Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2852/10.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/21/2020
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores: IMI;
EMBAIXADA;
ISENÇÃO;
MISSÕES CONSULARES.
Sumário:I – Nos termos preceituado no nº1 do artigo 23º da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, tanto o Estado acreditante, como o Chefe da Missão estão isentos de todos os impostos e taxas, nacionais, regionais ou municipais, sobre os locais da missão de que sejam proprietários ou inquilinos, exceptuados os que representem o pagamento de serviços específicos que lhes sejam prestados, portanto os impostos indirectos.
II - Esta imunidade, que se consubstancia na referida isenção de todos os impostos e taxas incidentes sobre os locais da missão de que sejam proprietários ou inquilinos, é extensiva ao pessoal administrativo e técnico da missão, nos termos do nº2 do artigo 37º da citada Convenção.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

EMBAIXADA DA REPÚBLICA DE ANGOLA, veio deduzir oposição no processo de execução fiscal nº 3107/2010.01155121, instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 8, para cobrança coerciva de dívidas de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) de 2009 – 2.ª prestação.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 31 de Maio de 2019, julgou procedente a oposição.

Não concordando com a sentença, a Fazenda Pública veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«A) A douta decisão de que se recorre, não traduz uma correta interpretação e aplicação da lei e do direito, em prejuízo da recorrente, na parte em que aderindo ao que foi explanado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.06.2015, processo n.º 0464/15, entendeu o Tribunal “a quo”, que: “… o alegado pela Oponente se enquadra no âmbito do artigo 204.º, alínea a), do CPPT, sendo fundamento de oposição.”

B) A douta decisão de que se recorre, não traduz, também, uma correta interpretação e aplicação da lei e do direito, em prejuízo da recorrente, na parte em que aderindo ao que foi explanado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 9 de Março de 2017, proferido no Processo nº 709/12, concluiu, relativamente ao disposto nos art.ºs 23º e 37º da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, da seguinte forma: “…atento o disposto nas citadas normas da Convenção de Viena e, considerando, ainda, o reconhecimento da “isenção” pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, em observância do princípio da reciprocidade de tratamento, verifica-se uma situação de ilegalidade abstrata da liquidação que constitui a dívida exequenda, pelo que assiste razão à Oponente, sendo procedente a oposição, sentido em que se decidirá.”

C) A norma da alínea a) do nº 1, do art.º 204º do CPPT, preconiza que: “A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos: a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respetiva liquidação;”

D) Seguindo os ensinamentos de JORGE LOPES DE SOUSA, in Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, p. 443 e ss.: “…na alínea a) do n.º 1 deste artigo prevê-se como fundamento de oposição à execução fiscal a inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos a que respeita ou não estar autorizada a sua cobrança à data da liquidação, se se tratar de um tributo relativamente ao qual ela dependa de autorização.

“Está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, que se distingue da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação; isto é, na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado.”

E) Pelo que, dúvidas não podem restar de que, in casu, estamos perante um caso de ilegalidade em concreto e não em abstrato.

F) Na verdade, para estarmos perante ilegalidade em abstrato, terá de ser apreciada a própria lei que é objeto de aplicação e não a liquidação, ou seja, não se reporta ao ato relativo à aplicação da lei ao caso concreto.

G) Ora, o ato de liquidação subjacente à presente execução fiscal, foi emitido em conformidade e seguindo as diretrizes que o Código do IMI impõe. Sucede que nem o CIMI, nem qualquer concreta norma constante do mesmo, padece de ilegalidade, seja por postergação de Lei Fundamental, seja por violação de tratado ou Convenção de Direito Internacional.

H) Assim, não padecendo a lei em vigor, no momento da prática do ato tributário em crise e a este subjacente, de qualquer vício, não poderá ser qualificada como ilegalidade abstrata.

I) O que a oponente pretendeu, ainda que de forma encapotada, sempre foi discutir a legalidade em concreto, o que, na esteira do entendimento uniforme dos nossos tribunais superiores, bem sabemos que não se afigura possível em sede de oposição à execução fiscal. Na verdade, aquando da notificação da nota de liquidação deveria, a ora oponente, ter lançado mão de impugnação judicial pois nessa sede teria cobertura legal atacar o pretendido, erradamente, por esta, em sede de oposição à execução fiscal.

J) Também, não pode deixar de aqui se trazer à colação, o basilar princípio da igualdade, que foi postergado e desrespeitado neste caso concreto da recorrente, desse modo se violando também e de forma ostensiva a Lei Fundamental.

K) De facto, a Convenção de Viena sobre as relações diplomáticas postula uma verdadeira isenção, contrariamente à qualificação jurídica dada pelo tribunal “a quo”, pelo que, mal se compreende que uma isenção resultante de direito interno, máxime benefício fiscal, se o contribuinte não impugnar uma liquidação erradamente emitida, o mesmo já não possa, como não pode, em sede de oposição à execução fiscal alegar a ilegalidade em abstrato, e outrossim, uma isenção resultante de convenção internacional já seja concedida toda esta panóplia de direitos de defesa.

L) Destarte, a sentença recorrida, ao decidir como decidiu, consubstancia postergação de Lei Fundamental, máxime princípio da igualdade e da legalidade.

M) A douta sentença recorrida, também, não fez uma correta interpretação e aplicação da lei e do direito, em prejuízo da ora recorrente, porquanto, a oposição é uma contra-ação e àquele que invoca um direito cumpre fazer prova do mesmo, pelo que o ónus da prova impende sobre a oponente, ora recorrida.

N) Para provar a factualidade que aduziu na PI da oposição, a oponente, ora recorrida, juntou declarações várias, emitidas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, alegando, nos termos do art.º 371º do Código Civil, que constituem prova plena dos factos neles descritos.

O) A este propósito importa referir, que o documento e a declaração que incorpora consubstanciam realidades distintas, pois um documento é uma coisa e a declaração contida é outra, sendo o primeiro um papel onde se exaram certos dizeres e o segundo a declaração é um ato.

P) Não basta que o documento tenha sido exarado com a observância das formalidades legais e dentro da competência das autoridades públicas, mas também que tenha sido exarado por quem tenha competência em razão do lugar e da matéria.

Q) Neste pendor, o exarado nos documentos juntos com a PI de oposição, “… pelo que deverá ser concedida isenção à Embaixada da República de Angola em Lisboa respeitante aos imóveis de que a República de Angola é proprietária sitos (…)”, não pode ser considerado, por extravasar o seu círculo de competências, pois que quem tem competência para decidir sobre a isenção de IMI é o Ministério das Finanças, e neste caso concreto, a AT.

R) Acresce que, por um lado, a declaração nada prova quanto ao destino dado aos imóveis e por outro não é o órgão competente para reconhecer a isenção, pelo que, nos termos do art.º 363º, n.º 2 do Código Civil, “autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividades que lhe é atribuído (…).” E ainda o art.º 269º, n.º 1 do mesmo Código, “o documento só é autêntico quando a autoridade ou oficial público que o exara for competente, em razão da matéria e do lugar, e não estiver legalmente impedido de o lavrar.”, não tendo competência material, não tem relevância probatória, pelo menos não pode ser considerado documento autêntico.

S) A este respeito veja-se o que diz J.M. Gonçalves Sampaio, in A Prova Por Documentos Particulares, em que cita VAZ SERRA, “Provas”, BMJ, n.º 111, nº 62, “era um documento autêntico, nos termos do artigo 363.º, n.º 2, o atestado de residência ou de pobreza passado por uma Junta de Freguesia, mas já o não era o atestado em que a Junta declarasse que tinha pago certa dívida, por não ter sido exarado dentro do círculo de actividade.”

T) Assim, parece-nos que, de forma cabal, não fez a oponente quaisquer alegações de factos que logrem provar o direito que se arrogou.

U) Na verdade, a AT não aceita que os imóveis, que estão subjacentes à liquidação de IMI em causa, estejam, efetivamente, isentos, por não preencherem todos os legais pressupostos, recaindo sobre a oponente a prova de que tais legais pressupostos preenchidos de encontram.

V) É mister referir que a AT não aquiesceu ao pretendido, pela oponente, ora recorrida, pelo facto das frações em causa, que subjazem à liquidação de IMI, não prosseguirem as finalidades da missão, tal como definidas no art.º 3.º da Convenção, e por consequência não são locais da missão.

W) Pelo que, sendo a oposição uma contra-acção e àquele que invoca um direito cumpre fazer prova do mesmo, pelo que o ónus da prova impende sobre a oponente, porquanto, não o fazendo, a sua pretensão deveria naufragar in tottum.

X) Assim, ao decidir como decidiu, o respeitoso Tribunal “a quo”, não considerou as regras do ónus da prova, incorrendo em intolerável inversão daquele ónus e em errónea interpretação e aplicação das normas legais supra aduzidas aos factos.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser admitido e julgado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue improcedente a oposição à execução fiscal, com as legais consequências.

Todavia,

Decidindo, Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada Justiça!»


*

A recorrida, Embaixada da República de Angola em Portugal, nas suas contra-alegações, formulou as conclusões seguintes:
«A. A sentença sob recurso não merece qualquer censura.
B. A Recorrente fundamenta o seu recurso na nulidade da sentença por erro de julgamento, por errada aplicação do direito aos factos, pelo Tribunal a quo. Não lhe assiste razão.
C. Sob a epígrafe de erro de julgamento por errada aplicação do direito aos factos, pretende a Recorrente, na verdade, impugnar a matéria de facto, num recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo que se cinge, exclusivamente, a matéria de direito. Na realidade, a Recorrente não alega um erro na aplicação do direito aos factos, mas sim um erro de julgamento da matéria de facto.
D. Mesmo quanto a este último, também não lhe assiste razão, pois o tribunal a quo não incorreu em erro de julgamento.
E. Primeiro: o tribunal a quo não violou as regras relativas ao ónus da prova. A Recorrida alegou, em oposição à execução, que os imóveis objecto de tributação em sede de IMI estavam afectos à missão diplomática, o que, sendo um facto público e notório, foi ademais confirmado pelas Declarações emitidas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Tanto os factos alegados pela Recorrida como os documentos, por esta juntos, não foram objecto de impugnação pela Recorrente, que os aceitou.
F. Segundo: as declarações juntas aos autos não foram exaradas por entidade incompetente. A isenção que o artigo 32.º da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas encerra é uma norma de Direito Internacional Público (que rege as relações entre os Estados). O Direito Fiscal rege as relações jurídicas tributárias. Cabe ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (e não ao Ministério das Finanças) representar o Estado Português nas relações com outros Estados, nomeadamente a República de Angola.
G. A Embaixada da República de Angola em Portugal é uma representação, em Portugal, da República de Angola. O interlocutor com a Embaixada, por Protocolo do Estado, é o Ministério dos Negócios Estrangeiros, não o Ministério das Finanças, nem a AT e muito menos o Serviço de Finanças Lisboa - 8 que tem instaurado, repetidamente e sem sucesso, estes processos de execução fiscal, e que, perdendo na primeira instância, protela, numa evidente má-fé incompatível com a actuação da administração pública, o trânsito em julgado da decisão com recursos inúteis para a última instância.
H. O Ministério dos Negócios Estrangeiros é a entidade competente para conhecer da verificação de uma "isenção" prevista em normas de Direito Internacional Público (ademais assente no princípio da reciprocidade, que é o princípio basilar das relações entre Estados), e da afectação ou não de determinado imóvel à missão diplomática de um outro Estado. Razão pela qual não merece qualquer censura o julgamento do tribunal a quo sobre a prova documental oferecida pela Recorrida, nomeadamente no que diz respeito à utilização e destino dos imóveis objecto da tributação - que o Ministério dos Negócios Estrangeiros atesta serem, todos eles, "para uso habitacional dos membros da Missão Diplomática Angolana".
I. A AT é incompetente para conhecer da "isenção" do artigo 23.º da Convenção de Viena que, erradamente, apelida de isenção de IMI, ou isenção fiscal. Esta não é uma isenção fiscal, mas sim uma subtracção, por norma de direito internacional público (de valor supra-legal), ao poder tributário do Estado português. A isenção que o artigo 23.º, n.º 1, prevê, não é uma isenção tributária, no sentido que lhe é dado na lei fiscal, e que a AT conhece.
J. O artigo 23.º, n.º 1, da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, vigora na ordem interna (Decreto-Lei n.º 48295), vincula internacionalmente o Estado Português (artigo 8.º, n.º 2 da Constituição) e prevalece sobre o direito ordinário interno, nomeadamente sobre o Código do IMI ou o artigo 44.º do EBF.
K. O que significa que a Embaixada da República de Angola em Portugal não é sujeito passivo do imposto que a AT coercivamente exigiu e que cuja inexigibilidade, por ilegalidade, se alegou nos presentes autos. Vigorando a mencionada Convenção na ordem jurídica portuguesa, não existe, sequer, norma de incidência tributária. Noutras palavras, a "isenção" prevista no artigo 23.º, n.º 1 da Convenção "isenta" a República de Angola do pagamento do IMI antes mesmo de sobre esta incidir qualquer norma tributária de direito ordinário. Em termos tais que poderia falar-se, em vez de isenção, numa subtracção ao poder tributário (e, logo, numa expressão que é querida à Fazenda Pública, "ao círculo de competências da AT").
L. O ordenamento jurídico português é um. Não existe um ordenamento jurídico fiscal, outro Constitucional e um terceiro que é o que decorre dos Tratados Internacionais.
M. Considerando que a Convenção de Viena para Relações Diplomáticas vigora no ordenamento jurídico português (com força supra legal e infra constitucional), a isenção prevista no artigo 23.º, n.º 1, da Convenção é independente de qualquer reconhecimento pela Administração Fiscal, tratando-se de benefícios não sujeitos a qualquer condicionantes e automáticos.
N. Face ao Direito Internacional Convencional não poderá existir norma de incidência tributária tendo por sujeito passivo a República de Angola (ou a sua Embaixada em Portugal) e por objecto os imóveis sua propriedade que sejam locais de missão. A República de Angola não é sujeito passivo de imposto em Portugal!

O. Pelo artigo 8.º, n.º 2, da Constituição, a vigência do Direito Internacional Convencional na ordem interna está dependente da verificação de duas condições: a publicação no jornal oficial e a regularidade do processo da sua conclusão por Portugal.
P. Da vigência na ordem jurídica portuguesa da Convenção de Viena, da sua adesão pela República de Angola, do valor supra legal (e infra Constitucional) que o Direito Internacional Convencional ocupa na hierarquia das fontes do direito português, deduz-se que qualquer lei ordinária, anterior ou posterior, que contrarie o disposto naquela Convenção é ineficaz. Ineficácia que se traduz na inaplicabilidade ou seja na recusa da sua aplicação pelos Tribunais, enquanto a Convenção em causa vincular Portugal (cfr. Manual de Direito Internacional Público, André Gonçalves Pereira e Fausto Quadros, 3.ª Edição, Almedina, págs. 119 e ss.).
Q. O conceito de isenção consagrado no artigo 23.º, n.º 1, da Convenção é o de um privilégio de direito internacional, decorrente da imunidade diplomática. Como tal, impede que se estabeleça uma relação tributária em tudo o que diga respeito às missões diplomáticas. Ou seja, impede a aplicação a estas entidades da lei nacional em matéria de definição e fixação da tributação. A norma contida no artigo 23.º, n.º 1 da Convenção afasta a norma tributária que seria aplicável. Consequentemente, o Estado acreditante não pode ser contribuinte no Estado português.
R. O que encontra a sua justificação no facto de pagamento de impostos ser um acto de sujeição, incompatível com a soberania dos Estados. Tal como é incompatível, quer com o privilégio estabelecido na Convenção, quer com a soberania dos Estados, reconduzir o imperativo convencional a um benefício fiscal, nomeadamente para efeitos do artigo 44.º, n.º 1, alínea a), do EBF. Razão pela qual é também inconstitucional qualquer interpretação do artigo 44.º do EBF sempre que o mesmo condicione a plena aplicação do artigo 23.º, n.º 1, da Convenção reconduzindo-o a um benefício fiscal, dependente de um despacho emitido pelo poder tributário do Estado Acreditador e afastando a sua natureza de privilégio de direito internacional.
Termos em que deve ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto pela Fazenda Pública, confirmando-se a sentença recorrida, tudo com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA!»

*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido de ser julgada verificada a excepção de incompetência absoluta do TCA Sul, em razão da hierarquia, nos termos das disposições combinadas dos art. 280º nº 1 do C.P.P.T., 26º, al. a) do E.T.A.F. e 96º al. a), 97º nº 1, 98º, 99º nº 2, 576º nº 1 e 2, 577º, al. a), e 578º do C.P.C., estes aplicáveis por força do disposto no art. 2º, al. e), do C.P.P.T.
Como ponto prévio esclarece-se que, não obstante as referências feitas (certamente por lapso), pela Recorrida à circunstância de o recurso ter sido interposto para o STA o mesmo foi interposto para o TCAS e admitido nesse sentido.
*

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. Em 16.12.1988, no 21.º Cartório Notarial de Lisboa, foi outorgada escritura pública de compra e venda, na qual a República Popular de Angola, enquanto segunda outorgante, declarou comprar aos primeiros outorgantes e estes declararam vender-lhe, 16 frações autónomas identificadas pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O, P e Q, correspondentes ao rés-do-chão, 1º, e 2º a 8º andares direitos e esquerdos, do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua L..., freguesia do Lumiar, em Lisboa, inscrito na matriz respetiva sob o art.º 1… – cfr. Cópia da escritura a fls. 19 a 30 dos autos;

2. Na escritura pública mencionada no ponto anterior foi, ainda, declarado que as frações “A” e “B” se destinavam à instalação dos serviços culturais e administrativos e as demais a habitação de pessoal diplomático, consular ou administrativo da Embaixada da República Popular de Angola - cfr. Cópia da escritura a fls. 19 a 30 dos autos;

3. Em 19.02.2010, foi emitida a liquidação de IMI n.º 0..., relativa ao ano de 2009, correspondendo à sua segunda prestação, no valor de € 4.107,51, respeitante às frações autónomas A a N do prédio urbano mencionado em 1) - cfr. fls. 40 e 41, dos autos e fls. 60 do PEF apenso;

4. Em 23.10.2010, foi emitida certidão de dívida, em nome da Oponente, tendo como documento de origem a liquidação mencionada em 3) - cfr. fls. 55 do PEF apenso;

5. Em 24.10.2010, na sequência do mencionado no ponto antecedente, foi instaurado, no Serviço de Finanças de Lisboa 8, contra a oponente, o PEF n.º 3... - cfr. fls. 54 do PEF apenso;

6. Em 02.11.2010, a Oponente foi citada da instauração do processo de execução fiscal referido em 5) - cfr. fls. 57 do PEF apenso;

7. Em 26.11.2010 foi apresentada, no Serviço de Finanças de Lisboa 8, a presente oposição à execução fiscal - cfr. carimbo aposto na petição inicial, a fls. 8 dos autos;

8. Em 24.09.2013, foram emitidas, declarações, pelo chefe do protocolo do Estado, da Secretaria Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, no sentido da existência de reciprocidade de tratamento, no que respeita à isenção do IMI sobre imóveis para uso habitacional dos membros da missão diplomática angolana, para efeitos de isenção de IMI relativa às frações do imóvel a que respeita a liquidação mencionada no ponto 3 - cfr. fls. 87 a 100 dos autos.


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A decisão da matéria de facto provada, fundou-se na análise crítica, e conjugada, do teor dos documentos, não impugnados, juntos aos autos e das informações oficiais constantes do processo de execução fiscal apenso, conforme indicado em cada um dos pontos supra.»



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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se a sentença recorrida errou na interpretação e aplicação que fez do direito e se desrespeitou as regras do ónus da prova.

Porém, tendo sido suscitada pelo DMMP a questão prévia de incompetência deste TCAS em razão da hierarquia, cumpre, antes de mais, da mesma conhecer.

Importa, assim, a título prévio, decidir da questão da competência deste TCA SUL para conhecer do presente recurso, pois, como se sabe, o conhecimento dessa questão precede o de qualquer outra que se coloque nos autos [cfr. arts.16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 96.º e 97.º do CPC, ficando prejudicado, na circunstância de esta proceder, a apreciação e julgamento de qualquer outra questão suscitada no recurso.

Nos termos do artigo 280º, nº1 do CPPT, “Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, (…) para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, (…), para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo”.

A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, nos termos do artigo16º, nº1 do CPPT, a incompetência absoluta do tribunal, ao qual é, indevidamente, dirigido o recurso.

Nos termos do artigo 26º, al. b), do ETAF, atribui-se competência à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito.

Por sua vez, o artigo 38º, al. a), do ETAF, atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artigo 26º, al. b), do mesmo diploma.

Quer isto dizer que para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância é competente o Supremo Tribunal Administrativo quando o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito e, pelo contrário, é competente a Secção de Contencioso Tributário de um dos Tribunais Centrais Administrativos se o fundamento não for exclusivamente de direito.

“Na delimitação da competência do STA em relação à dos tribunais centrais administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, que fixam o objecto do recurso (art. 684º, nº3, do CPC), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa” – cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, 2006, I, Áreas Editora, pag. 213. (1)

Por seu turno, as conclusões das alegações de recurso integram matéria de direito se discutirem apenas a interpretação ou aplicação de certo preceito legal ou a solução de determinada questão jurídica.

Retomando o caso dos autos, e perante as conclusões do recurso jurisdicional, verificamos que a Recorrente coloca em causa questões que, ainda que indirectamente, podem envolver um juízo de facto, como seja a questão do destino dado aos imóveis e respectivo ónus da prova, pelo que se conclui ser este TCAS competente para conhecer do presente recurso, improcedendo a questão prévia suscitada pelo DMMP.

Do recurso

Considerando que este Tribunal já se pronunciou sobre as questões suscitadas no presente recurso (concretamente a violação das regras do ónus da prova e o invocado erro na aplicação do direito), tendo sido proferido Acórdão em 09/03/2017, no âmbito do processo nº 709/12, em processo semelhante ao dos autos, o qual sufragamos na íntegra, pelo que acolhemos a respectiva fundamentação, que passamos a transcrever:

“(…) O recorrente alega, igualmente e em síntese, que os imóveis que subjazem às liquidações de I.M.I. que constituem a dívida exequenda não prosseguem as finalidades da missão, tal como definidas no artº.3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, e, por consequência, não são locais da missão. Que a entidade oponente não logrou produzir prova do direito que se arroga, concretamente, do destino dado aos imóveis. Que o Tribunal “a quo” não considerou as regras do ónus da prova e lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito (cfr.conclusões 4 a 16 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.

Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.

No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.

Avancemos.
Defende, antes de mais, o recorrente que o Tribunal “a quo” não considerou as regras do ónus da prova aplicáveis ao caso dos autos.

Ora, a determinação legal do ónus da prova, com uma feição marcadamente objectiva, orienta as partes sobre os factos que devem provar e indica ao decisor qual o sujeito processual que deve ser afectado pela inexistência ou insuficiência da prova. O ónus da prova apenas releva nos casos em que exista uma situação de “non liquet”, de desconhecimento quanto a determinado facto com interesse para a decisão, assim devendo decidir contra a parte onerada com a prova do mesmo (cfr.artº.8, nº.1, do C. Civil; artº.74, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.8415/15; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.445 e seg.).

No caso “sub judice” a entidade opoente pretendeu fazer prova de factualidade enquadrável no fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T., como lhe competia (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.), assim defendendo a ilegalidade abstracta ou absoluta das liquidações que constituem a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº...., a qual corre termos no 8º. Serviço de Finanças de ... e de que a presente oposição constitui apenso.

O Tribunal “a quo” deferiu o pedido formulado pela entidade opoente, o que pressupõe que a mesma tenha produzido prova nesse sentido, assim cumprindo o ónus probatório que a onerava.

Em conclusão, não vislumbra este Tribunal qualquer violação, produzida pela decisão recorrida, às identificadas regras do ónus da prova.

Igualmente defende o recorrente que os imóveis que subjazem às liquidações de I.M.I. que constituem a dívida exequenda não prosseguem as finalidades da missão, tal como definidas no artº.3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, e, por consequência, não são locais da missão, sendo que o Tribunal “a quo” lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito.
Em sede de exame do presente vector da apelação deve começar este Tribunal por relembrar que a decisão recorrida enquadrou o fundamento da presente oposição no artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T., mais concluindo pela ilegalidade abstracta da dívida exequenda, tudo conforme já aludido supra.

O citado preceito tem a seguinte redacção:

ARTIGO 204.º

(Fundamentos da oposição à execução)


1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:
a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação;

b) (…)

No artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.Tributário, primeira parte da norma, é enquadrável qualquer ilegalidade substantiva agravada (absoluta ou abstracta) como é a eventual ilegalidade do diploma criador do tributo que constitui a dívida exequenda. Está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, a qual se distingue da “ilegalidade em concreto” por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação concretamente levada a efeito. Isto é, na ilegalidade abstracta a ilicitude não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação material a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado. Por outras palavras, o vício não se refere ao concreto acto de liquidação, mas antes se reportando à ilegalidade da norma em que o mesmo acto tributário se baseia (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.590 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.322 e seg.; João António Valente Torrão, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Almedina, 2005, pág.787; Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.67 e seg.).

Concluindo, deve considerar-se que cabem no citado conceito de ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação todos os casos de actos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal, tal como normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares (cfr.ac.S.T.A.-Plenário, 7/4/2005, rec.1108/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/4/2012, proc.4796/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.6195/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.443 e seg.).
Por último, sempre se dirá que a inexistência de imposto a que faz menção a norma sob exegese se refere à inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos, a qual, afectando a própria lei, não depende do acto que faz a aplicação ao caso concreto (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/7/2007, rec.129/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc. 6195/12).
Já a segunda parte da alínea a), do nº.1, deste artº.204, se refere à falta de autorização de cobrança na data em que ocorreu a liquidação, visando concretizar as normas constitucionais que fazem depender a possibilidade de cobrança de receitas de prévia inscrição no Orçamento do Estado (que inclui o orçamento da segurança social) da discriminação das receitas que, anualmente, o Estado está autorizado a cobrar (cfr.artº. 105, da C.R.P.). Assim, a falta de inscrição orçamental de receita liquidada sujeita a tal inscrição constitui um vício do acto tributário gerador da sua ilegalidade abstracta, equiparável aos vícios de inexistência do tributo nas leis em vigor, consagrados na primeira parte da mesma norma (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.6195/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.451).

Revertendo ao caso “sub judice”, a isenção de tributação consagrada no artº.23, nº.1, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas(1), porque não é uma isenção segundo o conceito tradicional, mas um privilégio de direito internacional que afasta a aplicação aos locais de missão da legislação interna em matéria tributária, enquadra-se no fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T. E recorde-se que nos termos do artº.8, nº.2, da C.R.P., as normas de convenção internacional, quando regularmente adoptadas pelo Estado Português e publicadas na forma legal, prevalecem sobre o direito interno infraconstitucional, em tudo o que seja conflituante com este, motivo por que os Tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que viole tratado internacional a que Portugal se tenha vinculado (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/6/2015, rec.187/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/6/2015, rec.464/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2014, proc.7445/14; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.255 e seg.). Nesta vertente deve, portanto, confirmar-se a decisão do Tribunal “a quo”, a qual igualmente enquadrou o fundamento da oposição deduzida pela entidade recorrida no examinado artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T.
Por último, deve este Tribunal examinar se os imóveis que subjazem às liquidações de I.M.I. que constituem a dívida exequenda não prosseguem as finalidades da missão, tal como definidas no artº.3, da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, e, por consequência, não são locais da missão, conforme defende o recorrente, tudo levando em consideração a factualidade provada.
A citada Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, celebrada em Viena em 18 de Abril de 1961 e que entrou em vigor a 24 de Abril de 1964, nos termos do seu artº.51, é um tratado internacional que regula os direitos e deveres dos Estados na condução das relações diplomáticas entre si e o regime das missões diplomáticas, tendo sido aprovada pelo Estado Português através do dec.lei 48295, de 27/03/1968, e pela ... através da resolução nº.3/91 da Assembleia ... (actual Assembleia Nacional ...), de 16/3/1991.

A expressão missão diplomática designa o conjunto de pessoas nomeadas por um Estado (Estado acreditante) para exercer, sob a autoridade de um chefe de missão, funções de caráter diplomático no território de um Estado estrangeiro (Estado acreditado ou receptor), mas na prática significa o local onde as pessoas designadas pelo Estado acreditante trabalham. De harmonia com o artº.3, da Convenção, as funções de uma missão diplomática consistem, entre outras, em representar o Estado acreditante perante o Estado acreditado ou receptor. Por sua vez, nos termos do artº.1, al.i), da Convenção, os "locais da missão" são “os edifícios, ou parte dos edifícios, e terrenos anexos, seja quem for o seu proprietário, utilizados para as finalidades da missão inclusive a residência do Chefe da Missão” (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2014, proc.7445/14).
O fundamento dos privilégios e imunidades das representações diplomáticas em determinado Estado receptor estão relacionados com um duplo aspecto, por um lado a representação diplomática, isto é, a imunidade soberana (imunidade “ratione materiae”) ligada aos actos oficiais dos Estados estrangeiros e, por outro, com os elementos mais vastos e sobrejacentes, todavia mais condicionantes, dos privilégios e imunidades “funcionais” do pessoal diplomático e das instalações (cfr.Ian Brownlie, Princípios de Direito Internacional Público, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pág.369 e seg.).

A Convenção consagra, além do mais, privilégios e imunidades. Importa precisar os conceitos de privilégio e imunidade. A imunidade diplomática traduz o conjunto de prerrogativas reconhecidas pelo Direito Internacional costumeiro e pela cortesia internacional (“comitas gentium”), concedidas aos agentes diplomáticos, na base da reciprocidade e no interesse mútuo dos Estados, que permitem o exercício completo e cabal das suas missões. Já o privilégio significa atribuir aos diplomatas e aos locais de missão um regime jurídico de excepção, isentando-os da aplicabilidade de normas ou regimes jurídicos ou concedendo-lhes vantagens que, por regra, não são concedidos aos nacionais.

Quer as imunidades, quer os privilégios, subtraem os diplomatas e os locais de missão à autoridade e à competência jurisdicional do Estado acreditado. Por isso nem sempre é fácil estabelecer a linha de fronteira entre uns e outros, considerando-se, regra geral, que a imunidade impede a sujeição a uma norma de direito interno, enquanto o privilégio determina a substituição da lei geral por uma regra especial de direito interno.

Tanto o Estado acreditante, como o Chefe da Missão estão isentos de todos os impostos e taxas, nacionais, regionais ou municipais, sobre os locais da missão de que sejam proprietários ou inquilinos, exceptuados os que representem o pagamento de serviços específicos que lhes sejam prestados, portanto os impostos indirectos (cfr.artº.23, nº.1, da Convenção; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2014, proc.7445/14; Ian Brownlie, Princípios de Direito Internacional Público, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pág.380).
Esta imunidade que se consubstancia na isenção de todos os impostos e taxas incidentes sobre os locais da missão de que sejam proprietários ou inquilinos, igualmente é extensiva ao pessoal administrativo e técnico da missão, nos termos do artº.37, nº.2, da Convenção (cfr.Ian Brownlie, Princípios de Direito Internacional Público, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pág.381).
“In casu”, do exame da factualidade provada, decorre o supra citado entendimento de que a isenção/imunidade previstas nos citados artºs.23 e 37, da Convenção, consubstancia a aplicação de norma convencional internacional que afasta a aplicação aos locais de missão da legislação interna em matéria tributária, nos termos do artº.8, nº.2, da C.R.P. Aliás, este entendimento encontra-se vertido em declarações emitidas pelo Estado Português, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros e com base no princípio da reciprocidade de tratamento, incidentes sobre os imóveis para uso habitacional dos membros da missão diplomática ... (cfr.nº.5 do probatório).
Concluindo, está demonstrada a ilegalidade absoluta ou abstracta das liquidações de I.M.I. que constituem a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº...., fundamento de oposição enquadrável no examinado artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.Tributário. (…)”

Assim, acolhendo integralmente a fundamentação do Acórdão supra transcrito, será de negar provimento ao recurso da Fazenda Pública.

III - DECISÃO


Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a excepção de incompetência hierárquica do TCAS e, negando provimento ao presente recurso jurisdicional, manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 21 de Maio de 2020


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)


--------------------------------------------------------------------------------(1) Vide o acórdão do STA, de 26/10/11, rec. nº 0805/11, nos termos do qual “(…) as conclusões integrarão matéria de direito se discutirem a interpretação ou aplicação de certo preceito legal ou a solução de determinada questão jurídica. E integrarão matéria de facto se traduzirem discordância sobre factos materiais da vida real na sua perspectiva actual ou histórica uma vez que a sentença os não tenha considerado ou os tenha fixado em desacordo com a prova produzida ou com aquela que devia ter sido produzida, ou se traduzirem discordância com as ilações de facto retiradas pelo julgador da factualidade apurada”.