Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:93/22.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:09/15/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
ÓNUS DA PROVA
CASA MORADA DE FAMÍLIA
REGRAS DA EXPERIÊNCIA
Sumário:I-O deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia está sujeito à verificação de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e um terceiro de verificação cumulativa. Alternativamente, importa provar que: i) a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou ii) a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; Cumulativamente, cumpre demonstrar: iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado (artigo 52.º, nº4 da LGT);
II-Em ordem ao consignado no artigo 244.º, n.º 2 do CPPT, o imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim, não pode ser vendido na execução fiscal, sendo, no entanto, penhorável logo, considerado para efeitos de isenção da prestação de garantia.
III-Se o Recorrente nada demonstra no sentido de lhe estar vedada a prestação de garantia idónea, mormente, garantia bancária ou seguro caução, não pode considerar-se que o órgão decisor se encontra obrigado a ir investigar os factos alegados ou endereçar convite para apresentar a prova que ele omitiu.
IV-Não pode apelar-se às regras da experiência para atestar a insuficiência económica, convocando a existência de pensão de velhice, e idade avançada, quando ademais é titular de seis bens imóveis dos quais não resulta demonstrada qualquer oneração, sendo, portanto, suscetíveis de penhora e hipoteca.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

A..., veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, através da qual julgou improcedente a reclamação de atos do órgão da execução fiscal deduzida contra a decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia, proferida pela Coordenadora da Secção de Processo Executivo Lisboa I do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social I.P. (IGFSS I.P.), datada de 03 de janeiro de 2022, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1101200401022369 e apensos, inicialmente instaurado contra a sociedade “Pastelaria “...”, Unipessoal, Lda.”, e que contra si reverteu, na qualidade de responsável subsidiário, para cobrança de dívida proveniente de cotizações e contribuições para a Segurança Social, cujo montante ascende ao valor global de € 202.745,17.


O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


I) O ora Recorrente A... foi citado no dia 02/11/2021 de que é executado por reversão dos processos de execução fiscal n.º 1101200401022369 e Apensos, na qualidade de responsável subsidiário, instaurados pela Secção de Processo Executivo de Lisboa I, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., contra a Executada “Pastelaria ... Unipessoal, Lda.”, por falta de pagamento de contribuições e cotizações à Segurança Social no valor de 152.434,47 €, no período compreendido entre fevereiro de 1998 e janeiro de 2008.

II) A citação do Despacho de Reversão da Execução Fiscal determinou que, citamos: “(…). Nos casos referidos no Art.º 169º e no Art.º 52º da Lei Geral Tributária, a suspensão da execução e a regularização da situação tributária dependem da efetiva existência de garantia idónea, no valor de 253.431,47 EUR, ou em alternativa da obtenção de autorização da sua dispensa. (…).

III) Na sequência da dedução de oposição à execução fiscal em 02/12/2021, a correr termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o Processo n.º 104/22.9BEALM,

IV) O ora Recorrente requereu em 17/12/2021 ao órgão de execução fiscal a dispensa da prestação de garantia para efeitos de suspensão da execução fiscal, atenta a sua manifesta e comprovada falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, nos termos conjugados do disposto nos artigos 170º do CPPT e 52º n.º 4 da LGT.

V) Para tanto, o ora Recorrente alegou e provou documentalmente a sua manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, traduzindo-se o seu rendimento e património nos termos da documentação junta ao processo:

Ø Numa pensão de velhice no valor mensal de 612,07 €, impenhorável;

Ø Num conjunto de prédios rústicos e urbanos em compropriedade que representam um valor patrimonial tributário atual de 22.646,49 € (sendo a casa de morada da família um bem impenhorável);

Ø Num conjunto de contas bancárias em cotitularidade que representavam à data um valor de 1.504,80 €;

VI) Perante o que, é inequívoco que o ativo titulado pelo Recorrente não é suficiente para prestar uma garantia no valor de € 253.431,47.

VII) Por Ofício do IGFSS, o ora Recorrente foi notificado no dia 07/01/2022 da decisão de indeferimento do requerimento de dispensa de prestação de garantia, proferido pela Secção de Processo Executivo de Lisboa I, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P..

VIII) Para tanto, o órgão de execução fiscal alegou em síntese que, citamos:

(…). Ora, verifica-se que o requerente é proprietário de vários prédios urbanos e rústicos, pelo que, sendo proprietário destes bens, tal facto não inibe a respetiva penhora, nem a constituição de hipoteca legal, sobre os mesmos, a favor deste órgão de execução fiscal.

Verifica-se, ainda, que o requerente é titular de várias contas bancárias, mas não comprova nos autos a impossibilidade de obter uma garantia bancária, por forma a garantir a dívida exequenda e acrescido.

E, bem assim, também não comprova a impossibilidade de prestar garantias de outra natureza, conforme dispõe o art.º 195.º e 199.º do CPPT.

Face ao exposto, não se encontram preenchidos os requisitos previstos no art. 52.º, n.º 4 da LGT, para a concessão da garantia, cujo ónus da prova recaía sobre o requerente de acordo com o art.º 74.º, n.º 1, da LGT, art.º 170.º, n.º 3 do CPPT e art.º 342.º do Código Civil.

Pelas razões apontadas, indefere-se o requerimento de dispensa de prestação de garantia.

(…).

IX) Não se conformando, o ora Recorrente reclamou da decisão de indeferimento para o Tribunal Tributário de Lisboa no dia 17/01/2022, por considerá-la desprovida de fundamento e contrária à lei.

X) Alegando de Direito que,

Ø Nos termos do disposto no art. 212º do CPPT, a oposição suspende a execução;

Ø No mesmo sentido, o art. 52º n.º 1 da LGT prevê que a cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de oposição à execução;

Ø Sendo certo que, a suspensão da execução depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias (cfe. dispõem os artigos 52º n.º 2 da LGT e 169º n.º 1 do CPPT);

Ø Porém, nos termos do disposto no art. 52º n.º 4 da LGT, a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado;

Ø Para tanto, o pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária (cfr. o art. 170º n.º 3 do CPPT).

XI) E instruindo a reclamação com a prova documental que atesta a sua manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.

XII) Concluiu pedindo ao Tribunal a quo que a reclamação fosse julgada procedente, por provada, e em consequência fosse decretada a anulação do ato reclamado, que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, isentando-se o Reclamante da prestação de garantia por manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, nos termos conjugados do disposto nos artigos 276º e 170º do CPPT e 52º n.º 4 da LGT.

XIII) Por Sentença notificada ao ora Recorrente no dia 01/07/2022, o Tribunal a quo julgou improcedente a Reclamação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, alegando em síntese que, citamos:

“(…). Desde logo, importa referir que não se encontra demonstrado nos presentes autos que o Reclamante seja comproprietários dos imóveis em causa e que seja cotitular das contas bancárias. Da mesma forma que não se encontra demonstrado que um desses imóveis constitui a casa da morada de família do Reclamante (cfr. n.ºs 1, 2 e 3 da matéria de facto não provada).

(…).E no presente caso, o Reclamante, direccionou a sua diligência apenas no sentido de demonstrar a manifesta falta de meios económicos, através da simples indicação dos seus activos patrimoniais, ao invés de diligenciar junto de instituição apropriada pela obtenção da referida garantia idónea, qual seja, um das indicadas no artigo 199.º, n.º 1 do CPPT, sem prejuízo de, frustrando-se tal possibilidade, diligenciar no sentido previsto no artigo 199.º, n.º 2 do CPPT. E o Reclamante não alegou, e muito menos demonstrou, a impossibilidade de contrair um empréstimo junto do Banco ou emissão de garantia bancária nos montantes da dívida em causa e acrescido.

(…). Em conclusão, não tendo o Reclamante desenvolvido esforços no sentido de obter garantia idónea, ou tendo-os desenvolvido, não os alegando nem demonstrando, não pode ter-se por verificado e preenchido o ónus probatório que sobre si impendia e do qual depende o preenchimento de um dos pressupostos em alternativa previstos no artigo 52.º, n.º 4 da LGT, nomeadamente a manifesta falta de meios económicos – o único invocado – , o qual, uma vez verificado, faria impender sobre o órgão de execução fiscal o ónus de comprovar que a aludida insuficiência ou inexistência de bens se teria ficado a dever a actuação dolosa do Reclamante.

(…). Pelo que, perante o incumprimento do ónus probatório que sobre o Reclamante impendia, resulta que o órgão de execução fiscal se encontrava vinculado a decidir no sentido do indeferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia, o que fez, não sendo de assacar qualquer vício ao acto reclamado.

Assim sendo, conclui-se, sem necessidade de mais amplas considerações e ponderações, pela improcedem total das alegações do Reclamante, não padecendo o acto reclamado de qualquer ilegalidade, razão pela qual o mesmo deverá ser mantido na ordem jurídica, conforme infra se determinará. (…). Face ao exposto, tudo visto e ponderado, e nos termos das disposições legais citadas, julgo a presente Reclamação improcedente, por não provada e, em consequência, mantenho o acto reclamado, tudo com as demais consequências legais. (…).”.

XIV) Da referida Sentença se interpõe o presente Recurso;

XV) Atento que, a reclamação da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia tramitou como processo urgente, com subida imediata e nos próprios autos;

XVI) O presente Recurso também tramitará como processo urgente, requerendo-se a sua subida imediata e nos próprios autos e que lhe seja fixado efeito suspensivo, nos termos do disposto no art. 286º n.º 2 do CPPT.

XVII) Do alegado resulta que, o ato reclamado é ilegal por violação do disposto nos artigos 52º n.º 4 da LGT e 170º n.º 3 do CPPT;

XVIII) Porquanto, o órgão de execução fiscal não se pronunciou nem formulou qualquer juízo relativamente à prova apresentada pelo ora Recorrente e à (in)suficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, tendo em vista isentá-lo da prestação de garantia.

XIX) Por seu turno, substituindo-se ao órgão de execução fiscal, o Tribunal a quo entendeu que não ficou demonstrado nos autos que o ora Recorrente seja comproprietário dos imóveis em causa e que seja cotitular das contas bancárias, assim como não ficou demonstrado que um desses imóveis constitui a sua casa da morada de família.

XX) No que concerne ao argumento de que o Recorrente não alegou nem demonstrou a impossibilidade de contrair um empréstimo bancário, de obter uma garantia bancária ou de prestar garantias de outra natureza,

XXI) Refira-se que, quer a Administração Fiscal quer o Tribunal a quo deveriam ter considerado e ponderado outros critérios de decisão (para além dos documentos) que estavam ao seu alcance, designadamente máximas da experiência.

XXII) É da experiência comum que, na conjuntura atual, os bancos não concedem garantias bancárias estando em causa pessoas, como é o caso comprovado do ora Recorrente, com idade avançada, com baixos rendimentos e património insuficiente para cobrir uma garantia no valor de € 253.431,47.

XXIII) Face ao exposto, ao decidir que o ora Recorrente não cumpriu o ónus probatório que lhe competia, improcedendo a reclamação e mantendo-se no ordenamento jurídico a decisão de indeferimento de dispensa de prestação de garantia, o Tribunal a quo incorreu, de facto e de direito, numa incorreta interpretação do disposto no art. 52º n.º 4 da LGT.

XXIV) Em sentido oposto, não restam dúvidas que, juntamente com o pedido de isenção de prestação de garantia, o ora Recorrente não só invocou os factos constitutivos dos pressupostos da isenção, como fez a sua prova, nos termos conjugados do disposto nos artigos 52º n.º 4 da LGT e 170º n.º 3 do CPPT.

XXV) Parecendo-nos claro e inequívoco que, o ora Recorrente provou a sua manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis.

XXVI) Confira-se, a esse propósito, o conteúdo do Parecer emitido nos Autos de Reclamação pela Exma. Sra. Procuradora da República junto do Tribunal Tributário de Lisboa:

(…). Assim, o IGFSS pode, mediante requerimento do executado, dispensá-lo da prestação de garantia, e ainda assim manter a suspensão da execução, mediante a verificação dos seguintes pressupostos:

Ø Que a prestação da garantia cause prejuízo irreparável ao executado, ou;

Ø Que se verifique uma situação de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e do acrescido; e

Ø Que tal inexistência ou insuficiência não seja imputável a conduta dolosa do executado.

(…).Competia, pois, ao Reclamante, juntamente com o pedido de isenção de prestação de garantia, não apenas invocar os factos constitutivos dos pressupostos da isenção, como fazer a sua prova.

Ora, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que o Reclamante apresentou efetivamente elementos de prova dos factos que invoca. Na verdade, comprovou o Reclamante que aufere uma pensão de velhice, no valor mensal de € 612,07 (impenhorável), que tem um conjunto de prédios rústicos e urbanos em compropriedade, que representam um valor patrimonial tributário atual de € 22.646,49 (sendo a casa de morada da família um bem impenhorável), e que é cotitular de contas bancárias que representam um valor atual de € 1.504,80, pelo que, de facto, o seu ativo, no valor de € 24.151,29, não é suficiente para prestar uma garantia no valor de € 253.431,47.

Logrou, deste modo, o Reclamante, em nosso entender, fazer a prova dos pressupostos do deferimento do pedido de isenção da prestação de garantia, à luz do disposto nos artigos 52º, nº 4, da LGT e 170º, nº 3 do CPPT, como lhe competia.

Na verdade, parece-nos que o Reclamante provou a sua manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis.

Por outro lado, competia ao IGFSS o ónus de demonstrar que tal insuficiência se ficou a dever a atuação dolosa do Reclamante, facto que não ocorreu.

Deste modo, consideramos estar verificado o requisito previsto no artigo 52º, nº 4, da LGT, referente à verificação de uma situação de inexistência de bens ou sua insuficiência para pagamento da dívida exequenda e do acrescido, sendo, consequentemente, ilegal o despacho reclamado, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Face ao supra exposto, emite-se, assim, parecer no sentido da procedência da presente reclamação.

Termos em que, com os do douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser considerado procedente, por provado, determinando-se em conformidade que, por violação do disposto nos artigos 52º n.º 4 da LGT e 170º n.º 3 do CPPT, a sentença recorrida seja anulada e substituída por decisão que determine a dispensa de prestação de garantia, assim se fazendo a costumada Justiça.”


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Não foram produzidas contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso.

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Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Com relevância para a decisão, considera-se provada a seguinte factualidade constante dos autos:

1. Contra a sociedade “Pastelaria “...”, Unipessoal, Lda.», foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 1101200401022369 e apensos, pela Secção do Processo Executivo de Lisboa I do IGFSS I.P., para cobrança de dívida proveniente de cotizações e contribuições para a Segurança Social no valor de € 152.434,47 (cfr. fls. 1 a 12 do processo de execução fiscal – PEF – apenso a fls. 4 a 65 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. Em 22-10-2021, foi emitida em nome do Oponente, citação para a reversão do processo de execução fiscal identificado no número antecedente, na qual consta como valor da garantia a prestar o montante de € 253.431,47 (cfr. fls. 13 a 24 do PEF apenso a fls. 4 a 65 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. Em 02-11-2021 foi assinado pelo Oponente o aviso de recepção que acompanhava a citação para o processo de execução fiscal 1101200401022369 e apensos (cfr. fls. 26 do PEF apenso a fls. 4 a 65 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. Em 17-12-2021, o Reclamante apresentou junto da Secção de Processo Executivo de Lisboa I do IGFSS I.P., requerimento a solicitar a dispensa da prestação de garantia para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal (cfr. fls. 32 e 47 do PEF apenso a fls. 4 a 65 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. Em 03-01-2022 foi pela Coordenadora da Secção de Processo Executivo de Lisboa I do IGFSS I.P. proferido despacho a indeferir o requerimento identificado no número antecedente, com o seguinte teor:

«Com referência aos processos de execução fiscal supracitados e, tendo dado entrada nesta secção de processo executivo Lisboa I, requerimento de dispensa da prestação de garantia, nos termos e, para os efeitos, do art.º 170.º do CPPT, vimos pela presente comunicar o seguinte:

No âmbito da oposição, vem o oponente A..., com o NIF … requerer a dispensa de prestação da garantia, para efeitos de suspensão do processo executivo e apensos supracitados, alegando em suma, a falta de meios económicos, para prestar uma garantia no valor de € 253.431,37, conforme alegações constantes do requerimento apresentado, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

E, consequentemente, para efeitos de prova do alegado, junta prova documental, nomeadamente a declaração do Centro Nacional de Pensões, recibo de pensão e cadernetas prediais dos imóveis, dos quais é proprietário.

Apreciando a dispensa de prestação de garantia, requerida:

Conforme dispõe o art.º 52.º, n.º 4 da LGT, o benefício da isenção depende de dois pressupostos, a provar pelo requerente, em alternativa:

a) Existência de prejuízo irreparável decorrente da prestação de garantia, ou,

b) Falta de bens económicos para a prestar.

Demonstrando o requerente um destes pressupostos, pode o órgão de execução fiscal deferir o pedido, desde que não existam fortes indícios, de que a insuficiência ou inexistência de bens, se deveu a atuação dolosa do interessado.

Ora, verifica-se que o requerente é proprietário de vários prédios urbanos e rústicos, pelo que, sendo proprietário destes bens, tal fato não inibe a respetiva penhora, nem a constituição de hipoteca legal, sobre os mesmos, a favor deste órgão de execução fiscal.

Verifica-se, ainda, que o requerente é titular de várias contas bancárias, mas não comprova nos autos a impossibilidade de obter uma garantia bancária, por forma a garantir a dívida exequenda e acrescido.

E, bem assim, também não comprova a impossibilidade de prestar garantias de outra natureza, conforme dispõe o art.º 195.º e 199.º do CPPT.

Face ao exposto, não se encontram preenchidos os requisitos previstos no art.º 52.º, n.º 4 da LGT, para a concessão da garantia, cujo ónus da prova recaía sobre o requerente, de acordo com o art.º 74.º, n.º 1, da LGT, art.º 170.º, n.º 3 do CPPT e art.º 342.º do Código Civil.

Pelas razões apontadas, indefere-se o requerimento de dispensa de prestação de garantia.»

(cfr. fls. 49 e 50 do PEF apenso a fls. 4 a 65 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

6. Em 07-01-2022 foi assinado o aviso de recepção que acompanhava a notificação do ofício a comunicar o despacho identificado no número antecedente (cfr. fls. 51 do PEF apenso a fls. 4 a 65 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

7. A presente Reclamação foi remetida por correio registado à Secção de Processo Executivo de Lisboa I do IGFSS I.P. em 17-01-2022, tendo dado entrada neste Tribunal em 15-01-2022 (cfr. fls. 1 e 87 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

8. O Reclamante aufere a título de pensão de velhice, paga pelo Centro Nacional de Pensões, a quantia mensal de € 612,07 (cfr. fls. 34 a 36 do PEF apenso a fls. 4 a 65 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

9. À data de 17-12-2021, encontravam-se registados a favor do Reclamante os seguintes prédios:


«Imagem no original»


(cfr. cadernetas prediais a fls. 37 a 45 do PEF apenso a fls. 4 a 65 dos autos, cujo teor se da por integralmente reproduzido);

10. O Reclamante é titular das contas bancárias e respectivos saldos a seguir identificadas:


«Imagem no original»

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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada:

Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir, designadamente, não está provado o seguinte:

1. Não ficou provado que o Reclamante é comproprietário dos imóveis identificados no n.º 9 da matéria de facto provada;

2. Não ficou provado que o Reclamante é cotitular das contas identificadas no n.º 10 da matéria de facto provada:

3. Não ficou provado que o imóvel a que corresponde o artigo da matriz urbana n.º…, do distrito de 11 - Lisboa, concelho de 11 - Sintra, freguesia 24 - União das Freguesias do Cacém e São Marcos é a casa de morada de família do Reclamante.


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A motivação da matéria de facto fundou-se no seguinte:

“Quanto aos factos provados, a convicção do tribunal, baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais e documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal junto aos autos, não impugnados conforme remissão efectuada em cada número probatório, tudo de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.

Quanto aos factos não provados, a convicção do Tribunal fundou-se na falta de qualquer tipo de prova que ateste a alegação do Reclamante quanto aos mesmos.

No que diz respeito ao facto não provado n.º 1, nada nos autos permite concluir que o Reclamante é comproprietários dos aludidos prédios. Aliás, o que resulta do probatório e dos documentos juntos pelo Reclamante é precisamente o contrário, já que nas cadernetas prediais consta que o mesmo tem a propriedade plena dos prédios em causa. De referir que, o facto de o Reclamante alegar ser casado, para justificar o regime de compropriedade, tal circunstância (não demonstrada, diga-se), não é em si mesma suficiente para o demonstrar, dado que se desconhece o concreto regime patrimonial aplicável ao matrimónio do Reclamante e, também, porque não se conhece – e era o Reclamante quem tinha o ónus de demonstrar- de que modo foram os bens adquiridos.

O mesmo raciocínio se aplica à cotitularidade das contas bancárias, considerando que o Reclamante nem sequer indicou que é o outro cotitular das contas e muito menos juntou qualquer tipo de prova dessa cotitularidade.

Relativamente ao facto não provado n.º 3, também dos autos não resulta qualquer evidência de que o imóvel em causa constitui a casa de morada de família do Reclamante, não tendo o Reclamante feito qualquer demonstração dessa realidade. Sendo que, os elementos juntos apenas reforçam esse entendimento, já que indicam expressamente a qualidade de titular de A…., apenas (e não cotitular). Também aqui, o facto de, alegadamente, ser casado não importa, necessariamente, a cotitularidade sobre todas as contas bancárias, como o Reclamante pretende fazer crer, cabendo-lhe nesta matéria alegar e demonstrar, o que, quanto a este aspecto, também não logrou fazer.

Estes factos que resultaram não provados correspondem a factos alegados pelo Reclamante, que tendo o ónus de carrear a prova respectiva (cfr. artigo 74.º n.º 1 da LGT conjugado com os artigos 342.º a 348.º do Código Civil], que, não o tendo feito, deve contra si ser valorado, razão pela qual os mesmos foram considerandos não provados.”


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III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, o Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a reclamação deduzida contra o despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia concretizado no âmbito do processo de execução fiscal nº 1101200401022369.

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre analisar se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito, por ter erroneamente valorado os elementos constantes dos autos, violando, dessa forma, o disposto nos artigos 52.º, nº4 da LGT e 170.º, nº3 do CPPT.

Apreciando.

Defende o Recorrente que o órgão de execução fiscal não se pronunciou nem formulou qualquer juízo relativamente à prova por si apresentada e à insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, tendo em vista isentá-lo da prestação de garantia.

Mais alegando que o Tribunal a quo se substituiu ao órgão de execução fiscal, ao ter aduzido que não ficou demonstrada a compropriedade dos imóveis em causa, e que um deles constitua casa de morada de família e bem assim a cotitularidade das contas bancárias.

Relevando, in fine, que face aos seus ativos e idade avançada deveria o Tribunal a quo ter recorrido às regras da experiência e com isso inferido que, na conjuntura atual, os bancos não concedem garantias bancárias estando em causa pessoas, como o Recorrente, de idade avançada, com baixos rendimentos e património insuficiente.

O Tribunal a quo fundamentou a improcedência da presente reclamação com base no seguinte discurso jurídico:

“Do probatório resulta que o Reclamante aufere a título de pensão de velhice, paga pelo Centro Nacional de Pensões, a quantia de € 612,07 € mensais, tem registados em seu favor imóveis no valor de € 77.113,22, e, por fim, apresenta um saldo bancário total de 1.670,46 €, em 08-03-2022, em três contas e de 93,88 €, em 11-03-2022 (cfr. n.ºs 8, 9 e 10 do probatório).”

Densificando, desde logo, que “[n]ão se encontra demonstrado nos presentes autos que o Reclamante seja comproprietários dos imóveis em causa e que seja cotitular das contas bancárias. Da mesma forma que não se encontra demonstrado que um desses imóveis constitui a casa da morada de família do Reclamante (cfr. n.ºs 1, 2 e 3 da matéria de facto não provada).”

Mais sublinhando que “[o] Requerente é quem tem o ónus de demonstrar a alegada manifesta falta de meios económicos” (…) “[n]o presente caso, o Reclamante, direccionou a sua diligência apenas no sentido de demonstrar a manifesta falta de meios económicos, através da simples indicação dos seus activos patrimoniais, ao invés de diligenciar junto de instituição apropriada pela obtenção da referida garantia idónea, qual seja, um das indicadas no artigo 199.º, n.º 1 do CPPT, sem prejuízo de, frustrando-se tal possibilidade, diligenciar no sentido previsto no artigo 199.º, n.º 2 do CPPT. E o Reclamante não alegou, e muito menos demonstrou, a impossibilidade de contrair um empréstimo junto do Banco ou emissão de garantia bancária nos montantes da dívida em causa e acrescido.”

E, no concernente à casa de morada de família que “[e] ainda que não esteja demonstrado que um dos imóveis constitui a sua casa de morada de família, mesmo que essa prova tivesse sido feita, tal não impediria a penhora do mesmo.”

Concluindo, in fine, que “[s]eria perfeitamente plausível, na eventualidade de o património do Reclamante se revelar insuficiente para garantir a totalidade da dívida e acrescido, aquele podia oferecer como garantia parte do património e, nessa medida, assegurar parte da dívida, e pedir a dispensa parcial da prestação de garantia quanto ao montante que não fosse possível garantir. Contudo, o Reclamante optou, como já dissemos, por pura e simplesmente, não desenvolver qualquer esforço no sentido de tentar obter garantia ou prestar, ainda que parcialmente, a mesma.”

Vejamos, então, se assiste razão ao Recorrente, começando por convocar o quadro jurídico que releva para a presente lide.

A suspensão da execução fiscal depende da prestação de garantia idónea nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 52.º da LGT. Contudo, a Autoridade Tributária (AT) pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito legal, segundo o qual:

“4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.(1)”

Da letra do n.º 4 do artigo 52.º da LGT, resulta que o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia está sujeito à verificação de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e um terceiro de verificação cumulativa, a saber:

Alternativamente, importa provar que: i) a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou ii) a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido;

Cumulativamente, cumpre demonstrar: iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.

Em termos de ónus probatório, cumpre relevar que quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente, in casu o Recorrente, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa (2).

Por seu turno, compete à AT a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a atuação dolosa do Reclamante. A ratio legis coaduna-se com a circunstância de não se justificar a isenção de prestação de garantia quando o executado tenha previamente sonegado ou dissipado os bens com o intuito de diminuir as garantias dos credores ou que tenha colocado dolosamente a sociedade em situação de manifesta insuficiência económica para a prestação da garantia.

Note-se que com a nova redação do n.º 4, do artigo 52.º, da LGT o legislador tributário procedeu à inversão do ónus da prova no que concerne ao preenchimento do terceiro pressuposto (cumulativo) passando a constar uma atuação dolosa ao invés da prova do afastamento de uma atuação culposa por parte do executado (3).

De convocar, outrossim, o teor do artigo 170.º, nº3, do CPPT, o qual a propósito da instrução do requerimento dispõe que: “O pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária.”

Visto o direito que releva para a apreciação da questão, e atentando na matéria de facto devidamente estabilizada e no discurso jurídico que fundamentou a decisão recorrida não se vislumbra que a mesma mereça qualquer censura, visto que interpretou adequada e corretamente a lei vigente aos pressupostos factuais constantes dos autos.

Mas explicitemos, com pormenor, por que assim o entendemos.

Contrariamente ao defendido pelo Recorrente e no sentido propugnado pelo Tribunal a quo, o mesmo não logrou provar o pressuposto legal -único convocado pelo Recorrente- da manifesta falta de meios económicos para que lhe seja concedida a isenção de prestação de garantia.

Senão vejamos.

De relevar, ab initio, que contrariamente ao expendido pelo Recorrente, o Tribunal a quo não exorbitou o seu âmbito de cognição, em nada se substituindo à Entidade Administrativa, na medida em que se limitou a apreciar o pressuposto convocado pelo Recorrente, ou seja, da aduzida insuficiência económica apurando do acerto da posição adotada para indeferir a pretensão de isenção de prestação de garantia.

Com efeito, o Recorrente no seu requerimento de dispensa de prestação de garantia alega a manifesta insuficiência de meios económicos revelada pela ausência de bens suscetíveis de penhora, tendo apresentado como suporte documental da aludida insuficiência, oito documentos, concretamente, declaração que o Recorrente é beneficiário de uma pensão de velhice, recibos referentes ao mês de novembro de 2021, e cadernetas prediais urbanas dos prédios visados.

A Entidade Administrativa no seu despacho de indeferimento conclui pela não verificação do requisito da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, convocando três ordens de razão:

- A existência de vários prédios urbanos e rústicos na sua esfera jurídica, o que não inibe a respetiva penhora, nem a constituição de hipoteca legal, sobre os mesmos, a favor do órgão de execução fiscal.

- A titularidade de várias contas bancárias, sem qualquer comprovação nos autos da impossibilidade de obter uma garantia bancária, por forma a garantir a dívida exequenda e acrescido.

- A inexistência de qualquer prova no sentido da impossibilidade de prestar garantias de outra natureza, conforme dispõe o art.º 195.º e 199.º do CPPT.

Ora, atentando no discurso fundamentador da sentença recorrida verifica-se que o Tribunal a quo se limitou a apreciar da legalidade desse juízo de valor, é certo que no atinente aos prédios urbanos e às contas bancárias, convocou o respetivo suporte documental, mas fê-lo para apartar, expressamente, as alegações do Recorrente no atinente à alegada compropriedade dos visados imóveis e bem assim da invocada casa de morada de família e cotitularidade das contas bancárias. Sendo certo que, tal em nada consubstancia uma pronúncia substitutiva mas, tão-só, um olhar analítico da legalidade do pressuposto da insuficiência económica, no fundo o reexaminar da prova produzida para poder aferir da legalidade da decisão reclamada.

De relevar, ainda neste particular, que carece da relevância e do efeito que é almejado pelo Recorrente o propugnado em XXVI quanto ao parecer do DMMP, desde logo face ao seu caráter não vinculativo, não estando, por conseguinte, o julgador adstrito ao seu cumprimento e expressa refutação.

Sendo certo que, como deixámos já antever, secundamos a posição acolhida por parte do Tribunal a quo, e isto porque a inferência da insuficiência económica não se pode retirar da prova carreada aos autos, desde logo porque os ativos penhoráveis integram, naturalmente, um acervo bastante mais abrangente e que importa fazer prova junto da AT, e cujo ónus se circunscreve na esfera jurídica do Recorrente.

Note-se que, conforme aduzido pela Entidade Administrativa, e sancionado pelo Tribunal a quo, nada foi carreado quanto à demonstração da insusceptibilidade de obtenção de garantia idónea, mormente, garantia bancária, prova essa cabal que permita atestar nesse e para esse efeito.

Com efeito, a letra da lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa de prestação de garantia seja instruído com a prova documental necessária, norma que obriga a que, salvo casos excecionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelos Requerentes para prova dos factos constitutivos do direito que invoca sejam juntos logo com o requerimento em que se solicita essa dispensa.

Sendo que, como já aduzido no Aresto deste TCAS, no processo nº 895/21, de 12 de maio de 2022, se: “[o] Reclamante não alegou, e muito menos demonstrou a impossibilidade de contrair um empréstimo junto do Banco ou emissão de garantia bancária nos montantes da dívida em causa e acrescido. (…) impunha-se que o reclamante alegasse e demonstrasse ter diligenciado no sentido de obter qualquer garantia idónea a garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido, que nenhuma instituição bancária ou seguradora acedeu a emitir em seu nome uma garantia, ou que, tendo acedido, quais os custos previsíveis da emissão dessa garantia, e o real impacto que a prestação da garantia teria na sua situação económica, o que não fez, de todo.” (destaques e sublinhados nossos).

Note-se, ademais, que é, outrossim, indicado como suporte fundamentador da falta de prova da manifesta falta de meios económicos do executado, a existência de seis bens imóveis, e a suscetibilidade de os mesmos serem objeto de penhora ou de constituição de hipoteca legal.

Posição que se secunda, sendo, outrossim, de salientar, e em sentido consonante com o propugnado pelo Tribunal a quo, que o facto dos aludidos bens imóveis terem um VPT inferior à quantia exequenda não acarreta, per se, que os mesmos não possam ser oferecidos como garantia, e no remanescente, sendo caso disso, seja decretada a isenção de prestação de garantia [vide, neste sentido, designadamente, Acórdão deste TCAS, proferido no processo nº 1097/20, datado de 15 de abril de 2021].

Ademais, e como sentenciado pelo Tribunal a quo, e que, ora, se valida, “[a]o contrário da conclusão que o Reclamante daqui retira – que o valor dos imóveis é manifestamente insuficiente para corresponder ao montante a garantir – esta avaliação releva apenas caso esses imóveis sejam dados de garantia, o que o Reclamante não fez, e não o fez nos termos do artigo 195.º do CPPT junto do órgão de execução fiscal, nem tampouco o fez junto de instituição financeira apropriada, a qual, operando de acordo com as regras de mercado, atentaria não apenas no valor patrimonial tributário inscrito na matriz, mas no respectivo valor de mercado, sendo certo que, num caso ou no outro, mais uma vez, a diligência, o agir, o ónus de documentar os esforços envidados incumbem apenas ao Reclamante.”

Sendo, igualmente, de valorar a falta de prova -realidade contemplada no probatório e não impugnada- atinente à compropriedade, e, neste concreto particular, à consubstanciação de casa de morada de família e bem assim, à cotitularidade das contas bancárias sub judice.

De resto, e sem embargo do exposto, sempre importa sublinhar que o facto de um bem imóvel ser casa de morada de família não obsta a que o mesmo possa servir como garantia para efeitos de suspensão da execução fiscal, ou seja, a circunstância de a casa de morada de família não ser suscetível de venda em execução fiscal não obsta à sua penhorabilidade.

Neste particular, convoque-se o Aresto do STA, prolatado no processo nº 307/20, datado de 02 de setembro de 2020, do qual se extrata, na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“1- A falta de meios económicos que fundamente o pedido do executado de isenção de prestação de garantia ao abrigo do n.º 4 do artigo 52.º da LGT, é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis.

2- O imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim, não pode ser vendido na execução fiscal porque o proíbe o artigo 244.º, n.º 2 do CPPT, mas é penhorável, e por isso deve ser considerado para efeitos de isenção da prestação de garantia.” (destaque e sublinhado nosso).

Logo, nenhuma censura merece a decisão recorrida que validou a falta de demonstração de insuficiência de bens penhoráveis, sendo certo que a atuação da Entidade Exequente em nada determinou -como advogado pelo Recorrente e se bem interpretamos as suas alegações- a violação do princípio do inquisitório, e isto porque, ainda que a mesma deve contribuir e colaborar para a descoberta da verdade material tal não pode acarretar um dever de substituição da mesma à parte, como visto, o ónus de alegação e demonstração é da parte.

Carecendo, por isso, de relevo a jurisprudência convocada pelo Recorrente, particularmente, em 28.º, porquanto não transponível para o caso vertente, desde logo, porque na situação retratada no citado Acórdão inexistiam quaisquer bens imóveis na esfera do Recorrente.

In casu, se o Recorrente nada demonstra no sentido de lhe estar vedada a prestação de garantia idónea, mormente, garantia bancária ou seguro caução, não pode considerar-se que o órgão decisor se encontra obrigado a ir investigar os factos alegados ou endereçar convite para apresentar a prova que ele omitiu.

Acresce que, como é bom de ver e inversamente ao aduzido em XXI), a documentação atinente à insusceptibilidade de obtenção de empréstimo bancário, garantia bancária ou qualquer outra garantia consignada no artigo 199.º do CPPT, não está, naturalmente, na posse e esfera de cognoscibilidade da Entidade Exequente.

Não podendo, naturalmente, relevar para efeitos da aludida prova as regras da experiência, na medida em que não pode inferir-se da interpretação conjugada do acervo probatório com as aludidas regras da experiência que face ao facto do Recorrente ser beneficiário de uma pensão de velhice no valor de €612,07, lhe estaria inviabilizada a prestação de qualquer outra garantia, até porque, reiteramos, é titular de seis bens imóveis dos quais não resulta demonstrada qualquer oneração, sendo, portanto, abstratamente suscetíveis de penhora e hipoteca.

Como doutrinado em Acórdão proferido pelo STA no processo nº 1298/12, datado de 19 de dezembro de 2012, “No que aos pressupostos da dispensa de prestação de garantia respeita, entendemos que a lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa, a dirigir ao órgão de execução fiscal, seja instruído com a prova documental necessária (cfr. o nº 3 do artigo 170º do CPPT), norma esta que, não devendo ser interpretada, sob pena de inconstitucionalidade, como uma restrição probatória (…), obriga a que, salvo casos excepcionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelos requerentes para prova dos factos constitutivos do direito à dispensa da prestação de garantia sejam desde logo juntos ao requerimento em que é solicitada a dispensa.”

Encontramo-nos, inexoravelmente, perante um “[p]rincípio de preclusão procedimental dirigido ao executado que pretende obter a aplicação do benefício da dispensa de prestação de garantia para alcançar suspensão da execução fiscal, na medida em que define a fase ou o momento procedimental em que ele deve alegar os factos e apresentar os respectivos meios de prova, colaborando com a administração no sentido de evidenciar que se encontram preenchidos relativamente a si os pressupostos que a lei exige para a aplicação desse regime, sob pena de os mesmos não ficaram demonstrados e de ele perder, assim, a oportunidade de obter o benefício” [como claramente enuncia o Aresto do STA, proferido no processo nº 0718/14, datado de 03 de setembro de 2014] (destaques e sublinhados nossos).

O qual, naturalmente, “[a]colhe interesses de eficiência, celeridade e economia procedimental, prevenindo o arrastamento de um procedimento que é da estrita iniciativa do interessado e que assume carácter célere e urgente, em que ao requerimento se segue imediatamente a decisão (no prazo de dez dias), não prevendo a lei, sequer, actividade instrutória a desenvolver pelo órgão decisor, que decidirá de imediato em face das razões de facto e de direito invocadas no requerimento e da prova que nele tiver sido oferecida, como se de um deferimento ou indeferimento liminar se tratasse. Na verdade, o curtíssimo prazo concedido ao órgão administrativo para a decisão do pedido, conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar imediatamente toda a prova no requerimento onde formula a pretensão, denuncia objectivamente o carácter urgente deste procedimento, onde o tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, de obviar ao sumiço de bens que possam garantir o pagamento integral da dívida exequenda e do acrescido. O que traduz uma opção legislativa perfeitamente razoável de valorar negativamente a total inércia probatória do interessado e que não comporta, a nosso ver, um ónus desproporcionado, atenta a natureza e finalidade deste procedimento. O indeferimento imediato do pedido por total ausência de requerimento probatório representa, no fundo, um sibi imputet que não se nos afigura excessivo, na medida em que o requerente não pode deixar de estar ciente, perante a claríssima letra da lei, do seu dever de iniciativa e de instrução, e na medida em que é ele quem está em melhores condições para apresentar os meios de prova da factualidade por si alegada (4)(destaques e sublinhados nossos).

É certo que o artigo 59.º da LGT enuncia como princípio norteador do procedimento tributário, o princípio de colaboração, mas a verdade é que o mesmo assume uma dimensão e um caráter recíproco, ou seja, não se poderá exigir da AT que cumpra o ónus que incumbe, em primeira linha, à parte.

Com efeito, e continuando a acompanhar o aludido Aresto “[n]ão pode esquecer-se a reciprocidade do dever de colaboração que Lei Geral Tributária estabelece (art. 59º) e que exige também ao contribuinte que coopere activamente com a administração no sentido da descoberta da verdade, dever que não pode deixar de ser lido em conjugação com o princípio geral relativo ao ónus da prova: cabendo-lhe o ónus de invocar e demonstrar que se encontram reunidos os pressupostos para ser dispensado da prestação de garantia, cabe-lhe o dever de apresentar os meios de prova que permitam dar por verificados esses requisitos, sob pena de a sua inércia probatória e de o non liquet que daí resulta ter de ser resolvido contra si.” (destaques e sublinhados nossos).

Note-se que, com isto não se está a dizer que a Entidade Exequente não deva, sendo caso disso, ao abrigo do princípio do inquisitório e do dever de colaboração e cooperação recíprocas, solicitar esclarecimentos e requerer dados adicionais, em casos pontuais e devidamente justificados, mormente, requisição de elementos contabilísticos em caso de dúvida sobre a situação financeira retratada. Com efeito, o que se preconiza é que não se pode enveredar –como regra, quando a mesma é exceção- pela vinculação do órgão decisor a requerer diligências e esclarecimentos adicionais quando a parte não procede à apresentação de meios de prova no momento legalmente assinalado.

Aliás, uma outra interpretação acarretaria perda de sentido útil da “[o]brigação de apresentação da prova num momento procedimental determinado, ficando a parte interessada negligentemente à espera do convite que a administração estaria obrigada fazer-lhe ou à espera do resultado das diligências probatórias que ela estaria obrigada a encetar oficiosamente e que, no âmbito de pedidos de dispensa de garantia, contendem até com factos pessoais que estão fora do alcance da actividade inquisitória da administração.(5)” (destaques e sublinhados nossos).

No mesmo sentido, aponta o Aresto do STA, proferido no processo nº 0289/20, datado de 04 de abril de 2020, do qual se extrata na parte que para os autos releva:

“[i]mpor à AT que, em sede do procedimento de dispensa de prestação de garantia, diligencie oficiosamente no sentido de apurar o real valor de bens que a Executada não se propôs oferecer em garantia e, alguns, de cuja existência nem sequer lhe deu conta, é fazer tábua rasa da obrigação de alegação e prova que o legislador pôs a cargo do executado que, em ordem à suspensão da execução fiscal, pretenda ser dispensado da prestação de garantia mediante a invocação de falta de condições económicas para a prestar.

Note-se ainda que o procedimento de dispensa de prestação de garantia tem regras próprias de alegação e prova dos factos (cf. art. 52.º, n.º 4, da LGT e art. 170.º, n.º 1, do CPPT), não podendo, sem mais, aplicar-se-lhe as regras do procedimento tributário de liquidação, tanto mais que não é possível estabelecer paralelismo entre ambos: enquanto naquele está em causa a pretensão do executado a obter um efeito que se há-de ter como excepcional em sede de execução fiscal – a norma é a prestação da garantia em ordem a obter a suspensão da execução fiscal – e, portanto, o procedimento tem início a pedido do interessado e a decisão fica sujeita ao que foi pedido (cf. art. 56.º da LGT), neste estamos perante um procedimento tributário que pode ser iniciado oficiosamente (cf. art. 57.º, n.ºs 1 e 7, da LGT) e em que a AT não vê a sua decisão limitada senão pela prossecução do interesse público e pelos princípios enunciados no art. 54.º da LGT; enquanto naquele o interessado pretende obter um efeito constitutivo de direitos, neste o efeito será a declaração (concretização) de uma obrigação tributária.” (destaques e sublinhados nossos).

Destarte, e em resposta ao thema decidendum, conclui-se que a interpretação conferida pela Entidade Exequente, e confirmada pelo Tribunal a quo, em nada implica uma violação dos normativos 52.º, nº4 da LGT e 170.º, nº3 do CPPT.

E por assim ser, a decisão recorrida que manteve o ato reclamado não padece dos erros de julgamento que lhe são assacados, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica.


***




IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em :

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO e manter a decisão recorrida.

Custas a cargo do Recorrente.
Registe. Notifique.


Lisboa, 15 de setembro de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)


(1) Redação atribuída com a Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro
(2) Vide, designadamente, Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferido em 05-07-2012, no âmbito do processo n.º 0286/12.
(3) Neste particular, cumpre chamar à colação o Acórdão de TCA Sul, proferido no processo nº 321/17.3 BEBJA, com data de 08-03-2018
(4) Conforme explicita o já citado Aresto do STA, proferido no processo nº 0718/14.
(5) In Aresto citado processo nº 0718/14.