Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07384/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/27/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
CONCEITO DE RENDIMENTO TRIBUTÁRIO EM SEDE DE C.I.R.S. (CONCEPÇÃO DE RENDIMENTO-ACRÉSCIMO).
INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA.
RENDIMENTOS DE CAPITAIS. ARTº.5, Nº.1, DO C.I.R.S.
ARTº.5, Nº.2, AL.H), DO C.I.R.S. ADIANTAMENTO POR CONTA DE LUCROS.
Sumário:
1. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
2. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.
3. As normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.
4. A definição de rendimentos de capitais, introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, no artº.5, nº.1, do C.I.R.S., traduz e incorpora uma regra de incidência tão ampla que é capaz de englobar qualquer situação, envolvente de valores mobiliários, que não seja tributada noutra das categorias de rendimentos em que opera o I.R.S.
5. O artº.5, nº.2, al.h), do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de I.R.S. os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados. Esta tributação em I.R.S. passou a fazer-se através de uma técnica de englobamento parcial dos lucros distribuídos nos termos do artº.40-A, nº.1, do C.I.R.S., assim tentando o legislador ultrapassar o problema da dupla tributação dos lucros distribuídos, tanto em sede de I.R.C, como de I.R.S.
6. O montante de proveito de uma sociedade directamente depositado na conta bancária pessoal de um seu gerente, que o não fez relevar na sociedade, tem de se entender que o foi a título de adiantamento por conta de lucros e que constitui um rendimento deste, a tributar em sede de I.R.S., categoria E, como rendimento de capitais.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
... , com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.76 a 82 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação intentada pelo recorrente, tendo por objecto uma liquidação de I.R.S. e juros compensatórios, relativa ao ano de 2002 e no montante total de € 11.869,21, após demonstração de acerto de contas.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.108 a 115 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-O recorrente por discordar da tributação de certos rendimentos, ditos passíveis de tributação em sede de IRS pelo Fisco, impugnou atempadamente a respectiva liquidação;
2-A irresignação do recorrente quanto a tal tributação reside no facto de nunca ter recebido ou terem sido postos à sua disposição, por qualquer entidade colectiva, sujeita a IRC, de que o recorrente tenha sido sócio, quaisquer montantes ou importâncias, plasmados no conceito de adiantamento por conta de lucros;
3-Também, por sua vez, o fisco não logrou provar que o recorrente tenha efectivamente recebido e/ou alguém tenha posto à sua disposição qualquer quantia ou montante com aquelas características pagos por qualquer sociedade tributada em sede de IRC;
4-Para além de tais hipotéticos rendimentos só poderem ser tributados em sede de IRS caso estejam taxativamente previstos nas leis tributárias e nas normas da incidência objectiva, não sendo permitido a tributação por analogia ou interpretação extensiva;
5-Sem prejuízo desses mesmos rendimentos só serem passíveis de tributação quando resultem inequivocamente de um lançamento e pagamento evidenciado através de qualquer conta corrente do sócio e existente na contabilidade da sociedade... o que não é o caso;
6-Por isso tal tributação é ilegal e viola as normas da incidência objectiva do CIRS devendo a liquidação impugnada ser anulada, bem ao contrário do decidido na decisão recorrida;
7-Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada e proferido acórdão que acolha a pretensão do recorrente. Como é de justiça.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.126 e 127 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.77 a 80 dos autos):
1-Em 22/05/2007, foi efectuada a liquidação oficiosa de I.R.S. ao impugnante, com o nº.5000057287, assim como de juros compensatórios devidos, relativa ao ano de 2002, notificada ao contribuinte por carta registada enviada em 30/05/2007 (cfr.demonstração de liquidação junta a fls.21 e 22 e demonstração de compensação junta a fls.23 dos presentes autos; documento junto a fls.250 do processo administrativo apenso; documento junto a fls.11, do processo de reclamação graciosa apenso);
2-As liquidações referidas no nº.1 resultaram da alteração aos rendimentos declarados, tendo por base o relatório da I.T. e o parecer constantes de fls.42 e seg., que mereceu o despacho de concordância proferido pela Chefe de Divisão da D. F. de Lisboa, em 14/05/07, de mesmas folhas, e D.C. único de fls.232 a 237, tudo do processo administrativo apenso;
3-Dá-se aqui por reproduzido o relatório referido no nº.2, do qual consta designadamente que, na sequência da acção de inspecção à empresa "... , Ldª.", junto de vários compradores verificou-se uma diferença entre o valor das escrituras e o valor real das fracções vendidas e que os cheques de parte destas diferenças foram emitidos à ordem do impugnante e depositados em contas por si tituladas, pelo que se considerou que tais depósitos são qualificados como rendimentos de capitais (adiantamentos por conta de lucros), na titularidade do sócio gerente" (cfr. relatório junto a fls.44 a 55 do processo administrativo apenso);
4-Não se encontram contabilizados na empresa quaisquer pagamentos de que seja titular a entidade vendedora para as quais foram emitidos cheques pelos adquirentes referidos no relatório mencionado no nº.3, assim como não foram escriturados quaisquer lançamentos nas contas correntes do sócio da sociedade relativamente àquelas verbas, tendo o inspeccionado declarado, no exercício do direito de audição, que recebeu parte das importâncias consideradas como adiantamentos por conta de lucros, afirmando no entanto que o montante de € 2.117,91, incluído nos valores titulados por cheques emitidos a seu favor, foi depositado em conta da empresa vendedora, pelo que deve ser deduzido ao rendimento de capitais considerado, pelo que foi o mesmo tido em conta na correcção do rendimento colectável, tendo o interessado apresentado uma declaração de substituição de rendimentos daquele ano, no qual incluiu aqueles valores da categoria "E" e efectuou o pagamento do imposto e dos juros compensatórios em dívida (cfr. documento de pagamento aposto sobre o aviso de cobrança de fls.23 dos presentes autos; relatório da I.T. e respectivos anexos nºs.6 e 7 juntos a fls.213 a 225 do processo administrativo apenso);
5-A acção inspectiva referida no nº.3, foi iniciada com a notificação da nota de diligência efectuada em 17/11/2006 e teve o seu termo com a notificação do relatório da I.T., efectuada em 14/05/2007 (cfr.documentos juntos a fls.202 a 206 e 251 do processo administrativo apenso);
6-Do acto tributário referido supra foi apresentada reclamação graciosa, em 2/11/2007, a qual foi indeferida por despacho proferido em 28/11/2008, do qual deduziu recurso hierárquico que mereceu decisão de indeferimento pela directora de serviços do I.R.S., em 27/11/2009 (cfr.p.i. reclamação graciosa de fls.2 e seg., decisão, parecer e informação, de fls.53 a 55, tudo do processo de reclamação apenso; p.i. de recurso hierárquico de fls.2 e seg., despacho aposto sobre informação nº.2904/09, de fls.33 a 36, tudo do processo de recurso hierárquico apenso).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita …”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
X
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apensos, este Tribunal julga provada a seguinte matéria de facto que se reputa, igualmente, relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
7-Do relatório da Inspecção Tributária identificado no nº.2 supra, igualmente consta o seguinte:
"(...)
A acção inspectiva ao sujeito passivo ... , com o NIF ... .
(...)
O presente processo decorre de acção inspectiva referente a "Mútuos duvidosos" decorrente de aquisições de imóveis constantes de listagens de escrituras de compra e venda enviadas pelos Cartórios Notariais e incidiu sobre todas as cédulas de imposto e para os anos de 2002 e 2003.
(...)
O sujeito passivo é sócio-gerente da sociedade "... , L.da.", com o NIPC ... .
(...)
Em consequência da acção inspectiva realizada, procedeu-se à correcção da matéria colectável da sociedade no montante de € 320.281,28, para o ano de 2002 e em sede de IRC.
(...)
Do total de quarenta e sete vendas realizadas nos exercícios de 2002 e 2003, resultou que da análise efectuada às declarações e documentação entregue junto destes Serviços da Inspecção Tributária por três compradores, foi possível verificar que foram emitidos três cheques pelos compradores das fracções vendidas pela empresa "... , L.da.", cheques estes emitidos à ordem do sujeito passivo ... , com NIF ... .
O total de € 67.585,08 reporta-se ao ano de 2002.
(...)
De acordo com o preceituado na al.h), do nº.2, do artº.5, do C.I.R.S., estes valores são tributados em sede de I.R.S., a título de rendimentos de capitais (Categoria E), na medida em que constituem adiantamentos por conta de lucros, sendo estes considerados rendimentos de capitais.
De facto, não existindo qualquer transacção entre os adquirentes das fracções e os sócios da referida sociedade, mas tão somente entre aqueles e esta, naturalmente que os cheques passados aos sócios são pertença da sociedade, como aliás ficou amplamente demonstrado pelos adquirentes que não só assim o declararam em termo de declarações, como regularizaram a sua situação tributária em sede de Imposto Municipal de Sisa.
Nos termos do nº.1, do artº.40-A, do C.I.R.S. (aditado pela Lei 109-B/2001, de 27/12), e citando a letra da lei à altura dos factos sob análise, "Os lucros colocados à disposição por pessoas colectivas sujeitas e não isentas de I.R.C., bem como os rendimentos resultantes da partilha em consequência da liquidação dessas entidades que sejam qualificados como rendimentos de capitais são apenas considerados em 50% do seu valor.".
Assim, os valores apurados deverão ser considerados para efeeitos de tributação em sede de I.R.S (rendimentos de capitais) em 50%.
Assim, considerando a documentação acima elencada, que consta em anexo a este relatório bem como a legislação em vigor à altura dos facto relatados, deverá ser acrescido com o rendimento de capitais - Categoria E de I.R.S. - um total de € 33.792,54.
(...).
O sujeito passivo procedeu à entrega da competente declaração Modelo 3 de substituição para o ano de 2002 (anexo nº.7 de nove folhas), com base nos valores constantes do projecto de relatório da inspecção corrigido do montante de € 2.117,91 objecto de análise no âmbito da apreciação do direito de audição.
(...).
(cfr.cópia de relatório da inspecção tributária junto a fls.44 a 55 do processo administrativo apenso);
8-Em 10/5/2007, o impugnante apresentou junto da A. Fiscal declaração de substituição de I.R.S., modelo 3, relativa ao ano de 2002, na qual, além do mais, fez constar o montante de € 32.827,73, a título de lucros e adiantamento por conta de lucros, tendo efectuado a opção de englobamento de rendimentos, tudo no anexo E, relativo a rendimentos de capitais (cfr.documentos juntos a fls.218 a 223 do processo administrativo apenso).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida considerou, em síntese, julgar totalmente improcedente a presente impugnação e, consequentemente, manter o acto tributário objecto do processo (cfr.nº.1 do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P. Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, em síntese e conforme supra se alude, que nunca recebeu, ou foram postos à sua disposição, por qualquer entidade colectiva, sujeita a I.R.C., de que o recorrente tenha sido sócio, quaisquer montantes ou importâncias, plasmados no conceito de adiantamento por conta de lucros. Que a A. Fiscal não logrou provar que o recorrente tenha efectivamente recebido e/ou alguém tenha posto à sua disposição qualquer quantia ou montante com aquelas características pagos por qualquer sociedade tributada em sede de I.R.C. Que tais hipotéticos rendimentos só podem ser tributados em sede de I.R.S. caso estejam taxativamente previstos nas leis tributárias e nas normas da incidência objectiva, não sendo permitido a tributação por analogia ou interpretação extensiva. Que os mesmos rendimentos só são passíveis de tributação quando resultem inequivocamente de um lançamento e pagamento evidenciado através de qualquer conta corrente do sócio e existente na contabilidade da sociedade, o que não é o caso. Que tal tributação é ilegal e viola as normas da incidência objectiva do C.I.R.S. devendo a liquidação impugnada ser anulada, ao contrário do decidido pelo Tribunal "a quo" (cfr.conclusões 1 a 6 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
No exame do presente esteio do recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13).
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379).
Revertendo ao caso dos autos, deve, antes de mais, fazer-se a exegese da norma constante do artº.5, nº.2, al.h), do C.I.R.S., na redacção em vigor no ano de 2002 (redacção da Lei 109-B/2001, de 27/12 - cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil), norma que tinha o seguinte conteúdo:
ARTº.5
(Rendimentos da categoria E)
1 – Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2 – Os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente:
(...)
h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º;
(...)
Por sua vez, o artº.40-A, nº.1, do C.I.R.S., na redacção em vigor no ano de 2002 (redacção da Lei 109-B/2001, de 27/12 - cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil), tinha o seguinte conteúdo:
ARTº.40-A
(Dupla tributação económica)
1 – Os lucros devidos por pessoas colectivas sujeitas e não isentas de IRC bem como os rendimentos resultantes da partilha em consequência da liquidação dessas entidades que sejam qualificados como rendimentos de capitais são, no caso de opção pelo englobamento, apenas considerados em 50% do seu valor.
(...)
Releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012,proc.5320/12;ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13).
A definição de rendimentos de capitais, introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, no artº.5, nº.1, do C.I.R.S., traduz e incorpora uma regra de incidência tão ampla que é capaz de englobar qualquer situação, envolvente de valores mobiliários, que não seja tributada noutra das categorias de rendimentos em que opera o I.R.S. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.3410/09; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.226 e seg.).
O artº.5, nº.2, al.h), do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de I.R.S. os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados. Esta tributação em I.R.S. passou a fazer-se através de uma técnica de englobamento parcial dos lucros distribuídos nos termos do artº.40-A, nº.1, do C.I.R.S., assim tentando o legislador ultrapassar o problema da dupla tributação dos lucros distribuídos, tanto em sede de I.R.C, como de I.R.S. (cfr.José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.258 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.112 e seg.).
Mais se dirá que o montante de proveito de uma sociedade directamente depositado na conta bancária pessoal de um seu gerente, que o não fez relevar na sociedade, tem de se entender que o foi a título de adiantamento por conta de lucros e que constitui um rendimento deste, a tributar em sede de I.R.S., categoria E, como rendimento de capitais (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/2/2011, proc.4487/11).
“In casu”, atenta a factualidade provada (cfr.nºs.4, 7 e 8 do probatório), o impugnante/recorrente reconheceu o recebimento do montante de € 67.585,08, através de três cheques passados por compradores de fracções vendidas pela empresa "... , L.da.", cheques estes emitidos à sua ordem. Desta quantia, somente viria a ser depositado em conta da empresa vendedora o montante de € 2.117,91, tudo conforme prova efectuada pelo apelante. Pelo que restaram € 65.467,17, sendo que a tributação em I.R.S. incidiu sobre € 32.827,73, a título de lucros e adiantamento por conta de lucros, mediante opção de englobamento de rendimentos por parte do recorrente, tudo nos termos dos artºs.5, nº.2, al.h), e 40-A, nº.1, do C.I.R.S. (50% do valor dos rendimentos auferidos pelo recorrente).
A alegação do recorrente que aponta para nunca ter recebido os valores tributados em sede de I.R.S. pela A. Fiscal, ao abrigo do disposto nos artºs.5, nº.2, al.h), e 40-A, nº.1, do C.I.R.S., não encontra apoio no probatório, o qual o apelante não pôs em causa, conforme supra vincado, sendo que era forçoso, para o êxito do recurso, que tivesse colocado em crise o julgamento da matéria de facto delineado pela decisão recorrida.
Consequentemente, tendo a Administração Tributária demonstrado a legalidade do seu agir, incumbia ao recorrido o ónus de demonstrar que os montantes em causa, indiscutivelmente depositados na sua conta e por si recebidos, o foram a qualquer outro título, ou por outrem, ou que os mesmos foram transferidos para a sociedade "... , L.da.", ónus que não cumpriu, de todo em todo.
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 27 de Março de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Jorge Cortês - 2º. Adjunto)