A recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
“1. À Recorrente foi aplicada uma coima no montante de € 1.474,42 (mil quatrocentos e setenta e quatro euros e quarenta e dois cêntimos) por falta de entrega do pagamento por conta no valor de €4.771,61 (quatro mil setecentos e setenta e um euro, e sessenta e um cêntimos), de Dezembro de 2012, conforme documentos juntos aos autos.
2. No ano fiscal de 2012 o C…… liquidou a quantia de €2500,00 a título de pagamento por conta, de IRC, efectuado em quatro prestações iguais de €500,00 30/3/2012, 31/7/2012, 28/9/2012, e 14/12/2012. 31/5/2013
3. A 31/5/2013 liquidou o montante de € 9.472,68 de IRC (nove mil quatrocentos e setenta e dois euros e sessenta e oito cêntimos) tudo por conta do exercício fiscal de 2012, correspondente à totalidade do IRC do ano em causa, não subsistindo qualquer montante em divida à Autoridade Tributária/ Estado.
4. A decisão que aplicou a coima deveria conter os requisitos elencados no artigo 79.º, n.º 1 do RGIT, sob pena de nulidade (cf. artigo 63.º n.º 1, alínea d) do RGIT), nomeadamente “a descrição sumária dos factos e indicação das normas punitivas" (cf. artigo 79.º. n.º 1, alínea b) do RGIT).
5. O que não ocorreu, e a Recorrente não se apercebeu, nem tinha como se aperceber que a Autoridade Tributária não tinha considerado como dedutíveis as dívidas dos pais/ encarregados de educação, entregues nas finanças a título de compensação de créditos, que a administração fiscal aceitou.
6. Se assim não fosse haveria uma desproporção abissal entre o elevado pagamento por conta devido em função do exercício anterior, em comparação com a matéria colectável do exercício seguinte.
7. Desproporção abissal que a douta sentença recorrida mantém ao confirmar o montante do imposto em falta - €4771,61.
8. A Recorrente não pode ser obrigada a um pagamento por conta excessivo, sob pena de violação do princípio da tributação do lucro real e do princípio da proporcionalidade.
9. E em consequência de um acto administrativo errado, numa manifesta violação do artº 27° do RGIT, ser-lhe aplicada uma coima sem qualquer respeito pelos factores de determinação que aquela lei obriga.
10.O despacho de aplicação da coima padece assim de insuficiência face aos requisitos exigidos por lei, em particular quanto à descrição factual.
11. Na parte da decisão contra-ordenacional respeitante à descrição sumaria dos factos, apenas consta um preenchimento, tipo formulário, sem qualquer concretização, do qual não resulta o montante do imposto exigível e o montante pago, sem qualquer nexo de causalidade ou descrição ainda que sumária, nomeadamente porque razão estava a Arguida/ Recorrente obrigada a entregar aquele concreto montante do imposto - € 4.771,61 em Dezembro de 2012.
12. O mesmo acontecendo quanto à falta de fundamentação do despacho de indeferimento, que se limita ao seguinte: - “Indefiro o pedido, os valores pagos são inferiores aos devidos”.
13. Contrariamente à decisão recorrida, a Recorrente desconhece qual é a prestação tributária exigível em Dezembro de 2012, em função da qual a Administração Tributária fixou o valor da prestação tributária em falta, e que deu origem à decisão de aplicação de uma coima, porque nunca esteve na posse desses elementos.
14. Nestas condições deveria a douta sentença ter considerado excluída a ilicitude quanto ao pagamento especial por conta do contribuinte C..... SGPS SA, conduzindo, por manifesto lapso na aplicação da lei, a absolvição da Recorrente quanto ao pagamento da coima.
15. A Recorrente desconhece e não tem como conhecer qual a prestação exigível em Dezembro de 2012, em função da qual a administração tributária fixou o valor da prestação em falta, que deu origem a instauração do processo contra-ordenacional, que por sua vez culminou com a aplicação de uma coima no valor de 1474,42 e não de 3.340,77, como por lapso consta dos autos.
16. Nos termos do art. 63°, nº1 alínea d) do RGIT constitui nulidade insuprível do processo de contraordenação fiscal, para além de outros a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação da coima.
17. No ano de 2012, a Recorrente pagou a quantia de 2500,00 (dois mil quinhentos euros) por conta de pagamentos especiais por conta referente ao IRC, documentos junto aos autos.
18. E a 31 de Maio de 2013, entregou aos cofres do estado 9.472,68 (nove mil quatrocentos e setenta e dois euros e sessenta e oito cêntimos) por conta desse mesmo IRC de 2012.
19.Resulta, pois, a regularização do referido imposto, dentro dos valores e prazos legais.
20. É, pois, legítimo concluir que, estando regularizados os pagamentos, dentro do prazo legalmente exigido, e dadas as características do pagamento especial por conta (e sua discutível constitucionalidade), não chegou a existir qualquer prejuízo potencial ou efectivo à receita tributária.
21.Face ao exposto a decisão de aplicação da coima de que se recorre é nula, por força das disposições conjugadas dos artigos 63.º, 1, alínea d) e 79.º, n.º 1, alínea b) ambos do RGIT.
22.E nos termos dos artigos 83, nº3 do RGIT, e 74°, 75° do Regime Geral das Contra­ ordenações (aprovado pelo D.L nº433/82 de 27/10) verifica-se violação pela douta sentença do art. 104º, nº 1, 2, e 5 alínea f) do RGIT ao condenar a recorrente ao pagamento de uma coima.
23. No que a medida da coima se refere entende a Recorrente que foi feita uma incorrecta avaliação dos requisitos, e que deveria ter conduzido a uma atenuação especial da coima.
24. No caso concreto a suposta infracção foi cometida em 15/12/2012, data em que terminava o prazo para entrega do pagamento por conta, o qual foi entregue, conjuntamente com a totalidade do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas referentes ao exercício de 2012, em 31 de Maio de 2013.
25. Por força do disposto no art. 104° do CIRC, inserido no capitulo Pagamento, o pagamento dos impostos admite várias modalidades, entre as quais, a da alínea B) que pode ser liquidado " Até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração periódica de rendimentos. pela diferença que existir entre o imposto total aí calculado e as importâncias entregues por conta"
26. Donde, o prejuízo efectivo ou potencial à receita tributária só pode existir com a falta do pagamento que a final venha a ser exigido, prejuízo que no caso dos autos, encontrando-se o imposto integralmente regularizado dentro dos montantes e no prazo legal da alínea b) do n°1 do art. 104 CIRC, nunca podia ocorrer.
27. Por outro lado, verifica-se que a Decisão ponderou a possibilidade de dispensa da coima através do mecanismo da admoestação, negada com o fundamento de que qualquer infracção tipificada nos termos do 114° do RGIT nunca pode revestir a natureza de uma infracção leve, o que desde já se rejeita.
28. A admoestação é uma medida sancionatória de substituição da coima, admissível em qualquer fase do processo.
29. A alegada falta cometida em 15/12/2012, foi regularizada a 31/5/2013, dentro do prazo de pagamento voluntário.
30. Contrariamente ao Auto de Notícia, num período de tempo inferior a seis meses.
31. Por conseguinte, o imposto devido pela Arguida no ano de 2012 foi integralmente entregue ao Estado, que o recebeu na totalidade e dentro do prazo legal.
32. Atento os elementos abaixo referenciados e que estiveram na base da decisão administrativa de fixar uma coima, a mera admoestação seria a sanção adequada a aplicar ao caso concreto.

Negligência Simples
Tempo decorrido desde a prática da infracção inferior 6 meses
Situação económica e financeira baixa
Beneficio económico 0,00
Actos de Ocultação Não
Frequência da Pratica acidental
Obrigação de não cometer a lnfracção Não

33. lncorre assim, a presente sentença numa contradição insanável entre a fundamentação e a decisão- erro notório na apreciação na prova, em que se fundamenta o presente recurso, nos termos do art. 410, n°2, al. c).
34. Considerando a culpa diminuta da Recorrente, e o seu conhecimento da mesma, o tempo que decorreu entre o momento da falta e a sua regularização, antes de instaurado processo de contra-ordenação, num período inferior a seis meses, sempre haveria lugar, em alternativa, ao uso da faculdade da atenuação especial da coima, prevista no n° 2 do art. 32º do RGIT.
35. Não havendo qualquer norma sobre os termos da atenuação no RGIT, haverá que aplicar o disposto no nº 3 do art. 18° do RGCO, subsidiariamente aplicável no que respeita as contra­ ordenações tributárias nos termos do disposto na alínea b) do art. 3° do RGIT.
36. Em Dezembro de 2012, a Arguida, entregou ao Estado o montante possível na altura para pagamento do PC, procurando com isso, dentro das suas reais possibilidades, cumprir com as suas obrigações fiscais, pois como é do conhecimento geral, a actividade das empresas, e neste particular a actividade da Recorrente, pressupõe a existência de outros encargos igualmente elevados, designadamente segurança social, salários, compromissos bancários etc.
37. Ao entender não serem devidas mais considerações, incorreu a douta sentença em omissão de pronúncia, com a consequente nulidade da sentença, nos termos do art. 379°, nº1, alínea c) do CPP.
38. lncorre também, por todo o exposto, a presente sentença numa contradição insanável entre a fundamentação e a decisão - erro notório na apreciação na prova, em que se fundamenta o presente recurso, nos termos do art. 410, n°2, al. c).

Termos em que se requer a nulidade da Decisão que condena a Recorrente ao pagamento de uma coima no valor de €1474,42, tudo com as legais consequências.”
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A FAZENDA PÚBLICA não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ erro de julgamento por se verificar a nulidade da decisão que aplicou a coima por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 69.º do RGIT, designadamente, descrição factual, uma vez que o valor do pagamento por conta de 4.771,61€ é excessivo, não se encontrando concretizando a razão daquele exacto montante, não podendo ser a Recorrente obrigada ao pagamento do mesmo sob pena da violação do princípio da tributação do lucro real e do princípio da proporcionalidade, e de igual modo o despacho de indeferimento enferma de falta de fundamentação (conclusões 1 a 11, 16.º, 21.º, );
_ erro de julgamento porquanto a Recorrente desconhece qual a prestação tributária exigível em 2012, pelo que deveria ter sido excluída a ilicitude (conclusões 12 a 14);
_ erro de julgamento porquanto estando regularizado o imposto não existiu prejuízo para a receita tributária, devia ter sido atenuada especialmente a coima, a decisão viola também o disposto no art. 83.º, n.º 3 do RGIT, 74.º e 75.º do RGCO e do art. 104.º, n.º 1, 2, e 5 alínea f) do RGIT (conclusões 17 a 20 e 22 a 26, 34 a 36);
_ erro de julgamento porquanto deveria ter sido aplicada uma admoestação sendo que a decisão incorre de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, erro notório na apreciação da prova nos termos do art. 410.º, n.º 2, alínea c) do CPP (conclusões 27 a 33 e 38);
_ omissão de pronúncia ao ter entendido não serem devidas mais considerações, nos termos do art. 379.º n.º 1, alínea c) do CPP.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
“1. A recorrente procedeu ao pagamento por conta de IRC referente ao exercício de 2012, em 31/07/2012 no montante de € 500,00 (cfr. doc. junto a fls. 32 e 33 dos autos);
2. A recorrente procedeu ao pagamento por conta de IRC referente ao exercício de 2012, em 28/09/2012 no montante de € 500,00 (cfr. doc. junto a fls. 36 e 37 dos autos);
3. A recorrente procedeu ao pagamento por conta de IRC referente ao exercício de 2012, em 14/12/2012 no montante de € 500,00 (cfr. doc. junto a fls. 34 e 35 dos autos);
4. A recorrente procedeu ao pagamento especial por conta de IRC referente ao exercício de 2012, em 30/03/2012 no montante de € 500,00 (cfr. doc. junto a fls. 40 e 41 dos autos);
5. A recorrente procedeu ao pagamento especial por conta de IRC referente ao exercício de 2012, em 28/09/2012 no montante de € 500,00 (cfr. doc. junto a fls. 38 e 39 dos autos);
6. A recorrente procedeu ao pagamento de IRC referente ao exercício de 2012, em 31/05/2013 no montante de € 9.472,68 (cfr. doc. junto a fls. 42 e 43 dos autos);
7. A 28/02/2015, foi levantado o Auto de Notícia do qual consta o seguinte:

“Texto Integral com Imagem”

(cfr. doc. junto a fls. 49 dos autos);

8. O auto de noticia identificado no ponto anterior deu origem ao presente processo de contra-ordenação fiscal nº 36972015060000031…, cuja parte administrativa correu termos no Serviço de Finanças de Seixal 2ª e foi autuado em 01/03/2015 (cfr. capa do processo);

9. Em 13/04/2015 foi elaborada no Serviço de finanças de Almada 3ª a seguinte informação:

“Texto Integral com Imagem”
(cfr. doc. junto a fls. 51 dos autos);

10. Por despacho de 13/04/2015, foi preferida a decisão de aplicação da coima nos seguintes termos:

“Texto Integral com Imagem”

(cfr. doc. junto a fls. 52 e 53 dos autos);
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B – Factos Não Provados.

a) Nenhum elemento de prova foi junto para provar a existência de dificuldades económicas por parte da arguida;
*
Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da acusação do Digno Magistrado do Ministério Público e dos alegados pelo recorrente, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita com interesse para a decisão.
*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações, não impugnados, que dos autos constam tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”
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Com base na matéria de facto supra transcrita a Meritíssima Juíza do TAF de Almada julgou através de simples despacho, sem audiência de julgamento, nos termos do art. 62.º, n.º 2 do RGCO, julgando improcedente o recurso de contra-ordenação, mantendo a decisão recorrida.

A arguida, ora Recorrente, não se conforma com o decido, imputando ao despacho recorrido vários erros de julgamento, bem como nulidades à decisão recorrida.

Vejamos.

Comecemos pelo vício de forma que a Recorrente imputa ao despacho recorrido, designadamente, omissão de pronúncia ao ter entendido não serem devidas mais considerações, nos termos do art. 379.º n.º 1, alínea c) do CPP.

Nos termos do art. 379.º do CPP (ex vi art. 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art. 3.º, al. b), do RGIT):

“1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Portanto, nos termos do preceito legal supra citado há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

As questões de que o juiz deve conhecer sob pena de omissão de pronúncia são ou as invocadas pelas partes, podendo conhecer, ainda que não invocadas, as que sejam de conhecimento oficioso.

In casu, adiante-se, o despacho recorrido não enferma de omissão de pronúncia.

Senão, vejamos.

No despacho recorrido, após análise de todas as questões suscitadas pela Recorrente na petição inicial de recurso, e em jeito de conclusão, afirma-se o seguinte: “Em conclusão, e sem necessidade de mais considerações, resulta do supra exposto que não assiste razão à recorrente no presente recurso”

É contra este segmento do despacho decisório que vem assacada a nulidade por omissão de pronúncia nos termos do nos termos do art. 379.º n.º 1, alínea c) do CPP.

Ora, o primeiro ponto que nos cumpre sublinhar é que a Recorrente se limita a invocar a omissão de pronúncia sem enunciar, ainda que sumariamente, quais as questões que ficaram por ser tratadas pela Meritíssima Juíza do TAF de Almada.

O segundo ponto a sublinhar é que a razão de a Recorrente não ter enunciado as questões que ficaram por tratar resulta evidente: todas as questões suscitadas pela Recorrente na sua peça processual de recurso de contra-ordenação foram devidamente tratadas no despacho recorrido, pelo que não se verifica qualquer nulidade do despacho por omissão de pronúncia.

Terceiro, é evidente que a frase da Meritíssima Juíza surge num contexto de súmula conclusiva, pelo que nem se compreende a razão pela qual a Recorrente se prende nas conclusões de recurso com uma frase inócua.

O que releva não é aquela frase, mas sim o conteúdo da decisão, se foi ou não emitida pronúncia sobre todas as questões (e não argumentos) suscitados pela Recorrente.

Ora, resulta claramente do despacho recorrido que a Meritíssima Juíza do TAF de Almada teve o cuidado de tratar e desenvolver cada uma das questões suscitadas pelo Recorrente, nomeadamente, a nulidade da decisão de aplicação de coima, atenuação especial da coima, e a admoestação, concluindo pela verificação da infracção de que a Recorrente vem acusada e justa medida da coima que foi fixada muito próximo do mínimo, e por essas razões, julgou improcedente o recurso e manteve a coima aplicada.

Pelo exposto, não se verifica o vício invocado, improcedendo, nesta parte os fundamentos do recurso.

Passando ao erro de julgamento, invoca a Recorrente, desde logo, que se verifica a nulidade da decisão que aplicou a coima por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 69.º do RGIT.

Com efeito, insiste a Recorrente que a descrição factual que consta da decisão é insuficiente, uma vez que o valor do pagamento por conta de 4.771,61€ é excessivo, não se encontrando concretizanda a razão daquele exacto montante, desconhece qual a prestação tributária exigível em 2012, pelo que deveria ter sido excluída a ilicitude, não podendo ser a Recorrente obrigada ao pagamento do mesmo sob pena da violação do princípio da tributação do lucro real e do princípio da proporcionalidade. Invoca ainda que de igual modo o despacho de indeferimento enferma de falta de fundamentação, e que lhe foi aplicada uma coima sem respeito pelos factores que a lei determina no art. 27.º do RGIT (conclusões 1 a 16.º, 21.º).

Vejamos.

Está em causa aferir se, in casu, a decisão administrativa que aplicou à arguida a coima enferma de nulidade insuprível, posto que da mesma não consta os requisitos exigidos pelo art. 79.º, n.º 1 do RGIT, como resulta do art. 63.º, n.º 1, al. d), do mesmo diploma.

Dispõe o art. 79.º, n.º 1, do RGIT:

“1 - A decisão que aplica a coima contém:

a) A identificação do infrator e eventuais comparticipantes;

b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;

c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;

d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infrator tiver entretanto melhorado de forma sensível;

e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;

f) A condenação em custas”.

A Recorrente invoca violação deste preceito legal quer quanto à descrição sumária dos factos (alínea d)), estendendo a falta de fundamento ao despacho de indeferimento do requerimento de direito de defesa, quer quanto aos elementos que contribuíram para a sua fixação (alínea c)).

Vejamos.

Com efeito, resulta da alínea b) deste preceito legal que a decisão que aplica a coima deve conter a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas.

A decisão administrativa deve ser suficientemente fundamentada, quer de facto, quer de direito, de modo a permitir ao arguido exercer o seu direito de defesa, este reveste a natureza de direito fundamental em processo de contra-ordenação (cfr. nesse sentido, vide Ac. do STA de 30/05/2018, proc. n.º 0269/18).

No que se refere à satisfação do requisito legal de descrição sumária dos factos importa interpretar o preceito legal em correlação necessária com o tipo legal no qual se prevê e pune a infracção imputada ao arguido, pelo que é suficiente que a decisão de aplicação de coima descreva os factos essenciais que integram o tipo de ilícito em causa, (nesse sentido, vide por todos, acórdão do STA de 10/04/2019, proc. n.º 0260/17.8BEAVR 0226/18).

Como escreve Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos “ (…) o que exige aquela al. b) do n.º 1 do art. 79.º, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (art . 32.º, n.º 10, da CRP) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente…” (cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias, 4.ª Ed., Vislis, Lisboa, 2010, pp. 517 a 519).

Ora, comecemos por precisar que a decisão de indeferimento do requerimento de defesa não tem de respeitar as formalidades vertidas no art. 79.º do RGIT, mas como qualquer decisão administrativa tem de ser fundamentada. A decisão em causa dá origem à decisão de aplicação da coima, porque determina o prosseguimento do processo, e esta decisão administrativa de aplicação de coima descreve de forma suficiente os factos e as normas violadas e punitivas permitindo ao arguido o exercício do seu direito fundamental de defesa. Por outro, como se afirma com acórdão do STA de 07/07/210, proc. n.º 0356/10 “(…) não constitui nulidade insuprível da decisão administrativa de aplicação de coima por contra-ordenação tributária a não consideração de elementos invocados na defesa pelo arguido.”

Com efeito, resulta da decisão que aplicou a coima à arguida, que aquela infringiu o disposto no art. 104.º, n.º 1, alínea a) do CIRC, porque não entregou o pagamento por conta até ao dia 15/12/2012. Mais resulta da descrição sumária dos factos e do direito daquela decisão que o valor que a arguida deveria ter entregue a título de pagamento por conta era de 4.771,61€ (cfr. ponto 10 dos factos provados).

Ora, a indicação destes factos é suficiente para que a arguida pudesse exercer plenamente os seus direitos de defesa, e tanto assim é que os exerceu cabalmente, explicando ao tribunal as razões da sua discordância, nomeadamente, confessa que não entregou a totalidade do pagamento por conta que seria exigível, justificando a sua conduta por dificuldades financeiras.

Quanto ao argumento de que desconhece o modo do cálculo e apuramento do pagamento por conta que subjaz à aplicação de coima, e que por essa razão deveria estar evidenciado na decisão, não lhe podemos dar razão.

Com efeito, o montante do pagamento por conta a entregar ao Estado é calculado com base no imposto liquidado no período de tributação imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, nos termos do art. 105.º CIRC, e, portanto, tais valores são conhecidos da Recorrente.

Por outras palavras, considerando que o cálculo do pagamento por conta assenta em elementos da contabilidade da Recorrente com base nos quais foi apurado o imposto liquidado no período anterior, não carece a entidade administrativa de os discriminar na decisão que aplica a coima porque a Recorrente tem acesso a todos os elementos necessários para aferir do acerto do montante indicado como prestação tributária em falta, e nessa medida, o seu direito de defesa se encontra garantido.

Vejamos, então quanto a fundamentação da decisão de aplicação da coima sob prisma da evidenciação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima (cfr. o art. 79.º, n.º 1, al. c), do RGIT).

Nos termos do art. 27.º do RGIT:

“1- Sem prejuízo dos limites máximos fixados no artigo anterior, a coima deverá ser graduada em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica e, sempre que possível, exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação.

2 - Se a contra-ordenação consistir na omissão da prática de um ato devido, a coima deverá ser graduada em função do tempo decorrido desde a data em que o facto devia ter sido praticado.

(…) 4 - Os limites mínimo e máximo da coima aplicável à tentativa, só punível nos casos expressamente previstos na lei, são reduzidos para metade”.

Relativamente à al. c) do n.º 1 do art.º 79.º do RGIT, esta “… imposição legal de indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima sob pena de nulidade da decisão (…) visa dotar o arguido das informações indispensáveis à preparação da sua defesa, habilitando-o a adversar a existência e valoração dos elementos concretamente considerados com vista à contestação e diminuição do montante da coima que lhe foi aplicada” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.01.2010 (Processo: 01037/09). Cfr., a este propósito, Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, ob. cit., p. 528).

Tem sido considerado que se a coima for fixada no limite mínimo abstractamente aplicável ou num valor muito próximo desse limite, de tal forma que não assuma relevo jurídico autónomo, a falta de indicação dos elementos considerados na fixação não configura nulidade, mas sim mera irregularidade, nos termos dos artigos 118.º, n.º 1, e 123.º, ambos do CPP (os Acórdãos do STA, de 20.01.2010, Proc. 01037/0 e de 14.12.2016, Proc. n.º 01270/15)

Ora, é o que sucede in casu, em que a coima mínima se aproxima do mínimo legal.

Com efeito, nos termos do n.º 2 do art.º 114.º do RGIT, a coima varia entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.

Considerando que, in casu, o imposto em falta se situou nos 4771,61€, 15% desse valor equivale a 715,74€ e metade a 2385,80€. Considerando ainda o disposto no n.º 4 deste art. 26.º, e atendendo a que não se encontra excedido o limite previsto no n.º 1 da mesma disposição legal, resulta que os limites mínimos e máximo calculados nos termos previstos no n.º 2 do art.º 114.º do RGIT devem ser elevados ao dobro, dado estarmos perante uma pessoa colectiva, pelo que o mínimo da moldura abstracta da coima é de 1431,48€. Ora, a coima aplicada de 1.474,42€ é muito próxima deste mínimo legal, pelo que, aplicando a jurisprudência supra exposta, qualquer falta de indicação dos elementos considerados na fixação não configura nulidade, mas sim mera irregularidade. Por outro lado, não se verifica qualquer violação do disposto no art. 27.º do RGIT, porque foram devidamente considerados todos os elementos para a sua graduação, sendo certo que esta se encontra fixada muito perto do mínimo.

Por conseguinte, conclui-se que a decisão de aplicação da coima não viola o disposto no art. 79.º, n.º 1 do RGIT.

Finalmente refira-se no que se refere ao invocado na conclusão 5 a 8 estamos perante questões novas ou seja, que não foram invocadas na peça processual inicial de recurso de contra-ordenação, nem sobre as mesmas se pronunciou a sentença.

Com efeito, pese embora as questões suscitadas estejam relacionadas com a invocada nulidade da decisão, a verdade é que consubstanciam a invocação de erro porque dizem respeito ao quantum do pagamento por conta devido e a sua desproporção com fundamento no princípio da tributação do lucro real e do princípio da proporcionalidade.

Ora, em “processo de contra-ordenação tributária, o Tribunal de recurso pode alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido art. 75.º do Regime Geral das Contra-ordenações, subsidiariamente aplicável, podendo, inclusivamente, apreciar oficiosamente se ocorrem nulidades da sentença recorrida.” – cfr. acórdão do STA de 07/07/2010, proc. n.º 0356/10.

Por outro lado, no acórdão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2019, de 23/05/2019, proc. Processo n.º 13/17.3T8PTB.G1 -A.S1 fixou-se jurisprudência no sentido de que “Em processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1.ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa;”.

Portanto, resulta da jurisprudência supra citada que o tribunal de recurso pode conhecer de questões novas, ou seja, questões não suscitadas em 1.ª instância, porquanto reconhece-se ao tribunal de recurso verdadeiros poderes de substituição e não simples poderes de cassação.

Sucede que as questões ora suscitadas quanto ao quantum do pagamento por conta e a sua proporcionalidade são sindicadas pela Recorrente de forma muito genérica, sem concretização suficiente de modo a que se possa compreender o alcance do excesso e desproporcionalidade invocados, num contexto em que dispõe de todos os elementos necessários para o fazer, face as regras de determinação do pagamento por conta previstas no art. 105.º do CIRC, ou seja, com base no imposto liquidado no período imediatamente anterior.

Ademais, a Recorrente, no seu requerimento de recurso de contra-ordenação, começa por confessar que não entregou todo o pagamento por conta que era devido, e justificou-se com razões de ordem financeira. Em plena harmonia com o inicialmente alegado, resultou provado nos autos que no exercício em causa se apurou IRC a pagar, imposto que foi efectivamente pago pela Recorrente aquando a entrega da Modelo 22.

Ora, neste contexto em que inicialmente se confessa a não entrega do pagamento por conta devido, e que a final se apura imposto autoliquidado pela Recorrente, resulta frágil que apenas nesta sede de recurso se invoque excesso ou desproporcionalidade do pagamento por conta, desacompanhada de concretização suficiente, sobretudo porque o cálculo do pagamento por conta é efectuado nos termos do art. 105.º CIRC.

Assim sendo, a Recorrente deveria ter concretizado as razões do excesso e da desproporcionalidade, de modo a, pelo menos, criar uma dúvida razoável sobre a existência desse excesso e desproporcionalidade na quantificação do pagamento por conta. Não o tendo feito, e não resultando da factualidade apurada na 1.ª instância qualquer excesso no quantum, nem desproporção, não se vê como lhe dar razão na invocada violação do princípio da proporcionalidade.

Por outro lado, também não se vislumbra em que medida o princípio da tributação do lucro real, quando nenhum excesso resulta minimamente evidenciado, sendo certo que, sublinhemos uma vez mais, a Recorrente confessa ter entregue imposto por conta em montante inferior ao devido, e a final foi apurado IRC a pagar para o exercício de 2012 que foi efectivamente pago.

Pelo exposto, improcedem os fundamentos do recurso nesta parte.

A Recorrente invoca ainda erro de julgamento porquanto deveria ter sido aplicada uma admoestação sendo que a decisão incorre de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, erro notório na apreciação da prova nos termos do art. 410.º, n.º 2, alínea c) do CPP (conclusões 27 a 33 e 38).

Antes de mais, cumpre referir que não se verifica qualquer contradição insanável entre a fundamentação e a decisão nos termos do art. 410.º, n.º 2, alínea c) do CPP, pois a decisão do tribunal a quo é coerente e lógica, entendendo que os pressupostos da admoestação são cumulativos, e por não se verificar o 1.º (que seja reduzida a gravidade da infracção) não poderia ser aplicada esta sanção.

Diferente é o erro de julgamento, quer na apreciação dos factos, quer nos pressupostos de direito para aplicação daquele instituto que passamos a conhecer.

Vejamos.

“I - Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, o tribunal pode decidir proferir uma admoestação nos termos do disposto no art. 51.º do RGCO, subsidiariamente aplicável às contra-ordenações tributárias ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT.
II - A gravidade da infracção a considerar para efeitos de indagar da possibilidade de aplicar a sanção admonitória deve ser aferida pela conjugação de todas as circunstâncias concretas do comportamento ilícito, não podendo considerar-se essa possibilidade inelutavelmente arredada pela classificação como contra-ordenação grave prevista no art. 23.º do RGIT, a qual terá como único efeito autorizar a aplicação de sanções acessórias (cfr. art. 28.º, n.º 1, do RGIT).” – cfr. acórdão do STA de 10/10/2018, proc. n.º 0800/14.4BEVIS 0560/18.

Portanto, a classificação como grave de uma contra-ordenação pelo RGIT não exclui a aplicação da sanção da admoestação. O juízo sobre a gravidade da infracção para esses efeitos deverá ser feito casuisticamente, circunstâncias concretas do comportamento ilícito, e não em função da qualificação abstracta da gravidade da infracção.

Mais recentemente, essa jurisprudência veio a ser reiterada no acórdão do STA de 19/06/2019, proc. n.º 02584/15.0BELRS “O artigo 51º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), ao autorizar a aplicação de admoestação «quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique», é aplicável às infracções tributárias ex vi artigo 3º, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e não se encontra legalmente excluída a possibilidade da sua aplicação a contra-ordenações que o RGIT classifica como graves ou a infracções que, por natureza, representam um grave incumprimento de deveres legais e denotam um comportamento censurável, (…).”

Portanto, nesta parte não acompanhamos o despacho recorrido quanto à sua fundamentação, mas mantemos a decisão de não verificação dos pressupostos da sanção de admoestação.

Com efeito, dispõe o art. 51.º do RGCO, aplicável ex vi do art. 3.º alínea b) do RGIT:

“1 - Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.
2 - A admoestação é proferida por escrito, não podendo o facto voltar a ser apreciado como contra-ordenação.”

Está em causa nos autos pagamento por conta que é, nos termos da lei, uma entrega pecuniária antecipada, feita, por conta do imposto devido afinal, no período de formação do facto tributário.

O acórdão Tribunal Constitucional no acórdão n.º 494/2009, proc. n.º 595/06, de 29 de Setembro de 2009 distingue a finalidade do pagamento por conta da finalidade do Pagamento Especial por Conta (PEC). Enquanto que a “lógica típica de um pagamento por conta” é a de “a de assegurar ao erário público entradas regulares de tesouraria e, em segunda linha, acautelar o Fisco contra variações de fortuna do devedor e produzir uma certa «anestesia» fiscal”, diversamente, o PEC se encontra “indissociavelmente ligado à luta contra a evasão e fraude fiscais.”

Portanto, considerando a finalidade típica do pagamento por conta que é a de assegurar ao erário público entradas regulares de tesouraria, bem como as circunstâncias concretas dos autos podemos afirmar que a não entrega do pagamento por conta não consubstancia reduzida gravidade da infracção.

Com efeito, por um lado, o montante do pagamento por conta que foi efectuado pela Recorrente é substancialmente inferior ao que se mostrava em falta (4.771,61€), e por outro lado, verifica-se que era efectivamente devido o imposto, sendo que o período durante o qual se manteve o incumprimento é significativo (desde 15 de Dezembro de 2012 até ao pagamento do imposto em 31/05/2013 (cfr. pontos 6 e 10 da matéria de facto).

Tudo apreciado entendemos que, in casu, a infracção não poderá qualificar-se de reduzida gravidade, o que tanto basta para se concluir pela não aplicação da sanção de admoestação.

Pelo exposto, improcedem os fundamentos do recurso nesta parte.

Finalmente, invoca a Recorrente erro de julgamento porquanto estando regularizado o imposto não existiu prejuízo para a receita tributária, e devia ter sido atenuada especialmente a coima, a decisão viola também o disposto no art. 83.º, n.º 3 do RGIT, 74.º e 75.º do RGCO e do art. 104.º, n.º 1, 2, e 5 alínea f) do RGIT (conclusões 17 a 20 e 22 a 26, 34 a 36).

Vejamos.

Na decisão recorrida considerou-se que ocorreu prejuízo efectivo à receita tributária, e entendendo como cumulativos os pressupostos do art. 32.º decidiu que este preceito legal não se aplicava. Por outro lado, entendeu não ser aplicável o n.º 2 porque a Recorrente não regularizou a sua situação, uma vez que teria de ter entregue o pagamento por conta antes da liquidação final do imposto.

Pese embora concordemos com a decisão do despacho recorrido, divergimos em alguns pontos quanto à sua fundamentação.

Dispõe o art. 32.º do RGIT sobre a dispensa e atenuação da pena:
“1 - Para além dos casos especialmente previstos na lei, pode não ser aplicada coima, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias:
a) A prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária;
b) Estar regularizada a falta cometida;
c) A falta revelar um diminuto grau de culpa.c) A falta revelar um diminuto grau de culpa.
2- Independentemente do disposto no n.º 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo.”

Vejamos.

Resulta dos factos provados, nomeadamente do ponto 6 que a prestação tributária em falta (pagamento por conta) era efectivamente devida, pois apurou-se na declaração modelo 22 imposto a pagar no montante de 9.472,68€.

Por outro lado, verifica-se que o montante devido da prestação tributária que se encontrava em falta a título de pagamento por conta já não se encontra em dívida, por força do pagamento do imposto final devido (IRC) em 31/05/2013 (cfr. ponto 6 da matéria de facto). Porém, nada vem alegado ou se apurou sobre eventual pagamento de juros compensatórios.

Com base nesta matéria de facto cumpre aferir dos pressupostos da dispensa da coima ou da sua atenuação especial conforme o regime do disposto no art. 32.º do RGIT.

Relativamente à atenção especial da coima seguimos aqui a interpretação vertida no Ac. do STA de 12/12/2018, proc. n.º 01053/17.8BEPRT:

O artigo 32.º do RGIT prevê, no seu n.º 2, a possibilidade de atenuação especial das coimas nos seguintes termos:
«Independentemente do disposto no n.º 1 - onde se prevê a dispensa da coima e respectivos requisitos-, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo».
A atenuação especial da coima prevista no n.º 2 desde normativo exige, pois, a verificação cumulativa de dois requisitos: i) o reconhecimento, por parte do infractor, da sua responsabilidade e ii) a regularização da situação tributária até à decisão do processo.
Controvertido nos presentes autos é apenas a questão da verificação do segundo dos requisitos, concretamente a de saber se o pagamento do IRS liquidado a final relativo ao ano de 2005 (no qual se incluíram juros compensatórios devidos pelo facto de não terem sido efectuados os pagamentos por conta relativos a esse ano) deve ser havido como “regularização da situação tributária” para efeitos de atenuação especial da coima.
A sentença recorrida entendeu que não, pois nenhum pagamento antecipado do imposto foi feito, tendo este sido pago apenas a final.
Não acompanhamos, porém, este entendimento, antes entendemos, com o Ministério Público junto deste STA, que o pagamento do imposto liquidado relativo ao ano de 2015, no qual se incluíram os juros compensatórios devidos pela não realização dos pagamentos antecipados legalmente impostos pelo artigo 102.º n.º 1 do Código do IRS, corresponde à “regularização da situação tributária” requerida no caso dos autos e que, tendo sido efectuado em data anterior à da decisão administrativa de aplicação da coima - concretamente, em 05/09/2016, quando a decisão administrativa data de 3/10/2016, de acordo com os n.ºs 9 e 7 do probatório fixado -, permite a respectiva atenuação especial da coima, reconhecida que seja igualmente a responsabilidade pela infração (que a sentença dá como assente).”

Transpondo o entendimento vertido naquela jurisprudência podemos afirmar que não basta o pagamento do imposto a final para que se considere regularizada a situação tributária quando estamos perante prestações tributárias que revistam a natureza de pagamento por conta que consubstanciam pagamentos antecipados que não efectuados conferem à AT o direito a juros compensatórios.

In casu, estando em causa pagamento por conta em sede IRC, o não pagamento dentro do prazo (15/12/2012) faz correr imediatamente juros compensatórios nos termos conjugados do n.º 5 e alínea a) do n.º 1 do art. 104.º do CIRC.

Portanto, àquele acórdão, que subscrevemos, subjaz o entendimento de que apenas o pagamento do imposto a final devidamente acompanhado de juros compensatórios, consubstancia uma situação de regularização da prestação tributária.

Ou seja, havendo imposto a final a pagar, como sucede no caso dos autos, para podermos dar como verifica a regularização da prestação tributária é necessário que se mostre pago, de igual modo, os respectivos juros compensatórios.

No caso dos autos não vem alegado, nem resulta provado, que juntamente com o imposto devido a final a recorrente tenha liquidado os juros compensatórios que são devidos por força do n.º 5 e alínea a) do n.º 1 do art. 104.º do CIRC.

Assim sendo, não se verificada a regularização da situação tributária, um dos dois pressupostos cumulativos enunciados no n.º 2 do art. 32.º do RGIT para a atenuação especial da coima, o que tanto basta para concluirmos, in casu, pela não atenuação especial da coima.

Pela mesma razão, não se poderá dispensar a arguida, ora Recorrente da coima nos termos do art. 32.º, n.º 1, por não se verificar o pressuposto previsto na alínea b), nomeadamente, “estar regularizada a falta cometida”.

Na verdade, in casu, para que se verificasse a regularização da falta cometida, a Recorrente deveria ter pago não apenas o imposto devido a final, mas também os respectivos juros compensatórios, porquanto sendo a finalidade do pagamento por conta “a de assegurar ao erário público entradas regulares de tesouraria” só com o pagamento desses juros ficará regularizada a falta cometida com o ressarcimento do Estado pela não antecipação do imposto.

Em suma, improcedem todos os fundamentos do recurso, sendo de manter o decisão recorrido, mas com a presente fundamentação.

Tendo sido confirmada a aplicação da coima, as custas são suportadas pela arguida, ora Recorrente, nos termos do art. 94º nº 3 RGCO aplicável ex vi do art. 3.º, alínea b) do RGIT.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, com a presente fundamentação.

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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 31 de Outubro de 2019.

Cristina Flora

Tânia Meireles da Cunha

Mário Rebelo