Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05859/12
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:08/08/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PENHORA EM EXECUÇÃO FISCAL.
REGIME DE IMPENHORABILIDADE RELATIVA PREVISTO NO ARTº.823, DO C.P.CIVIL.
ISENÇÃO DE PENHORA DOS INSTRUMENTOS DE TRABALHO E OBJECTOS INDISPENSÁVEIS AO EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE DO EXECUTADO.
Sumário:1. A penhora consiste numa apreensão de bens e sua afectação aos fins do processo de execução fiscal. Realizada a penhora, o executado continua a poder dispor e onerar os bens penhorados, mas os actos que pratique são ineficazes em relação ao exequente (cfr.artº.819, do C.Civil). A maior parte da doutrina nacional atribui à penhora a natureza de garantia real (cfr.artº.822, nº.1, do C.Civil).

2. Na diligência de penhora realizada em execução fiscal deverão aplicar-se as limitações genéricas à penhorabilidade de bens previstas nos artºs.822 a 824-A, do C.P.Civil, nomeadamente o regime de impenhorabilidade relativa previsto no artº.823, do mesmo diploma.

3. No âmbito do processo tributário, a penhora de veículos automóveis de aluguer, vulgo táxis, deve, além do mais, seguir a tramitação prevista no artº.222, do C.P.P.T.

4. O artº.823, nº.2, do C.P.Civil (na redacção resultante do dec.lei 38/2003, de 8/3), consagra a isenção de penhora por parte dos instrumentos de trabalho e objectos indispensáveis ao exercício da actividade do executado, ressalvadas as situações previstas nas diversas alíneas da norma, nomeadamente, ser o próprio executado a indicar os bens à penhora. Encontramo-nos perante uma situação de impenhorabilidade relativa de cariz processual que se filia em motivos de interesse económico, matizados com considerações de humanidade consubstanciados nos interesses vitais do executado, dado assegurarem a este e ao seu agregado familiar um mínimo de condições de vida.

5. O artº.823, nº.2, do C.P.Civil, não faz depender a aplicação do regime de isenção da penhora de instrumento de trabalho da prova da impossibilidade de manutenção da actividade profissional do executado e dos consequentes, graves e irreparáveis prejuízos para a mesma actividade profissional, tal como da indispensabilidade do bem penhorado quanto ao exercício da dita actividade profissional.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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EDUARDO …………….., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mma. Juíza do TAF de Sintra, exarada a fls.188 a 200 do presente processo, em cujo dispositivo julga improcedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal intentada pelo recorrente, executado por reversão no processo de execução fiscal nº………………… e aps., tendo por objecto despacho a ordenar a penhora de móvel (veículo automóvel).
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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.205 a 211 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-A Fazenda Nacional conhece as declarações de I.R.S. entregues em todos os exercícios e, como tal, os rendimentos da única actividade do reclamante que os gera - o seu táxi;
2-Conhece ainda os meios e instrumentos de trabalho do reclamante através dos mapas de imobilizado apresentados em todos os exercícios e a que se destina o veículo automóvel “Mercedes”, de matrícula …………;
3-Tem ainda conhecimento de que o reclamante não desenvolve qualquer outra actividade;
4-Posto isto, a Fazenda Nacional não podia contestar com sucesso, nem assim pretendeu, nenhuma das exactas factualidades anteriores;
5-O Tribunal conhece, pelo menos, através dos documentos relativos ao apoio judiciário os bens e os rendimentos do reclamante;
6-Podia ainda o Tribunal conhecer da situação de actividade de taxista exclusiva do reclamante, bem como do único automóvel para esta actividade, caso não houvesse até então tomado conhecimento, através dos documentos referidos na posse da Fazenda ou do reclamante, ou através do exercício do princípio do inquisitório como aqui se imporia, na medida do necessário, para a descoberta da verdade e boa resolução da causa;
7-O ora recorrente prontamente entregou a licença e alvará da actividade como taxista, pois quanto à exclusividade da actividade de taxista essa estava implícita e não contrariada pela Fazenda;
8-O mesmo acontecendo quanto à única viatura para o exercício da actividade de taxista;
9-Mais, a Fazenda Nacional, em momento algum, fundamentou a sua decisão de penhora ou fundamentou a reiterada posição através de qualquer afirmação quanto ao desenvolvimento de outra actividade por parte do reclamante ou que poderia existir outra viatura para o exercício da actividade;
10-De forma surpreendente, entende-se que não se provava que essa viatura se destinava à actividade como taxista, situação que nem sequer se levanta, e muito bem, na douta sentença produzida;
11-Donde, considerando toda a exposição anterior, percebemos que o reclamante não desenvolve outra actividade além da de taxista e não possui qualquer outra viatura automóvel para esse efeito;
12-Os fundamentos para a douta decisão quanto à falta de prova das duas factualidades devem considerar-se sanados;
13-O reclamante entendeu clara a sua situação exclusiva na actividade de taxista, pelo conhecimento que a Fazenda tem das suas declarações fiscais e por esta conhecida da sua única actividade;
14-A Fazenda conhece que é única a viatura penhorada para o desenvolvimento da actividade de táxi;
15-A Fazenda não contestou, nem ensaiou fundamentar qualquer posição no sentido de contrariar os pontos anteriores;
16-A questão levada a juízo prende-se com a possibilidade, ou não, de penhora de instrumento de trabalho - a viatura automóvel táxi;
17-Para essa situação, de impenhorabilidade relativa, não releva questões de desenvolvimento de outra actividade, ainda para mais quando é de conhecimento geral que um taxista tem de trabalhar mais de dez horas por dia para a sua actividade se tornar economicamente viável;
18-Não restando, por isso, mais horas que pudessem potencialmente ser usadas para desempenhar outras funções, como bem se vê das declarações fiscais e rendimentos conforme pedido de apoio judiciário;
19-O nº.2, do artigo 823, do C.P.C., não faz qualquer alusão à penhorabilidade ou não dos instrumentos de trabalho quando se desenvolve uma outra actividade, pelo que não se compreende a apresentação da motivação ínsita na douta decisão, para a improcedência do pedido;
20-Mais, perspectivamos confuso o conceito de prejuízo irreparável apresentado na douta sentença a folhas 11, 4º. parágrafo, conexionado com a possibilidade de penhora de instrumentos de trabalho;
21-O prejuízo irreparável para efeitos do artº.277, do C.P.P.T., nada tem que ver com o artº.823, do C.P.C.;
22-Eventualmente existirá, assente numa filosofia de protecção da obtenção dos rendimentos de trabalho e dos instrumentos necessários para tal, por forma a impedir graves prejuízos;
23-Donde, sempre nos parece de alguma forma deslocada a referência ao conceito de prejuízo irreparável quando se analisa legalmente a questão da impenhorabilidade;
24-Isto é, se concluímos pela natureza de determinado objecto como instrumento de trabalho estritamente necessário para a actividade, então a conclusão sobre a sua impenhorabilidade não carecia da avaliação sobre o seu prejuízo irreparável;
25-Relevaria sim o conceito, caso a penhora de um objecto não protegido pelo artº.823, do C.P.C., constituísse prejuízo irreparável;
26-Quanto à falta de prova da viatura penhorada ser ou não ser um táxi pensamos tratar-se de um lapso, face à notória cor da viatura e respectiva matrícula que, desde já, se requer seja autorizada a junção aos autos da competente fotografia;
27-Termos em que nos melhores de Direito deve o presente recurso ser aceite bem como as respectivas alegações, por estar em tempo, concedendo a douta decisão do Tribunal “ad quem”, provimento ao recurso, por provado, revogando assim a douta decisão do Tribunal “a quo”, na medida em que padece a mesma de erro, justamente por a única actividade que desenvolve o reclamante ser a actividade de taxista com o veículo penhorado pelo órgão da execução, sendo certo que determinou este a entrega dos respectivos documentos, conforme prova que se anexou aos presentes autos, impedindo por isso a circulação do mesmo e consequentemente a continuidade do exercício da actividade.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso e consequente manutenção do julgado (cfr.fls.239 dos autos).
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.707, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.190 a 194 dos autos):
1-O reclamante, Eduardo ………………., foi citado por reversão em 18/3/2010, no processo de execução fiscal nº……………. e aps., por dívidas da sociedade “E…………………. PAPELARIA, LDA.”, referentes a I.V.A., dos anos de 2001 a 2006 e no valor de € 7.854,10 (cfr.documentos juntos a fls.37 a 42 do processo de execução apenso);
2-Em 21/4/2010, o reclamante apresentou oposição e foi notificado para prestar garantia no valor de € 13.564,21 (cfr.cópia da oposição junto ao processo de execução apenso; informação exarada a fls.15 a 18 dos presentes autos);
3-O reclamante solicitou dispensa de prestação de garantia, com o argumento de que, Fernanda ……………., também executada no mesmo processo e igualmente responsável subsidiária, tinha oferecido, para prestar garantia e suspender o processo, o imóvel inscrito na matriz urbana sob o artº.14249, fracção “A”, pertencente à freguesia de S. ……………….. (cfr.informação exarada a fls.15 a 18 dos presentes autos);
4-Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças, de 18/5/2010, o pedido do executado foi indeferido com o argumento que, face ao disposto nos artºs.195 e 199, do C.P.P.T., as garantias são prestadas por cada executado, não podendo ser considerada a suspensão do processo executivo, nos termos do artº.169, do mesmo código, decisão que foi notificada ao reclamante (cfr. informação exarada a fls.15 a 18 dos presentes autos);
5-Em 24/6/2010, o reclamante apresentou requerimento a solicitar o reembolso de I.R.S. do ano de 2009, no valor de € 553,09, entretanto compensado no processo executivo em dívida, argumentando que estando os créditos do Estado devidamente garantidos pela penhora do imóvel oferecido pela executada Fernanda ……………….., não se justificava nova garantia ou a compensação de I.R.S. (cfr.documentos juntos a fls.64 e 65 do processo de execução apenso);
6-Em 2/7/2010, por despacho do Chefe do Serviço de Finanças, a pretensão do reclamante foi indeferida e notificada pelo ofício nº.8764, de 28/6/2010 (cfr.documentos juntos a fls.67 a 69 e 72 do processo de execução apenso);
7-Em 15/7/2010, o reclamante apresenta novo requerimento contestando a decisão do Chefe do Serviço de Finanças, de indeferir o pedido anteriormente formulado, considerando que teve por base um pressuposto errado, nomeadamente, que não pretende prestar garantia com um bem de terceiro, mas, simplesmente, que lhe seja concedida isenção, por estar a mesma dívida garantida através de um imóvel de outro responsável subsidiário, requerendo ainda a devolução do I.R.S. do ano de 2009, e nova notificação que indique os meios de defesa ao seu dispor, em virtude da anterior notificação ser omissa quanto a esses meios (cfr. documentos juntos a fls.90 e 91 do processo de execução apenso);
8-Por despacho de 5/8/2010, do Chefe de Finanças, foi determinada a notificação do reclamante, com a indicação de que devia referir especificamente nos meios de defesa, para reagir nomeadamente os artºs.276 e 277, do C.P.P.T., e que estavam em falta aquando da notificação em 2/7/2010 (cfr. documentos juntos a fls.93 a 95 do processo de execução apenso);
9-Desta decisão foi o reclamante notificado em 28/7/2010, ofício nº.10148, sem registo, tendo na sequência da mesma deduzido uma primeira reclamação, nos termos do artº. 276, do C.P.P.T., apresentada em 20/8/2010 (cfr. documento de fls.96 e cópia da reclamação, tudo junto ao processo de execução apenso; informação exarada a fls.15 a 18 dos presentes autos);
10-Sobre essa reclamação foi proferida sentença no âmbito do processo nº………….., que correu termos no TAF de Sintra (cfr. documentos juntos a fls.102 a 109 do processo de execução apenso);
11-Em 18/11/2010, o reclamante solicita ao Chefe do Serviço de Finanças que promova o reembolso do I.R.S. do ano de 2009, que tinha sido compensado na dívida e que por decisão do Tribunal devia ser devolvido (o que veio a acontecer em 14/12/2010) e pede o cancelamento da penhora, por considerar excessivo, que tenha sido efectuada sobre dois veículos, o automóvel Mercedes, matrícula ……….., e o motociclo K………., matrícula ……….. (cfr. documento junto a fls.122 do processo de execução apenso; documentos juntos a fls.27 e 34 dos presentes autos);
12-Após informação, por despacho de 26/11/2010, do Chefe do Serviço de Finanças, foi atendida a pretensão do reclamante e determinada a penhora exclusiva da viatura automóvel Mercedes, matrícula ……….., decisão que foi notificada ao reclamante pelo ofício nº.915059, expedido por via postal registada sob o nº. ………….e entregue no destino em 2/12/2010 (cfr. documentos juntos a fls.124 a 126, 143 e 144 do processo de execução apenso; factualidade admitida no artº.1 da contestação e no artº.1 da resposta à contestação);
13-Da decisão referida no número anterior foi deduzida a presente reclamação, a qual foi remetida por correio registado sob o nº…………., em 13/12/2010, conforme documento de fls.13 dos presentes autos;
14-A viatura penhorada, de matrícula ………., tem a Licença de Táxi nº.120, emitida pela Câmara Municipal de Oeiras e o Alvará de Actividade de Transporte em Táxis nº.3916/2004 (cfr.documentos juntos a fls.165 e 166 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Nada mais se provou com relevância para a decisão…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos não impugnados que constam dos autos, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), e 2, do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
15-A penhora do veículo automóvel, de matrícula ……….. e marca “Mercedes”, foi registada definitivamente na Conservatória do Registo Automóvel em 19/10/2010, tendo-se fixado ao veículo penhorado o valor de € 18.650,00 (cfr. documentos juntos a fls.127 a 138 do processo executivo apenso aos presentes autos; informação exarada a fls.125 e 126 do processo executivo apenso);
16-A Licença de Táxi e o Alvará de Actividade de Transporte em Táxis identificados no nº.14 do probatório foram emitidos em nome do executado/reclamante Eduardo Calisto Cardoso (cfr. documentos juntos a fls.165 e 166 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos e informações oficiais concretamente mencionados.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida considerou, em síntese, julgar improcedente a reclamação deduzida pelo recorrente tendo por objecto o despacho identificado no nº.12 do probatório, em consequência do que mantém na ordem jurídica o despacho reclamado.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o recorrente, em síntese, que a questão levada a juízo prende-se com a possibilidade, ou não, de penhora de instrumento de trabalho - a viatura automóvel táxi. Para essa situação, de impenhorabilidade relativa, não relevam questões de desenvolvimento de outra actividade. O nº.2, do artº.823, do C.P.C., não faz qualquer alusão à penhorabilidade ou não dos instrumentos de trabalho quando se desenvolve uma outra actividade, pelo que não se compreende a apresentação da motivação ínsita na douta decisão, para a improcedência do pedido. O prejuízo irreparável para efeitos do artº.277, do C.P.P.T., nada tem que ver com o artº.823, do C.P.C. Donde, sempre nos parece de alguma forma deslocada a referência ao conceito de prejuízo irreparável quando se analisa legalmente a questão da impenhorabilidade. Isto é, se concluímos pela natureza de determinado objecto como instrumento de trabalho estritamente necessário para a actividade, então a conclusão sobre a sua impenhorabilidade não carece da avaliação sobre o eventual prejuízo irreparável. Relevaria, sim, o conceito, caso a penhora de um objecto não protegido pelo artº.823, do C.P.C., constituísse prejuízo irreparável (cfr.conclusões 1 a 26 do recurso).
Segundo entendemos, o recorrente tenta assacar à sentença recorrida o vício de erro de julgamento de direito.
Examinemos se a decisão do Tribunal “a quo” comporta tal pecha.
Constituindo o acervo normativo jurídico-tributário um ramo próprio do direito público, o legislador previu um processo de execução fiscal primordialmente direccionado à cobrança dos créditos tributários de qualquer natureza, estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o objectivo de conseguir uma maior celeridade na cobrança dos créditos, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 5ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2007, pág.20 e seg.).
A penhora consiste numa apreensão de bens e sua afectação aos fins do processo de execução fiscal. Realizada a penhora, o executado continua a poder dispor e onerar os bens penhorados, mas os actos que pratique são ineficazes em relação ao exequente (cfr.artº.819, do C.Civil). A maior parte da doutrina nacional atribui à penhora a natureza de garantia real (cfr.artº.822, nº.1, do C.Civil; José Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol.II, Coimbra Editora, 1985, pág.106; Salvador da Costa, O Concurso de Credores, Almedina, 1998, pág.29; Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, III Volume, Áreas Editora, 2011, pág.581).
No âmbito do processo de execução fiscal é o artº.215, do C.P.P.T., que consagra o direito de nomear bens à penhora, o qual cabe sempre ao exequente (Fazenda Pública/órgão de execução fiscal), devendo, no entanto, ser admitida a penhora de bens indicados pelo executado, desde que daí não resulte prejuízo para o processo e, concretamente, para a cobrança da dívida exequenda e acrescido (cfr.artº.217, do C.P.P. Tributário; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.435; João António Valente Torrão, C.P.P. Tributário anotado e comentado, Almedina, 2005, pág.840).
Por outro lado, é o artº.219, do C.P.P.Tributário, na redacção resultante da Lei 53-A/2006, de 29/12, que consagra a ordem por que devem ser penhorados os bens no âmbito do processo de execução fiscal. Numa primeira análise, a ordem de penhora dos bens será a seguinte:
a) em primeiro lugar, os bens do devedor onerados com garantia real, referidos no nº.4;
b) em segundo lugar, os bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito do exequente, independentemente de serem móveis um imóveis;
c) na falta destes, se a dívida tiver privilégio, os bens a que este respeitar, se ainda pertencerem ao executado;
d) finalmente, aplica-se o regime do artº.157, nº.2, do C.P.P.Tributário, podendo penhorar-se bens de terceiros, na sequência da necessária reversão da execução a processar-se nos termos do artº.23, da L.G.Tributária (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.445 e seg.; Carlos Paiva, O processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.275; Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.93 e seg.).
Por último, refira-se que na penhora realizada em execução fiscal deverão aplicar-se as limitações genéricas à penhorabilidade de bens previstas nos artºs.822 a 824-A, do C.P. Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, III Volume, Áreas Editora, 2011, pág.584).
Voltando ao caso “sub judice”, dir-se-á que a penhora de veículos automóveis de aluguer, vulgo táxis, deve, além do mais, seguir a tramitação prevista no artº.222, do C.P.P.T., no âmbito do processo tributário.
Haverá, agora, que saber se a penhora do veículo táxi identificada nos nºs.14 e 15 do probatório, conforme defende o reclamante/recorrente, viola o regime sancionado no artº.823, nº.2, do C.P.Civil (redacção resultante do dec.lei 38/2003, de 8/3), preceito que consagra a isenção de penhora por parte dos instrumentos de trabalho e dos objectos indispensáveis ao exercício da actividade do executado, ressalvadas as situações previstas nas diversas alíneas da norma, nomeadamente, ser o próprio executado a indicar os bens à penhora. Encontramo-nos perante uma situação de impenhorabilidade relativa de cariz processual que se filia em motivos de interesse económico, matizados com considerações de humanidade consubstanciados nos interesses vitais do executado, dado assegurarem a este e ao seu agregado familiar um mínimo de condições de vida (cfr.Eurico Lopes-Cardoso, Manual da acção executiva, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987, pág.331; José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5ª. edição, Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, pág.218 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 13ª. edição, Almedina, 2010, pág.207 e seg.).
E tendo em atenção a factualidade provada a conclusão deve ser afirmativa.
O veículo penhorado, de matrícula 69-22-UN, é objecto da Licença de Táxi nº.120, emitida pela Câmara Municipal de Oeiras e do Alvará de Actividade de Transporte em Táxis nº………../2004, ambos emitidos em nome do executado/reclamante Eduardo Calisto Cardoso (cfr.nºs.14 e 16 do probatório). Em face de tal factualidade provada, deve concluir-se que nos encontramos perante veículo táxi que é utilizado pelo executado/reclamante como instrumento de trabalho, assim se consubstanciando como bem isento de penhora ao abrigo do citado regime previsto no artº.823, nº.2, do C.P.Civil, norma aplicável no âmbito do processo de execução fiscal “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.Tributário. E acrescente-se que a norma em exame (cfr.artº.823, nº.2, do C.P.Civil), não faz depender a aplicação do regime de isenção da penhora de instrumento de trabalho da prova da impossibilidade de manutenção da actividade profissional do executado e dos consequentes, graves e irreparáveis prejuízos para a mesma actividade profissional, tal como da indispensabilidade do bem penhorado quanto ao exercício da dita actividade profissional.
Nenhum destes vectores se encontra consagrado na norma, assim não sendo requisitos a apreciar face ao regime de impenhorabilidade relativa em equação (isenção de penhora de instrumento de trabalho), contrariamente ao enunciado na douta decisão do Tribunal “a quo” (cfr.Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 13ª. edição, Almedina, 2010, pág.208; ac.R.Porto, 13/10/2009, proc.53/08.3TBVPA).
Por outro lado, a aludida violação do regime de impenhorabilidade relativa previsto no artº.823, nº.2, do C.P.Civil, implica a existência de uma situação enquadrável na previsão da norma constante do artº.278, nº.3, al.a), do C. P. P. Tributário (inadmissibilidade da penhora de bens concretamente apreendidos no processo de execução fiscal), assim se preenchendo os pressupostos da subida imediata da presente reclamação a Tribunal e a consequente apreciação da mesma enquanto processo urgente (cfr.artº.278, nºs.4 e 5, do C.P.P.T.). A dita inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos prende-se, precisamente e além do mais, com a incidência desta diligência judicial sobre bens considerados impenhoráveis nos termos dos artºs.822 a 824-A, do C.P.Civil (cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, IV Volume, Áreas Editora, 2011, pág.303).
Finalizando, sem necessidade de mais amplas ponderações, deve julgar-se procedente o recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida a qual padece dos vícios que lhe são assacados pelo recorrente, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em, CONCEDENDO PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA E JULGAR PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO QUE ORIGINOU O PRESENTE PROCESSO.
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Condena-se a Fazenda Pública em custas, somente em 1ª. Instância.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 8 de Agosto de 2012

(Joaquim Condesso - Relator)
(Cristina dos Santos - 1º. Adjunto)

(Sofia David - 2º. Adjunto)