Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:217/12.5 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/25/2021
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA; OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO DE REVERSÃO
Sumário:I- Nos termos da alínea d) do nº 1 do art. 615º do CPC, é nula a sentença quando o juiz não se pronuncie sobre questões que devesse apreciar.
II- A falta de fundamentação do despacho de reversão pode ser fundamento de oposição à execução.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem R. M. F. G., interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a oposição à execução contra a decisão de reversão proferida no processo de execução fiscal nº 1503200501192094 e apensos, instaurado originariamente contra a sociedade “A. – C., Lda., por dívidas tributárias de IRC e IVA dos anos de 2003 a 2007 no montante total de € 12.117,24.

O Recorrente, nas suas alegações formulou conclusões nos seguintes termos:

1- Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida nos presentes autos que julgou improcedente por não provada a oposição de deduzida;
2- O caso em apreço diz respeito à cobrança coerciva de dívidas de IRC e IVA de 2003 a 2007 da sociedade A. – C. LDA, no montante total de € 12.117,24, exigidas ao Recorrente/Oponente por via de reversão na qualidade de responsável subsidiário da referida sociedade;
3- Entre outras, uma das questões que estiveram na origem da Oposição que veio a ser julgada improcedente, foi a falta de fundamentação do despacho de reversão por não ser justificada a respetiva extensão;
4- Considerou a douta Sentença não se pronunciar sobre tal questão, por considerar que se tratava de irregularidade de citação que deveria ter sido alegada em sede própria, não constituindo fundamento para a Oposição à Execução;
5- Entende o Recorrente/Oponente que a questão em apreço não é uma questão de citação, uma vez que, à citação foi anexado o despacho de reversão e o Executado a ele teve acesso;
6- A questão colocada pelo Executado na Oposição, diz respeito à omissão de fundamentação acerca da extensão da reversão no despacho de reversão anexo à citação, o qual de acordo com o artigo 23º n.º 4 da LGT deve conter declaração fundamentada dos pressupostos e da extensão;
7- Da leitura e análise do despacho de reversão não se verifica qualquer menção à extensão da reversão, nem sequer à sua fundamentação;
8- A inexistência de qualquer referência acerca da extensão da reversão, elemento essencial do despacho de reversão, corresponde á falta de fundamentação.
9- A Administração Fiscal tem o dever de fundamentar os atos que afetem os direitos ou os legítimos interesses dos administrados, em conformidade com o princípio plasmado no artigo 268.º da CRP e nos artigos 152º e 153º do CPA e 77.º da LGT;
10- A fundamentação de um despacho de reversão em execução fiscal, afigura-se essencial, uma vez que a responsabilidade subsidiária depende de determinados pressupostos legais - artigo 23.º e 153.º do CPPT;
11- A mera insuficiência de fundamentação, está equiparada à falta de fundamentação, tendo como consequência a anulação do despacho de reversão, conforme resulta dos artigos 152.° e 153.° do CPA;
12- Neste sentido, deve ser atendida a jurisprudência do acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 25.05.2017 no processo 192/10.0BEALM e do acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 04.07.2019 no processo 214/14.6BEMDL.
13- O despacho de reversão foi tomado em clara violação do artigo 268.º da CRP, artigos 152º e 153º do CPA e 23º e 77.º da LGT mostrando-se nula a reversão operada contra o ora Recorrente/Oponente;
14- Com a procedência da invocada falta de fundamentação, ficaria prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo Oponente/Recorrente na Oposição;
15- A Sentença recorrida mostra-se em clara violação com o disposto no artigo 268.º da CRP, artigos 152 e 153º do CPA e artigos 23º e 77.º da LGT.
16- Para além de padecer do vicio de nulidade conforme resulta do disposto no artigo 615º n.º 1 d) do CPC, ao não se pronunciar acerca da questão de fundo subjacente à alegada falta de fundamentação do despacho de reversão, analisando-a apenas do ponto de vista formal;
17- Pelo que deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a Sentença recorrida proferida outra que se pronuncie acerca da questão alegada.
Assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA!”.

* *
A Recorrida não contra-alegou.
* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre decidir se a sentença recorrida padece da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do art. 615º do CPC, por omissão de pronúncia e se violou as disposições legais invocadas.

Cumpre ressaltar, quanto à definição do objecto do presente recurso, que a oposição à execução fiscal foi julgada improcedente sendo que o Recorrente apenas se insurge contra a decisão na parte relativa à apreciação da alegada falta de fundamentação do despacho de reversão, e, quanto aos demais fundamentos da decisão recorrida nada é referido, pelo que, quanto a eles constituiu-se caso julgado.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:
“Com interesse para a decisão da causa considera-se assente a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) No Serviço de Finanças de Cascais-1 foi instaurado, em 04.11.2005, contra a sociedade “A. – C., LDA.” o processo de execução fiscal (PEF) n.º 1503200501192094 para cobrança de liquidação oficiosa de IVA de 2003, no valor total de € 1.496,40, com data limite de pagamento voluntário em 30.09.2005 – cf. fls. 1 e 2 do PEF apenso e informação de fls. 32 a 34 do suporte físico dos autos.

B) Ao PEF que antecede, eleito como processo principal, foram apensados os seguintes PEF’s, instaurados posteriormente, para cobrança de dívidas de IRC de 2003 a 2006 e IVA de 2004 a 2007, perfazendo o total de € 12.117,24 de dívida exequenda:
a) PEF n.º 1503200601065343, relativo a IRC e JC de 2003, apensado em 16.07.2008;
b) PEF n.º 150320070101047, relativo a IVA de 2004, apensado em 16.07.2008;
c) PEF n.º 1503200701040340, relativo a IRC de 2004, apensado em 16.07.2008;
d) PEF n.º 1503200701106490, relativo a IVA de 2005, apensado em 16.07.2008;
e) PEF n.º 1503200701135821, relativo a IRC de 2005, apensado em 16.07.2008;
f) PEF n.º 1503200801012150, relativo a IVA de 2006, apensado em 16.07.2008;
g) PEF n.º 1503200801317776, relativo a IRC de 2006 e JC, apensado em 20.02.2010, e
h) PEF n.º 1503200901147110, relativo a IVA de 2007, apensado em 20.02.2010.
– cf. docs. 1 a 9 juntos com a contestação e listagem a fls. 15 do PEF apenso.

C) Por despacho de 24.10.2011, cujo teor aqui se dá por reproduzido, foi ordenada a reversão da execução identificada em A) e B) contra o ora Oponente, encontrando-se tal decisão fundamentada, além do mais, na fundada insuficiência de bens da devedora originária e no facto de o ora Oponente constar no registo comercial como único gerente da sociedade, obrigando-se a mesma com a sua assinatura, decisão com suporte legal na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT – cfr. fls. 13 a 15 do PEF apenso.

D) O Oponente foi citado em 19.12.2011 – cf. informação de fls. 32 a 34 do suporte físico dos autos.

E) No contrato de sociedade da “A., – C., LDA.”, levado a registo pela Ap. 09/19950217, foi designado gerente o ora Oponente, sendo a forma de obrigar a sociedade com a assinatura de um gerente – facto não controvertido e cf. fls. 13 a 15 do PEF apenso.

F) A sociedade “A., . – C., LDA.”, cessou atividade para efeitos de IVA em 31.12.2009 – cf. fls. 31 do suporte físico dos autos.

G) Em 19.01.2012 a oposição deu entrada no Serviço de Finanças – cf. fls. 14 do suporte físico dos autos.

Factos não provados:
Não resultam dos autos outros factos, com relevo para a decisão do mérito da causa, que importe julgar não provados.
Motivação da decisão de facto:
Os factos dados como provados resultam dos documentos constantes dos autos e do PEF apenso, os quais não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.”.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Tomando em consideração a definição do objecto do recurso acima mencionado e atentas as conclusões do presente recurso importa decidir da alegada nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.

De acordo com o nº 1 do artigo 125.º do CPPT “1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”.

E nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT, é nula a decisão quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Será nula a sentença por omissão de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, pelo que importa analisar se, no caso concreto foram apreciadas todas as questões invocadas pelo Oponente. As questões de que o juiz deve conhecer são, ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

Recorde-se que a petição inicial é o articulado onde o oponente expõe os fundamentos da ação e formula o pedido correspondente (cfr. art. 147º do CPC e art. 204º do CPPT), e é na petição inicial que o oponente deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de extinção do processo de execução fiscal, com os fundamentos taxativamente enunciados no art. 204º do CPPT, regra que só conhece as excepções previstas nos artigos 264º e 265º do CPC (alteração e ampliação da causa de pedir), bem como o art. 588º do CPC (articulados supervenientes), aplicáveis por força do preceituado na alínea e) do art. 2º do CPPT.

Nos presentes autos o Recorrente invoca a nulidade da sentença porquanto em seu entender o juiz a quo não se pronunciou sobre um dos fundamentos invocados na petição de oposição à execução, a saber, a falta de fundamentação do despacho de reversão por não ser justificada a respectiva extensão.

Desde já se afirma que não existe omissão de pronúncia quanto a esse fundamento.

Na sentença ora recorrida o juiz identificou desde logo os fundamentos que o oponente invocava, a saber:
Ø que apesar de ter sido citado para o processo principal e apensos, não foi proferido despacho de apensação dos processos cujo valor lhe é exigido;
Ø a falta de fundamentação do despacho de reversão por não ser justificada a respetiva extensão;
Ø ser parte ilegítima na execução por não exercer a gerência da sociedade à data da constituição das dívidas uma vez que a mesma se encontrava já sem atividade e não consta como devedor no título executivo e, ainda,
Ø ilegalidade das liquidações uma vez que nos períodos em causa a sociedade não exercia qualquer atividade e, como tal, não rendimentos nem despesas, não existindo qualquer valor de IVA ou IRC a entregar ao Estado.

Em relação à alegada falta de fundamentação do despacho de reversão por não ser justificada a respectiva extensão, da sentença consta expressamente pronúncia sobre tal questão, mais concretamente no ponto “II – Saneamento Processual” que passamos a transcrever:
Quanto à invocada falta de “fundamentação” por não ser “justificada a extensão da reversão” no “Despacho de Decisão” (cf. art.º 6.º da p.i.), desde já se adianta que o que está em causa, a proceder a alegação do oponente, é um vício da citação e não do despacho/decisão de reversão conforme, aliás, o próprio oponente transmite no art.º 7.º da p.i. quando transcreve o texto do n.º 4 do art.º 23.º da LGT que refere que a “extensão” da execução é elemento “a incluir na citação”, como resulta expresso, por sua vez, na al. e) do n.º 1 do art.º 163.º do CPPT.
Ora, quanto à nulidade ou irregularidade da citação decorrente da alegada falta de elementos essenciais da mesma, não constitui fundamento legal de oposição na medida em não afeta a execução no seu todo mas um ato praticado adentro da execução, posterior à sua instauração, e os atos posteriores a essa citação que dela dependam absolutamente. A sua confirmação não importa a extinção da execução mas – se for o caso – a repetição o ato de citação com cumprimento das formalidades omitidas – neste sentido, e quanto à falta de citação (com argumentação inteiramente aplicável à nulidade ou irregularidade da citação, por maioria de razão), cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 3.ª edição rev. e aum., 2002, pág. 828 e jurisprudência ali citada.
O meio processual adequado para a arguição da nulidade ou irregularidade respetiva é o requerimento no próprio processo executivo, dirigido ao órgão de execução fiscal. Da decisão que recair sobre tal arguição cabe reclamação nos termos dos artigos 276.º e seguintes do CPPT, não cabendo, por isso, conhecer de tal matéria em sede da presente oposição à execução.”.

Do exposto resulta evidente que o juiz a quo emitiu pronúncia sobre o fundamento invocado, não se verificando qualquer omissão, pelo que se conclui que a sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia, improcedendo assim a alegada nulidade.

Invoca ainda o Recorrente que a sentença “mostra-se em clara violação com o disposto no art. 268º do CRP, artigos 152º e 153º do CPA e artigos 23º e 77º da LGT” (cfr. conclusão 15º das suas alegações) e, embora tal conclusão seja efectuada de forma conclusiva e não muito clara, a leitura das respectivas alegações evidencia que o Recorrente pretende atacar a sentença recorrida na parte em que deveria ter considerado que o despacho de reversão padece de falta de fundamentação, o que consubstancia um alegado erro de julgamento.

Tomando em consideração que sobre a falta de fundamentação do despacho de reversão quanto à sua extensão foi proferida a decisão acima transcrita, vejamos então se a mesma padece de erro de julgamento.

Para tanto importa ter presente os argumentos apresentados pelo Oponente e invocados na petição inicial quanto à alegada falta de fundamentação, mais concretamente os artigos 6º a 9º que passamos a transcrever para uma melhor configuração do seu enquadramento legal.

Invoca o Oponente que:
“6
No Despacho de Decisão não é justificada a extensão da reversão - o que constitui falta de fundamentação.
7
Determina o artigo 23° nº 4 da LGT que “a reversão, mesmo nos casos de presunção de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação”. (sublinhado nosso).
8
Ora a insuficiência da extensão corresponde á falta de fundamentação e extensão.
9
A preterição de formalidade legal, tem como consequência a nulidade do acto.”

O tribunal recorrido considerou que a alegação do oponente configurava um vício da citação e não do despacho/decisão de reversão e como tal, o meio processual adequado seria a arguição de nulidade ou irregularidade da citação a invocar em requerimento no próprio processo executivo dirigido ao órgão de execução fiscal e não através de oposição à execução.

Não concordamos com tal entendimento porquanto da transcrição dos artigos 6º a 9º da petição inicial resulta que o oponente pretende atacar não a citação, mas sim o despacho de reversão que, na sua perspectiva, não estaria devidamente fundamentado quanto à sua extensão. E, sendo configurado o fundamento como falta de fundamentação do despacho de reversão, a oposição à execução é o meio próprio para o seu conhecimento.

Na verdade da jurisprudência do STA resulta que o meio processual adequado para atacar o despacho de reversão com fundamento em vícios formais do mesmo é a oposição à execução fiscal. Destarte a oposição à execução é o meio próprio para reagir contra o acto de reversão proferido em processo de execução fiscal com fundamento na falta de pressupostos, de legitimidade, da fundamentação ou outros vícios que o afectem. A este respeito veja-se os Acórdãos do STA de 16/11/2011, proferido no processo com o nº 681/11, de 07/09/2011 proferido no processo 493/11 e de 28/03/2011 proferido no processo nº 953/11 ao afirmar-se que:
“I - O meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente o despacho que ordena a reversão, com fundamento em falta de fundamentação deste ou outros vícios a tal acto imputados, (destaque nosso) é a oposição à execução, e não o processo de impugnação judicial, dado que se trata de fundamentos que se reconduzem a fundamentos de oposição à execução (art. 204º do CPPT).”.

Neste sentido também se pronuncia Jorge Lopes de Sousa, no Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, em anotação ao art. 204º do CPPT, que conclui da seguinte forma: “Por isso, embora com dúvidas, parece-nos correcto o entendimento de que é a oposição à execução fiscal o meio processual adequado para os revertidos atacarem a legalidade do despacho que ordena a reversão.”

Ora, sendo este o entendimento da mais recente jurisprudência e da doutrina citadas, e, considerando que não estamos perante uma questão de eventual nulidade ou irregularidade da citação como foi entendido pelo tribunal a quo, cumpre agora apreciar se efectivamente ocorreu a alegada falta de fundamentação do despacho de reversão como invoca o oponente.

O dever de fundamentação do despacho de reversão decorre do princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”.

A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do acto em causa.

Deve ser clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Sobre a fundamentação do despacho de reversão importa referir a jurisprudência do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, que no seu Acórdão de 16/10/2013, recurso 0458/13, refere o seguinte:
De acordo com o disposto no nº 1 do art. 23º da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal, sendo o despacho que a ordena (despacho de reversão) o acto que dá início ao procedimento para efectivação da responsabilidade subsidiária.
E sendo um acto administrativo tributário, aquele despacho está sujeito a fundamentação, dado até o princípio constitucional da fundamentação expressa e acessível dos actos administrativos (nº 3 do art. 268º da CRP) densificado, no caso, no nº 4 do art. 23º e nº 1 do art. 77º da LGT. Daí que, enquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (De acordo com o disposto neste nº 4 do art. 23º da LGT «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».)
Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).
Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).
Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
É que, como se exara no acórdão de 31/10/2012, da Secção do Contencioso Tributário deste STA, processo nº 0580/12, «não … parece, porém, … que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário»

De referir também o Acórdão do STA, de 29/10/2014, proferido no âmbito do processo n.º 0925/13 no qual se afirma o seguinte:
“(…) não sofre dúvida que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do art. 23.º da LGT) e que este despacho de reversão, sendo um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (art. 268.º n.º 3 da CRP; arts. 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).
E sendo pressupostos da responsabilidade subsidiária (arts. 23.º n.º 4 e 24.º n.º 1, da LGT) a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (art. 23.º n.º 2 da LGT; art. 153.º n.º 2 do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou da respectiva entrega (art. 24.º n.º 1 da LGT), então o despacho de reversão, enquanto acto administrativo tributário, deve, em termos de fundamentação formal, incluir a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (nº 1 do art. 77.º da LGT), e deve incluir, igualmente, a declaração daqueles pressupostos e referir a extensão temporal da responsabilidade subsidiária (art. 23º nº 4 LGT). Daí que, em consonância com este normativo, se tenha afirmado, no acórdão do Pleno desta Secção do STA, proferido em 16/10/13, 0458/13, que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.» (cfr., igualmente, os acórdãos desta Secção do STA, de 31/10/2012, proc. n.º 580/12 e de 23/1/2013, proc. n.º 953/12).”. (sublinhado nosso)

Perante este entendimento podemos afirmar que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a extensão temporal da responsabilidade que está a ser efectivada.

No caso em apreço resultou provado que no despacho de reversão estão mencionados os pressupostos da responsabilidade subsidiária (cfr. alínea C) do probatório) sendo que no mesmo despacho de reversão de fls. 13 a 15 do PEF apenso, a que alude a referida alínea C) consta a indicação e identificação das dívidas (IVA, IRC, Juros compensatórios) bem como a seguinte menção “(…) podemos identificar como subsidiário responsável o gerente, R. M. F. G. relativamente à referida firma, pela dívida exequenda, constante da relação anexa e cujo prazo de cobrança voluntário terminou durante o período da sua gerência que está na base da instauração do processo de execução fiscal nº 1503200501192094 e aps.”.

Tal como referido anteriormente sendo o despacho de reversão um acto administrativo tributário sujeito ao dever de fundamentação, poderá essa fundamentação ser efectuada por remissão. Ora no presente caso a menção da extensão temporal da responsabilidade encontra-se fundamentada por remissão para a relação de dívidas em anexo ao despacho e na qual consta a indicação do período temporal das dívidas (de 2003 a 2007), tendo o oponente deles tido conhecimento como consta da conclusão 5 das suas alegações.

Como se afirma no Acórdão do STA de 17/10/2018 – rec. 01422/17.3BESNT “A fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e de contemplar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.”.

Destarte se conclui que o despacho de reversão não padece de qualquer vício que condicione ou limite o direito de defesa do revertido encontrando-se devidamente fundamentado de forma clara e congruente, mencionando os factos e o direito aplicável permitindo dessa forma ao revertido conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo que conduziu à reversão, razão pela qual julgamos improcedentes os fundamentos do presente recurso.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do Recorrente.
Lisboa, 25 de Novembro de 2021
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto