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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1030/16.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/23/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:REGIME DE TRIBUTAÇÃO DAS MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA.
ARTº.89-A, DA L. G. TRIBUTÁRIA, NA REDACÇÃO RESULTANTE DA LEI 94/2009, DE 1/9.
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA, EM SENTIDO ESTRITO (ARTºS.87, Nº.1, AL.D), E 89-A, DA L.G.T.).
INCREMENTOS PATRIMONIAIS OU DESPESA NÃO JUSTIFICADOS (ARTº.87, Nº.1, AL.F), DA L.G.T.).
ÓNUS DA PROVA.
ARTº.89-A, Nº.5, AL.C), DA L.G.T.
QUANTIFICAÇÃO DOS ACRÉSCIMOS PATRIMONIAIS.
VALOR DE MERCADO. NOÇÃO.
Sumário:1. A denominada Lei de Reforma da Tributação do Rendimento (cfr.Lei 30-G/2000, de 29/12) veio, no capítulo relativo às medidas de combate à evasão e fraude fiscais, introduzir uma importante alteração nas regras relativas ao ónus da prova e à possibilidade de recurso a métodos indirectos na determinação da matéria tributável.
2. O referido diploma excluiu da presunção de veracidade das declarações do contribuinte os casos em que os rendimentos declarados para efeitos de I.R.S. se revelem desproporcionados, para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento indiciados por determinadas manifestações de fortuna. Com o aditamento à L.G.Tributária da al.d), do nº.2, do artº.75, e do artº.89-A, efectuado pela Lei 30-G/2000, de 29/12, o legislador consagrou uma nova situação em que cessa a presunção de veracidade da declaração do contribuinte: o de existirem manifestações de fortuna em desproporção com os rendimentos declarados, tudo nos termos previstos na lei.
3. Na tributação com base em manifestações de fortuna, em sentido amplo, podem ser discernidas duas tipologias de situações:
a) A correspondente ao artº.87, nº.1, al.d), da L.G.T., que determina a possibilidade de avaliação indirecta quando os rendimentos declarados em sede de I.R.S. se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artº.89-A do mesmo diploma (manifestações de fortuna, em sentido estrito);
b) A constante da al.f), do nº.1, do artº.87, da L.G.T., segundo a qual é possível tal avaliação indirecta, quando haja um acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados (incrementos patrimoniais ou despesa não justificados).
4. De acordo com o artº.87, nº.1, al.f), sendo detectada pela A. Fiscal uma divergência entre os valores declarados pelo sujeito passivo através da sua declaração mod.3 do I.R.S. e um acréscimo patrimonial ou consumo evidenciado de pelo menos um terço, aquela encontra-se legitimada a presumir, através da avaliação indirecta, um rendimento resultante dessa diferença de valores. A aplicação deste regime depende do pressuposto da omissão da declaração de rendimentos ou da apresentação de declaração com rendimentos desproporcionados, para menos, face ao nível de rendimento evidenciado pelas manifestações de fortuna apresentadas. Nestes casos, cabe ao contribuinte a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas. Para o efeito, o contribuinte deve apresentar os respectivos elementos probatórios demonstrativos de que a fonte das manifestações de fortuna apresentadas não é constituída por rendimentos indevidamente não declarados, conforme se retira do disposto no artº.89-A, nº.3, da L.G.T., na redacção resultante da Lei 94/2009, de 1/9, a aplicável ao caso “sub judice” (cfr.artº.12, do C.Civil). Encontramo-nos perante regime dirigido à descoberta de rendimentos inominados sujeitos a I.R.S. Parte-se do consumo ou de aumentos de património evidenciados pelo sujeito passivo e de que a A. Fiscal tem conhecimento para a presunção de rendimentos que os sustentem.
5. Os ditos acréscimos patrimoniais não justificados consagrados no artº.87, nº.1, al.f), da L.G.T., são passíveis de enquadramento no artº.9, nºs.1, al.d), e 3, do C.I.R.S. (categoria G de rendimentos na cédula de I.R.S.), devendo visualizar-se este último preceito como uma verdadeira norma residual de incidência, dando melhor concretização à teoria do rendimento-acréscimo subjacente ao I.R.S.
6. Para que algum contribuinte seja eventualmente tributado por esta forma de avaliação indirecta, é necessário, antes de mais, que evidencie, alguma das seguintes manifestações de fortuna:
- aquisição de imóveis de valor igual ou superior a € 250.000,00;
- aquisição de automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a € 50.000,00;
- aquisição de motociclos de valor igual ou superior a € 10.000,00;
- aquisição de barcos de recreio de valor igual ou superior a € 25.000,00;
- aquisição de aeronaves de turismo;
- suprimentos e empréstimos efectuados pelo sócio à sociedade, no ano em causa, ou por qualquer elemento do seu agregado familiar, de valor igual ou superior a € 50.000,00.
7. Para além do requisito do valor de aquisição, é ainda necessário, para se aplicar o artº.89-A, da L. G. Tributária, que se verifiquem, em alternativa, alguma das seguintes condições:
-Falta de entrega da declaração de rendimentos;
-O rendimento líquido declarado em sede de I.R.S., no ano em causa, mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão a que se refere a tabela prevista no nº.4, do mesmo normativo.
8. Mais se dirá que é à A. Fiscal que compete comprovar a existência de aquisições de valor superior ao definido na tabela do nº.4, do artº.89-A, da L. G. Tributária, em cada ano, para que possa fixar o rendimento tributável por avaliação indirecta. Por sua vez, ao contribuinte compete demonstrar perante a Administração Tributária, ou perante o Tribunal, quais as fontes de rendimento que lhe permitiram efectuar as aquisições de bens referidas no artº.89-A, da L. G. Tributária. Mais concretamente, a prova exigida ao contribuinte é apenas quanto à fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, por forma a determinar se as mesmas foram omitidas à declaração para efeitos de I.R.S. Se ela não for efectuada, está-se perante uma situação de omissão da declaração de rendimentos, pois o contribuinte despendeu mais do que os rendimentos declarados, pelo que é legítimo o uso de avaliação indirecta da matéria tributável. Já se o contribuinte provar que a fortuna foi obtida em anos anteriores, emerge a presunção de que a sua declaração de rendimentos do ano em causa corresponde à verdade.
9. Nos termos do artº.89-A, nº.5, al.c), da L.G.T., a quantificação dos acréscimos patrimoniais deve atender, em primeiro lugar, ao valor de aquisição. Sendo este desconhecido, deve levar-se em consideração o valor de mercado do bem em causa.
10. O valor de mercado, em economia, refere-se ao valor, expresso por comparação com certa quantidade de moeda, que um produto atinge no mercado, baseando-se nas leis da concorrência e da oferta e procura.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu salvatério dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.286 a 330 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente o recurso deduzido ao abrigo do artº.146-B, do C.P.P.Tributário, da decisão do Director de Finanças de Lisboa, datada de 5/08/2016, que fixou ao recorrido, C..., por métodos indirectos, a matéria colectável de € 563.864,66, em sede de I.R.S. e relativamente ao ano de 2013, nos termos do disposto nos artºs.87, nº.1, al.f) e, 89-A, nºs.3 e 5, da Lei Geral Tributária.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.335 a 338 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão na parte que julgou procedente o recurso, anulando o valor de € 101.130,84 (o qual corresponde á dedução ao valor atribuído ás referidas viaturas pela Adm. Fiscal, acrescentado do valor apurado pelo contribuinte, i.e. á expressão numérica seguinte € 203.692,84 - € 134.910,84 + € 33.780,00 = € 102.562,00) aos montantes considerados não justificados;
2-A sentença de que ora se recorre considera que as consultas a sites, como forma de apurar o valor de mercado dos veículos permite “constatar variações significativas de valores dos “itens” em causa, pelo que segundo um juízo de razoabilidade de aferição daquele preço de mercado constante dos “sítios” da especialidade relevados a fls.6/18 (€ 2.990,00), 8/18 (€ 2.291,00), 9/18 (€ 3.500,00), 10/18 (€ 16.900,00), 11/18 (€ 4.200,00), 13/18 (€ 1.399,00) e 15/18 (€ 2.500,00), do anexo do relatório”;
3-A ora recorrente procedeu a correcções com recurso à aplicação de métodos indirectos, por ter considerado que se encontravam reunidos os pressupostos necessários para a aplicação de tal metodologia procedendo, consequentemente, à quantificação da matéria colectável;
4-No que respeita à determinação do acréscimo patrimonial relativo às viaturas transaccionadas, por forma a apurar se a AT tinha efectuado uma errónea quantificação da mesma, considerou o douto Tribunal que: “ Atento que aquele valor de mercado é o que resulta da livre oferta e procura de bens transaccionáveis, entende-se que a consulta efectuada através dos sítios informáticos a si alusivos é em si um método relevante”;
5-Mais apreciando que: “Do confronto dos elementos colhidos pela Adm. Fiscal, atento a que a mesma acolheu para a valorização de tais bens o valor mais baixo de idênticas viaturas constantes dos referidos “sítios” da especialidade, comparando-os com os obtidos pelo s.p. (…) verifica-se que (…) se apuram valores inferiores de venda das viaturas aí identificadas e similares aos veículos adquiridos, pelo que será de aceitar como valor de mercado os montantes assim apurados, corrigindo-se o quadro 13 relativo ao cálculo do valor corrigido decorrente das referidas viaturas”;
6-Ora salvo o devido respeito, o douto Tribunal não atacou o critério utilizado pela ora recorrente, mas actualizou, face às pesquisas efectuadas pela recorrida, o valor de algumas viaturas, atribuindo-lhes outros valores de mercado que não os utilizados para efeitos de fundamentação da decisão de aplicação de métodos indirectos, justificando esta actualização, com o critério da razoabilidade;
7-A razoabilidade, enquanto instrumento de limitação dos excessos e abusos de direitos, não pode sustentar uma decisão que não padece de qualquer ilegalidade;
8-Não havendo qualquer ilegalidade no critério utilizado pela ora recorrente, não poderia o Tribunal atender ao valor apresentado pela recorrida, porquanto não contemporâneo da decisão objecto de impugnação;
9-Ao atribuir aos veículos valores diferentes daqueles que foram apurados pela ora recorrente, sendo os momentos das pesquisas diferentes, o Tribunal a quo “construiu um novo mercado”, aproveitando valores de um e de outro, o que não tem qualquer razoabilidade;
10-A volatilidade do mercado não é em si mesma um critério, não podendo ser racionalmente ajustado à realidade;
11-Se existe um valor de mercado, apurado segundo um determinado critério, num determinado momento, se esse critério não é declarado pelo Tribunal ilegal este não pode actualizar qualquer valor, quantificando de modo diferente, segundo um critério que não foi declarado ilegal;
12-O critério utilizado pela ora recorrente é adequado e racionalmente ajustado à realidade, não podendo as oscilações do mercado justificar, para efeitos de quantificação do acto impugnado, alterações ao valor dos bens, porquanto o mercado construído é inexistente;
13-A subjectividade plasmada na decisão de alteração de valor dos veículos não encontra na lei qualquer suporte legal, sendo manifestamente irracional o conceito de mercado construído, o qual não pode ser razoavelmente compreendido nem sustentáculo de uma nova quantificação do valor dos veículos;
14-Sendo legal o critério utilizado pela AT, a legalidade impõe-se à subjectividade que patenteia a quantificação efectuada pelo Tribunal;
15-A razoabilidade, enquanto critério do julgador não pode “construir um novo mercado”, utilizando para o efeito momentos diferentes;
16-A ponderação do caso concreto evidencia a legalidade da quantificação efectuada pela ora recorrente, a qual atribuiu aos veículos um determinado valor de mercado apurado num determinado momento, não sendo congruente permitir uma flexibilização, que constrói um novo mercado;
17-A sentença recorrida padece assim de erro ao considerar parcialmente o recurso deduzido, anulando o valor de € 101.130,84;
18-Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, com legais consequências, assim se fazendo a costumada Justiça.
X
O recorrido produziu contra-alegações (cfr.fls.349 a 351 dos autos) pugnando pela manutenção do julgado, nas quais formula as seguintes Conclusões:
1-A A. ora recorrida interpôs recurso da decisão da AT de avaliação tributável por métodos indirectos do seu rendimento global líquido de IRS respeitante ao ano de 2013, em que foi fixado o montante de € 549.920,95 (quinhentos e quarenta e nove mil novecentos e vinte euros e noventa e cinco cêntimos) a liquidar na categoria G, alegadamente por corresponder à diferença entre o acréscimo de património não justificado e os rendimentos declarados no ano de 2013;
2-Quanto à aquisição de um conjunto de viaturas com valor de mercado de € 203.692,84 (duzentos e três mil seiscentos e noventa e dois euros e oitenta e quatro cêntimos) insurgia-se a ora recorrida, defendendo e demonstrando que esse valor estava longe de ser real, tendo ficado demonstrado não assistir qualquer razão à AT. na atribuição do mesmo;
3-Pelo que o Tribunal "a quo" julgou parcialmente procedente o recurso relativamente a este aspecto, deduzindo ao valor apurado pela AT a quantia de € 101.130,84;
4-A AT. calculou o valor indicado alegadamente a partir de uma busca na Internet; A ora recorrente fez igualmente uma busca na Internet, que se encontra documentada a fls. 5/18 do Anexo 16 do relatório, e donde resulta uma disparidade de valores entre a busca feita pela AT., e a busca feita por si, exactamente no mesmo sítio;
5-O Tribunal "a quo" considerou razoável os valores indicados na busca efectuada pela ora recorrida porque respeitante a veículos similares aos que adquiriu, e além do mais porque a própria AT. indicou valores diferentes e inferiores no seu relatório;
6-A AT. não põe em causa a busca feita e demonstrada nos autos pela ora recorrida e que foi corroborada pelas testemunhas inquiridas, diz apenas que a decisão do Tribunal "a quo" é ilegal porque a mesma ocorreu em diferentes momentos;
7-O que não é verdade; da documentação junta resulta que a busca da AT é de finais de Maio de 2016, e a busca da ora recorrida acorreu quando foi notificada em sede de audição prévia, tendo junto os documentos que recolheu na Net. para impugnar os valores considerados pela AT em 12/07/2016;
8-O montante apurado pela AT violava o disposto nos artigos 89-A e 90 da LGT, porquanto não correspondia ao valor de mercado, o que fez a douta sentença recorrida foi justamente reparar esse erro de quantificação na determinação do acréscimo patrimonial, pelo que bem andou ao decidir como decidiu, donde, não merece qualquer censura, outrossim deve ser confirmada, o que se requer, e com isto se fazendo Justiça!
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.361 e 362 dos autos) no sentido de se conceder provimento ao recurso.
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.146-D, nº.1, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.288 a 326 dos autos):
1-No âmbito de um procedimento de inspecção relativa a consulta, recolha e cruzamento de informação destinada ao apuramento da situação tributária do recorrente, C..., com o n.i.f. ..., relativo ao ano de 2013, em sede de IRS, tendo em vista aferir da conformidade da declaração de rendimentos por si apresentado, no montante líquido global de € 13.943,67, com o património evidenciado pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação, foi elaborado o relatório de inspecção, que aqui se dá por reproduzido e do qual consta, designadamente, que face aos rendimentos declarados naquele ano e os montantes depositados em numerário e por cheques e transferência bancária, em diversas contas bancárias, sendo uma conta conjunta solidária por si titulada com a sua progenitora, não tendo sido justificadas as entradas de fluxos financeiros no montante total de € 19.228,15, na aquisição de um conjunto de imóveis pelo montante de € 327.000,00, e de um conjunto de viaturas e motociclos com um valor de mercado apurado pela importância de € 203.692,84, tendo-se entendido que o s.p. não apresentou qualquer documento que comprovasse a origem e a obtenção dos ditos fundos, mais se obtendo uma diferença entre o valor dos rendimentos declarados e aquele acréscimo de património, no montante de € 549.920,99, de rendimento colectável determinado por métodos indirectos, face à análise relativa à capacidade contributiva revelada pelo que, face à divergência não justificada entre os rendimentos declarados e o acréscimo patrimonial evidenciado, determinou-se um rendimento tributável pela diferença e a considerar na categoria G, nos termos do disposto no nº.5, do artº.89-A, da L.G.T., fixado pelo Director de Finanças de Lisboa em 5/08/2016 (cfr.relatório de inspecção junto a fls.22 a 65 dos presentes autos);
2-A fixação por avaliação indirecta do rendimento tributável mencionado no nº.1, fundamentou-se nos factos constantes do ponto IV do relatório da I.T., do qual consta, designadamente, o seguinte:




“Versão integral com quadros e texto disponível no original”














(…)









(cfr.ponto IV do relatório da I.T. junto a fls.22 a 65 dos presentes autos);

3-Em resultado dos factos apurados no nº.2, foi efectuado o cálculo dos valores atendíveis para a fixação dos rendimentos sujeitos a imposto para aquele ano, decorrente da falta de justificação dos valores relativos aos referidos acréscimos de património, o qual resulta do ponto V do Relatório da I.T., que se dá aqui por reproduzido, e do qual consta, designadamente, o seguinte:

“Texto no original”







(cfr.ponto V do relatório da I.T. junto a fls.22 a 65 dos presentes autos);

4-Elaborado o projecto de relatório, foi notificado o sujeito passivo para se pronunciar sobre o mesmo, tendo exercido o direito de audição, perante o qual a I.T. solicitou novos elementos relativos às viaturas automóveis e motociclos e respectivo estado de conservação, tendo a recorrente junto uma avaliação efectuada por uma empresa da especialidade e um quadro por si elaborado, tendo sido analisados os argumentos aduzidos, do qual resultou justificado o valor de € 91.051,14 relativo a conta bancária conjunta do “B…”, que se dá aqui por reproduzido, e do qual consta, designadamente, o seguinte:




“Texto no original”




(…)
(cfr.ponto IX do relatório da I.T. junto a fls.22 a 65 dos presentes autos; anexos 12 e 16 do mesmo relatório).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes do presente recurso, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita designadamente, que as importâncias depositadas nas contas que a recorrente era titular resultaram de poupanças por si realizadas decorrente das remunerações por si auferidas, que o pagamento relativos aos imóveis não foram integralmente efectuados no ano de 2013, e de que terá beneficiado por mera liberalidade dos concedentes e nesse ano, de certas quantias monetárias concretamente quantificáveis…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, sendo que dos depoimentos das testemunhas arroladas apenas se pronunciaram genericamente e por interposta pessoa sobre as ajudas recebidas dos progenitores da requerente, tendo a testemunha T... confirmado haver elaborado a avaliação dos veículos constante do anexo 16 junto ao Relatório da I.T.…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, conceder parcial provimento ao recurso apresentado pela ora recorrida, em consequência do que deduziu o valor de € 101.130,84, incidente sobre o cálculo do valor de mercado dos veículos adquiridos pela mesma em 2013, ao montante total apurado e considerado não justificado, mais fixando este na quantia de € 462.733,82, a qual já inclui os rendimentos declarados pelo recorrido no ano de 2013.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em síntese, que procedeu a correcções à matéria colectável com recurso à aplicação de métodos indirectos, por ter considerado que se encontravam reunidos os pressupostos necessários para a aplicação de tal metodologia. No que respeita à determinação do acréscimo patrimonial relativo às viaturas transacionadas pela recorrida, o Tribunal “a quo” não atacou o critério utilizado pelo apelante, mas actualizou, face às pesquisas efectuadas pela recorrida, o valor de algumas viaturas, atribuindo-lhes outros valores de mercado que não os utilizados para efeitos de fundamentação da decisão de aplicação de métodos indirectos, mais justificando esta actualização com o critério da razoabilidade. Que não havendo qualquer ilegalidade no critério utilizado pelo recorrente, não poderia o Tribunal “a quo” atender ao valor apresentado pela recorrida, porquanto não contemporâneo da decisão objecto de impugnação. Que a sentença recorrida padece de erro ao considerar parcialmente procedente o recurso deduzido, anulando o valor de € 101.130,84 (cfr.conclusões 1 a 17 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a sentença do Tribunal "a quo" comporta tal pecha.
A denominada Lei de Reforma da Tributação do Rendimento (cfr.Lei 30-G/2000, de 29/12) veio, no capítulo relativo às medidas de combate à evasão e fraude fiscais, introduzir uma importante alteração nas regras relativas ao ónus da prova e à possibilidade de recurso a métodos indirectos na determinação da matéria tributável (cfr.A Reforma Fiscal Inadiável, J. Pina Moura e R. Sá Fernandes, Revista Fisco, ano XII, nºs.95/96, Abril de 2001, pág.23 a 25).
O referido diploma excluiu da presunção de veracidade das declarações do contribuinte, além do mais, os casos em que os rendimentos declarados para efeitos de I.R.S. se revelem desproporcionados, para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento indiciados por determinadas manifestações de fortuna. Com o aditamento à L. G. Tributária da al.d), do nº.2, do artº.75, e do artº.89-A, efectuado pela Lei 30-G/2000, de 29/12, o legislador consagrou uma nova situação em que cessa a presunção de veracidade da declaração do contribuinte: o de existirem manifestações de fortuna em desproporção com os rendimentos declarados, tudo nos termos previstos na lei (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6883/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/6/2014, proc.7727/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7947/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/06/2016, proc.9600/16).
Na tributação com base nas mencionadas manifestações de fortuna, em sentido amplo, podem ser discernidas duas tipologias de situações:
a) A correspondente ao artº.87, nº.1, al.d), da L.G.T., que determina a possibilidade de avaliação indirecta quando “os rendimentos declarados em sede de I.R.S. se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artº.89-A”;
b) A constante da al.f), do nº.1, do artº.87, da L.G.T., segundo a qual é possível tal avaliação indirecta, quando haja “um acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados”.
Verifica-se, pois, uma dualidade de situações: a da existência de manifestações de fortuna, em sentido estrito, às quais correspondem determinados rendimentos padrão e a da existência de incrementos patrimoniais ou despesa não justificados. Ou seja, o artº.87, nº.1, al.f), da L.G.T., abrange uma realidade enquadrável num conceito amplo de manifestações de fortuna e designada por acréscimo ou incremento patrimonial não justificado, definido em concreto por comparação com o rendimento declarado, sendo precisamente esta a situação dos autos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6883/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/01/2014, proc.7264/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7947/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/06/2016, proc.9600/16; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.760 e seg. e 778 e seg.; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.363 e seg.).
Nestes casos, cabe ao contribuinte a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas. Para o efeito, o contribuinte deve apresentar os respectivos elementos probatórios demonstrativos de que a fonte das manifestações de fortuna apresentadas não é constituída por rendimentos indevidamente não declarados, conforme se retira do disposto no artº.89-A, nº.3, da L.G.T., na redacção resultante da Lei 94/2009, de 1/9, a aplicável ao caso “sub judice” (cfr.artº.12, do C.Civil). Encontramo-nos perante regime dirigido à descoberta de rendimentos inominados sujeitos a I.R.S. Parte-se do consumo ou de aumentos de património evidenciados pelo sujeito passivo e de que a A. Fiscal tem conhecimento para a presunção de rendimentos que os sustentem (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/11/2012, rec.1197/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/01/2014, proc.7264/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7947/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/06/2016, proc.9600/16; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.782 e seg.; João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, 2010, pág.299 e seg. e 310 e seg.; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.370 e seg.).
Por último, deve mencionar-se que os ditos acréscimos patrimoniais não justificados consagrados no artº.87, nº.1, al.f), da L.G.T., são passíveis de enquadramento no artº.9, nºs.1, al.d), e 3, do C.I.R.S. (categoria G de rendimentos na cédula de I.R.S.), devendo visualizar-se este último preceito como uma verdadeira norma residual de incidência, dando melhor concretização à teoria do rendimento-acréscimo subjacente ao I.R.S. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/11/2012, rec.1197/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6883/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/01/2014, proc.7264/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7947/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/06/2016, proc.9600/16; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.363 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.126 e seg.).
“In casu”, haverá, portanto, que analisar se estão reunidos os pressupostos legais da decisão objecto do presente processo, de acordo com o regime previsto nos aludidos artºs.87, nº.1, al.f), e 89-A, da L.G.Tributária, na redacção resultante da Lei 94/2009, de 1/9, a aplicável ao caso “sub judice” (cfr.artº.12, do C.Civil).
O artº.87, nº.1, al.f), da L.G.T., na redacção resultante da Lei 94/2009, de 1/9, estabelecia o seguinte:
Artº.87
Realização da avaliação indirecta

1 - A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de:
(…)
f) Acréscimo de património ou despesa efectuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100.000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados.
(…).
Por sua vez, o artº.89-A, da L.G.T., na dita redacção resultante da Lei 94/2009, de 1/9, estabelecia o seguinte:
Artº.89-A
Manifestações de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados

1 - Há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no nº.4 ou quando declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.
2 - Na aplicação da tabela prevista no nº.4 tomam-se em consideração:
a) Os bens adquiridos no ano em causa ou nos três anos anteriores pelo sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar;

b) Os bens de que frua no ano em causa o sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar, adquiridos, nesse ano ou nos três anos anteriores, por sociedade na qual detenham, directa ou indirectamente, participação maioritária, ou por entidade sediada em território de fiscalidade privilegiada ou cujo regime não permita identificar o titular respectivo;
c) Os suprimentos e empréstimos efectuados pelo sócio à sociedade, no ano em causa, ou por qualquer elemento do seu agregado familiar.
3 - Verificadas as situações previstas no nº.1 deste artigo, bem como na alínea f), do nº.1 do artigo 87º., cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou da despesa efectuada.
4 - Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no nº.1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do nº.2, nos três anos seguintes, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90º., que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte:

Manifestações de fortuna
Rendimento padrão
1 – Imóveis de valor de aquisição igual ou superior a € 250.000. 20 % do valor de aquisição
2 – Automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior € 50.000 e motociclos de valor igual ou superior a € 10.000. 50 % do valor no ano de matrícula com o abatimento de 20 % por cada um dos anos seguintes
3 – Barcos de recreio de valor igual ou superior a € 25.000. Valor no ano de registo com o abatimento de
20 % por cada um dos anos seguintes
4 – Aeronaves de turismo.Valor no ano de registo com o abatimento de
20 % por cada um dos anos seguintes.
5 – Suprimentos de empréstimos feitos no ano de valor igual ou superior a € 50.000.50% do valor anual

5 - Para efeitos da alínea f), do nº.1 do artigo 87º:
a)Considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90º., que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, a diferença entre o acréscimo de património ou a despesa efectuada, e os rendimentos declarados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação;
b) Os acréscimos de património consideram-se verificados no período em que se manifeste a titularidade dos bens ou direitos e a despesa quando efectuada;
c) Na determinação dos acréscimos patrimoniais, deve atender-se ao valor de aquisição e, sendo desconhecido, ao valor de mercado;
d) Consideram-se como rendimentos declarados os rendimentos líquidos das diferentes categorias de rendimentos.
6 - A decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante deste artigo é da competência do director de finanças da área do domicílio fiscal do sujeito passivo, sem faculdade de delegação.
7 - Da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91º. e seguintes.
8 - Ao recurso referido no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, a tramitação prevista no artigo 146-B, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
9 - Para a aplicação dos nºs.3 a 4 da tabela, atende-se ao valor médio de mercado, considerando, sempre que exista, o indicado pelas associações dos sectores em causa.
10 - A decisão de avaliação da matéria colectável com recurso ao método indirecto constante deste artigo, após tornar-se definitiva, deve ser comunicada pelo director de finanças ao Ministério Público e, tratando-se de funcionário ou titular de cargo sob tutela de entidade pública, também à tutela destes para efeitos de averiguações no âmbito da respectiva competência.
11 - A avaliação indirecta no caso da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, podendo no seu decurso o contribuinte regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respectivos períodos.

Da exegese das normas conclui-se que a sua aplicação aos contribuintes está condicionada ao preenchimento de pressupostos prévios, uns relativos ao valor de aquisição e outros relativos à divergência entre a capacidade aquisitiva demonstrada e os rendimentos declarados em sede de I.R.S. Assim, para que algum contribuinte seja eventualmente tributado por esta forma de avaliação indirecta, é necessário, antes de mais, que evidencie, alguma das seguintes manifestações de fortuna:
- aquisição de imóveis de valor igual ou superior a € 250.000,00;
- aquisição de automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a € 50.000,00;
- aquisição de motociclos de valor igual ou superior a € 10.000,00;
- aquisição de barcos de recreio de valor igual ou superior a € 25.000,00;
- aquisição de aeronaves de turismo;
- suprimentos e empréstimos efectuados pelo sócio à sociedade, no ano em causa, ou por qualquer elemento do seu agregado familiar, de valor igual ou superior a € 50.000,00.
Para além do requisito do valor de aquisição, é ainda necessário, para se aplicar o artº.89-A, da L. G. Tributária, que se verifiquem, em alternativa, alguma das seguintes condições:
-Falta de entrega da declaração de rendimentos;
-O rendimento líquido declarado em sede de I.R.S., no ano em causa, mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão a que se refere a tabela prevista no nº.4, do mesmo normativo.
Mais se dirá que é à A. Fiscal que compete comprovar a existência de aquisições de valor superior ao definido na tabela do nº.4, do artº.89-A, da L. G. Tributária, em cada ano, para que possa fixar o rendimento tributável por avaliação indirecta.
Por sua vez, ao contribuinte compete demonstrar perante a Administração Tributária, ou perante o Tribunal, quais as fontes de rendimento que lhe permitiram efectuar as aquisições de bens referidas no artº.89-A, da L. G. Tributária. Mais concretamente, a prova exigida ao contribuinte é apenas quanto à fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, por forma a determinar se as mesmas foram omitidas à declaração para efeitos de I.R.S. Se ela não for efectuada, está-se perante uma situação de omissão da declaração de rendimentos, pois o contribuinte despendeu mais do que os rendimentos declarados, pelo que é legítimo o uso de avaliação indirecta da matéria tributável. Já se o contribuinte provar que a fortuna foi obtida em anos anteriores, emerge a presunção de que a sua declaração de rendimentos do ano em causa corresponde à verdade (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 27/5/2009, rec.403/09; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 23/9/2008, proc. 2605/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/3/2011, proc.4593/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6579/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/06/2016, proc.9600/16; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.782; João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, 2010, pág.299 e seg.; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.371).
Voltando ao caso “sub judice”, entendeu o Tribunal "a quo" deduzir o valor de € 101.130,84, incidente sobre o cálculo do valor de mercado dos veículos adquiridos pela recorrida em 2013, assim diminuindo o montante total apurado e considerado não justificado, mais fixando este na quantia de € 462.733,82.
O recorrente, pelo contrário, defende que não havendo qualquer ilegalidade no critério por si utilizado no cálculo do valor de mercado dos veículos, não poderia o Tribunal “a quo” atender ao valor apresentado pela recorrida.
Vejamos quem tem razão.
Nos termos do artº.89-A, nº.5, al.c), da L.G.T., a quantificação dos acréscimos patrimoniais deve atender, em primeiro lugar, ao valor de aquisição. Sendo este desconhecido, deve levar-se em consideração o valor de mercado do bem em causa (cfr.José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.949).
O valor de mercado, em economia, refere-se ao valor, expresso por comparação com certa quantidade de moeda, que um produto atinge no mercado, baseando-se nas leis da concorrência e da oferta e procura (cfr.Tomás Cantista Tavares, IRC e Contabilidade, Da Realização ao Justo Valor, Almedina, 2011, pág.118 e seg.).
No caso “sub judice”, estão em causa viaturas usadas, desconhecendo-se o valor de aquisição das mesmas, pelo que se teria de socorrer a A. Fiscal do critério supletivo do valor de mercado acabado de mencionar.
Nesta sede, deve recordar-se que a própria Fazenda Pública utilizou como regra para apuramento do valor de mercado das viaturas usadas o preço mais baixo de idênticas viaturas constantes dos referidos “sites” da especialidade (cfr.nº.4 do probatório).
Por outro lado, contrariamente ao que defende o recorrente, os novos valores levados em consideração pelo Tribunal “a quo” em relação a alguns dos veículos automóveis sujeitos ao processo de quantificação do respectivo acréscimo patrimonial nos termos do regime supra identificado, foram juntos ao processo aquando do exercício do direito de audição prévia efectuado pela recorrida e em momento anterior à fixação da matéria colectável pela Fazenda Pública (cfr.nº.4 do probatório; anexos 12 e 16 do relatório de inspecção juntos, respectivamente, a fls.182 a 207 e 216 a 224 dos autos), pelo que poderiam ter sido levados em consideração por esta.
Ora, do confronto dos valores levados em consideração pela A. Fiscal e constantes do anexo 12, com os existentes no anexo 16 e apresentados pela recorrida, deve este Tribunal confirmar a decisão da 1ª. Instância, assim reduzindo o valor da quantificação do respectivo acréscimo patrimonial, na vertente dos veículos automóveis adquiridos e não declarados pela recorrida no ano de 2013, para o montante de € 102.562,00, em virtude do que o rendimento colectável fixado para o mesmo ano, em sede de I.R.S., rendimentos de categoria G, será na quantia de € 462.733,82 (€ 563.864,66 - € 101.130,84), a qual já inclui os rendimentos declarados pela recorrida no ano de 2013.
Por último, sempre se deve recordar que a Fazenda Pública está sujeita, na sua actuação, aos princípios do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.) e da verdade material (cfr.artº.6, do R.C.P.I.T.), os quais igualmente legitimam a redução do valor da quantificação do acréscimo patrimonial, na vertente dos veículos automóveis adquiridos e não declarados pela recorrida no ano de 2013.
Rematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 23 de Fevereiro de 2017


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)


(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)