Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1298/08.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/28/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:DÉFICE INSTRUTÓRIO;
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS;
DEPOIMENTO INEXISTENTE.
Sumário:I. Não tendo a Impugnante feito chegar ao processo os documentos que protestou juntar na petição inicial, tendentes a demonstrar os factos alegados, nem ali se tendo vinculado a qualquer prazo para proceder à referida junção, impunha-se ao Tribunal «a quo» ordenar a notificação da parte, para no prazo concedido, esta apresentar, querendo, a prova que se propôs oferecer, e, só após o seu silêncio é que o Tribunal podia (devia) retirar as consequências daí advenientes.

II. E, porque nada foi diligenciado pelo Tribunal « a quo» com vista a conhecer a verdade relativamente aos factos alegados, nem constar dos autos quaisquer elementos probatórios que permitam ao Tribunal «ad quem» reapreciar o alegado vício de violação de lei por erro nos pressupostos das liquidações, no segmento aqui sindicado, terá, forçosamente, de concluir-se que os autos padecem de défice instrutório, situação que é subsumível ao artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, que justifica a anulação ex officio da sentença recorrida, e a consequente remessa ao Tribunal « a quo» para que seja completada a instrução dos autos e proferida nova decisão.

III.É inexistente a valoração da decisão fática que assenta num depoimento de uma testemunha que não foi ouvida.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO
G............, S.A., recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou parcialmente procedente a impugnação que deduzira contra os actos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios, do exercício de 2003.

Terminou a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões:
«1.ª A douta sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de IVA n.ºs ........., ........., ........., ........., ........., ........., ........., ........., ........., ........., ........., ........., e correspondentes liquidações de juros compensatórios n.os ........., ........., ........., ........., ........., ........., ........., ........., ........., ........., ......... e ........., todas referentes ao exercício de 2003;
2.ª Inconformada com aquela sentença, na parte no decaimento, a Recorrente interpõe o presente recurso jurisdicional, nos termos e com os fundamentos a seguir aduzidos;
3.ª Ora, no que respeita à correção relativa à “Resolução antecipada dos contratos de ALD”, entende a Recorrente que a sentença recorrida, com o devido respeito, incorre em nulidade por omissão de pronúncia (cf. artigo 125.º, n.º 1, do CPPT e artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT) uma vez que omitiu por completo pronúncia sobre a referida correção;
4.ª Considerando esse Ilustre Tribunal que nada obsta ao conhecimento da legalidade da correção sindicada, sempre deve concluir-se, como se passa a demonstrar, pela sua anulação;
5.ª Ora, a AT considera que as indemnizações recebidas pela Recorrente em virtude da perda total do objeto do contrato estão sujeitas a IVA, nos termos dos artigos 4.º, n.º 1 e 16.º, n.º 2, alínea h), ambos do CIVA;
6.ª Sucede que a natureza das indemnizações em causa, atribuídas em virtude da perda total do bem, é a de verdadeira indemnização, meramente ressarcitória, que visa a reparação dos prejuízos em que incorre o lesado pelo sinistro (ou seja, o proprietário do bem, neste caso, a Recorrente), não tendo qualquer cariz remuneratório, como alega a AT;
7.ª No sentido de que estas indemnizações caem foram do campo de aplicação do IVA (sejam elas pagas pela seguradoras ou pelos locatários) já se pronunciou a Comissão Europeia (cf. doc. n.º 9 junto com a p.i.), sendo pacífico tal mesmo entendimento na doutrina (a título de exemplo, AFONSO ARNALDO e PEDRO VASCONCELOS SILVA, «O IVA e as Indemnizações», in Fisco, n.º 107-108, p. 85), na jurisprudência (entre outros, Acórdão do STA, de 18.06.2008, recurso n.º 1144/06 e do TCAS, de 03.03.2009, recurso n.º 2507/08), na própria doutrina administrativa (cf. Ofício-Circulado n.º 14389, de 26.02.1987, despachos concordantes do Subdirector-Geral do IVA de 24.05.1989, de 13.12.1989 e de 03.12.1993, e, bem assim, dos despachos do SAIVA de 24.06.1993 - Proc. I 09093002, de 8.11.1993 - Proc. S 29192018, de 16.2.1994 - Proc. I 09093001, de 12.5.1994 - Proc. I 09092013 e 3.10.1994 - Proc. A 10094006) e, ainda, na jurisprudência comunitária (Acórdão Jurgen Mohr, C-215/94, de 29.2.1996 e Acórdão Société Thermale d’Eugénie- les-Bains, C-277/05);
8.ª E não é aplicável ao caso o disposto no artigo 16.º, n.º 6, alínea a), do CIVA, segundo o qual a exclusão de tributação depende de o pagamento da indemnização resultar expressamente de uma decisão judicial, porquanto esta norma apenas visa os casos de incumprimento de obrigações, e não factos aleatórios, como os sinistros;
9.ª Logo, são manifestamente improcedentes os argumentos invocados pela AT, e que fundamentam as liquidações sob impugnação, sendo estas ilegais por violação do disposto no artigo 4.º do Código do IVA, razão pela qual devem as mesmas ser anuladas;
10.ª Por seu turno, no que se refere às correções referentes a “Dedução indevida de IVA relativa a afetação real – Falta de exibição de fatura ou documento equivalente” e “Dedução indevida de IVA relativa a afetação real – Regularização com base em documento interno”, considera a Recorrente, com o devido respeito, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na medida em que não observou o princípio do inquisitório, o qual impõe ao tribunal recorrido o dever de diligenciar pela obtenção da prova dos factos controvertidos, o que, no caso concreto, pressuporia, no mínimo, que notificasse a Recorrente para juntar aos autos os documentos que protestou juntar (documentos de suporte à dedução, cf. artigos 62.º e 72.º da pi) antes de julgar tais factos como não provados;
11.ª Por seu turno, e ainda no campo das regularizações, como vimos, a correção efetuada pela AT teve por fundamento a falta de comprovativo de que o adquirente tomou conhecimento da retificação – ora, a este respeito, entende a Recorrente que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, pois não deu como provados factos que o foram através do depoimento da testemunha inquirida e do acordo das partes (porque não impugnados);
12.ª Com efeito, foi demonstrado nos autos que o imposto regularizado diz respeito à anulação de rendas de contratos de locação financeira, razão pela qual não era possível dispor de prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação;
13.ª Pelo que, concomitantemente com os factos dados como provados na sentença recorrida, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:
1.º No âmbito da atividade de locação financeira acontece por vezes os locatários procederem antecipadamente ao pagamento da totalidade das rendas;
2.º Sucede porém que, à data a que os factos se reportam, verificou-se a existência de um hiato temporal entre este pagamento antecipado da totalidade das rendas e a formalização do termo do contrato de locação financeira, com a concomitante inserção no sistema informático de faturação da ora Impugnante (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha inquirida, minuto 13, segundo 50);
3.º Por força daquele hiato de tempo, o sistema informático da ora Impugnante gerava – indevidamente – faturas referentes a contratos de locação financeira cujas rendas haviam sido objeto de pagamento antecipado;
4.º Por sua vez, o facto de serem geradas – indevidamente – aquelas faturas, dava origem a contabilização automática do IVA na rúbrica a entregar ao Estado, constante do sistema informático da ora Impugnante, e em consequência à sua entrega efetiva nos cofres do Estado (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha inquirida, minuto 14, segundo 50);
5.º No entanto, as faturas indevidamente geradas ficavam registadas no sistema informático da ora Recorrente, mas não eram impressas ou sequer remetidas ao cliente (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha inquirida, minuto 15, segundo 25);
6.º Efetivamente, a fatura gerada por aquele lapso no sistema informático não era remetida ao cliente, sendo que quando a ora Recorrente detetava aquele erro procedia à emissão de uma nota de crédito para anulação daquela fatura, a qual também não era remetida ao cliente (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha inquirida, minuto 16, segundo 05);
7.º Esta faturação origina, no sistema informático da Recorrente, e de forma automática, a liquidação de IVA e, por conseguinte, a entrega deste imposto ao Estado;
8.º No entanto, tais faturas não chegam a ser impressas, nem expedidas para o cliente que, não tendo sequer conhecimento das mesmas, não procede, por conseguinte, à dedução do IVA liquidado pela Recorrente;
9.º Uma vez detetadas estas situações, a Recorrente procede de imediato à respetiva retificação, regularizando a seu favor o imposto indevidamente liquidado a favor do Estado.
14.ª Em face do exposto, deve dar-se como impugnada a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, nos termos do artigo 640.º do CPC, na parte em que não se consideraram provados os factos acima elencados, devendo anular-se a sentença recorrida e ser proferida nova decisão que julgue procedente a impugnação judicial nesta parte;
15.ª Acresce que, não tendo os terceiros deduzido qualquer IVA relativo às faturas em apreço, não existe qualquer prejuízo para o Estado, pelo que recusar a regularização violará o direito à dedução e o princípio da neutralidade do IVA, incorrendo a sentença recorrida também em erro de julgamento de direito, neste tocante, devendo ser anulada;
16.ª Com efeito, tal como defendeu o TJUE em diversos arestos, quando não haja risco de perda de receitas fiscais, o princípio da neutralidade do IVA exige que o imposto indevidamente faturado possa ser regularizado (cf. Acórdão Schmeink & Cofreth Strobel, 19.09.2000, C-454/98; Acórdão Rusedespred OOD de 11.04.2013, C-138/12; Acórdão Genius Holding BV de 13.12.1989, C-342/87; Acórdão GST – Sarviz AG Germania);
17.ª Por seu turno, no que se refere à correção relativa à “Falta de autoliquidação a entidades não residentes”, entende a Recorrente que a sentença recorrida incorreu, uma vez mais, em erro de julgamento de facto, pois deveria ter dado como provados factos que foram provados através de prova testemunhal e documental, para o que se impugna para estes efeitos a matéria de facto, nos termos do artigo 640.º do CPC, devendo a sentença ser anulada e ser proferida nova decisão que julgue procedente a impugnação, nesta parte;
18.ª Assim, concomitantemente com os factos dados como provados na sentença recorrida, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:
1.º A Recorrente não procedeu à liquidação do IVA porque o seu sistema informático continha uma falha, a qual foi sanada no decurso da ação inspetiva (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha inquirida, minuto 26, segundo 30);
2.º Perante uma operação de reverse charge a fatura é gerada no sistema da Recorrente mediante a atribuição de um código (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha inquirida, minuto 26, segundo 30);
3.º No entanto, o sistema informático da Recorrente não continha qualquer código de IVA para as operações com entidades residentes fora da União Europeia e, por esta razão, a Recorrente não procedeu atempadamente à liquidação do imposto (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha inquirida, minuto 26, segundo 30);
4.º Verificou-se apenas um atraso na operação de reverse charge que foi sanada mediante apresentação da correspondente declaração de substituição em 10.01.2007 (cf. doc. n.º 8 junto com a p.i.);
19.ª Quanto ao objeto do litígio, o Tribunal olvida que, estando regularizada a falta de liquidação de imposto pela declaração de substituição, não há qualquer IVA em falta nem prejuízo para as receitas fiscais, pelo que a liquidação de IVA em excesso neste caso violará o princípio da neutralidade, incorrendo a sentença em erro de julgamento de direito por assim não ter concluído;
20.ª Neste tocante, remete-se para a jurisprudência comunitária já citada (cf. Acórdãos Genius, Schmeink, Rusedespred e GST);
21.ª Em particular quanto ao serviço prestado pela T........., fica demonstrada a existência de uma relação direta entre aquele custo e a atividade de locação financeira desenvolvida pela Recorrente, pelo que na dedução do IVA deverá ser adotado o método da afetação real e, assim, deduzida a totalidade do IVA suportado (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha inquirida, minuto 21, segundo 00);
22.ª No que se refere à correção relativa a “Apuramento do pro-rata – Retroatividade da fusão”, entende a Recorrente, salvo o devido respeito, que a sentença incorre, desde logo, em nulidade por fundamentação deficiente, que equivale a falta de fundamentação, nos termos do artigo 123.º, n.º 1 e n.º 2, artigo 125.º, ambos do CPPT e dos artigos 154.º e 605.º, n.º 2 e n.º 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, pois limita-se a aderir à tese da AT;
23.ª Sem prescindir, entende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu também em erro de julgamento de facto ao não ter dado como provados factos relativos à fusão que o foram através de acordo das partes (porque não impugnados e decorrem dos autos) e, ainda, através do depoimento da testemunha, pelo que, por essa razão, se impugna a matéria de facto (cf. artigo 640.º do CPC);
24.ª Assim, concomitantemente com os factos dados como provados na sentença recorrida, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:
1.º No âmbito da reestruturação do grupo económico do qual a Recorrente fazia parte, incorporou, em 04.12.2003, por processo de fusão, as sociedades W........., Lda. (“W.........”) e W......... – Sociedade Financeira para Aquisições a Crédito, S.A. (“W.........”) (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha inquirida, minuto 3, segundo 50);
2.º A Recorrente era nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA um sujeito passivo de IVA, enquadrando-se no regime normal, com periodicidade mensal, realizando operações sujeitas a IVA (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha inquirida, minuto 5, segundo 30);
3.º Por sua vez, a W......... exercia a atividade de renting, sendo sujeito passivo de IVA, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, enquadrando-se no regime normal, com periodicidade mensal, realizando operações sujeitas a IVA (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha inquirida, minuto 5, segundo 40);
4.º Já a W......... exercia a atividade de concessão de crédito, sendo sujeito passivo de IVA, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, enquadrando-se no regime normal, com periodicidade mensal, realizando operações sujeitas a IVA, operações isentas sem direito à dedução nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA e operações isentas com direito a dedução, nos termos do artigo 20.º do Código do IVA e, para efeitos de dedução do IVA suportado nos inputs indistintamente utilizados nas operações sujeitas com e sem direito à dedução, a W......... utilizava o método do pro-rata de dedução, de acordo com o preceituado no artigo 23.º, n.º 4, do Código do IVA (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha inquirida, minuto 5, segundo 50);
5.º Após 04.12.2003, para efeitos de dedução do IVA suportado, a Recorrente passou a usar o método da afetação real (cf. artigo 23.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA) e o método do pro-rata de dedução (cf. artigo 23.º, n.º 1, alínea b), do Código do IVA) (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha inquirida, minuto 6, segundo 20).
25.ª Os factos acima elencados deverão ser relevados como factos provados e, em conformidade com o exposto, ser proferida uma nova decisão que julgue a impugnação judicial procedente nesta parte;
26.ª Ainda, sem prescindir, considera a Recorrente que o tribunal a quo incorreu também em erro de julgamento de direito, pois, para efeitos de IVA, à operação de fusão não são atribuídos quaisquer efeitos retroativos. Aliás, nem tal se coadunaria com a natureza deste imposto, que é de obrigação única e incide sobre factos de caráter instantâneo. A atribuição de eficácia retroativa à fusão para efeitos de IVA teria como efeito modificar o sujeito passivo sobre o qual recaíra a obrigação de imposto no momento em que se tornou exigível, subvertendo todo o sistema do IVA, designadamente as regras sobre incidência subjetiva e exigibilidade do imposto;
27.ª Apenas para efeitos de IRC é que se prevê que as partes possam atribuir eficácia retroativa à operação de fusão, no projeto de fusão (cf. artigo 68.º, n.º 7, do CIRC, na redação à data, que remete para os artigos 112.º e 98.º, n.º 1, al. a), do CSC), desde que se situe num período de tributação coincidente com aquele em que se situa a data da produção de efeitos e, de qualquer modo, a fixação dessa data não produz efeitos jurídicos para com terceiros e, por isso, não lhe pode ser atribuída qualquer relevância fiscal, a menos que a lei expressamente o preveja, como sucedeu no quadro do referido regime fiscal especial aplicável às fusões e cisões, artigo 68.º, n.º 7, do CIRC (cf. Parecer n.º 70/2011, do Centro de Estudos Fiscais);
28.ª É, assim, inequívoca a conclusão que a operação de fusão produz os seus efeitos jurídicos e fiscais com a inscrição no registo, que é constitutivo, e não antes, o que, no caso concreto, teve lugar em 04.12.2003 (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha inquirida, minuto 3, segundo 50). Até esta data, a Recorrente, a W......... e a W......... eram sociedades distintas, com personalidade jurídica e capacidade tributária próprias, cumprindo individualmente as suas obrigações fiscais (cf. suporte áudio do depoimento da testemunha inquirida, minuto 5 a minuto 6);
29.ª Em face de todo o exposto, impõe-se, neste tocante, a revogação da sentença recorrida e a anulação da correção em apreço;
30.ª De seguida, quanto à correção relativa a “Apuramento pro-rata - Inclusão do montante de capital das rendas no âmbito dos contratos de locação financeira”, entende o Recorrente, com o devido respeito, que a sentença recorrida incorre desde logo em nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (cf. artigo 123.º, n.º 1 e n.º 2, artigo 125.º, ambos do CPPT e dos artigos 154.º e 605.º, n.º 2 e n.º 3, ambos do CPC);
31.ª O Tribunal não cuidou de analisar a ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira, nem de verificar a existência em concreto de distorções significativas no apuramento do imposto dedutível;
32.ª O tribunal a quo limitou-se a remeter a solução do caso para o disposto no Acórdão do TJUE Banco Mais, C-183/13, e no Acórdão do STA proferido no processo n.º 01075/13, em 29.10.2014, mas dos referidos arestos não é possível extrair sem mais a conclusão de que o artigo 23.º do Código do IVA e a correspondente norma da Diretiva do IVA (antigo artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Diretiva do IVA e atual artigo 174.º da Diretiva 2006/112/CE) devem ser interpretados no sentido de se encontrar excluída do cálculo do pro rata de dedução a componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD;
33.ª A questão sobre a qual aqueles acórdãos se debruçam – bem diferente - trata de saber se o artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Diretiva do IVA se opõe a que a administração tributária obrigue um determinado sujeito passivo a excluir essa componente do cálculo do pro rata de dedução, o que não é a mesma coisa que afirmar que uma determinada norma obriga à exclusão de um determinado componente;
34.ª Em qualquer caso, o artigo 23.º do Código do IVA não atribui à administração tributária portuguesa a possibilidade de obrigar um sujeito passivo à exclusão da componente de capital das rendas faturadas no âmbito dos contratos de leasing e ALD para efeitos de cálculo do pro rata de dedução (cf. neste sentido, JOSÉ XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS, «A determinação da parcela de IVA dedutível contida nos inputs ‘promíscuos’ dos operadores de locação financeira – as consequências do Acórdão do TJUE no caso Banco Mais, de 10 de julho de 2014 (Proc. C-183/13)», Revista do IDEFF, Primavera 2017, p. 42; JOSÉ MONTENEGRO, «Comentário ao acórdão “Fazenda Pública contra Banco Mais, S.A. de 10 de julho de 2014, Proc. C-183/13: O pro rata em casos de distorção significativa na determinação do montante de imposto devido», in Anuário Português de Direito Internacional, 2014-2015, Lisboa, março 2016; as Decisões Arbitrais n.º 309/2017 e 311/2017, entre outros);
35.ª O TJUE defende que é permitido aos Estados-Membros afastarem o método do pro rata geral e aplicarem o método da afetação real, conquanto se recorra a critérios objetivos com vista a determinar o grau de utilização dos inputs e, embora na maioria dos casos tal utilização seja predominantemente determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira, e não pela disponibilização do veículo, incumbe sempre ao tribunal nacional verificar se é efetivamente esse o caso (cf. considerandos 33 e 34);
36.ª Sucede ainda que a decisão do TJUE teve por subjacente uma questão prejudicial incompleta, que não deu conta da existência do artigo 16.º do CIVA português, através do qual se prevê que o valor tributação da locação financeira é o da renda paga pelo locatário, não distinguindo entre juros e amortização financeira (cf. JOSÉ XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS, op. cit.; JOSÉ MONTENEGRO, op. cit.; RUI LAIRES, «Dedução do IVA por Instituições de Crédito que também exerçam a atividade de locação financeira» in CTF n.º 433, jul-dez 2014, p. 255; e Decisões Arbitrais n.º 309/2017 e 311/2017, entre outros);
37.ª Entendimento contrário ao aqui propugnado incorrerá em inconstitucionalidade, já que a interpretação do artigo 174.º, n.º 1, da Diretiva 2006/112/CE (Diretiva do IVA), no sentido de que não se impõe a verificação da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira atenta a natureza primacialmente financeira dos contratos, viola quer o princípio da tutela jurisdicional efetiva plasmado no artigo 20.º, n.º 5, da CRP, quer os princípios e normas conformadores da construção comunitária constitucionalmente aceites por força do artigo 7.º, n.º 6, da CRP, designadamente os princípios da atribuição, da subsidiariedade e da proporcionalidade e da cooperação leal entre a União Europeia e os Estados;
38.ª Estando em causa um contencioso de mera anulação, cujo ónus da prova sobre os factos constitutivos do direito à tributação recai sobre a administração tributária (cf. artigo 74.º da LGT), tal só pode conduzir, no caso sub judice e à luz dos elementos de prova constantes dos autos, à declaração de ilegalidade dos atos tributários sub judice por falta de prova da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira. É que, estando em causa atos tributários de liquidação adicional de IVA, a prova dessa ligação deveria ter sido efetuada pelos serviços de inspeção tributária. Não o tendo sido, os atos tributários em causa não poderão deixar de ser anulados, com fundamento na falta de pressupostos de facto e de direito;
39.ª Por fim, não se pode deixar de invocar o recente Acórdão do TJUE proferido no processo n.º C-153/17, de 18 de outubro de 2018 (caso Volkswagen), nos termos do qual se esclarece que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA, não deve ser interpretado como permitindo aos Estados-Membros, de uma maneira generalizada, aplicar um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando a sua entrega, i.e., a amortização do capital (considerando 56), reiterando-se a importância de só se poder optar por um método alternativo de dedução quando este ofereça uma repartição mais precisa e objetiva daquela que decorreria do critério do volume de negócios (considerando 57) e que compete sempre ao órgão de reenvio verificar se um tal método tem em conta a afetação real e significativa de uma parte dos custos gerais para efeitos das operações que conferem direito à dedução (considerando 58);
40.ª O TJUE concluiu ainda no caso Volkswagen que, mesmo quando os custos gerais não sejam repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem (ou seja, na parte tributável da operação), mas no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação (ou seja, na parte isenta da operação), esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos de IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização – acolhe-se assim o entendimento de que os custos comuns constituem em qualquer caso parte integrante do preço, assumindo assim uma ligação direta e imediata com o conjunto da atividade económica, invocando também neste tocante o Acórdão Iberdrola Inmobiliaria Real Estate Investments, C-132/16;
41.ª A doutrina e a jurisprudência nacionais já advogavam que não se deve decompor o valor da operação tributável, respeitando-se a natureza unitária da contraprestação do contrato de locação financeira (entre outros, JOSÉ XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS, op. cit., pp. 35 e 36, nota de rodapé n.º 4);
42.ª Em face do exposto, e atenta a errónea interpretação da lei efetuada pela sentença recorrida, deve determinar-se de imediato a sua anulação, por manifesto erro de julgamento;
43.ª Sem prejuízo do exposto, e ainda que se entenda, que não se impõe a produção da prova da ligação dos bens e serviços de utilização mista ao financiamento e à gestão dos contratos de locação financeira nos presentes autos, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, sempre se impunha ao Tribunal, ao invés do decidido na sentença recorrida, à luz do princípio do inquisitório, que promovesse pela realização das diligências necessárias e disponíveis para obter essa prova, designadamente notificando a parte para a junção dos elementos que reputasse necessários, e a esta conclusão não obstam as regras do ónus da prova estatuídas no artigo 74.º da LGT, na medida em que o princípio do inquisitório funciona a montante das regras do ónus da prova;
44.ª Admitindo-se que de acordo com o entendimento desse Ilustre Tribunal não constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão proferida e que permitam a esse Ilustre Tribunal a prolação de decisão sobre esta questão, sempre se impõe no caso sub judice que os autos baixem à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto, face aos já mencionado artigo 662.º do CPC (anterior artigo 712.º do CPC), aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT;
45.ª Caso assim não se entenda e estando em causa uma questão de interpretação de Direito da União Europeia que suscita dúvidas e assume relevância para a questão decidenda, deverá submeter-se a respetiva interpretação ao TJUE, ao abrigo do disposto no artigo 267.° do TFUE, sendo esse reenvio obrigatório quando o órgão jurisdicional nacional decide em última instância (cf. artigo 267.º do TFUE):
Os artigos 173.º e 174.º da Diretiva 2006/112/CE, opõem-se à norma de um Estado- Membro, como a do artigo 23.º do Código do IVA português, que procedeu à sua transposição, quando interpretada no sentido de que a fórmula de cálculo do pro-rata de dedução nela prevista é passível de manipulação, designadamente através de interpretações dos respetivos órgãos da Administração Tributária que determinem a exclusão de uma parte do valor tributável das operações de locação financeira de veículos automóveis do numerador e do denominador da fração de apuramento da percentagem de dedução, no sentido de que apenas a componente de juro concorre para o cálculo do pro rata geral aplicável à dedução dos gastos comuns ou de utilização mista, sem que seja efetuada uma análise concreta sobre o grau de afetação desses bens ao elemento «financiamento» e ao elemento «disponibilização do veículo» daquelas operações, e tendo em consideração que existe uma norma no Código do IVA português como a do artigo 16.º, n.º 2, alínea h), que determina que o valor tributável da locação financeira é o da renda paga pelo locatário, sem distinguir entre juros e amortização financeira?”
46.ª Caso não proceda o acima exposto, no que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se equaciona, sempre se dirá que a interpretação dos artigos 23.º do Código do IVA e 173.º e 174.º da Diretiva 2006/112/CE, nos termos preconizados pelo Tribunal a quo, incorre em violação do princípio geral da igualdade de tratamento, porquanto gera uma diferença de tratamento entre as instituições de crédito nacionais e as dos outros Estados-Membros, assim como entre aquelas instituições de créditos e outros operadores económicos nacionais, pois a verdade é que este constrangimento não é imposto aos demais operadores europeus nem a operadores económicos nacionais de outros setores de atividade;
47.ª Caso assim não se entenda e estando em causa uma questão de interpretação de Direito da União Europeia que suscita dúvidas e assume relevância para a questão decidenda, deverá submeter-se a respetiva interpretação ao TJUE competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.° do TFUE, sendo esse reenvio obrigatório quando o órgão jurisdicional nacional decide em última instância (cf. artigo 267.º do TFUE):
“Tendo em conta que, pelo menos 13 Estados-Membros incluem o valor total das rendas de locação no cômputo do pro rata geral aplicável à dedução dos gastos comuns, não desagregando a componente de capital e a componente de juro, não incorre a interpretação do artigo 23.º do Código do IVA, que transpõe para o ordenamento jurídico português, no que ora releva, os artigos 173.º e 174.º da Diretiva 2006/112/CE, no sentido de que apenas a componente de juro concorre para o cálculo do pro rata geral, em violação do princípio da igualdade de tratamento entre os Bancos nacionais e os dos Estados-Membros onde a totalidade das rendas se inclua no apuramento do pro rata, assim como entre os Bancos e os outros operadores económicos nacionais que praticam atividades que conferem direito à dedução e, em simultâneo, atividades que não conferem esse direito?”
48.ª Deste modo, nos termos e pelos fundamentos supra expostos, deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e, bem assim, serem anulados os atos tributários impugnados, com as demais consequências legais;
49.ª Impõe-se ainda a reforma da sentença quanto a custas, nos termos do artigo 616.º, n.º 1 e 2 do CPC, pois a Recorrente apenas decaiu em 79%, tendo obtido vencimento parcial em 21% (€ 135.788,56);
50.ª Por fim, entende a Recorrente que se verificam os pressupostos para a dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, tendo em conta a conduta processual das partes e a tramitação processual, razão pela qual se requer, também quanto a este aspeto, a revogação da sentença recorrida.»
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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os Vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre, agora, decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, vistas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, as questões a decidir são as seguintes:
- Nulidade da Sentença por omissão de pronúncia;
- Nulidade da Sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito;
- Erro de julgamento da matéria de facto;
- Défice instrutório;
- Erro de julgamento de direito;
- Apreciar a necessidade de realização de um reenvio prejudicial para o TJUE;
- Acerto da sentença quanto ao segmento decisório quanto a custas;
- Dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 7.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«a) A Impugnante foi alvo de acção de inspecção, em cumprimento da OS n.º……… e da OS n.º ……..– Cfr. documento a fls. 68 e ss. dos autos, ponto II, a fls. 87;
b) Em 21/06/2007 foi elaborado Relatório de Inspecção Tributária (adiante RIT), no âmbito da acção inspectiva referida em a), que antecede, onde consta, nomeadamente, o seguinte: “(…)II – 3.1 Caracterização da empresa (…) No dia 4 de Dezembro de 2003 a empresa procedeu ao processo de fusão por incorporação da sociedades W......... Aluguer de Equipamento, Ldª e da W........., S.A. mediante a transferência global do património destas sociedades para IFIC, sociedade beneficiária.
Do ponto de vista contabilístico a fusão retroage os seus efeitos a 1 de Janeiro de 2003. Ainda no âmbito do processo de fusão foi deliberada pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal autorizar a fusão por incorporação da W........., S.A. e da W........., Ldª, na G......... IFIC, S.A.(…)
A G…… encontra-se sujeita a IVA em conformidade com os artigos 1º, 2º e 4º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e está para o efeito, enquadrada no regime normal, com periodicidade mensal. A partir de 01.01.2003, data em que produz efeitos o processo de fusão e consequente integração dos vários tipos de negócios, a empresa passou a praticar operações sujeitas e operações isentas, parte das quais não conferem direito à dedução.
Nestas circunstâncias, de acordo com o nº1 do artº 23º do CIVA, o IVA suportado nas aquisições passou a ser dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar a dedução.
No entanto, a empresa optou por efectuar a dedução segundo o método da afectação real, para as actividades de Leasing Mobiliário (Leasing) e Aluguer de Longa Duração (Rent), tendo no entanto, para a actividade de Crédito ao Consumo (SFAC) efectuado a dedução segundo o método de percentagem de dedução (ou pro rata), apurando para os exercícios de 2003 e 2004 um pro rata definitivo de 10% e 8%, respectivamente.
(…)
III – 1.2. IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO (IVA)

III – 1.2.1. Dedução indevida de IVA referente a lugares de estacionamento (al. c) do nº1 do art. 21º do CIVA)
- € 9.871,56
(…)
Desta análise constatou-se que a GE deduziu o IVA referente aos encargos com lugares de estacionamento, contrariando o disposto no art. 21º do CIVA, que não permite a dedução de despesas efectuadas com viaturas ligeiras de passageiros.

Face ao exposto, o valor total do IVA deduzido indevidamente foi de € 9.871,56. (…)
III – 1.2.2. Dedução indevida de IVA referente a Afectação Real (art.22º, 35º e 71º, todos do CIVA)
- 104.656,22
(…) o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar a dedução.
Neste sentido, a G…. optou relativamente aos bens e serviços específicos às diferentes actividades, efectuar a dedução segundo a afectação real, sendo que relativamente aos bens e serviços utilizados por todas as actividades (custos comuns) utilizou o método da percentagem de dedução, vulgo pro rata.
Assim, foi a empresa notificada para identificar por campos das declarações periódicas do Imposto, o IVA referente às deduções efectuadas decorrentes da aplicação do método da afectação real e o relativo a deduções efectuadas que se referiam a aquisições de bens e serviços afectos a todos os negócios (custos comuns). (…)
Da validação dos documentos constataram-se as seguintes irregularidades:
1. Exibiu, apenas, parte da documentação solicitada nas notificações de 21 de Dezembro de 2006 e 26 de Janeiro de 2007, não tendo até à data da elaboração do presente projecto de conclusões do relatório facultado os documentos em falta, factura ou documento equivalente, conforme exigido no artº 35º do CIVA, pelo que o sujeito passivo não fez prova da correcta dedução do imposto, nos termos do art.22º do mesmo diploma, no montante de € 34.517,45, cfr, anexo 11.1, referente aos encargos não documentados, corrigidos no ponto III – 1.1.1.2.1. – despesas não documentadas, no valor de € 181.670,79, para efeitos de IRC.
2. Exibiu, apenas, parte da documentação solicitada nas notificações de 21 de Dezembro de 2006 e 26 de Janeiro de 2007, não tendo até à data da elaboração do presente projecto de conclusões do relatório facultado os elementos em falta, pelo que o sujeito passivo não fez prova da correcta dedução do Imposto, nos termos do art. 22º do CIVA, no montante de € 1.117,31, cfr. evidencidado no mapa anexo nº 11.2;
3. Relativamente à conta “588198-IVA Dedutível OBS tx 19%” a GE deduziu indevidamente o montante de € 5.199,16, cfr. evidenciado no mapa anexo nº 11.3, referente a encargos, no total de € 27.364,00, que, embora facturados em nome da empresa, não respeitam à sua actividade (…) – Encargos não aceites fiscalmente do presente projecto de conclusões do relatório, pelo que também não deve ser aceite a dedução do IVA, nos termos do art. 22º do CIVA.
4. No que se refere à conta “588108 – Iva dedutível relativo ao imobilizado tx. 19%, constatou-se que a G…. deduziu o montante de € 2.670,45, correspondente ao total do IVA evidenciado na factura da E……., S.A., considerando que o mesmo se referia ao negócio leasing. Da análise, verificámos que o serviço prestado pelo fornecedor respeita ao negócio crédito, cuja dedução do imposto é efectuada segundo o método da percentagem de dedução (pro rata), nos termos do art. 23º do CIVA, que para o exercício em análise foi de 10%. Assim, a empresa deduziu indevidamente o valor de € 2.403,41, (…).
5. No que se refere à conta “588198 – Iva dedutível 19%, constatou-se que: (…)
6. (…)
7. Relativamente às regularizações inscritas no campo 40 da declaração periódica do IVA verificaram-se as seguintes situações: - regularizou a seu favor o montante de e 39.110,49, suportados em documentos internos, sem que tivesse feito prova dos mesmos, conforme prevê o nº5 do artigo 71º do CIVA; - regularizou a seu favor o montante de € 7.836,43, sem que apresentasse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação, pelo que se considera indevida a respectiva dedução nos termos do nº5 do art. 71º do CIVA.

Conclusão:
Face ao exposto, a G….. deduziu indevidamente o total de € 104.656,22 (…).
III – 1.2.4 Resolução antecipada de contratos de ALD (artigos 4º, 7º, 8º e al. h) do nº2 do art. 16º, todos do CIVA)
- € 138.478,68
No âmbito do exercício normal da actividade de aluguer e comércio de equipamentos (ALD – actividade exercida pela incorporada W........., Ldª, constatou-se que em caso de perda total do bem objecto de contrato de aluguer de longa duração (ALD) ocorre a resolução do contrato.
(…)
Assim, são tributáveis em IVA as indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços e como tal configuram uma contraprestação a obter do adquirente de uma operação sujeita a imposto.
(…) procedeu-se ao apuramento do imposto em falta, de harmonia com o nº1 do art. 4º do CIVA e al. h) do nº 2 e al. a) do nº 6, ambas do art. 16º do CIVA, tendo-se apurado o montante de € 138.478,68 (…).
III – 1.2.5. PRO RATA
(art. 23º do CIVA)
- € 305.821,76
(…)
Deste modo, conclui-se que foi deduzido IVA em excesso, referente às situações abaixo discriminadas, resultantes da não aplicação da retroactividade do pro rata aos custos comuns anuais, com base no pro rata calculado pela inspecção:
1. IVA dedutível apurado com base no mapa entregue pelo sujeito passivo, no decorrer da inspecção, com indicação do IVA suportado nos custos comuns anuais. Com referência à informação obtida resulta uma regularização de IVA a favor do Estado no montante de € 170.166,86 (Janeiro a Dezembro),
2. IVA dedutível apurado com base em divergências de enquadramento, não incluído pelo sujeito passivo como custo comum, no mapa referenciado no ponto 1, mas sim como afectação real. Relativamente a esta situação procedeu- se ao apuramento do imposto resultando uma regularização de IVA a favor do Estado, no montante de € 135.654,90 (Janeiro a Dezembro).
Conclusão:
Do descrito nos pontos 1 e 2 da rubrica pro rata, resulta uma regularização a favor do Estado no montante de € 305.821,76. – Cfr. RIT a fls. 69 e seguintes, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
c) Na sequência da acção inspectiva, a AT efectuou as seguintes liquidações adicionais de Iva, referentes ao ano de 2003:

- Cfr. documento 2, junto com a p.i.;
d) A AT efectuou as seguintes liquidações de juros compensatórios:

- Cfr. documento 2, junto com a p.i.;
e) Em 12/12/2007, a Impugnante deduziu reclamação graciosa das liquidações a que se referem as alíneas anteriores – Cfr. documento 3, junto com a p.i.;
f) A Impugnante deduziu despesas referentes a lugares de estacionamento no valor de € 9.871,56 – Crf. RIT;
g) Na sequência da formação de indeferimento tácito da reclamação graciosa a Impugnante deduziu Recurso Hierárquico – Cfr. PAT, apenso.
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Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
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Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, conforme indicado em cada alínea do probatório.


Da prova testemunhal:
Relativamente à prova testemunhal, cumpre referir que o depoimento da primeira testemunha (M.........) foi genérico, não depondo sobre factos concretos, antes se centrando na explicação da actividade da impugnante e dos métodos de contabilidade utilizados.
O mesmo se diga quanto à segunda testemunha, que apenas depôs sobre os procedimentos internos da impugnante e a justificação de ter optado por fazer a contabilização da dedução de IVA como o fez, relativamente a cada questão levantada na presente impugnação.
Saliente-se que ambas as testemunhas depuseram no sentido de reconhecerem ter encontrado algumas situações incorrectas.»

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B.DE DIREITO

Como já antecipámos, está em causa a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.ºs ........., ........., ........., ........., ........., ........., ........., ........., ........., ........., ........., ........., e correspondentes liquidações de juros compensatórios n.ºs ........., ........., ........., ........., ........., ………., ........., ........., ........., ........., ......... e ........., todas referentes ao ano de 2003.

A Impugnante (doravante Recorrente) inconformada com o decidido interpôs recurso para este Tribunal Central Administrativo, imputando à sentença vícios formais e erro de julgamento de facto e de direito.

Como sabemos, as nulidades da sentença (cfr. artigo 125.º do CPPT e artigo 615.º do CPC) devem, em regra, ser conhecidas em momento anterior à apreciação dos demais fundamentos do recurso da sentença recorrida. Com efeito, uma sentença nula inquina o acto decisório logo na sua origem e inviabiliza a apreciação do recurso sobre o mérito do julgamento.

Porém, não obstante se deva conhecer, em primeiro lugar, dos vícios formais da sentença, este conhecimento « (…) não é forçosamente prioritário o conhecimento das nulidades, a relação entre o seu conhecimento e o dos restantes vícios da sentença coloca-se em termos semelhantes àqueles em que deve ser equacionado o conhecimento de quaisquer vícios, o que viabiliza, assim, poder considerar prejudicado, quando ele se tornar inútil (art. 137.º do CPC), o conhecimento de nulidades na sequência de um juízo sobre a procedência ou improcedência da pretensão formulada no processo(Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado Volume II 6.ª edição 2011 pág. 373 - anotação 18 ao artigo 125.º)

Ora, é essa, justamente, a situação que se verifica no caso presente.

Na realidade, a verificar-se o erro de julgamento, não tem qualquer interesse apreciar as indicadas nulidades da sentença, vícios esses cujo conhecimento, nestas circunstâncias, não é, como já o dissemos, forçosamente prioritário e poderá considerar-se prejudicado, tendo em atenção o disposto no artigo 137.º do CPC que impõe a opção pela via processualmente mais económica. (Ver neste sentido: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.01.2013, proferido no processo n.º 01208/12, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

E, sendo assim, impõe-se apreciar previamente a questão do erro julgamento, quer por razões lógicas, quer por razões de economia processual e antes mesmo da apreciação da também suscitada questão da eventual nulidade da sentença recorrida, suportada no artigo 615.º, alínea d) do CPC.

Isto dito, avancemos, recuperando a argumentação expendida pelo Tribunal «a quo» para manter as correcções resultantes de “Dedução indevida de IVA relativa a afetação real – Falta de exibição de fatura ou documento equivalente” e “Dedução indevida de IVA relativa a afetação real – Regularização com base em documento interno».

Na sentença recorrida, manteve-se a primeira correcção supra identificada com a seguinte fundamentação:

«(…) é a própria impugnante que reconhece que sem documento não poderia haver lugar a dedução (…) reconhece igualmente que relativamente aos documentos identificados pela AT, estes não foram encontrados ao tempo da inspecção. (…) invocou, genericamente, diga-se, que teria os documentos ao tempo da dedução, e afirmou pretender prová-lo, o que porém não logrou provar, nada juntando aos autos nesse sentido. Assim sendo, e porque o Tribunal não se pode bastar com a afirmação genérica de que ao nível do seu modus faciendi, a Impugnante não efectua deduções sem ter os documentos de suporte que o permitam, até porque foram as próprias testemunhas a reconhecer que, por vezes, são cometidos erros, improcede, nesta parte a impugnação, por não provada.».

Na perspetiva da recorrente « [o ]Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na medida em que não observou o princípio do inquisitório, o qual impõe ao tribunal recorrido o dever de diligenciar pela obtenção da prova dos factos controvertidos, o que, no caso concreto, pressuporia, no mínimo, que notificasse a Recorrente para juntar aos autos os documentos que protestou juntar (documentos de suporte à dedução, cf. artigos 62.º e 72.º da pi) antes de julgar tais factos como não provados;» (Conclusão 10.ª).

Perante a argumentação expendida na sentença outra conclusão não se pode retirar que não a de que a correcção foi mantida Ordem Jurídica uma vez que a recorrente não fez prova de que dispunha de documentos de suporte da dedução do IVA.

Ora, analisando a tramitação do processo que deu origem ao presente recurso, constata-se que a recorrente protestou (cfr. artigos 62.º e 72.º) juntar na sua petição inicial os documentos tendentes a realizar a prova dos factos alegados.

Sucede que, o Tribunal «a quo» veio a decidir não provados os factos atinentes à dedução do IVA, sem previamente conceder à recorrente prazo para proceder a junção dos documentos que protestara juntar.

Repare-se, que a recorrente na petição inicial não se vinculou a qualquer prazo para juntar a documentação, logo impunha-se ao Tribunal «a quo» ordenar a notificação da recorrente para em determinado prazo juntar os documentos e aqui sim, se nada fosse junto, deveria o Tribunal dai extrair as consequências probatórias.

Nessa perspetiva, e buscando a justiça material, deve, por isso, concluir-se que o Tribunal «a quo» tinha o dever de convidar a recorrente a apresentar meios de prova que protestara juntar para demonstração cabal da factualidade alegada, e que não o tendo feito violou o princípio do inquisitório.

É que não nos podemos esquecer que, o princípio do inquisitório adquire plena eficácia na fase da instrução do processo, conforme determina o n.º1 do artigo 13.º do CPPT, segundo o qual « Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.».

Como a jurisprudência e a doutrina reconhecem esta disposição normativa (cfr.n.º1 do artigo 13.º do CPPT) consagra, os dois princípios estruturantes do processo judicial tributário: o princípio da oficialidade e o princípio da investigação ou do inquisitório, este segundo também enunciado no n.º 1 do artigo 99.º da LGT. (vide por todos o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.09.2009, proferido no processo n.º 0350/09, disponível em texto integral em www.dgsi.pt e Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, Áreas Editora, Volume I, anotação 2 ao artigo 173.º, pág.)

Em face do que vem dito, parece claro que se impunha, em obediência aos princípios supracitados, que o Tribunal «a quo» tivesse realizado ou ordenado oficiosamente as diligências que, neste caso, se lhe afigurassem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados, nomeadamente notificando a recorrente para que juntasse os documentos que protestara juntar com a petição inicial.

Assim, não tendo o Tribunal « a quo » nada diligenciado no sentido de permitir à recorrente a apresentar a prova que se propôs oferecer, e não constando da sentença, nem dos autos, elementos que permitam ao Tribunal «ad quem» reapreciar do alegado vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, da liquidações no segmento aqui sindicado, terá de concluir-se que os autos padecem de défice instrutório, determinante da anulação da sentença recorrida (artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT) e da remessa dos autos ao tribunal «a quo» com vista à cabal averiguação dos factos alegados pela impugnante a esse respeito, indispensável à boa decisão da causa e posterior decisão em conformidade (cfr. o Acórdão do STA, 1.ª Secção, de 19 de Abril de 2012, proferido no processo n.º 0471/11).

Cumpre também observar que, na fundamentação da decisão da matéria de facto, na parte que aqui releva, escreveu o Tribunal «a quo»: «Relativamente à prova testemunhal, cumpre referir que o depoimento da primeira testemunha (M.........) foi genérico, não depondo sobre factos concretos, antes se centrando na explicação da actividade da impugnante e dos métodos de contabilidade utilizados.

O mesmo se diga quanto à segunda testemunha, que apenas depôs sobre os procedimentos internos da impugnante e a justificação de ter optado por fazer a contabilização da dedução de IVA como o fez, relativamente a cada questão levantada na presente impugnação.

Saliente-se que ambas as testemunhas depuseram no sentido de reconhecerem ter encontrado algumas situações incorrectas.».

Sucede que Acta de Inquirição de Testemunhas de 28.01.2014 (fls. 463/464 do processo físico), embora referindo que se encontravam presentes «[a]s testemunhas da impugnante, M......... e R..........» foi igualmente declarado que «[p]elo Ilustre mandatário da impugnante foi dito que prescinde do depoimento da testemunha R..........».

Tratando-se de uma acta de diligência judicial, a mesma constitui um documento autêntico, nos termos previstos pelo artigo 369.º do CC, pois é exarada por oficial público, dentro das suas funções de atestação, ao abrigo do disposto nos artigos 159º e 260º, ambos do CPC (na redacção aplicável).

Ora, da leitura integral da Acta, a que nos vimos referindo, resulta à evidência que a testemunha R......... encontrando-se embora presente, não foi ouvida (este Tribunal de recurso procedeu à audição integral do ficheiro contendo a gravação da prova testemunhal produzida e verifica-se que, de facto, apenas a testemunha M......... prestou depoimento).

Quer isto dizer, que estamos perante um depoimento inexistente «quod non est in actis non est in mundo» e, consequentemente o Tribunal «a quo» não podia alicerçar a decisão fáctica, apelando a uma prova testemunhal que não foi realizada.

O recurso será provido com fundamento em défice instrutório, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões nele suscitadas.

IV.CONCLUSÕES
I. Não tendo a Impugnante feito chegar ao processo os documentos que protestou juntar na petição inicial, tendentes a demonstrar os factos alegados, nem ali se tendo vinculado a qualquer prazo para proceder à referida junção, impunha-se ao Tribunal «a quo» ordenar a notificação da parte, para no prazo concedido, esta apresentar, querendo, a prova que se propôs oferecer, e, só após o seu silêncio é que o Tribunal podia (devia) retirar as consequências daí advenientes.
II. E, porque nada foi diligenciado pelo Tribunal « a quo» com vista a conhecer a verdade relativamente aos factos alegados, nem constar dos autos quaisquer elementos probatórios que permitam ao Tribunal «ad quem» reapreciar o alegado vício de violação de lei por erro nos pressupostos das liquidações, no segmento aqui sindicado, terá, forçosamente, de concluir-se que os autos padecem de défice instrutório, situação que é subsumível ao artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT, que justifica a anulação ex offficio da sentença recorrida, e a consequente remessa ao Tribunal « a quo» para que seja completada a instrução dos autos e proferida nova decisão.
III.É inexistente a valoração da decisão fática que assenta num depoimento de uma testemunha que não foi ouvida.

V.DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em conceder provimento ao recurso, anulando a sentença na parte recorrida, devendo os autos regressar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra para aí se proceder à prolação de despacho que convite a recorrente em prazo a determinar a juntar os documentos que antes havia protestado juntar, e após estabilização da decisão relativa à matéria de facto, proferir nova decisão.

Sem custas.

Lisboa, 28 de janeiro de 2021

[Ana Pinhol]


[Maria Cardoso]

[Jorge Cortês]