Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:123/19.2BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IMPUGNAÇÃO ARBITRAL,
PRONÚNCIA INDEVIDA,
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ARBITRAIS:
Sumário:1. A “pronúncia indevida” enquanto fundamento de impugnação da decisão arbitral prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT abrange as situações de incompetência do tribunal arbitral;
2. A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributo, como o AIMI, se integra na competência dos tribunais arbitrais, nos termos da 1.ª parte, da alínea a), do n.º 1, do art. 2.º do RJAT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

A sociedade M... - PROPRIEDADES E TURISMO, LDA requereu a constituição de Tribunal Arbitral coletivo, tendo em vista a anulação liquidação de AIMI de 2018, emitida sob o n.º 2018 0..., e de condenação da AT à restituição do valor pago, acrescido de juros indemnizatórios.

O CAAD, por decisão de 26 de setembro de 2019, julgou procedente o pedido arbitral de anulação do ato de liquidação de AIMI referente ao ano de 2018 e julgou improcedente o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios.

Nas suas alegações, a recorrente, Fazenda Pública, formulou as conclusões seguintes:

«A. A Impugnante não concorda nem se pode conformar nos termos legais com a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, porquanto se pronunciou sobre questão que não cabia na sua competência [artigo 28.º/1-c), 1.ª parte, do RJAT], e porque, é manifesta a oposição dos fundamentos com a decisão [artigo 28.º/1-b), 1.ª parte, do RJAT].

B. No âmbito das nulidades susceptíveis de serem escrutinadas, não se duvida da integração da questão da incompetência material do Tribunal Arbitral no conceito de pronúncia indevida enquanto fundamento de impugnação de decisão arbitral.

C. O Tribunal arbitral, ao decidir de mérito a questão referente à inscrição matricial dos prédios em dissidio e sobre os quais recaiu a incidência objectiva do AIMI, imiscuiu-se em matéria para a qual é materialmente incompetente, isso quer a análise da lei recaia sobre o RJAT, quer recaia sobre a Portaria de Vinculação.

D. A natureza de um prédio (que é aquilo que mediata ou imediatamente pretendeu ver nos presentes autos questionado a Requerente, ora impugnada) não é passível de ser discutida em sede arbitral, pois para tal existem procedimentos próprios constantes no normativo jurídico- fiscal, ademais, a natureza do prédio está fixada documentalmente nos autos e, bem assim, nos dispositivos referente aos factos dados como provados.

E. A Impugnada pretendeu, mediata ou imediatamente, foi que, face à liquidação de AIMI que lhe foi notificada, fosse sindicada a avaliação/inscrição matricial – por si requerida nos exactos termos em que está vertida nas certidões juntas aos autos – dos prédios em causa e que consubstancia o facto tributário que se subsume à liquidação do imposto em causa.

F. De acordo com a vontade expressa do legislador, no nº 1 do artigo 2º do RJAT “fixam-se, com rigor quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral”, sendo que o rigor dessa fixação exprime-se através da enunciação taxativa da competência desta jurisdição, a saber: pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamentos por conta, e pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

G. A natureza de um prédio (que é aquilo que mediata ou imediatamente pretendeu ver questionado a Requerente) não é passível de ser discutida em sede arbitral, pois para tal existem procedimentos próprios constantes no normativo jurídico-fiscal e a natureza do prédio está fixada documentalmente nos autos.

H. A redacção do artigo 134.º, n.º 3 do CPPT refere que «As incorrecções nas inscrições matriciais dos valores patrimoniais podem ser objecto de impugnação judicial, no prazo de 30 dias, desde que o contribuinte tenha solicitado previamente a correcção da inscrição junto da entidade competente e esta a recuse ou não se pronuncie no prazo de 90 dias a partir do pedido.»

I. A redacção do artigo 129.º do CIMI, refere que «Os sujeitos passivos do imposto, para além do disposto no tocante às avaliações, podem socorrer-se dos meios de garantia previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.»

J. Não está ao dispor dos contribuintes optarem por reclamar preventivamente da matriz junto dos serviços da AT sobre cujo prédio incidirá o acto de liquidação ou, ao invés, aguardar a posterior notificação a final do correspondente acto de liquidação do período pretendido contestar.

K. Quem pretenda a correcção da matriz, in casu, a correcção da classificação dos prédios urbanos em apreço, deve com carácter de obrigatoriedade reclamar administrativamente, nos termos do disposto no artigo 130.º do CIMI e apresentar acção administrativa de anulação de acto administrativo e de condenação à prática de acto devido, que, ante um indeferimento de reclamação matricial apresentado pelos contribuintes, consubstancia o meio de reacção idóneo.

L. O regime da reclamação de matrizes patente no artigo 130.º do CIMI consubstancia um verdadeiro ónus - e não uma faculdade – que deve ser observado pelos contribuintes, caso pretendam fazer prevalecer o direito de que se arrogam, i.e., a necessidade justificada de promover a alteração na matriz do prédio ou prédios de que são proprietários.

M. É também esta a única conclusão que se retira da leitura do artigo 130.º, n.º 8 do CIMI, quando aí se refere que «os efeitos das reclamações, bem como o das correcções promovidas pelo chefe do serviço de finanças competente, efectuadas com qualquer dos fundamentos previstos neste artigo, só se produzem na liquidação respeitante ao ano em que for apresentado o pedido ou promovida a rectificação.»

N. Existe uma obrigatoriedade subjacente no artigo 130.º do CIMI que se traduz na apresentação de recurso administrativo, com natureza imperativa, junto dos serviços competentes da AT, por forma a ver corrigidas as inscrições matriciais e os consequentes efeitos vertidos nos actos de liquidação correspondentes.

O. A impugnação judicial prevista no artigo 129.º e 130.º do CIMI não é passível de substituição pela impugnação arbitral prevista no RJAT, dado que, enquanto no âmbito do CIMI o acto a sindicar se situa no indeferimento de um acto administrativo-tributário que não comporta a apreciação a legalidade de uma liquidação, nos termos do disposto no artigo 2.º do RJAT, o Centro de Arbitragem Administrativa é competente para apreciar, restritivamente, a legalidade de actos de liquidação e/ou de actos de fixação da matéria tributável que não dêem lugar ao pagamento de imposto.

P. Os factos sobre os quais a Impugnada pretendeu com o seu pedido de pronúncia arbitral questionar, sem que o tenha feito tempestivamente e em sede própria, deixando precludir todos os prazos que tinha ao seu dispor, estão sedimentados na ordem jurídica.

Q. Não é consentâneo com o RJAT, nem com quaisquer normas processuais tributárias, que a Requerente se proponha e ensaie contraditar aquilo que está vertido em documentos oficiais e cujos prazos de reacção já precludiram todos.

R. Ainda que se considerasse, por mero dever de patrocínio, que estivéssemos perante um facto susceptível de sindicância no CAAD, o mesmo haveria que, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do art.º 134.º do CPPT, ver esgotados todos os meios graciosos previstos para o procedimento de avaliação, o que não aconteceu, donde resulta clara a incompetência material do tribunal arbitral.

S. No elenco de competências do CAAD, não cabe a apreciação de actos de indeferimento de natureza administrativa-tributária de correcção de matrizes cadastrais, dado que em substância não se subsume a um acto de liquidação.

T. Leia-se então, por contraponto à Portaria e ao RJAT, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, artigo 49.º ETAF, a propósito da competência dos tribunais tributários, onde, no seu n.º 1, i) e iv), se estipula que, para além de apreciarem os actos de liquidação, têm também competência para apreciar actos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais.

U. O ETAF, ao positivar o limite das suas competências, não apenas muniu os Tribunais Administrativos e Fiscais do poder de decidir de actos de liquidação, como também de decidir outros actos administrativos que versam sobre questões fiscais, ainda que não recaiam sobre actos que versam sobre tributos.

V. Contrariamente, quer na Portaria de Vinculação, quer no RJAT, somente se faz referência à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta e à declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria tributável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

W. Esta jurisdição arbitral não é competente para conhecer da pretensão que subjaz ao pedido efectuado pela Requerente, que implica a correcção/alteração das matrizes dos prédios aqui em discussão, já que a dita rectificação – ainda que tivesse sido atempadamente requerida pela Requerente, que não foi - não traduz um acto tributário de liquidação.

X. A decisão que ora se impugna e que expurgou estes elementos que nunca foram contestados teve o condão de eliminar da ordem jurídica as avaliações feitas pela AT e que nunca foram colocadas em causa pelo sujeito passivo, e ao fazê-lo, extravasou manifestamente a competência material daquele Centro de Arbitragem, porquanto se não tratam de actos de apuramento de imposto a pagar, como, por concepção, acontece com os actos de liquidação.

Y. Resulta inequívoco que estamos perante um acto administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do acto de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

Z. Por se verificar a incompetência material do tribunal arbitral, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, está-se perante um verdadeiro vício de sentença, por pronúncia indevida – excesso de pronúncia -, que se consubstancia na respectiva nulidade.

AA. A interpretação normativa da Requerente, que colide com as competências atribuídas ao CAAD nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT e do artigo 2.º da citada Portaria, é inconstitucional por violação do artigo 212.º, n.º 3 da CRP e bem assim por violação do princípio do livre acesso aos tribunais, na vertente do direito ao duplo grau de jurisdição.

BB. Interpretação normativa inconstitucional por violação do artigo 212.º, n.º 3 da CRP, dado que a competência dos tribunais administrativos e fiscais estão especificamente delimitados por lei, cabendo-lhes o julgamento de acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

CC. Nos termos do disposto no artigo 211.º, n.º 2 da CRP, podem existir, é certo, tribunais arbitrais, mas a estes somente competirá dirimir os litígios que por lei lhes estão especificamente acometidos.

DD. Se a lei não atribuiu ao Centro de Arbitragem Administrativa a competência para apreciar actos administrativos-tributários, como é o caso das rectificações das matrizes, e se em decisão judicial o Tribunal Arbitral constituído vier a entender, não obstante, que é sua a competência, há, manifestamente, uma clara violação do teor do artigo 212.º, n.º 3 da CRP.

EE. Pois decide em matéria que vai para além daquilo que o legislador, a lei e as partes que à arbitragem aderiram, pretenderam desde o início: subjugar a apreciação dos actos de liquidação ao Centro de Arbitragem, isso em alternativa aos Tribunais Administrativos e Fiscais; mas salvaguardar outro tipo de actos ao exclusivo escrutínio daqueles mesmos Tribunais Administrativos e Fiscais.

FF. Sujeitar correcções às inscrições matriciais à competência do Centro de Arbitragem, mais não é que sentenciar tais matérias à insusceptibilidade de serem revistas em 2.ª instância, através do recurso ordinário previsto no artigo 280.º do CPPT.

GG. Por se estar ante uma manifesta incompetência absoluta do foro arbitral para conhecer da matéria em que assenta a pretensa ilegalidade da liquidação e que subjaz ao acto impugnado nos presentes autos, infere-se que este Tribunal dela não deve conhecer.

HH. Como ato administrativo autónomo que é, o indeferimento do pedido de rectificação matricial – que, por se tratar de um ónus, deveria ter sido requerido - é um ato judicialmente impugnável no prazo de 3 meses, sendo que a impugnação ocorrerá através de uma acção administrativa dirigida contra o ato administrativo relativo ao benefício fiscal em causa e não contra o ato de liquidação do correspondente imposto.

II. A decisão impugnada recusa assim, frontalmente, a aplicação do artigo 54.º, n.º 1, primeira parte do CPPT, violando os princípios da tutela judicial efectiva e da justiça, designadamente na dimensão normativa de que a impugnação de um ato imediatamente lesivo se apresenta como verdadeiro ónus e não uma mera faculdade, que, omitido, coarcta a impugnação da correspectiva liquidação com base naquele preciso vício.

JJ. Em total oposição à sentença arbitral proferida, tome-se em linha de conta os Autos de Recurso n.º 723/16 do Tribunal Constitucional, que reconhece não existir qualquer violação do princípio da impugnação unitária e da tutela jurisdicional efectiva sempre que um acto seja destacável e imediatamente lesivo como aquele do caso que nos ocupa: «Uma vez que a decisão que incidiu sobre o pedido de reconhecimento consubstancia um ato administrativo com repercussões na esfera jurídica do interessado, a mesma é passível de impugnação contenciosa imediata, nos termos do disposto no artigo 95.º, n.º 1, da LGT. […] Ora, tendo tido o contribuinte ora recorrido plena possibilidade de reagir contenciosamente, nos termos que ficaram expostos, contra o ato de indeferimento do pedido de reconhecimento do benefício fiscal que apresentou, não se vê como a exclusão da possibilidade de invocação dos vícios deste em momento ulterior — isto é, no âmbito da impugnação da legalidade do ato de liquidação do imposto — possa violar o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva.»

KK. A decisão ora posta em crise concluiu em sentido claramente diverso do que aquele para o qual tais fundamentos, conforme pormenorizado em sede de alegações, para cuja leitura se remete.

LL. Constata-se uma óbvia contradição entre, o que foi a factualidade provada e a decisão final, pois que, num silogismo jurídico, os fundamentos de facto e de direito apontados conduzem, inevitavelmente, a uma decisão oposta à proferida, qual seja, a da verificação do facto tributário na situação sub judice.

MM. Deveria o tribunal ter concluído pela existência da verificação do facto tributário previsto no art.º 135.º-B do CIMI, pois face à factualidade dada como provada e ao direito aplicável relevado pelo Tribunal a quo, acima enunciados, constata-se que na situação dos autos se verificou que entre os factos dados como provados, bem como a veracidade do acervo documental presente nos autos a decisão proferida, se está perante uma manifesta oposição entre os fundamentos e a decisão.

NN. Em suma, a decisão proferida nos identificados autos de pronúncia arbitral em matéria tributária, padece de vício de contradição entre os fundamentos da decisão e a dispositivo da decisão e como tal, de acordo com o estatuído no artigo 28º, n.º 1, b) do RJAT, deve a mesma ser declarada nula.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser declarada nula a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»


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A recorrida, M... - PROPRIEDADES E TURISMO, LDA, apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1. Conforme jurisprudência e doutrina unânimes, o elenco de fundamentos da impugnação da decisão arbitral junto do Tribunal Central Administrativo previsto no n.º 1 do artigo 28.º do RJAT é taxativo (cf., por todos, o recente acórdão do TCA-S de 27-09-2018, proferido no processo n.º 9933/16.1BCLSB, bem como o acórdão do TCA-S de 13-07-2016, proferido no processo n.º 08836/15).
2. A incompetência do Tribunal Arbitral, alegada pela Fazenda, não integra esse elenco, nem é reconduzível ao vício de pronúncia indevida ou excesso de pronúncia.
3. Enquanto corolário do princípio do dispositivo, a pronúncia indevida corresponde aos casos em que “o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado em condições em que está impedido de o fazer” (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 222) – não se verificando aqui nenhuma dessas situações.
4. Ainda que assim não se entendesse, não era o T.A.T. incompetente para apreciar o pedido de anulação da liquidação de AIMI de 2018, porquanto as pretensões relativas à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de tributos integram a competência dos tribunais arbitrais tributários, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
5. O objeto da impugnação arbitral deduzida pela ora impugnada consistia, precisamente, num ato de liquidação de tributo – a liquidação de AIMI de 2018.
6. A ora impugnada não questionou em momento algum a avaliação dos prédios cujos VPT’s constituíram a base de incidência do AIMI, nem formulou nenhum pedido de correção ou alteração das matrizes prediais (cf. p. 9 do acórdão recorrido, onde se transcreve, com “total concordância”, o teor do acórdão arbitral proferida no processo n.º 674/2017-T).
7. Daí que os efeitos da sentença acham-se circunscritos à anulação da referida liquidação e consequente condenação da AT ao reembolso do imposto que havia sido entretanto pago.
8. Não é verdade que o acórdão recorrido “implicou a correcção/alteração das matrizes”, nem que “teve o condão de eliminar da ordem jurídica as avaliações feitas pela AT”.
9. Pelo contrário, quer as avaliações constantes das matrizes, quer as próprias matrizes mantêm-se plenamente na ordem jurídica, totalmente inalteradas pela decisão recorrida.
10. Tanto assim é que se mantém na ordem jurídica nova liquidação de AIMI, referente ao ano de 2019, a qual não foi dada sem efeito pela AT após o proferimento da douta decisão recorrida (cf. o doc.º n.º 1).
11. É, pois, manifesta a improcedência da questão da incompetência levantada pela AT.
12. O objeto da impugnação deduzida pela ora impugnada é um ato de liquidação de imposto (AIMI), não tendo correspondência com a realidade afirmação em sentido diverso.
13. A decisão recorrida não implicou qualquer pronúncia sobre a manutenção ou alteração de atos de inscrição matricial, mas apenas a apreciação da prova produzida e a aplicação das regras de direito probatório material, em particular no que diz respeito ao alcance da força probatória da matriz predial.
14. O pedido formulado pela ora impugnada consistiu na declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação, matéria inequivocamente da competência do Tribunal Arbitral, nos termos do art.º 2.º, nº 1, al. a), do RJAT e do art.º 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.
15. Entendeu, pois, o TAT que a ora impugnada “apesar de ter declarado erroneamente os prédios urbanos que compõem o empreendimento F... como destinados a fins habitacionais, demonstrou que estes prédios não têm fins residenciais, pois fazem parte integrante de um empreendimento turístico aberto ao público que fornece exclusivamente, desde a data de abertura, que remonta a 1993, serviços de alojamento do tipo hoteleiro e serviços conexos de desporto e lazer.” (cf. p. 25 do acórdão recorrido).
16. Concluindo que “Importa relembrar que a incidência do imposto, no que tange aos imóveis urbanos, está associada à destinação real e objetiva que é dada aos mesmos, independentemente do que venha a constar da inscrição matricial” (idem).
17. Com efeito, as matrizes prediais não têm força probatória plena, o que determina que o contribuinte pode fazer valer que a realidade substantiva é diferente da constante da matriz predial, não podendo essa realidade deixar de predominar enquanto expressão da verdade material – neste sentido, vide decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 205/2013-T, 206/2013-T, 225/2013-T, 285/2014-T e 113/2016-T.
18. O seu contrário configuraria uma presunção inilidível de um facto suscetível de determinar a incidência do imposto, o que, como se sabe, é legalmente inadmissível em matéria tributária (artigo 73º da LGT).
19. A circunstância de a ora impugnada não ter previamente reagido contra a avaliação dos prédios que compõem o seu empreendimento turístico nunca poderia impedir que deduzisse pedido de anulação da liquidação de AIMI, tendo por base a sua incorreta classificação matricial como habitacionais, em lugar de para serviços – como, na realidade, são.
20. Assim tem entendido a Secção do Contencioso Tributário do STA, esclarecendo que “a susceptibilidade de impugnação autónoma decorre da lesividade do acto e que caso o contribuinte não tenha contra ele reagido no momento em que ele surgiu e se tornou lesivo pode ainda vir a atacar esse mesmo acto quando ele se insira num procedimento de liquidação e venha a determinar um acto posterior de liquidação” – vide os Ac. STA de 2 de Março de 2016, Recurso n.º 930/13, de 6 de Julho de 2016, Recurso n.º 330/16, de 29 de Março de 2017, Recurso n.º 312/15.
21. Também o nosso Tribunal Constitucional, a propósito do artigo 54.º do CPPT, declarou inconstitucional a interpretação que, qualificando como ónus e não como faculdade do contribuinte a impugnação judicial dos atos interlocutórios imediatamente lesivos dos seus direitos, impedisse a impugnação das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles, por violação do princípio da tutela judicial efetiva e do princípio da justiça, inscritos nos artºs 20.º e 268.º, 4, da Constituição da República Portuguesa – vide acórdão n.º 410/2015 de 29 de Setembro de 2015, processo n.º 592/14.
22. O ato de inscrição na matriz como prédios destinados à habitação trata-se de um ato interlocutório ou preparatório, que não constitui nem nega qualquer direito – diferentemente do ato de indeferimento de reconhecimento de benefício fiscal, em causa no acórdão n.º 723/2016 do Tribunal Constitucional invocado pela AT.
23. Como bem refere o TAT, “não estamos perante um ato tributário autónomo, um ato pressuposto de efeitos constitutivos, mas de um ato interlocutório, de natureza declarativa. A solução que a lei (ordinária) postula num caso e noutro é distinta, como distintas são as propriedades que caracterizam os atos interlocutórios e os atos pressupostos” (cf. p. 18 do acórdão recorrido, onde se transcreve, com “total concordância”, o teor do acórdão arbitral proferida no processo n.º 674/2017-T).
24. Assim, o facto de o ato interlocutório se afigurar imediatamente sindicável, não obstava a que, não tendo este sido autonomamente sindicado, o pudesse ainda ser em sede de impugnação judicial ou arbitral da liquidação do tributo que lhe é consequente – vide o Ac. STA de 8 de Janeiro de 2014, Recurso n.º 1685/13, inter alia.
25. Que a ora impugnada o pudesse fazer, assim o determina não só o artigo 54.º do CPPT, como também o artigo 99.º do mesmo diploma, que dispõe que a impugnação de um tributo se poderá fundar em qualquer ilegalidade.
26. Efetivamente, não foi intenção do legislador fazer precludir a garantia de impugnação unitária, isto é, quis claramente que a impugnação se pudesse fundar em qualquer ilegalidade, incluindo, pois, a errada inscrição matricial do prédio sobre o qual o tributo incidiu.
27. Conforme decidiu o acórdão recorrido, o procedimento de reclamação de matriz previsto no artigo 130.º do CIMI trata-se, pois, de um procedimento facultativo, não fazendo a lei depender a impugnação judicial da sua prévia utilização, nos termos do artigo 185.º, n.ºs 1 e 2 do CPA (cf. p. 12 do acórdão recorrido, onde se transcreve, com “total concordância”, o teor do acórdão arbitral proferida no processo n.º 674/2017-T).
28. Que o erro declarativo na classificação matricial dos prédios se trata de ato meramente interlocutório é particularmente evidente no presente caso, em que tal classificação só adquiriu relevância com a notificação do ato de liquidação de um novo imposto, o Adicional ao IMI, cujo âmbito de incidência se determina com base na afetação dos prédios.
29. Só nessa altura, da notificação da liquidação do novo imposto, sofreu o contribuinte efeitos lesivos – até então a afetação dos prédios constante das matrizes não lhe conferia nem negava qualquer direito.
30. Dúvidas não restam, pois, que não procede o fundamento da incompetência material do T.A.A. alegado pela AT.
31. Por fim, não padece o acórdão recorrido do vício de oposição entre a decisão e os seus fundamentos de facto, que se trata de um vício formal, aferido mediante um juízo situado no plano exclusivo da lógica, de forma a verificar a compatibilidade lógico-discursiva entre a decisão e as suas premissas de facto e de direito.
32. Não se confunde, deste modo, com o erro de julgamento, consistente na errada apreciação da prova, incorreta subsunção dos factos à norma jurídica ou errónea interpretação desta (cf., por todos, Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum – À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, 2013, p. 333).
33. O singelo ponto B. do probatório, invocado pela Fazenda em abono da sua tese, não corresponde à premissa de facto formulada pelo Tribunal Arbitral a respeito da afetação dos prédios da ora impugnada.
34. Com efeito, o acórdão recorrido concluiu, em face de toda a factualidade dada como provada, indicada nos pontos C. a J. do probatório, que os prédios da ora impugnada estão afetos a serviços (cf., de forma clara e inequívoca, o ponto G. do probatório).
35. Perante tal premissa de facto, não poderia a decisão ser outra que não a anulação da liquidação por violação da norma delimitadora da incidência objetiva do AIMI, que exclui os prédios afetos a comércio, indústria ou serviços, nos termos conjugados dos art.ºs 135.º-B, n.º 2 e 6.º, n.º 1 b) e d), ambos do Código do IMI.
36. E assim foi. Tendo o Tribunal Arbitral julgado que a ora impugnada “demonstrou que estes prédios não têm fins residenciais” (cf. p. 25 do acórdão recorrido),
37. Só podia, pois, concluir que “Feita essa prova, o ato de liquidação de AIMI viola a norma delimitadora negativa da incidência material ou objetiva, que consta do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMI, que exclui deste imposto os prédios classificados como ‘comerciais, industriais ou para serviços’ e ‘outros’” (idem).
Termos em que, com o douto suprimento de V.Exas, deve a impugnação deduzida pela Fazenda Pública ser julgada inteiramente improcedente e mantido o douto acórdão recorrido.»

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A Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal foi notificada nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro), não tendo emitido parecer aos autos.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão invocada pelo Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objeto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir o seguinte:
i) Se a decisão recorrida se pronunciou sobre questão que não cabia na sua competência (artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do RJAT);
ii) Se houve oposição dos fundamentos com a decisão (artigo 28.º, n.º 1, alínea b), 1.ª parte do RJAT).

II – FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A. M... - PROPRIEDADES E TURISMO, LDA., aqui Requerente, é proprietária de um acervo de prédios urbanos composto por 77 moradias em banda e 55 apartamentos em ladeira (no total de 132 unidades de alojamento), situados na Q..., freguesia de Almancil e concelho de Loulé, que integram o empreendimento turístico F..., implantado no Lote A… da Q... - cf. documentos 1, 2 e 4 juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral (ppa) e PA.

B. A partir de 1989, foi sendo solicitada pelo sócio da Requerente, F... LIMITED, junto dos serviços da Requerida, a inscrição dos referidos prédios na matriz, mediante submissão dos correspondentes formulários Mod. n.º 129 -"Declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz" , dos quais consta tratar-se de prédios destinados a habitação -cf. PA.

C. A abertura do empreendimento turístico F... procedeu de autorização da então Direção-Geral do Turismo, concedida em fevereiro de 1993, após vistoria efetuada ao estabelecimento, nos termos e para os efeitos do disposto no 4.º do Decreto-lei n .º 328/86, de 30 de setembro - cf. documento 15 junto com o ppa.

D. Por despacho do Secretário de Estado do Comércio e do Turismo, de 19 de novembro de 1996, foi atribuída a utilidade turística, a título definitivo, ao aldeamento turístico de 1.ª categoria F... - cf. documentos 16 e 17 juntos com o ppa.

E. Em dezembro de 2001, na sequência de alterações legislativas, o empreendimento foi reclassificado como aldeamento turístico de 4 estrelas - cf. documentos 15 e 4 juntos com o ppa.

F. Em julho de 2010, o empreendimento foi reconvertido pelo Turismo de Portugal, I.P., nos termos e para os efeitos do artigo 75.º, n .º 2 do Decreto-lei n.º 39/2008, de 7 de março, com a tipologia (aldeamento turístico) e categoria (quatro estrelas) que lhe tinham sido atribuídas ao abrigo do regime anterior, mantendo-se a validade e eficácia cio título de abertura que a Direcção-Geral do Turismo concedeu inicialmente ao abrigo do Decreto-lei n.º 328/86 - cf. documento 4 junto com o ppa .

G. Todos os prédios urbanos referidos na alínea A supra compõem o empreendimento F... e estão afetos a serviços de alojamento turístico, cada um integrando uma ou mais unidades de alojamento, num total de 132, com piscina ou jacúzi, funcionalmente distintas e independentes entre si, equipadas e prontas a ocupar e utilizar, com serviço diário de arrumação e limpeza, reposição de toalhas, roupas de cama e consumíveis de higiene pessoal - cf. documentos 3, 4, 5 e 6 juntos com o ppa .

H. O empreendimento turístico F... é ainda composto por infraestruturas e equipamentos de apoio complementar, como receção, bar, piscinas, exterior e interior, spa, ginásio, parque infantil, cabeleireiro, salão ele jogos e espaços comuns de descanso, sendo prestados outros serviços acessórios na área do desporto, lazer, alimentação - cf. documentos 5 e 6 juntos com o ppa.

I. O empreendimento turístico F... oferece exclusivamente serviços de alojamento de tipo hoteleiro - cf. documentos 3, 4, 7, 8 e 15 a 17 juntos com o ppa e PA.

J. Toda a área do Lote A… em que se acha implantado o F..., incluindo todo o edificado referido na alínea A supra, tem enquadramento urbanístico no Plano de Urbanização da Q... e está abrangida, para efeitos de uso e ocupação do solo, por uma subunidade ou zona SUT, cujo uso principal exclusivo é turístico - cf. documentos 7 a 14 juntos com o ppa.

K. A Requerente foi notificada do ato de liquidação de A IMI, emitido sob o n .º 2017 0..., datado de 30 de junho de 2018 e referente ao mesmo ano, no valor de € 125.490,96, resultante da aplicação da taxa ele 0,4% à base de incidência de € 31.372.740, correspondente à soma dos valores patrimoniais tributários ("VPT") de 120 prédios urbanos [que compreendem 132 unidades de alojamento] referidos na alínea A supra, melhor identificados no ato de liquidação, e que constituem os prédios urbanos na titularidade da Requerente que integram o empreendimento F.... A base legal invocada no ato de liquidação em apreço foram os artigos 135.º-C, n .º 1 e 135.º-F, n.º 1, ambos do Código do IMI - cf. documento 2 junto com o ppa.

L. A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de AIMI no montante de €125.490,96 em 26 de setembro de 2018 - cf. documento 1 junto com o ppa e PA.

M. Até à data da liquidação controvertida de AIMI (2018), os prédios que integram o empreendimento F... encontravam-se inscritos na matriz com afetação habitacional - cf. PA e documento 2 junto com o ppa.

N. Em discordância com a liquidação de AIMI acima identificada, em 27 de dezembro de 2018, a Requerente apresentou no CAAD o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.

2. FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a decisão não existem factos que devam considerar-se não provados.

3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, cm face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n .º 3 do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida cm relação à concreta matéria de facto consolidada.

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos por ambas as Partes e nas posições por estas assumidas cm relação aos factos essenciais, que são coincidentes.

O aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo n.º 674/2017-T não se revelou determinante uma vez que os factos pertinentes se encontram provados por documentos.»



*


Com base na matéria de facto supra transcrita é a seguinte a decisão arbitral:

A questão fundamental a apreciar prende-se com a alegação, pela Requerente, de vício material por erro nos pressupostos na aplicação do regime do artigo 135.º-B do Código do IMI, em virtude de estarem reunidos os pressupostos de exclusão da incidência do AIMI previstos no n.º 2 do citado preceito legal, em concreto pelo facto de os prédios urbanos detidos pela Requerente serem exclusivamente afetos à atividade de prestação de serviços de alojamento de tipo hoteleiro, não tendo afetação habitacional, contrariamente ao que consta, por erro, das respetivas matrizes prediais.

Interessa assinalar a este respeito que a incidência objetiva do AIMI é recortada sobre “a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular", cm conformidade com o disposto no artigo 135.º-B, n.º 1 do Código do IMT, excluindo-se, porém, de acordo com a previsão da norma de delimitação negativa de incidência prevista no n .º 2 do citado artigo 135.º-B, os “prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros»", nos termos do artigo 6.º, n .º 1 , alíneas b) e d) daquele Código.

A Requerente suporta-se em múltiplas Decisões Arbitrais que se pronunciam sobre idêntica matéria : de 15 de outubro de 2018, processo n.º 695/2017-T; de 2 de agosto de 20 18, processo n.º 674/2017-T; de 16 de julho de 2018, processo n.º 666/2017-T; de 5 de maio de 2017, processo n.º 409/2016-T; de 31 de março de 2017, processo n.º 291/2016-T; de 9 de março de 2016, processo n.º 556/2015-T; e de 5 de junho de 2015, processo n.º 741/2014-T.

Conforme argumentação expendida no processo n.º 674/2017-T, acima citado, a solução de exclusão de tributação dos prédios com a fetação não habitacional remonta à anterior verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo ("TGIS"), antepassado próximo do AIMI, alicerçada em opções de política económica de não agravamento da fiscalidade do setor produtivo.

O Tribunal Constitucional, acolhendo a posição de JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, refere a este respeito que "a aplicação do imposto aos prédios com afetação a habitação e a terrenos para construção em que esteja prevista ou aprovada a construção de habitação, revela intenção de não onerar o sector produtivo e as empresas em geral. Na verdade, os prédios afetos a atividades empresariais, nomeadamente comércio, serviços ou atividade industrial, podem alcançar um valor superior a um milhão com relativa facilidade, sem que esse facto possa revelar uma relevância em termos de riqueza idêntica à que revelam os que têm afetação à habitação com o referido valor" - cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 692/2016, de 14 de dezembro de 2016.

Preocupação de desoneração do setor produtivo que continuou a ser acautelada pelo legislador do AIMI que, sem prejuízo de introduzir, em nome de uma maior equidade fiscal, um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios imobiliários mais avultados, continuou a evitar o seu impacto na atividade económica, através da exclusão da incidência de prédios rústicos, mistos e outros utilizados como fatores de produção - comerciais, industriais e de serviços - em conformidade com o Relatório do Orçamento de Estado para 2017, para a Estratégia de Promoção do Crescimento Económico e de Consolidação Orçamental, p. 60.

Resulta do exposto que o legislador fiscal manteve a exclusão de tributação que provinha da verba 28 da TGCS, relativamente aos prédios urbanos diretamente afetos a atividades produtivas, nas quais não podem deixar de se incluir a exploração hoteleira e turística.

A Requerente, apesar de ter declarado erroneamente os prédios urbanos que compõem o empreendimento F... como destinados a fins habitacionais, demonstrou que estes prédios não têm fins residenciais, pois fazem parte integrante de um empreendimento turístico aberto ao público que fornece exclusivamente, desde a data de abertura, que remonta a 1993, serviços de alojamento do tipo hoteleiro e serviços conexos de desporto e lazer.

Feita essa prova, o ato de liquidação de AIMI viola a norma delimitadora negativa da incidência material ou objetiva, que consta do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMT, que exclui deste imposto os prédios classificados como ''comerciais, industriais ou para serviços" e "outros", referidos nas alíneas b) e d) do n .º 1 do artigo 6.º do Código do IMI.

Importa relembrar que a incidência do imposto, no que tange aos imóveis urbanos, está associada à destinação real e objetiva que é dada aos mesmos, independentemente do que venha a constar da inscrição matricial, pelo que, cabendo a factualidade apurada no âmbito normativo da alínea b) do n .º 1 do art.º 6.º do CIMT, e não no definido na alínea a) do mesmo número, não pode a situação tributária deixar de ser aferida em função desta última norma, pois tal corresponderia a tratar indistintamente as duas normas para efeitos de incidência do imposto.

É certo que o erro na classificação matricial dos prédios cm causa, enquadrados na espécie "habitacionais" em vez de "para serviços'', pode ser inicialmente imputável à Requerente, pois deriva das declarações de inscrição na matriz, efetuadas pelo seu sócio através do formulário MOD. 129; contudo, não pode obnubilar-se que a AT dispõe de poderes para promover oficiosamente as incorreções matriciais e que, in casu, nunca o fez.

Em todo o caso, manifestando-se a inequívoca afetação exclusiva dos imóveis a serviços e, portanto, a uma atividade produtiva, condição de exclusão da incidência objetiva de AIMI, não estão reunidos os pressupostos legais de tributação da Requerente em sede deste imposto, pelo que o ato tributário de liquidação de AIMI impugnado, relativo ao ano 2018, padece de vício substantivo, por erro nos pressupostos, e deve ser anulado, com a consequente restituição da prestação tributária de AIMI paga em excesso.

JUROS INDEMNIZATÓRIOS

O direito a juros indemnizatórios alicerça-se no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da determinação de que houve erro imputável ao serviços, do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida.

Resulta do adquirido processual que a errónea classificação dos prédios nas matrizes - como ''habitacionais" ao invés de ''para serviços" - se ficou a dever às declarações do sócio da Requerente, quando da inscrição dos prédios, e que a própria Requerente ao longo das últimas décadas (quase 30 anos) nunca promoveu a correção deste erro que lhe é, desta forma, imputável.

A AT procedeu à liquidação do AIMI à Requerente com base nos elementos de que dispunha, declarados pelo (sócio do) sujeito passivo, procedimento que não merece censura.

Deste modo, a liquidação indevida do AIMI teve origem num erro do próprio sujeito passivo e não da AT, improcedendo por essa razão o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, atenta a falta de comprovação dos pressupostos constitutivos desse direito, designadamente no que se refere à determinação de erro imputável aos serviços.

* * *

A Requerida solicita, ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.º 3 da CRP e 72º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional, que seja determinada a notificação ao Ministério Público do Acórdão Arbitral. No entanto, a situação dos presentes autos arbitrais não tem enquadramento nas normas em apreço, pois não foi desaplicada qualquer norma ou segmento de norma por inconstitucionalidade, pelo que vai indeferido este pedido da Requerida.

* * *

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou, cm qualquer caso, cuja apreciação seria inútil - cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

EM SÍNTESE

Pelos motivos expostos, conclui-se pela ilegalidade do ato tributário de liquidação de AIMI impugnado, por violação da norma de exclusão de incidência constante do artigo 135.º B, n.º 2 do Código do IMI, o que determina a sua anulação, em conformidade com o disposto no artigo 163.º do novo CPA, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.”

Neste contexto, a Impugnante Fazenda Pública vem impugnar a decisão arbitral invocando, desde logo, que a decisão recorrida se pronunciou sobre questão que não cabia na sua competência, e, por conseguinte, verifica-se a pronúncia indevida (artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do RJAT) – conclusões A) a

Vejamos, antes de mais, o direito aplicável.

O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 10/11, de 20 de janeiro, que regula o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (RJAT).

No que respeita aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, estabelece o art. 28.º, n.º 1, do RJAT que a decisão é impugnável com os seguintes fundamentos:

“a) Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
b) Oposição dos fundamentos com a decisão;
c) Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
d) Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º. “

Trata-se de uma enumeração que tem sido entendida como “taxativa” dos fundamentos de impugnação da decisão arbitral (neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Guia da Arbitragem Tributária, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, pp. 234 e ss; Acórdão do TCAS, de 21/05/2015, proc. n.º 08146/14, de 05/03/2015, proc. n.º 06526/13, de 05/03/2015, proc. n.º 05946/12, de 19/02/2015).

Porém, importa ter presente que a verificação daqueles vícios poderá ter em consideração um leque mais vasto de situações do que as contempladas para a nulidade da sentença no art. 125.º do CPPT, impondo-se, portanto, uma análise casuística norteada pelos princípios constitucionais.

Está em causa na presente impugnação, desde logo, o fundamento “pronúncia indevida”, previsto na 1.ª parte da alínea c) do art. 28.º, n.º 1 do RJAT, cumprindo aferir, antes de mais, se este fundamento invocado pela Impugnante abrange a incompetência material do tribunal arbitral.

Ora, sobre esta questão já se debruçou, o Tribunal Constitucional (TC), no Acórdão n.º 177/2016, de 3 de maio, proc. n.º 126/15 no sentido de “[j]ulgar inconstitucional a alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado Acórdão n.º 177/2016, de 3 de maio pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na interpretação normativa de que o conceito de «pronúncia indevida» não abrange a impugnação da decisão arbitral com fundamento na incompetência material do tribunal arbitral, por violação concomitante dos artigos 20.º e 209.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa;”

Com efeito, o TC pese embora dê como assente que não se encontra constitucionalmente garantido um direito ao duplo grau de jurisdição, quer com base no artigo 20.º da CRP, quer em termos gerais, refere que não pode deixar de impressionar, relativamente aos tribunais comuns e administrativos, comparativamente com o regime do CPC, artigo 629.º, n.º 2, alínea a), que estabelece que a decisão desse tribunal relativamente à sua competência material nunca é definitiva, dela cabendo sempre recurso - independentemente do valor da causa, que a decisão de um tribunal arbitral sobre a sua competência que não é própria, mas subtraída a um tribunal do Estado, e se extingue no termo do processo arbitral, não seja suscetível de reapreciação por um outro tribunal.

Porém, tratando-se dos tribunais arbitrais tributários afirma o TC “a comparação não apenas impressiona, como as suas consequências são inaceitáveis. É que se de qualquer tribunal arbitral se pode dizer que retira a sua competência (da competência) de um tribunal do Estado, quando esta inclui matéria tributária haverá de reconhecer-se que as decisões de um tribunal arbitral tributário sobre a própria competência não podem deixar de estar submetidas a reapreciação por um tribunal do Estado, sob pena de serem as próprias atribuições deste em matéria tributária a ficar em risco.”

Concluindo que “a alegada incompetência do tribunal arbitral não pode deixar de se considerar coberta pela expressão «pronúncia indevida»; na interpretação normativa oposta, adotada na decisão recorrida, terá ocorrido ofensa daqueles preceitos da Constituição.”

Em suma, interpretamos o conceito de “pronúncia indevida” previsto na alínea c) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT no sentido de abranger as situações de incompetência do tribunal arbitral.

Assim sendo, importa aferir, in casu, se estamos perante uma situação de pronúncia indevida, aferindo se o tribunal arbitral se pronunciou sobre litígio que se encontra excluído do âmbito de competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária.

A tese da Impugnante Fazenda Pública, em síntese é de que o tribunal arbitral ao decidir de mérito a questão referente à inscrição matricial dos prédios imiscuiu-se em matéria para a qual é materialmente incompetente (conclusões A) a Q), S) e Z), das alegações da Impugnação). Mais invoca que ainda que se considerasse o tribunal arbitral competente em razão da matéria para apreciar aquela questão, ainda assim, deveriam ter sido esgotados todos os meios graciosos previstos para o procedimento de avaliação, o que não sucedeu (conclusão R) das alegações da Impugnação). Entende ainda que é inconstitucional a interpretação normativa da Requerente do art. 2.º, n.º 1, do RJAT, e do art. 2.º da Portaria, por violação do art. 212.º, n.º 3, da CRP, bem como por violação do princípio do livre acesso aos tribunais, na vertente do direito ao duplo grau de jurisdição, e o princípio da tutela judicial efetiva e da justiça por recusa de aplicação do art. 54.º, n.º 1, 1.ª parte do CPPT (conclusão AA) a II) das alegações de Impugnação).

Mas sem razão, não há pronúncia indevida porquanto, in casu, não se verifica a incompetência material do tribunal arbitral.

Na verdade, a Impugnada formulou o pedido de anulação da liquidação de AIMI de 2018. Ora, a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributo, como o AIMI, se integra na competência dos tribunais arbitrais, como resulta inequivocamente da 1.ª parte, da alínea a), do n.º 1, do art. 2.º do RJAT. Em momento algum, foi formulado o pedido de declaração de ilegalidade de inscrição matricial dos prédios.

Em conformidade e dentro dos limites da sua competência material, o tribunal arbitral decidiu “que o ato tributário de liquidação de AIMI impugnado, relativo ao ano 2018, padece de vício substantivo, por erro nos pressupostos, e deve ser anulado, com a consequente restituição da prestação tributária de AIMI paga em excesso.” Portanto, ao contrário do alegado pela Impugnante a pretensão da Impugnada não implica qualquer correção/alteração das matrizes dos prédios em discussão, mas tão-somente, de acordo com a competência material do tribunal arbitral, a declaração de ilegalidade de ato de liquidação de tributo, com o fundamento no erro na classificação matricial dos prédios em causa que constitui a causa de pedir.

De igual modo, não assiste razão à Impugnante quando entende que deveriam ter sido esgotados todos os meios graciosos previstos para o procedimento de avaliação, o que não sucedeu (conclusão R) das alegações da Impugnação), não violando tal interpretação qualquer princípio ou normativo constitucional, nem legal (conclusão AA) a II) das alegações de Impugnação).

Efetivamente, resulta inequivocamente da jurisprudência do STA que na impugnação de ato de liquidação do IMI podem ser alegadas e apreciadas as pretensas ilegalidades resultantes da inscrição e um prédio (acórdão de 02/03/2016, proc. n.º 930/13). No acórdão do STA de 06/07/2016, proc. n.º 330/16 sumariou-se o seguinte: “I - A susceptibilidade de impugnação autónoma decorre da lesividade do acto. II - Caso o contribuinte não tenha reagido contra o acto lesivo no momento em que ele surgiu e se tornou lesivo pode ainda vir a atacar esse mesmo acto quando ele se insira num procedimento de liquidação e venha a determinar um acto posterior de liquidação. III - Ou seja, quando se faz, uma inscrição oficiosa na matriz de um bem que o contribuinte entende que não é um prédio e não pode, por isso ser inscrito, como tal na matriz, pode imediatamente impugnar essa inscrição por ela ser, em si mesma, lesiva por susceptível de vir a determinar a liquidação de um ou vários tributos.
IV - Mas, seguidamente, se o bem foi avaliado e lhe foi atribuído um valor, pode impugnar esse acto de avaliação e impugnar o tributo que venha a ser liquidado com base nessa avaliação.”


Portanto, in casu, o art. 54.º do CPPT não obsta à impugnação do ato de liquidação, e de igual modo, no âmbito da decisão arbitral pode ser declarada a ilegalidade de atos de liquidação de tributo, como o AIMI em causa nos autos, com base em qualquer ilegalidade, inclusive erro na classificação matricial dos prédios, nos termos do disposto na 1.ª parte, da alínea a), do n.º 1, do art. 2.º do RJAT.

De igual modo, essa interpretação da competência do tribunal arbitral não viola qualquer normativo ou princípio constitucional, muito pelo contrário, a interpretação da Impugnante é que não é conforme a Constituição e seus princípios como resulta claramente do acórdão do TC n.º 410/2015, de 29 de setembro, proc. n.º 592/14, pelo qual se julgou inconstitucional a interpretação do artigo 54.º do CPPT que, qualificando como um ónus e não como uma faculdade do contribuinte a impugnação judicial dos atos interlocutórios imediatamente lesivos dos seus direitos, impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles.

No sentido da competência em razão da matéria do tribunal arbitral, relativamente a esta mesma questão, em que as partes são as mesmas, apenas divergindo o ano do AIMI (2017), vide acórdão do TCAS de 22/10/2020, proc. n.º 92/18.6BCLSB.

Pelo exposto, não se verifica o fundamento de impugnação previsto na alínea c) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT.

Prosseguindo.

Invoca ainda a Impugnante Fazenda Pública que se verifica a oposição dos fundamentos com a decisão (artigo 28.º, n.º 1, alínea b), 1.ª parte do RJAT) uma vez que deveria ter concluído pela existência da verificação do facto tributário previsto no art. 135.º-B do CIMI – Conclusões A), e JJ) a NN).

Mas sem razão, senão vejamos.

Relativamente à oposição dos fundamentos com a decisão, como a jurisprudência tem reiteradamente afirmado, apenas se verifica quando os fundamentos invocados na decisão conduzam, num processo lógico, a solução oposta àquela que foi adotada, e não quando a sentença interpreta os factos, documentos e normas em sentido diverso do propugnado pelo recorrente (cf. Acórdão do STA de 05/01/2014, proc. n.º 01380/13).

O fundamento de impugnação previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT pressupõe, pois, que os fundamentos da decisão arbitral estejam em oposição com a própria decisão, ou seja, que as premissas de facto e de direito em que assenta a decisão arbitral conduzam, logicamente, a uma solução oposta àquela que se adotou.

No entanto, se a decisão arbitral julgou de facto e de direito em sentido contrário ao pugnado pelo Impugnante, não se verifica qualquer oposição dos fundamentos com a decisão subsumível à alínea b) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT. Quando muito, poderia haver erro de julgamento, mas extravasa os fundamentos admissíveis de Impugnação da decisão arbitral, e nessa medida, não pode ser conhecido nesta sede.

Por outro lado, apenas a oposição absoluta que não permita, segundo as várias soluções plausíveis de direito, estabelecer uma correspondência útil e lógica entre os fundamentos e a decisão é que constitui fundamento de anulação da decisão arbitral (cf. Ac. do TCA Sul de 30/01/2014, proc. n.º 06952/13).

“A oposição entre fundamento e decisão também não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esteja juridicamente correcta, a nulidade verifica-se.” (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 362).

Subsumindo o caso dos autos ao direito supra exposto temos então que o invocado pela Impugnante não consubstancia o vício de oposição dos fundamentos com a decisão previsto no artigo 28.º, n.º 1, alínea b), 1.ª parte do RJAT.

Na verdade, decidiu-se anular a liquidação de AIMI com a fundamentação de que aquele ato viola a norma delimitadora negativa da incidência material ou objetiva, que consta do artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do IMT, porque, apesar de a Requerente, ter declarado erroneamente os prédios urbanos como destinados a fins habitacionais, “demonstrou que estes prédios não têm fins residenciais, pois fazem parte integrante de um empreendimento turístico aberto ao público que fornece exclusivamente, desde a data de abertura, que remonta a 1993, serviços de alojamento do tipo hoteleiro e serviços conexos de desporto e lazer. (…) É certo que o erro na classificação matricial dos prédios cm causa, enquadrados na espécie "habitacionais" em vez de "para serviços'', pode ser inicialmente imputável à Requerente, pois deriva das declarações de inscrição na matriz, efetuadas pelo seu sócio através do formulário MOD. 129; contudo, não pode obnubilar-se que a AT dispõe de poderes para promover oficiosamente as incorreções matriciais e que, in casu, nunca o fez.”. É manifesto que não se verifica contradição real entre os fundamentos e a decisão proferida.


Ora, o que resulta das alegações da Impugnante, que complementam as conclusões de recurso, é que entende que face ao facto dado como provado na alínea B), não se poderia deixar de concluir pela verificação do facto tributário previsto no art. 135.º-B do CIMI.

Ou seja, pretende invocar erro de julgamento pois na sua perspetiva dos factos provados não poderia resultar a conclusão extraída em termos de direito. Sucede que, conforme supra exposto, o erro de julgamento não é sindicável em sede de impugnação da decisão arbitral.

Em suma, analisando o discurso argumentativo constante da decisão arbitral impugnada supra transcrita, não há contradição real entre os fundamentos e a decisão proferida, sendo que, na verdade, o que a Impugnante pretende sindicar é o erro de julgamento, o que não se confunde com o vício previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT.

Neste mesmo sentido, também se conclui no acórdão do TCAS de 22/10/2020, proc. n.º 92/18.6BCLSB, relativamente a esta mesma questão, em que as partes são as mesmas, a decisão arbitral semelhante.

Pelo exposto, também não se verifica o fundamento de impugnação previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT, pelo que improcede in totum os fundamentos da impugnação arbitral.

Sumário

1. A “pronúncia indevida” enquanto fundamento de impugnação da decisão arbitral prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 28.º do RJAT abrange as situações de incompetência do tribunal arbitral;
2. A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributo, como o AIMI, se integra na competência dos tribunais arbitrais, nos termos da 1.ª parte, da alínea a), do n.º 1, do art. 2.º do RJAT.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, julgar improcedente a impugnação arbitral.

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Custas pela Impugnante.
D.n.
Lisboa, 03 de dezembro de 2020.

A Juíza Desembargadora Relatora
Cristina Flora

A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy