Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07541/11
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/02/2014
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, FALTA DE FORMA, CONTRATO NULO, REGIME DA NULIDADE DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
Sumário:I. Apurando-se a existência de relações contratuais entre as partes, baseadas na prestação de serviços da Autora à Ré, prolongados no tempo e não recusados por esta, na consequente emissão de facturas pela Autora pelos serviços prestados, na entrega das facturas à Ré para pagamento e na não devolução das facturas à Autora, está o ente público vinculado a pagar os serviços prestados, sendo o objecto do contrato administrativo em causa, contrato de prestação de serviços, passível de contrato de direito privado, por tal resultar do disposto nos artºs. 1154º e segs., do Código Civil, sede em que vem expressamente previsto e regulado o contrato de prestação de serviços.

II. A diferença entre os dois tipos de contratos – contrato administrativo de prestação de serviços e contrato de prestação de serviços privado, regulado no Código Civil – não reside no respectivo objecto, pois que ambos têm por objecto a realização de uma obra, mediante um preço.

III. As diferenças radicam antes numa diversa regulamentação, estabelecida em razão da natureza pública ou privada dos interesses prosseguidos com a realização da prestação de serviços.

IV. Assim, tem aplicação o regime da nulidade dos contratos, regulado no artº 289º do Código Civil.

V. Ao abrigo do regime da nulidade, previsto no nº 1 do artº 289º do Código Civil, segundo o qual, em caso de nulidade, se impõe a restituição de tudo quanto haja sido prestado ou se a restituição não for possível, o valor correspondente, que traduz o efeito restitutivo da nulidade, será de reconhecer o direito à Autora de ser ressarcida das despesas em que incorreu com a prestação de serviços e, em consequência, em condenar a Ré no pedido.

VI. Como decorre da lei substantiva (artº 474º do Código Civil), no domínio da nulidade do contrato e do seu regime especial de restituição de tudo o que tiver sido prestado (artº 289º, nº 1 do Código Civil), está vedado o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, previsto no artº 473º e seguintes do Código Civil, em função do carácter subsidiário deste.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

R……. – Valorização e ………………, SA, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, datada de 16/12/2010 que, no âmbito do processo de injunção instaurado contra a A.D.C. - ……………., absolveu o réu do pedido e julgou improcedente o pedido de condenação da Autora em multa por litigância de má-fé e ainda, julgou improcedente o pedido indemnizatório formulado pela Ré, absolvendo a Autora.

Formula a aqui Recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 394 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1 - Os pontos 4º, 6° e 8º da fundamentação de facto da sentença devem ser modificados, atento o regime jurídico dos Decretos-Lei n.º 294/94 de 18/11 e n.º 319-A/2001 de 10/12, bem como os documentos juntos a fls. 104 e seguintes (facturas), 340 a 342 e 346 e seguintes (documentos juntos em audiência).

2 - Nos termos dos arts. 685º-B, n.º 1 e 712º, n.º 1, ais. a) e b) do CPC, ex vi art. 140º do CPTA, a matéria do ponto 8º da fundamentação de facto da sentença deve ser dada como provada em termos inversos, isto é, deve ser dada como provada a existência de um contrato relativo à entrega de RSU produzidos no concelho da Covilhã, devendo, em conformidade ser alterados pontos 4º, 6º, devendo a matéria correspondente do requerimento injuntivo (arts. 10º e 11º ser dada como integralmente provada).

3 - A matéria constante dos artigos 4º, 5º e 8º do requerimento inicial, bem como dos artigos 66º a 74º,inclusive, da réplica, deve ser dada como provada, nos termos dos arts. 685º-B, n.º 1 e 712º, n.º 1, als. a) e b) do CPC, ex vi art. 140º do CPTA.

4 - O que se requer considerando conjunta e concretamente todos os documentos juntos aos autos, particularmente os documentos juntos a fls. dos autos (nomeadamente, docs. juntos a fls. 104 e seguintes (facturas), 340 a 342 e 346 e seguintes (documentos juntos em audiência), bem como atenta a confissão e falta de impugnação pela Recorrida relativamente à matéria constante de tais pontos.

5 - A sentença recorrida violou os artigos 490º, n.º 2 e 659º, n.ºs 2 e 3 do CPC, pelo que deve ser revogada.

6 - A Recorrida ao usufruir, durante anos, dos serviços prestados pela Recorrente, sabendo as condições em que os mesmos são prestados, está a aceitar tais condições, ao menos tacitamente, tal como releva dos actos materiais praticados pelas partes, a que o Tribunal, incompreensivelmente, não atribuiu relevância, mas que demonstram que estas se comportam de acordo com a relação jurídica de entrega e recepção de RSU.

7 - Nos termos do artigo 219.º do Código Civil, a falta de redução a escrito de um contrato não significa a sua inexistência ou a sua nulidade, a menos que para ele seja expressamente exigida a forma escrita, sendo que do DL n.º 294/94, de 18 de Novembro não resulta a obrigatoriedade de reduzir a escrito o contrato a celebrar entre a concessionária e os utilizadores do serviço multimunicipal de tratamento de resíduos sólidos urbanos.

8 - O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, tendo violado as disposições do Decreto-Lei n.º 294/94, de 16 de Novembro, bem como o art. 219º do Código Civil, devendo, com tais fundamentos, ser a sentença recorrida revogada.

9 - O Tribunal a quo julgou nulo o contrato, sem se ter pronunciado quanto às consequências automáticas e ex lege dessa nulidade, pelo que a sentença recorrida padece de omissão de pronúncia, sendo, como tal, nula, nos termos do art. 668º, n.º 1. al. d) do CPC.

10 - Os fundamentos invocados na sentença recorrida (nulidade do contrato) conduzem a uma decisão diferente da tomada, pelo que a sentença é, ainda, nula nos termos do art. 668º, n.º 1. al. c) do CPC, desta feita por contradição entre os fundamentos e a decisão, a qual deverá ser declarada por este Venerando Tribunal, revogando-se, assim, a sentença em crise.

11 - Pois que, mesmo a considerar-se o contrato nulo, a Recorrida fica obrigada a pagar à Recorrente, nos termos do n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil, o valor peticionado, respeitante às facturas por pagar, bem corno os juros, tal corno é jurisprudência pacífica (cfr., por todos, o citado Acórdão do STA de 30/l 0/2007).

12 - O Tribunal a quo violou o disposto no n.º 1 do artigo 289.º do CC, devendo, com tal fundamento, ser a sentença recorrida revogada e substituída por Acórdão que, nos termos do art. 149º do CPTA, julgue a acção totalmente procedente e condene a Recorrida no pedido.

13 - O que a sentença na realidade faz, é negar tutela jurisdicional à situação da Recorrente, o que constitui, aliás, uma violação do direito fundamental de tutela e uma interpretação inconstitucional das regras sobre a prestação dos serviços de tratamento e valorização de RSU pela concessionária do sistema multimunicipal, que, para os devidos efeitos, expressamente aqui se deixa arguida.

14 - Se por outra via não for possível, a Recorrida sempre deverá ser condenada a pagar à Recorrente o equivalente em termos monetários ao seu enriquecimento sem causa, por remeter para esta o tratamento dos seus RSU.

15 - A Recorrente efectivamente prestou, a solicitação da Recorrida, o serviço discriminado nas facturas em causa nos autos, as quais foram atempadamente remetidas à Recorrida, que as recebeu, sem nunca as ter devolvido à Recorrente, sendo que as respectivas datas de vencimento há muito que passaram, encontrando-se a respectiva obrigação de pagamento vencida, pelo que o valor peticionado pela Recorrente é-lhe devido pela Recorrida, bem corno os juros de mora à taxa comercial, até efectivo e integral pagamento, devendo ser esta condenada no respectivo pagamento.”.


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A ora Recorrida, notificada, veio contra-alegar, formulando as seguintes conclusões (cfr. fls. 525):

“A) O suposto contrato em que a Recorrente assenta a causa de pedir e o pedido que deduziu é nulo por falta de forma: artigos 184º, 185º, n.º 1 e 3, alíneas b) e 133º, todos do CPA;

B) Assentando a causa de pedir e o pedido deduzido nos autos no dito contrato e sendo o mesmo, atenta aquela nulidade, inexistente, está vedado à Autora exigir o cumprimento de uma obrigação resultante desse contrato;

C) Posto isto, a douta sentença proferida nos autos é correcta, tanto na forma como no conteúdo, não enfermando de nenhum dos vícios que lhe são apontados pela Recorrente e nem violando nenhuma das disposições legais que esta invoca terem sido violadas, pelo que deve ser mantida.”.


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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

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Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artºs. 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do CPC, ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se em determinar se a sentença incorre em:

1. Erro de julgamento de facto, quanto aos pontos 4º, 6º e 8º da fundamentação de facto e por deverem ser aditados os factos constantes nos artºs 4º, 5º, 8º e 66º a 74º da réplica, incorrendo a sentença em violação dos artºs 490º, nº 2 e 659º, nºs 2 e 3, ambos do CPC [conclusões 1 a 5];

2. Nulidade por omissão de pronúncia, por o Tribunal ter julgado o contrato nulo, mas não extrair as consequências dessa nulidade e ainda por contradição entre os fundamentos e a decisão, por os fundamentos invocados na sentença conduzirem a resultado diferente [conclusões 9 e 10];

3. Erro de julgamento de direito, quanto ao julgamento de falta de contrato entre as partes, em violação do D.L. nº 294/94, de 16/11 e dos artºs 219º e 289º, nº 1 do CC, quanto ao regime de nulidade do contrato ou, quando assim se entender, quanto ao regime do enriquecimento sem causa [conclusões 6 a 8 e 11 a 15].

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“1. A Águas ……………, S.A. firmou com o Estado Português um acordo escrito em 27.07.2003, que designaram por “contrato de concessão”, constando da sua cláusula 1.ª, n.º 1 que: “o concedente atribui à concessionária, em regime de exclusivo, a concessão de exploração e gestão, do sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos da Cova da Beira (adiante designado por sistema), criado pelo Decreto-Lei n.º 319-A/2001, de 10 de Dezembro” (cfr. doc. n.º 12 junto aos autos em complemento do requerimento inicial que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

2. A Ré, enquanto entidade que gere e explora a recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos no concelho da Covilhã, entrega à Águas …………., S.A., nos locais por esta indicados, os resíduos sólidos urbanos e equiparados gerados na sua área e por si removidos e transportados.

3. A Águas do …………. S.A. emite facturas com periodicidade mensal, até ao 5.º dia útil do mês seguinte àquele que respeitam as entregas de resíduos sólidos urbanos e equiparados gerados na sua área e por si removidos e transportados.

4. A Águas do …………… S.A. presta à Ré serviços de recolha e valorização de resíduos sólidos urbanos, com vista à sua valorização e destino final, tendo procedido à emissão de facturas pelo valor de € 50/72/tonelada pela prestação desses serviços à Ré.

5. A Águas do ……… S.A. emitiu e enviou à Ré, que as recebeu, as seguintes facturas:

- Factura n.º…………., de 31.07.2007, relativa à recepção e valorização, em Julho de 2007, de 1 685,390 toneladas de resíduos sólidos urbanos, com vencimento em 30.09.2007, no valor de 93 296,45€;

- Factura n.º ………, de 31.08.2007, relativa à recepção e valorização, em Agosto de 2007, de 1 855,640 toneladas de resíduos sólidos urbanos, com vencimento em 30.10.2007, no valor de 102 720,18 €;

- Factura n.º ………., de 30.09.2007, relativa à recepção e valorização, em Setembro de 2007, de 1 583,090 toneladas de resíduos sólidos urbanos, com vencimento em 30.11.2007, no valor de 87 633,35 €;

- Factura n.º …………, de 31.10.2007, relativa à recepção e valorização, em Outubro de 2007, de 1 660,360 toneladas de resíduos sólidos urbanos, com vencimento em 30.12.2007, no valor de 91 910,89 €;

- Factura n.º …………, de 30.11.2007, relativa à recepção e valorização, em Novembro de 2007, de 1 465,920 toneladas de resíduos sólidos urbanos, com vencimento em 30.01.2008, no valor de 81 147,47 €;

- Factura n.º …………., de 31.12.2007, relativa à recepção e valorização, em Dezembro de 2007, de 1 484,550 toneladas de resíduos sólidos urbanos, com vencimento em 01.03.2008, no valor de 82 178,75 €;

- Factura n.º ………….., de 31.01.2008, relativa à recepção e valorização, em Janeiro de 2008, de 1 513,370 toneladas de resíduos sólidos urbanos, com vencimento em 30.03.2008, no valor de 84 568,64 €;

- Factura n.º ………….., de 29.02.2008, relativa à recepção e valorização, em Fevereiro de 2008, de 1 389,970 toneladas de resíduos sólidos urbanos, com vencimento em 29.04.2008, no valor de 78 175,85 €;

- Factura n.º …………., de 31.03.2008, relativa à recepção e valorização, em Março de 2008, de 1 479,570 toneladas de resíduos sólidos urbanos, com vencimento em 30.05.2008, no valor de 82 679,86 €;

- Factura n.º ……….., de 30.04.2008, relativa à recepção e valorização, em Abril de 2008, de 1 477,450 toneladas de resíduos sólidos urbanos, com vencimento em 30.06.2008, no valor de 82 561,38 €;

- Factura n.º …………, de 31.05.2008, relativa à recepção e valorização, em Maio de 2008, de 1 489,820 toneladas de resíduos sólidos urbanos, com vencimento em 30.07.2008, no valor de 83 252,63 €;

(cfr. docs. ns.º 1 a 11 juntos aos autos em complemento do requerimento inicial que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

6. A Ré não pagou, no prazo, os serviços identificados nas facturas descritas no n.º anterior e efectivamente prestados pela Águas ……….., S.A.

7. As quantias constantes das facturas acima referidas, não foram pagas pela Ré na data dos respectivos vencimentos.

8. Entre a Autora e a Ré não há qualquer acordo e/ou contrato relativo à entrega de resíduos sólidos produzidos no concelho da Covilhã e que são entregues numa central de compostagem daquela.

9. O requerimento de injunção dos presentes autos deu entrada no Balcão Nacional de Injunções em 19.11.2008 (cfr. fls. 1 a 7 dos autos).

10. Em 01.01.2009, a R…….. – Valorização ………., S.A e a Águas ……….a, S.A. celebraram um acordo escrito, que designaram por “contrato de trespasse da concessão da exploração e gestão do sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos urbanos da cova da Beira”, constando designadamente da sua cláusula 1.ª que: “nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 128/2008, de 21 de Julho, e da cláusula 38.ª, do Contrato de Concessão, pelo presente contrato de trespasse, o exclusivo da gestão e exploração do sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos da Cova da Beira criado pelo Decreto-Lei n.º 319.º-A/2001, de 10 de Dezembro, abreviadamente designado por Sistema, concedido à trespassante, passa a ser concedido à trespassária” (cfr. doc. n.º 1 junto com o requerimento inicial do Proc. n.º 66/09.8BECTB-A apenso a estes autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

11. Por sentença transitada em julgado proferida no Proc. n.º 66/09.8BECTB-A, datada de 31.03.2009, foi a R…….. – Valorização …………. S.A. habilitada a intervir como Autora nos presentes autos (cfr. fls. 66 a 70 do Proc. n.º 66/09.8BECTB-A apenso aos presentes autos).

Não ficaram demonstrados com interesse para a decisão a proferir, os demais factos alegados pelas partes nos respectivos articulados juntos ao presente processo.

Assim, ficou por demonstrar, nomeadamente o que vai alegado no requerimento inicial nos seus artigos 4.º, 5.º e 8.º. Sendo que a matéria constante dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 14.º e 15.º dizem respeito a questões que se prendem com alegação de matéria de direito.

Relativamente ao alegado no art.º 6.º do requerimento inicial, apenas ficaram demonstrados os factos que vão transpostos para o n.º 2 dos factos assentes. Assim, o Tribunal apenas deu como parcialmente demonstrado o que vai alegado naquele artigo, tendo em conta o conteúdo do depoimento da 2.ª e 3.ª testemunhas aqui ouvidas que, apesar de serem colaboradoras da Autora, aqui prestaram o seu depoimento de forma livre e isenta. Deste modo, aquelas apenas referiram que a Ré entrega RSU´s (resíduos sólidos urbanos) numa estação de tratamento da ora Autora, sendo o transporte assegurado por aquela. Mais disse a 2.ª testemunha que não existe qualquer contrato escrito entre a ora Autora e a Ré. Tal foi confirmado pela 3.ª testemunha que afirmou ter participado em várias reuniões com a Câmara da Covilhã tendo em vista a negociação e assinatura do referido contrato o que não veio a acontecer, por divergências quanto às tarifas a cobrar. Mais, ambas as testemunhas não referiram a existência de qualquer acordo verbal ou de outra natureza pela qual as partes se tivessem efectivamente vinculado. Também a 2.ª testemunha referiu que desde de Dezembro de 2001 que eram entregues à primitiva Autora, para tratamento, os resíduos sólidos provenientes da Covilhã.

No que se refere, ao alegado no art.º 7.º do requerimento inicial, o Tribunal deu apenas por provado o que vai transposto na matéria no n.º 3 dos factos assentes, tendo por base a convicção que firmou quanto à veracidade do depoimento aqui prestado pela 2.ª testemunha ouvida. Assim, a mesma referiu e explicou como se procede à facturação dos serviços prestados, revelando ser conhecedora de tal matéria por a mesma se enquadrar no âmbito das suas funções enquanto director administrativo da ora Autora. No entanto, pelas razões já supra enunciadas, ficou por demonstrar a existência do «acordo» a que se refere a Autora, uma vez que apenas se pôde concluir pelos depoimentos ouvidos que entre aquela e a Ré há apenas um conjunto de comportamentos, traduzidos na entrega e subsequente tratamento de RSU’s e emissão das respectivas facturas, comportamentos estes que ficou por demonstrar que tivessem por base um qualquer acordo de vontades de génese informal. Assim, nessa sequência, como se disse, ficou, logicamente, por demonstrar o que vai alegado no art.º 8.º do requerimento inicial.

No que diz respeito ao vertido no art.º 10.º do requerimento inicial, o Tribunal deu apenas como provado a matéria que vai exposta no n.º 4 da factualidade assente, tendo formado a sua convicção no depoimento da 2.ª testemunha ouvida, directa conhecedora da matéria em causa, assim como tendo em conta os documentos juntos pela Autora, consubstanciados nas respectivas facturas a que aqui se faz referência.

A matéria constante do art.º 6.º do requerimento inicial apenas se deu como provado o que vai referenciado no n.º 6 da enunciada factualidade tendo-se em conta o depoimento da 2.ª testemunha aqui ouvida, nos termos já supra enunciados.

Os factos enunciados no n.º 7, resultaram da demonstração parcial do que foi alegado pela Autora no art.º 13.º do requerimento inicial, tendo o Tribunal firmado a sua convicção no depoimento da referida 2.ª testemunha, pelas razões já supra enunciadas.

Relativamente à matéria factual trazida aos autos pela oposição deduzida pela Ré, o Tribunal deu como provada a matéria constante do art.º 109.º da contestação, tendo assente a sua convicção no depoimento da 4.ª testemunha ouvida, que tendo exercido funções junto da Ré, participou nas diversas negociações que tinham por fim a futura assinatura de um contrato entre as partes aqui contendoras. Esta testemunha referiu, igualmente, que a situação de ausência de acordo e de contrato escrito já se verificava no tempo em que era Autora a Águas …………, S.A., mantendo-se a mesma com a presente Autora.”.

DO DIREITO

Considerada a factualidade dada por assente, importa entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

Configurando o presente litígio, a Recorrente instaurou a presente acção, pedindo a condenação da Recorrida ao pagamento do montante de € 1.028.129.28, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, com fundamento na prestação à Recorrida dos serviços de recepção de resíduos sólidos urbanos ou equiparados, com vista à sua valorização, tratamento e destino final, sem que esta tenha procedido ao pagamento da quantia devida pelo serviço prestado, nos termos das facturas discriminadas nos autos.

A sentença recorrida absolveu o réu do pedido e julgou improcedente o pedido de condenação da Autora em multa por litigância de má-fé e ainda, julgou improcedente o pedido indemnizatório formulado pela Ré, absolvendo a Autora do peticionado.

1. Erro de julgamento de facto, quanto aos pontos 4º, 6º e 8º da fundamentação de facto e por deverem ser aditados os factos constantes nos artºs 4º, 5º, 8º e 66º a 74º da réplica, incorrendo a sentença em violação dos artºs 490º, nº 2 e 659º, nºs 2 e 3, ambos do CPC [conclusões 1 a 5]

Nos termos da alegação da Recorrente, a sentença incorre em erro de julgamento de facto, impugnando a selecção dos factos aí dados como assentes.

Invoca que os pontos 4º, 6º e 8º da matéria de facto devem ser modificados, atento o regime dos D.L. nºs 294/94, de 18/11 e 319-A/2001, de 10/12 e os documentos juntos a fls. 104 e seguintes, referentes a facturas e ainda 340 a 342 e 346 e seguintes, relativos a documentos juntos em audiência.

Sustenta ainda que a matéria de facto constante do ponto 8º deve ser dada por provada em termos inversos, devendo ser dada como provada a existência de um contrato relativo à entrega de RSU produzidos no concelho da Covilhã, devendo, com isso, ser alterados os pontos 4º e 6º da matéria de facto.

Por outro lado, requer que a matéria constante dos artºs 4º, 5º e 8º do requerimento inicial e dos artºs 66º a 74º da réplica, seja dada como provada, considerando os documentos juntos aos autos a fls. 104 e segs., 340 a 342 e 346 e segs., bem como atenta a confissão e a falta de impugnação pela Recorrida relativamente à matéria constante de tais pontos.

Vejamos.

Compulsando a alegação da ora Recorrente, decorre que a mesma vem impugnar a matéria de facto dada como assente na sentença recorrida, porque discorda em toda a linha da interpretação de facto e de Direito seguida na sentença, quanto a inexistir suporte contratual de base que legitime a emissão e a cobrança das facturas.

Porém, compulsados os factos dados como assentes nos pontos 4º e 6º da matéria de facto assente, verifica-se que eles correspondem ao que foi alegado pela Recorrente nos artigos 10º e 11º do seu requerimento injuntivo, designadamente, o constante no ponto 4 da matéria de facto assente corresponde ao alegado no artº 10º e a factualidade assente no ponto 6º dos Factos Assentes correspondente ao que pela ora Recorrente foi alegado no artº 11º da injunção.

Por isso, não pode proceder o alegado erro de julgamento de facto quantos aos pontos 4º e 6º da fundamentação de facto da sentença.

Doutro modo se deve entender em relação ao teor do ponto 8º da matéria de facto assente, já que nos termos da alegação das partes em juízo e da interpretação da demais factualidade assente, tem a Recorrente razão quanto a não se poder manter tal julgamento da matéria de facto.

Da alegação das partes e em face da prova produzida em juízo, é possível descortinar que entre as partes não foi reduzido a escrito o contrato de entrega e recepção de resíduos urbanos e de recolha selectiva para a valorização, tratamento e destino final, o que não significa que não exista uma relação contratual estabelecida entre as partes.

A redução do contrato a escrito, traduz-se na forma dada ao contrato, enquanto requisito para a sua validade ou eficácia, mas não para a sua existência jurídica.

Da alegação da Entidade Recorrida na oposição apresentada em juízo, decorre claramente a existência de relações contratuais entre as partes, não obstante as divergências existentes, que têm obstado à celebração por escrito do respectivo contrato.

De resto, admite a Recorrida em juízo, no artº 73º da sua oposição, que “tem um débito para com a oponente face à entrega diária que realiza na Central de Compostagem da Requerente, de seus resíduos”, fazendo depender o pagamento da dívida, da assinatura do contrato com a Recorrente, depois de esclarecidas as questões suscitadas relativas ao preço das tarifas a aplicar.

Em face do exposto, tal como sustenta a Recorrente, não se pode manter o teor do ponto 8º da matéria de facto assente, por não se poder confundir a falta de contrato escrito com a falta de relações contratuais entre as partes.

Além de que, do teor dos pontos 2., 3., 4. e 5. da matéria de facto assente, resulta já a existência de relações contratuais entre as partes.

Pelo que, não se poderá manter o que resulta do ponto 8º do probatório.


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Termos em que, nos termos antecedentes, procede o erro de julgamento de facto imputado ao ponto 8º da matéria de facto assente, devendo alterar-se a sua redacção, nos seguintes termos:

8. Entre a Autora e a Ré não foi celebrado contrato escrito relativo à entrega de resíduos sólidos produzidos no concelho da Covilhã e que são entregues numa central de compostagem daquela.”.


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Nos demais, pugna a Recorrente por dever ser aditada matéria de facto aos factos assentes, o que tem na base a versão dos factos tal como assumida pelas partes nos seus respectivos articulados.

No que se refere aos factos alegados nos artºs 66º a 74º da réplica, respeitam os mesmos à alegação de factos concretizadores da existência da relação contratual entre as partes, destinada à comprovação dessa relação.

Independentemente da admissão desse articulado apresentado pela Autora, também resulta do teor da oposição apresentada pela Ré, um conjunto de factos relevantes para a demonstração da relação contratual estabelecida entre as partes, pelo que, respeitando tais factos ao cerne do litígio, assumem relevo para a decisão a proferir, devendo ser aditados ao probatório assente.


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Pelo exposto, considerando a alegação da Ré em juízo, consideram-se admitidos, por acordo, os seguintes factos, os quais se aditam à matéria de facto assente:

A) A Ré entregou resíduos sólidos urbanos nas instalações da Autora - acordo (cfr. artºs 61º e 62º da oposição);

B) A Ré não devolveu as facturas remetidas pela Autora e tem um débito para com a Autora - acordo (falta de impugnação e artºs 66 e segs., 73º e segs. e 84º da oposição);

C) A Ré, no âmbito das relações contratuais estabelecidas com a Autora, pagou as facturas emitidas pela Autora em nome da Ré, vencidas até 30 de Julho de 2007, no âmbito de um acordo de regularização de dívida - acordo (cfr. artºs 59º da oposição) e doc. nº 11 junto aos autos.


*

Pelo que, nos termos expostos, procede o erro de julgamento de facto assacado à sentença recorrida, determinante da alteração do ponto 8. da matéria de facto dada por assente e do aditamento das alíneas A) a C) à factualidade assente.

2. Nulidade por omissão de pronúncia, por o Tribunal ter julgado o contrato nulo, mas não extrair as consequências dessa nulidade e por contradição entre os fundamentos e a decisão, por os fundamentos invocados na sentença conduzirem a resultado diferente [conclusões 9 e 10]

Sustenta a Recorrente no presente recurso que a sentença incorre em duplo fundamento de nulidade, por omissão de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do disposto nas alíneas d) e c), do nº 1 do artº 668º do CPC.

No respeitante à nulidade por omissão de pronúncia, invoca a Recorrente que a sentença recorrida julgou o contrato nulo, sem se ter pronunciado quanto às consequências automáticas dessa nulidade e quanto à contradição entre os fundamentos e a decisão, sustenta que os fundamentos invocados na sentença recorrida, relativamente à nulidade do contrato conduzem a decisão diferente da tomada.

Sem razão.

Procede a nulidade da sentença prevista na alínea d), do nº 1 do artº 668º do CPC, quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia) ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia).

No respeitante à omissão de pronúncia, significa ausência de posição expressa ou de decisão expressa do tribunal sobre as matérias que os sujeitos processuais interessados submeteram à apreciação do tribunal em sede de pedido, causa de pedir e excepções, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, bem como sobre as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual – vide artºs. 668º, nº 1, al. d) e 660º, nº 2 do CPC, o Acórdão do STA de 07/06/2005, proc. nº 1110/04; ANTUNES VARELA, in RLJ 122º, pág. 112; ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, pág. 143; LEBRE DE FREITAS, CPC Anotado, 2º Vol., 2ª ed., anotação ao nº 2 ao art. 660º e ao nº 3 ao art. 668º.

O juiz deve conhecer todas as questões que lhe foram submetidas, isto é, todos os pedidos e todas as causas de pedir, pelo que, o não conhecimento de questão cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo conhecimento anterior de outra questão, integra a nulidade por omissão de pronúncia.

No caso dos autos foi referida questão que, alegadamente, não foi objecto de apreciação, isto é, cujo conhecimento foi omitido pelo juiz a quo, respeitante aos efeitos da declaração de nulidade

Contudo, tal matéria não consiste em questão que tenha deixado de ser conhecida na sentença recorrida, pois que o Tribunal se debruçou sobre a questão da nulidade do contrato.

Nos termos que resultam da fundamentação de Direito da sentença recorrida, não deixou de ser conhecida a questão da validade do contrato, onde se inclui a nulidade, pelo que, tal questão que se mostra suscitada pela Recorrente no presente recurso, em rigor, não se traduz na omissão de uma questão pelo tribunal a quo, já que sobre a mesma se debruçou e decidiu, mas antes, quanto muito a eventual erro de julgamento.

A sentença recorrida analisou a questão da validade do contrato e da sua eficácia, pelo que a tomada de posição sobre os efeitos da nulidade do contrato não se traduz na omissão de qualquer questão, mas antes, eventualmente, em erro de julgamento quanto ao regime a extrair da nulidade do contrato.

Pelo exposto, o suscitado pela Recorrente não se subsume ao fundamento de nulidade invocado, previsto na alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC, por omissão de pronúncia, mas antes a eventual erro de julgamento de direito, na interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis, tendo presente os factos apurados.

Adoptando o vertido no Acórdão do STA, de 19/10/2011, proc. nº 0173/11:

I – Por força do comando ínsito no artigo 660.º nº 2 do Código de Processo Civil incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio, ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.

II – A violação dessa obrigação determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.”.

Como é jurisprudência corrente, a nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC, verifica-se quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, devendo apreciar as questões que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras, havendo, para tanto, que distinguir entre questões – as matérias respeitantes ao pedido e à causa de pedir – e argumentos – razões invocadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista – cfr. entre muitos outros, o Acórdão do STA de 13/05/2003, proc. 204/02.

Segundo o Acórdão do TCA Sul, proc. 07800/11/A, de 08/09/2011:

I – A nulidade de omissão de pronúncia prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Cód. Proc. Civil não se verifica quando a sentença recorrida aprecia todas as questões suscitadas, directamente ou por remissão para outras decisões ou doutrina, embora não aprecie todos os argumentos.

II – As questões não se confundem com os argumentos, as razões ou motivações produzidas pelas partes para fazer valer as suas pretensões.”.

Assim, não pode proceder a nulidade da sentença recorrida, por o Juiz a quo não ter deixado de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar, isto é, por omissão de pronúncia, a que alude a al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC.

Do mesmo modo em relação à invocada nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, nos termos da alínea c), do nº 1 do artº 668º do CPC.

Essa nulidade ocorrerá sempre que os fundamentos da decisão se encontrem em oposição com a decisão, no sentido de que entre os fundamentos e a decisão não pode existir contradição lógica.

Tal acontecerá se o juiz adoptar determinada linha de raciocínio e depois ao invés de a prosseguir, extraindo dela a devida consequência jurídica, assumida no segmento decisório, vir a decidir em sentido divergente ou oposto, que a fundamentação aduzida não permitiria adivinhar.

Confrontada, quer a fundamentação de facto, quer a fundamentação de direito aduzida na sentença, com a decisão que foi proferida pelo Tribunal a quo, objecto de recurso, não existe a invocada contradição, pois que não é possível extrair o juízo que o juiz tenha fundamentado a decisão num determinado sentido e haja concluído noutro sentido, oposto ou divergente.

O que existe é a valoração dos factos dados por assentes para deles se extrair a conclusão jurídica, com a qual a Recorrente não concorda, mas que em si mesma não enferma da nulidade invocada.

Pelo que, do mesmo modo, não procede a nulidade a que se refere a alínea c), do nº 1 do artº 668º do CPC.

Em face do exposto, improcedem, por não provadas, as conclusões do recurso em análise, não se verificando as nulidades da sentença invocadas pela Recorrente.

3. Erro de julgamento de direito, quanto ao julgamento de falta de contrato entre as partes, em violação do D.L. nº 294/94, de 16/11 e dos artºs 219º e 289º, nº 1 do CC, quanto ao regime de nulidade do contrato ou, quando assim se entender, quanto ao regime do enriquecimento sem causa [conclusões 6 a 8 e 11 a 15]

Por último, invoca a Recorrente que a sentença incorre em erro de julgamento de Direito, quer quanto à falta de contrato entre as partes, quer quanto à consequência a extrair do regime de nulidade do contrato ou, caso assim não se entenda, em face do regime do enriquecimento sem causa.

Invoca nas citadas conclusões do recurso que a Recorrida ao usufruir, durante anos, dos serviços prestados pela Recorrente, sabendo as condições em que tais serviços são prestados, está a aceitar tais condições, pelo menos, tacitamente, e que a falta de redução do contrato a escrito, não significa a sua inexistência ou sequer nulidade, salvo se para ele for exigida forma escrita.

Sustenta que do regime do D.L. nº 294/94, de 18/11, não resulta essa obrigatoriedade de reduzir o contrato a escrito.

Por outro lado, a considerar-se o contrato nulo, a Recorrida fica obrigada a pagar à Recorrente, nos termos do disposto no nº 1 do artº 289º do CC, o valor peticionado respeitante às facturas por pagar, bem como os juros.

Por último, sustenta a Recorrente que se por essa via não for possível, sempre a Recorrida deverá ser condenada a pagar à recorrente o equivalente em termos monetários, a título de enriquecimento sem causa, por a Recorrente efectivamente ter prestado, a solicitação da Recorrida, o serviço discriminado em causa nos autos, tendo sido atempadamente remetidas as facturas, que as recebeu, sem nunca as devolver, estando a obrigação de pagamento vencida, sendo o valor peticionado devido pela Recorrida.

Vejamos.

Nos termos da sentença sob recurso, extrai-se a seguinte fundamentação de Direito:

[…] O DL nº 294/94, de 18/11, estabeleceu o regime jurídico da concessão de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de tratamento de resíduos sólidos urbanos.

Segundo o seu art.º 5º, nº 4, a articulação entre os sistemas municipais de recolha e transporte de resíduos sólidos urbanos e o correspondente sistema multimunicipal explorado e gerido pela concessionária será assegurada através de contratos a celebrar entre a concessionária e cada um dos municípios.

Nos termos do nº 1, da Base V do seu anexo, “A concessionária é obrigada, mediante contrato, a assegurar aos utilizadores o tratamento dos resíduos sólidos urbanos gerados nas suas áreas, devendo proceder, relativamente aos utilizadores, sem discriminações ou diferenças que não resultem apenas da aplicação de critérios ou condicionalismos legais ou regulamentares ou, ainda, de diversidade manifesta das condições técnicas de entrega e dos correspondentes custos.”; o contrato de concessão e o contrato de fornecimento a celebrar entre a concessionária e cada um dos utilizadores fixam as tarifas e a forma e periodicidade da sua revisão (Base XIV).

Também o DL nº 319-A/2001, de 10/12 (cria o sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos da Cova da Beira, integrando como utilizadores originários os municípios de Almeida, Belmonte, Celorico da Beira, Covilhã, Figueira de Castelo Rodrigo, Fornos de Algodres, Fundão, Guarda, Manteigas, Meda, Penamacor, Pinhel, Sabugal e Trancoso), prevê que a articulação entre o sistema explorado e gerido pela concessionária e o correspondente sistema de cada um dos municípios utilizadores seja assegurada através de contratos de entrega e recepção ou de recolha indiferenciada e de promoção da recolha selectiva e do seu adequado processamento a celebrar entre a concessionária e cada um dos municípios (art.º 6º).

E também o contrato de concessão celebrado entre o Estado e a Águas do Zêzere e Côa, S. A., ao prever a obrigação de “(…) receber e processar de cada um dos municípios utilizadores, mediante contrato, todos os RSU e equiparados gerados nas suas áreas e por eles removidos e transportados”, nada mais consignou que a obrigação legal.

Prevê-se, pois, a celebração de contrato entre a concessionária e o município utilizador do Sistema.

Esse contrato, não se duvida, é de qualificar como contrato administrativo.

(…)

Sendo que, então (tempus regit) determinava o art.º 184º do CPA que “Os contratos administrativos são sempre celebrados por escrito, salvo se a lei estabelecer outra forma”. (já o CCP impõe a forma escrita para alguns dos tipos contratuais ou para seus aspectos).

Donde, e não precisando o DL nº 294/94, de 18/11, de ser mais explícito, há-de entender-se que é a forma escrita a prescrita.

No domínio da contratação administrativa, a regra geral da forma escrita é justificada por razões de segurança jurídica (Freitas do Amaral et alli, Código do Procedimento Administrativo, Anotado, pág. 311).

Essa forma escrita tem de operar perante o cerne negocial, ainda que não tenha necessariamente de observar-se tratando-se de aspectos acessórios, salvo norma imperativa em contrário (cfr. Menezes Cordeiro, Teoria Geral do Direito Civil, I, pág. 672, e Oliveira Ascenção, Teoria Geral do Direito Civil, III, pág. 202).

Ora, in casu, não existe essa forma escrita.

Requisito ad substantiam, indispensável para a própria validade do contrato, forma escrita que lhe é essencial.

Irrelevando, em acção que tem como causa relação jurídica contratual, um eventual acordo de vontades não escrito (nos negócios formais o sentido da declaração negocial correspondente à impressão do destinatário não pode valer se não tiver um mínimo de correspondência, embora imperfeita, no texto do respectivo documento (arts. 236.º-1 e 238.º-1 C. Civil); porque obrigatoriamente sujeito à forma escrita, a vontade real dos contraentes também não pode ser considerada, se omissa no texto do documento, pois a falta absoluta da formalidade a que estava sujeita a declaração sempre deixa a descoberto a nulidade da declaração com o sentido apurado. - arts. 410.º, 238.º-2 e 220.º C. Civil.).

Sendo que (como referem M. Esteves de Oliveira e outros, in CPA Comentado, 2ª ed., 7ª reimpr., pág. 848) - em virtude da disciplina jurídica imposta pelo art.º 185º do CPA

-, «… as questões da (in) validade do contrato administrativo se resolvem normativamente, primeiro, no campo do direito administrativo e, só por remissão sua, no campo do direito civil» (a mesma essencial disciplina preceitua o art.º 285º do CCP; mais sempre determinando a nulidade do contrato aquando da verificação de algum dos fundamentos previstos no art.º 133º do CPA (vícios geradores de nulidade do acto administrativo) ou quando o respectivo vício determine a nulidade por aplicação dos princípios gerais de direito administrativo - art.º 284º, nº 2, do CCP).

Ora, sanciona a lei a falta de qualquer elemento essencial com a nulidade (art.º 133º, nº 1, do CPA).

Assim, não decorrendo qualquer válido contrato, não pode a autora, como vem, exigir obrigação de pagamento com causa (sublinhe-se) nesse suposto incumprimento de obrigação derivada de contrato, sem que assim possa proceder a acção de condenação no pagamento de tarifa pelo que possa ter sido prestado.

O facto de a ré já ter pago facturas emitidas pela entrega e recolha de RSU e agora invocar a falta de contratualização para não pagar novos serviços não convoca qualquer abuso, quando desde logo a nada mais corresponde que a obrigação natural, que por natureza se lhe não impõe manter vinculação […]”.

Ora, como já referimos, aderimos ao que vai exposto na decisão referida cujo alcance atinge os efeitos pretendidos, também, pela Autora nos presentes autos.

Por isso, estando a presente questão limitada nos presentes autos, aos pedidos e causa de pedir como tal formulados pela Autora, inexistindo o necessário contrato de entrega e recepção de RSU’s, terá que soçobrar o pedido formulado pela Autora quanto ao pagamento das facturas aqui exigido, por falta de qualquer suporte contratual de base que legitime a sua emissão e, sobretudo, a sua cobrança.”.

Não incorrendo a sentença na censura que lhe é dirigida pela Recorrente no tocante ao enquadramento da relação jurídica estabelecida entre as partes no regime aprovado pelo D.L. nº 294/94, de 18/11, que estabeleceu o regime jurídico da concessão de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de tratamento de resíduos sólidos urbanos, nos termos do qual, no nº 4 do seu artº 5º, se retira que a articulação entre os sistemas municipais de recolha e transporte de resíduos sólidos urbanos e o correspondente sistema multimunicipal explorado e gerido pela concessionária, será assegurada através de contratos a celebrar entre a concessionária e cada um dos municípios e, bem ainda, que decorre do nº 1, da Base V do seu anexo, que a concessionária é obrigada, mediante contrato, a assegurar aos utilizadores o tratamento dos resíduos sólidos urbanos gerados nas suas áreas, devendo, nos termos da Base XIV, o contrato de concessão e o contrato de fornecimento a celebrar entre a concessionária e cada um dos utilizadores, fixar as tarifas e a forma e periodicidade da sua revisão, devendo, por isso, tal relação jurídica entre as partes, ser submetida à celebração de contrato sob a forma escrita, já não se pode acompanhar a demais fundamentação de direito aduzida.

No mesmo sentido, de prever que a articulação entre o sistema explorado e gerido pela concessionária e o correspondente sistema de cada um dos municípios utilizadores, seja assegurada através de contratos de entrega e recepção ou de recolha indiferenciada e de promoção da recolha selectiva e do seu adequado processamento a celebrar entre a concessionária e cada um dos municípios (art.º 6º), estabelece o regime aprovado pelo D.L. nº 319-A/2001, de 10/12, que cria o sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos da Cova da Beira, integrando como utilizadores originários os municípios de Almeida, Belmonte, Celorico da Beira, Covilhã, Figueira de Castelo Rodrigo, Fornos de Algodres, Fundão, Guarda, Manteigas, Meda, Penamacor, Pinhel, Sabugal e Trancoso.

Em respeito da obrigação legal de redução do contrato escrito, refere-se igualmente o contrato de concessão celebrado entre o Estado e a Águas ………, S. A., à obrigação de “(…) receber e processar de cada um dos municípios utilizadores, mediante contrato, todos os RSU e equiparados gerados nas suas áreas e por eles removidos e transportados”.

Donde, tal como se entendeu na sentença recorrida, quer nos termos da normatividade especial aplicável, quer nos termos do regime geral aplicável aos contratos administrativos, previsto no disposto no artº 184º do CPA, à data aplicável, se prever a celebração de contrato escrito entre a concessionária e o município utilizador do Sistema.

Já no demais, não soube a sentença interpretar e aplicar correctamente, quer os factos, quer o direito aplicável.

Mediante confronto com a matéria de facto assente, decorre que a Autora firmou com o Estado português um acordo, designado por contrato de concessão, pelo qual o concedente atribuiu à concessionária, em regime de exclusivo, a concessão de exploração e gestão do sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos da Cova da Beira, criado pelo D.L. nº 319-A/2001, de 10/12 (cfr. ponto 1 dos factos assentes).

Nesse âmbito, a Ré, enquanto entidade que gere e explora a recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos no concelho da Covilhã, entrega à Autora, nos locais por esta indicados, os resíduos sólidos urbanos e equiparados gerados na sua área e por si removidos e transportados (ponto 2 da matéria de facto).

Nos termos provados em juízo, mais resulta demonstrado que a Autora emitiu facturas com periodicidade mensal, até ao 5.º dia útil do mês seguinte àquele que respeitam as entregas de resíduos sólidos urbanos e equiparados, gerados na sua área e por si removidos e transportados, apresentando-as à Ré para pagamento, prestando-lhe os serviços de recolha e valorização de resíduos sólidos urbanos, com vista à sua valorização e destino final.

A Autora procedeu à emissão de facturas pelo valor de € 50/72/tonelada pela prestação desses serviços à Ré, tendo emitido e enviado à Ré, que as recebeu, as facturas descritas no ponto 5 da matéria de facto, as quais não foram pagas, na data dos respectivos vencimentos, pela Ré.

Da factualidade demonstrada em juízo é possível extrair que as partes estabeleceram relações contratuais, assentes na prestação pela Autora de serviços de recolha e valorização de resíduos sólidos urbanos, com vista à sua valorização e destino final e de emissão e consequente entrega da Autora à Ré das facturas referentes aos serviços prestados, facturas que não foram devolvidas pela Ré.

Além disso, assume a Ré em juízo que tais serviços cujo pagamento vem reclamado em juízo pela Autora foram prestados pela Autora, assim como assume que está em débito para com a Autora.

Por isso, não obstante as partes não terem reduzido a escrito o contrato, subsiste uma relação contratual firmada.

Tal apresenta-se como uma realidade irrefutável.

Além disso, baseando a Ré a falta de pagamento das facturas na falta de celebração do contrato escrito e, por sua vez, esta falta de forma escrita do contrato, nas divergências existentes entre as partes em relação ao valor das tarifas a praticar, mostra-se inequívoco, em face dos factos demonstrados em juízo, por um lado, que a Ré não recusou a prestação de serviços realizada pela Ré, pois, pelo contrário, recorreu a essa prestação de serviços e, por outro, não devolveu as facturas emitidas pela Autora, nem põe em causa que as mesmas correspondam aos serviços prestados.

Perante este enquadramento de facto, não se pode manter o enquadramento de Direito constante da sentença recorrida.

Constituindo efeito jurídico decorrente da falta de forma do contrato a sua nulidade, considerando o regime da nulidade do contrato, por falta da sua respectiva forma legal, não pode ser olvidada toda a demais factualidade apurada em juízo, designadamente, que a Autora, ora Recorrente realizou o objecto da prestação de serviços, incorrendo por esse motivo, quer na realização de trabalhos, quer no dispêndio de verbas monetárias, de que deve ser ressarcida.

Com relevo, preceitua o disposto no artº 185º do CPA:

1. Os contratos administrativos são nulos ou anuláveis, nos termos do presente Código, quando forem nulos ou anuláveis os actos administrativos de que haja dependido a sua celebração.

2. São aplicáveis a todos os contratos administrativos as disposições do Código Civil relativas à falta e vícios da vontade.

3. Sem prejuízo do disposto no n.º 1, à invalidade dos contratos administrativos aplicam-se os regimes seguintes:

a) Quanto aos contratos administrativos com objecto passível de acto administrativo, o regime de invalidade do acto administrativo estabelecido no presente Código;

b) Quanto aos contratos administrativos com objecto passível de contrato de direito privado, o regime de invalidade do negócio jurídico previsto no Código Civil”.

Conforme se extrai do Acórdão do STA, de 01/03/2001, Rec. nº 046031, numa situação paralela, em que estava em causa um ajuste verbal de uma empreitada de obra pública, nos termos do qual a Autora se obrigou a efectuar uma obra pública com meios humanos e maquinaria própria, vinculando-se o ente público a pagar esses serviços, foi entendido que o objecto do contrato administrativo em causa, o contrato de empreitada de obras públicas, é passível de contrato de direito privado, por tal resultar do disposto nos artºs. 1207º e segs., do Código Civil, sede em que vem expressamente previsto e regulado o contrato de empreitada.

Em termos paralelos se deve entender quanto ao contrato em causa nos presentes autos, o contrato de prestação de serviços, que vem regulado no disposto no artº 1154º e segs. do Código Civil.

A diferença entre os dois tipos de contratos – contrato administrativo de prestação de serviços e contrato de prestação de serviços privado, regulado no Código Civil – não reside no respectivo objecto, pois que ambos têm por objecto a realização de uma obra, mediante um preço.

As diferenças radicam antes numa diversa regulamentação, estabelecida em razão da natureza pública ou privada dos interesses prosseguidos com a realização da prestação de serviços.

Assim, tem aplicação o regime da nulidade dos contratos, regulado no artº 289º do Código Civil.

A declaração de nulidade do negócio jurídico tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado (artº 285º, nº 1 do Código Civil).

Porém, nos contratos nulos de execução continuada, nos quais uma das partes beneficie do gozo de uma coisa ou de um serviço, como é o caso dos autos, “apresentam-se com algumas especificidades que não podem deixar de ponderar-se à luz do regime do art.º 289.º n.º 1 do C. Civil”, como se faz notar no Ac. do STA, de 24/10/2006, processo nº 0732/05, na mesma linha também do Acórdão do STJ, de 11/07/2002, processo nº 03B484.

A solução a dar ao presente caso, deve ir no sentido de que o Tribunal, declarada a nulidade de um negócio jurídico, deve extrair as consequências dessa declaração de nulidade, em especial ordenando a restituição de tudo o que foi prestado, nos termos do artº 289º, nº 1, do Código Civil.

Mas, uma vez que a restituição em espécie, por sua natureza, não é possível, pois que os serviços prestados nunca mais poderão ser restituídos, haverá, então, que condenar a Ré no pagamento do “valor correspondente” à utilidade advinda da realização da mesma (nº 1 do artº 289º), corporizada nos valores reclamados pela Autora, respeitantes aos trabalhos e serviços a que se reportam os diversos pontos da matéria de facto, de acordo com as facturas apresentadas à Ré Recorrida, por ele não devolvidas à Autora.

De outro modo, face à nulidade da relação contratual havida, outra posição que não aquela para que se propende, conduziria a um enriquecimento injustificado por parte da Ré, além de que se traduziria numa injustiça, como se a nulidade cometida fosse tratada como se o negócio jurídico em causa equivalesse a um nada.

Na verdade, tal permitiria que a Ré, uma vez afastada a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, não obstante a realização da prestação de serviços, pudesse furtar-se ao pagamento dos encargos que os mesmos representaram para a Autora da presente acção administrativa.

Pelo que, mediante aplicação do regime da declaração de nulidade, previsto no disposto no artº 289º, nº 1, do Código Civil, ao fazer apelo ao valor correspondente quando a restituição em espécie não for possível, confere a pedra de toque para a solução do caso, que vai no sentido da condenação da Ré ao pagamento da quantia peticionada e, em consequência, pela revogação da sentença recorrida.

Por outras palavras, ao abrigo do regime da nulidade, previsto no nº 1 do artº 289º do Código Civil, segundo o qual, em caso de nulidade, se impõe a restituição de tudo quanto haja sido prestado ou se a restituição não for possível, o valor correspondente, que traduz o efeito restitutivo da nulidade, será de reconhecer o direito à Autora de ser ressarcida das despesas em que incorreu com a prestação de serviços e, em consequência, em condenar a Ré no pedido.

No caso configurado em juízo existe causa que justifica o enriquecimento da Ré, traduzido no facto de ter havido uma relação jurídica contratual, que o “enriquecido” não chegou total ou parcialmente a cumprir, pelo que, encontra-se demonstrada a existência de uma situação de vantagem ilegítima, obtida pelo devedor directamente decorrente do contrato incumprido.

Porém, como decorre da lei substantiva (artº 474º do Código Civil), no domínio da nulidade do contrato e do seu regime especial de restituição de tudo o que tiver sido prestado (artº 289º, nº 1 do Código Civil), está vedado o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, previsto no artº 473º e seguintes do Código Civil, em função do carácter subsidiário deste (neste sentido cfr. diversa jurisprudência do STA).

O que quer dizer que na situação dos autos, embora esteja comprovada a causa para o enriquecimento, atento o disposto no artº 474º do Código Civil, que prescreve a natureza subsidiária do instituto, por estar em causa um contrato nulo, não é legalmente possível a invocação do regime do enriquecimento sem causa.

Assim, sufraga-se a doutrina do Acórdão do Pleno do STA, datado de 18/02/2010, processo nº 0379/07, nos termos do qual:

II - No domínio da nulidade do contrato e do seu regime especial de restituição de tudo o que tiver sido prestado (art. 289º, nº 1 do C. Civil), está vedado o recurso aos princípios do instituto do enriquecimento sem causa, em função do carácter subsidiário deste.

III - A declaração de nulidade do negócio jurídico tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado. (art.º 289.º, n.º 1 do C. Civil).

IV - Mas, não sendo possível nos contratos de execução continuada, como é o caso da empreitada - em virtude de a obra feita nunca mais poder ser restituída -, a restituição em espécie, haverá, então, que condenar o réu no pagamento do “valor correspondente” à utilidade advinda da sua realização.”.

Acresce sobre a quantia peticionada serem devidos juros, devendo a condenação em juros onerar a parte que é considerada responsável pela satisfação do quantitativo peticionado na acção, o qual, se tivesse sido pago na altura em que a Ré foi interpelado, produziria frutos, ou seja, no caso, juros.

Por este motivo, não se pode manter a sentença recorrida, já que embora tenha considerado a nulidade do contrato, por errado julgamento dos factos e do Direito, denegou procedência ao pedido de condenação da Ré ao pagamento da quantia peticionada, não extraindo quaisquer consequências do regime jurídico da nulidade.

A factualidade apurada determina uma interpretação e aplicação dos normativos de Direito em termos que ditam uma diferente solução de Direito, incorrendo a sentença em errada interpretação e aplicação do disposto no artº 289º do CC.

Em face de todo o exposto, assiste razão à Autora, ora Recorrente, quando peticiona o ressarcimento do valor das facturas emitidas, que se dão por assentes no probatório, que foram remetidas à Ré e por estas não pagas, por se encontrarem demonstrados todos os pressupostos de facto e de Direito que ditam a procedência do pedido, assim como no que respeita à condenação ao pagamento de juros, pelo que, deverá ser concedido provimento ao recurso e revogar-se a sentença recorrida, condenando-se a Ré no pedido.


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Em suma, pelo exposto, será de conceder provimento ao recurso, em revogar a sentença recorrida, por erro de julgamento e em substituição, julgar a acção procedente, condenando a Ré no pedido.

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Sumariando, nos termos do nº 7, do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Apurando-se a existência de relações contratuais entre as partes, baseadas na prestação de serviços da Autora à Ré, prolongados no tempo e não recusados por esta, na consequente emissão de facturas pela Autora pelos serviços prestados, na entrega das facturas à Ré para pagamento e na não devolução das facturas à Autora, está o ente público vinculado a pagar os serviços prestados, sendo o objecto do contrato administrativo em causa, contrato de prestação de serviços, passível de contrato de direito privado, por tal resultar do disposto nos artºs. 1154º e segs., do Código Civil, sede em que vem expressamente previsto e regulado o contrato de prestação de serviços.

II. A diferença entre os dois tipos de contratos – contrato administrativo de prestação de serviços e contrato de prestação de serviços privado, regulado no Código Civil – não reside no respectivo objecto, pois que ambos têm por objecto a realização de uma obra, mediante um preço.

III. As diferenças radicam antes numa diversa regulamentação, estabelecida em razão da natureza pública ou privada dos interesses prosseguidos com a realização da prestação de serviços.

IV. Assim, tem aplicação o regime da nulidade dos contratos, regulado no artº 289º do Código Civil.

V. Ao abrigo do regime da nulidade, previsto no nº 1 do artº 289º do Código Civil, segundo o qual, em caso de nulidade, se impõe a restituição de tudo quanto haja sido prestado ou se a restituição não for possível, o valor correspondente, que traduz o efeito restitutivo da nulidade, será de reconhecer o direito à Autora de ser ressarcida das despesas em que incorreu com a prestação de serviços e, em consequência, em condenar a Ré no pedido.

VI. Como decorre da lei substantiva (artº 474º do Código Civil), no domínio da nulidade do contrato e do seu regime especial de restituição de tudo o que tiver sido prestado (artº 289º, nº 1 do Código Civil), está vedado o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, previsto no artº 473º e seguintes do Código Civil, em função do carácter subsidiário deste.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, em revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a acção procedente, condenando a Ré no pedido.

Custas pela Ré, em ambas as instâncias.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Maria Cristina Gallego Santos)

(António Paulo Vasconcelos)