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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07022/13
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/05/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CONCEITO DE CUSTOS EM SEDE DE I.R.C.
PAGAMENTO A ENTIDADES NÃO RESIDENTES E SUJEITAS A UM REGIME FISCAL PRIVILEGIADO.
ARTº.59, DO C.I.R.C.
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.

2. Consagrava o artº.59, do C.I.R.C., o procedimento de pagamento a entidades não residentes e sujeitas a um regime fiscal privilegiado (cfr.artº.65, do C.I.R.C., actualmente em vigor).

3. Da exegese da norma deve concluir-se que não são dedutíveis fiscalmente as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a entidades residentes num território com um regime fiscal claramente mais favorável a não ser que o contribuinte demonstre que estão cumpridos dois requisitos, que são:
a-Estarmos perante operações efectivamente realizadas;
b-Que não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.

4. Estamos perante norma anti-abuso específica, criada com o objectivo de combater a fraude e evasão fiscal, dada a sua cada vez maior dimensão internacional, resultante da crescente internacionalização das empresas, da maior mobilidade das pessoas e dos capitais e do próprio desenvolvimento das técnicas utilizadas para o efeito, tudo conforme se retira do exame do preâmbulo do citado dec.lei 37/95, de 14/2, para o efeito se invertendo o ónus da prova que passa a onerar o sujeito passivo nos termos do nº.1 do preceito.

5. No seu nº.2, o preceito consagra índices ou pressupostos que à Administração Fiscal cumpre demonstrar querendo accionar a norma (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.): quando o território de residência da pessoa singular ou colectiva constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.

6. A introdução da solução da inversão do ónus da prova ora em exame foi adoptada por inspiração do artº.238-A, do Côde Géneral des Impôts francês. Trata-se da aplicação da regra de não aceitação de encargos dedutíveis quando em causa estão pagamentos efectuados a pessoas singulares ou sociedades instaladas em paraísos fiscais, a menos que o sujeito passivo faça prova dos vectores supra identificados:
a-Estarmos perante operações efectivamente realizadas;
b-Que não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.

7. Mais se deverá referir que não exige a lei qualquer formalismo nestas provas, assim vigorando quanto às mesmas o sistema da prova livre e podendo socorrer-se o sujeito passivo de todos os meios de prova permitidos pela lei (cfr.v.g.artº.352 e seg. do C.Civil). No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, ou o recebimento de um empréstimo, ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"O…….. - INDÚSTRIA ………………….., S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.132 a 143 do presente processo, através da qual, no que ora interessa, julgou improcedente a impugnação intentada pela sociedade recorrente, tendo por objecto liquidação adicional de I.R.C., relativa ao ano de 2003 e no montante total de € 49.134,17.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.155 a 173 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-A dedutibilidade para efeitos fiscais das importâncias pagas ou devidas a entidades não residentes, sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável, encontra-se dependente da demonstração de duas condições:
- que respeitem a operações efectivamente realizadas;
- que não tenham um carácter anormal ou um montante exagerado;
2-A recorrente contratou a Global ………, conhecedora do mercado em apreço - Kuwait - por forma a conseguir estabelecer os contactos necessários para a prestação de serviços naquele mercado e essa intervenção foi indispensável à realização de proveitos, que resultaram dos serviços prestados ao Estado do Kuwait, e pelos quais a recorrente foi tributada;
3-A recorrente e a Global …….. não tinham qualquer relação, excepto a comercial, os encargos em apreço não tiveram - de todo - o objectivo de diminuir a base tributável da recorrente mas, apenas e só, o pagamento de uma efectiva prestação de serviços;
4-A efectiva prestação de serviços ao Estado Kuwait, sem que a recorrente tenha tido qualquer intervenção directa junto desse seu cliente em momento anterior, é prova irrefutável de que a Global Zone efectuou verdadeiras diligências com vista à prestação dos serviços por parte da recorrente, sem prejuízo da apresentação do contrato celebrado entre ambas, das faturas que titularam as comissões, do contrato celebrado com o cliente e demais elementos juntos aos autos;
5-A decisão de gestão relativa à contratação da Global ……… como comissionista não está sujeita à apreciação discricionária de quaisquer agentes externos, nomeadamente as Autoridades Tributárias;
6-A condição essencial para que um custo possa ser considerado como indispensável, é a de que o mesmo seja realizado no superior interesse da empresa e com vista à obtenção de lucros;
7-Apesar de não se encontrar expressamente estabelecido no CIRC o que se entende por "despesas não devidamente documentadas" a questão central residirá sempre na capacidade de a empresa demonstrar, a par da existência de um custo real e das principais características da transacção que o originou, que esse custo foi realizado no interesse da sua actividade económica;
8-As comissões pagas pela recorrente à Global ……….. contribuíram de forma significativa para o volume de negócios da recorrente, ainda por cima num território onde ainda não havia logrado, até então, celebrar qualquer contrato;
9-Na medida em que estas comissões foram o único encargo suportado pela recorrente com vista à celebração de um contrato importante com o Estado do Kuwait, e são as efetivamente cobradas por qualquer sociedade que tenha a atividade de agente ou comissionista naqueles mercados o seu equilíbrio e normalidade não pode ser questionado;
10-O Tribunal a quo, ao considerar que não foi feita prova da efetividade (existência) das operações refletidas nas duas faturas emitidas pela Global …… fez uma inadequada interpretação e aplicação do Direito à matéria de facto fixada nos autos e decidiu de forma incorrecta e ilícita;
11-Nestes termos e nos demais doutamente supridos, deve a sentença recorrida ser revogada, e, em consequência, considerar-se que os montantes pagos à Sociedade Global ………se referem a operações efetivamente realizadas e não têm caráter anormal ou um valor exagerado e, como tal, considerar-se corretamente contabilizado na conta 6214 - Serviços Comerciais, a importância de € 65.933,73 pagos àquela sociedade pela recorrente, referente ao exercício de 2003, anulando-se em concomitância o ato tributário praticado, de correção do cálculo do imposto, por força da indevida sujeição da referida importância a tributação autónoma à taxa de 35%. Assim se fará a costumada Justiça!
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se negar provimento ao presente recurso (cfr.fls.212 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.216 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.134 a 138 dos autos):
1-A sociedade impugnante, “O……… - Indústria ………….., S.A.”, com o n.i.p.c. …………., exerce a actividade de manutenção, reparação e modificação de aeronaves, motores aviónicos, acessórios e equipamentos terra, e presta serviços a clientes particulares ou institucionais, no âmbito da aviação civil e militar a nível mundial (cfr.cópia dos estatutos junta a fls.51 a 63 dos presentes autos);
2-Foi sujeita a um procedimento de análise interna ao exercício de 2004, tendo-se apurado, relativamente ao exercício de 2003, entre o mais que consta do relatório de análise interna datado de 23/10/2006, que constitui fls.102 a 110 do processo instrutor apenso, o seguinte:
"(...)
3.1. - Correcções ao lucro tributável
...a empresa contabilizou na conta 6214 - Serviços Comerciais, a importância de 65.933,73 Euros, referente a custos com comissões. Este montante é referente a duas facturas do fornecedor "Global …………….. Ltd.", empresa sediada no Koweit.
O Koweit consta da lista de países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, aprovada pela Portaria nº1272/2001, de 9 de Novembro e pela Portaria n°150/2004, de 13 de Fevereiro.
(...) foi notificado o contribuinte para...remeter à Direcção de Serviços elementos que provem que as importâncias pagas ou devidas no exercício de 2004 à entidade "Global …………………….Ltd.", sediada no Koweit, e aí submetida a um regime fiscal claramente mais favorável, correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm carácter anormal ou um montante exagerado, nos termos previstos nos n°s 1 e 4 do art°59, do Código do IRC.
A prova apresentada à Administração Fiscal, em fase de audição, pela empresa O…….., S.A., não é considerada suficiente, pelo que nos termos do n°1 do art°59 do Código do IRC, não serão dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, as importâncias devidas à empresa "Global ……………… Ltd.".
3.2. - Correcções ao cálculo do imposto - Tributação Autónoma
No seguimento do descrito no ponto 3.1. e de acordo com o n°8 do art°81 do Código do IRC, as despesas correspondentes às importâncias devidas à empresa "Global …………….. Ltd." no exercício de 2003, na importância de 65.933,73 Euros, estão sujeitas a tributação autónoma à taxa de 35%.
Assim, em conformidade com a legislação acima indicada, haverá lugar a uma correcção ao cálculo do imposto no montante de 23.076,81 Euros (65.933,73 Euros x 35%).
(...)
VIII - Direito de Audição
(...)
Relativamente aos elementos apresentados, há a mencionar:
1) No que diz respeito à efectividade das operações, o contribuinte não apresenta prova das diligências efectuadas pela sociedade "Global ……………….. Ltd." na procura de adjudicação de contratos pelo Estado do Koweit, isto é, não faz referência alguma, nem identifica os intervenientes no processo, não apresenta documentos tais como memorandos, propostas, contactos, que indiquem que foi através de mecanismos desencadeados pela referida sociedade que o contribuinte conseguiu a adjudicação dos contratos em causa, ou seja, verifica-se uma falta de evidência do nexo causal entre a sociedade "Global ……………. Ltd.", e os contratos adjudicados no Koweit.
Os elementos apresentados pelo s.p. resumem-se à cópia do contrato de "Agreement n°GZ/O………./2002" celebrado com a sociedade "Global ……………… Ltd. " e as cópias das facturas emitidas por essa entidade.
A simples cópia do contrato e das facturas, não são prova suficiente para atestar a efectiva realização das operações.
2) No que se refere à normalidade das operações, mesmo considerando que o s.p. demonstra a real importância das vantagens conferidas pelo contrato, verifica-se que pela pesquisa efectuada na internet, a sociedade "Global ………………… Ltd." não tem site próprio que permita aferir do seu "know how", nem o s.p. apresenta documentos que demonstrem o "know how" atribuído pelo mesmo à entidade não residente.
3) Relativamente ao montante das operações, de referir que o s.p. não apresentou um esquema comparativo dos preços análogos no mercado, não explicou o processo de selecção da sociedade "Global ……………….. Ltd" que justifique a escolha deste fornecedor em detrimento de outros e não justificou a diferenciação das comissões relativas a mão-de-obra e material.
De acordo com o exposto, a Administração fiscal não considera estarem comprovadas as três condições exigidas por lei, desta forma, e de acordo com a legislação referida, é de manter a correcção inicialmente proposta no ponto 3.1. do Projecto de Correcções.
(...);
3-Com base nos factos relatados e com referência ao exercício de 2003, foram efectuadas correcções à matéria tributável do IRC no montante de € 65.933,73 e apurado imposto em falta de € 23.076,81 (cfr.mapa resumo das correcções junto a fls.103 do processo instrutor apenso);
4-As quais originaram, para aquele mesmo ano de 2003, a liquidação adicional de IRC n°………………., de 20/11/2006, na importância total de € 49.134,17 com data limite de pagamento em 10/01/2007 (cfr.documento junto a fls.42 dos presentes autos; informação exarada a fls.165 a 171 do processo instrutor apenso);
5-Em 9/05/2007, a impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação (cfr. documento junto a fls.43 e seg. dos presentes auto);
6-Deduziu impugnação judicial em 8/02/2008, conforme data de envio constante de fls.2 dos presentes autos;
7-Nenhuma decisão recaiu sobre a reclamação graciosa identificada no nº.5 (cfr.acordo das partes);
8-As duas facturas cujo valor não foi aceite como custo dedutível pela Administração Fiscal foram emitidas pela "Global ………..", sediada no Koweit, à impugnante, em 26/10/2004, pelos montantes respectivos de USD 14.776,98 e USD 62.365,49 e estão ambas referenciadas ao contrato designado de "Agreement n°GZ/………./01/02" celebrado entre a impugnante e a entidade emitente em 28/02/2002 (cfr.documentos juntos a fls.66 a 71, 102 e 103 dos presentes autos);
9-No ano de 2003, a impugnante celebrou contratos com o Estado do Koweit de valor superior a USD 2.462.830,00 (cfr.documento junto a fIs.72 e seguintes dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “...Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante, nomeadamente, se provaram quaisquer factos que permitam relacionar as adjudicações dos contratos firmados no Koweit em 2003 com serviços prestados pela "Global …………" à impugnante a coberto do contrato designado de "Agreement n°GZ/…………./01/02"…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso instrutor, com destaque para a assinalada. Os factos não provados assentam na falta de prova…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese e no que ora interessa, julgar totalmente improcedente a impugnação pela sociedade recorrente intentada, assim mantendo a liquidação de I.R.C. objecto dos presentes autos (cfr.nº.4 do probatório).
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em resumo, que a efectiva prestação de serviços ao Estado Kuwait, sem que o apelante tenha tido qualquer intervenção directa junto desse seu cliente em momento anterior, é prova irrefutável de que a "Global …………" efectuou verdadeiras diligências com vista à prestação dos serviços por parte do recorrente, sem prejuízo da apresentação do contrato celebrado entre ambos, das facturas que titularam as comissões, do contrato celebrado com o cliente e demais elementos juntos aos autos. Que a decisão de gestão relativa à contratação da "Global ………." como comissionista não está sujeita à apreciação discricionária de quaisquer agentes externos, nomeadamente as Autoridades Tributárias. Que apesar de não se encontrar expressamente estabelecido no C.I.R.C. o que se entende por "despesas não devidamente documentadas" a questão central residirá sempre na capacidade de a empresa demonstrar, a par da existência de um custo real e das principais características da transacção que o originou, que esse custo foi realizado no interesse da sua actividade económica. Que o Tribunal "a quo", ao considerar que não foi feita prova da efectividade (existência) das operações reflectidas nas duas facturas emitidas pela "Global …………" fez uma inadequada interpretação e aplicação do Direito à matéria de facto fixada nos autos e decidiu de forma incorrecta e ilícita (cfr.conclusões 1 a 10 do recurso), com base em tais alegações pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, decidiu o Tribunal "a quo" que os encargos referentes às facturas identificadas no nº.8 do probatório que a impugnante/recorrente contabilizou a título de Serviços Comerciais (cfr.nº.2 da factualidade provada) não são passíveis de enquadramento no âmbito do artº.59, do C.I.R.C.
Por seu lado, o recorrente defende que os encargos em causa se enquadram no artº.59, do C.I.R.C., e, nessa medida, a sua não aceitação como custo fiscal enferma de ilegalidade, por erro nos pressupostos.
Vejamos quem tem razão.
Dir-se-á, antes de mais, que não revestem qualquer interesse para a decisão do presente recurso os vectores indispensabilidade dos custos e "despesas não devidamente documentadas", visto que a correcção fundante da liquidação adicional levada a efeito pela Fazenda Pública se baseou na citada falta de prova dos pressupostos de enquadramento de tais custos no artº.59, do C.I.R.C., em vigor no ano fiscal de 2003, no que diz respeito ao regime de pagamentos a entidades não residentes e sujeitas a um regime fiscal privilegiado.
É hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.11, da L.G. Tributária; artº.9, do C.Civil; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.).
Consagrava o artº.59, do C.I.R.C., o procedimento de pagamentos a entidades não residentes e sujeitas a um regime fiscal privilegiado (cfr.artº.65, do C.I.R.C., actualmente em vigor).
O citado artº.59, do C.I.R.C., na redacção derivada da Lei 30-G/2000, de 29/2 (redacção aplicável ao caso “sub judice” - artº.12, do C.Civil), estatuía:
Artº.59
(Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado)

1 - Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
2 - Considera-se que uma pessoa singular ou colectiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.
(…)
Da exegese da norma deve concluir-se que não são dedutíveis fiscalmente as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a entidades residentes num território com um regime fiscal claramente mais favorável a não ser que o contribuinte demonstre que estão cumpridos dois requisitos, que são:
1-Estarmos perante operações efectivamente realizadas;
2-Que não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.
Estamos perante norma anti-abuso específica, criada com o objectivo de combater a fraude e evasão fiscal, dada a sua cada vez maior dimensão internacional, resultante da crescente internacionalização das empresas, da maior mobilidade das pessoas e dos capitais e do próprio desenvolvimento das técnicas utilizadas para o efeito, tudo conforme se retira do exame do preâmbulo do dec.lei 37/95, de 14/2, diploma que introduziu este normativo no ordenamento jurídico português, para o efeito se invertendo o ónus da prova que passa a onerar o sujeito passivo nos termos do nº.1 do preceito (cfr.artº.344, do C.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc.8126/14; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, O controlo e combate às práticas tributárias nocivas, C.T.F. nº.409/410, pág.119 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, pág.202 e seg.).
No seu nº.2, o preceito consagra índices ou pressupostos que à Administração Fiscal cumpre demonstrar querendo accionar a norma (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.): quando o território de residência da pessoa singular ou colectiva constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/3/2006, rec. 1078/05; ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2008, rec.188/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/4/2009, proc.2892/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc.8126/14).
Revertendo ao caso dos autos, fez a Fazenda Pública prova dos pressupostos para accionar a norma sob exegese, visto que o pagamento em causa foi efectuado pelo impugnante/recorrente a entidade com sede em país com um regime de tributação privilegiado conforme a Portaria 1272/2001, de 9/11 (em concreto, o Estado do Koweit consta sob o nº.36 da lista de países constantes da mencionada portaria), diploma este que veio estabelecer quais os países ou territórios que devem ser qualificados como “paraísos fiscais” ou sujeitos a regimes de tributação privilegiados, como se pode colher do seu preâmbulo.
Aqui chegados, haverá que saber se a sociedade impugnante/recorrida cumpriu com o ónus da prova que lhe incumbia nos termos do nº.1, do preceito.
A introdução da solução da inversão do ónus da prova ora em exame foi adoptada por inspiração do artº.238-A, do Côde Géneral des Impôts francês. Trata-se da aplicação da regra de não aceitação de encargos dedutíveis quando em causa estão pagamentos efectuados a pessoas singulares ou sociedades instaladas em paraísos fiscais, a menos que o sujeito passivo faça prova dos vectores supra identificados:
1-Estarmos perante operações efectivamente realizadas;
2-Que não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.
Desde logo, se deverá referir que não exige a lei qualquer formalismo nestas provas, assim vigorando quanto às mesmas o sistema da prova livre e podendo socorrer-se o sujeito passivo de todos os meios de prova permitidos pela lei (cfr.v.g.artº.352 e seg. do C.Civil).
No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, ou o recebimento de um empréstimo, ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc.8126/14; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, O controlo e combate às práticas tributárias nocivas, C.T.F. nº.409/410, pág.125 e 126; Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág.92 e 93).
"In casu", manifestamente, a sociedade impugnante/recorrente não cumpriu com o ónus da prova consagrado no preceito acabado de examinar (cfr.factualidade não provada), pelo que, não se encontram demonstrados os requisitos para aceitação como custo fiscal, nos termos do artº.59, do C.I.R.C., assim acrescendo a totalidade dos encargos em causa, no montante de € 65.933,73, ao resultado fiscal. Estes encargos são tributados à taxa de tributação autónoma de 35%, nos termos do artº.81, nº.8, do C.I.R.C.
Arrematando, julga-se improcedente o examinado recurso e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 5 de Novembro de 2015



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)