Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1555/14.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/17/2019
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IMPOSTO DE SELO
SUJEITO PASSIVO
PESSOAS COLECTIVAS
Sumário:I. A Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, desconsidera a natureza jurídica dos contribuintes, não distinguindo sujeitos individuais de pessoas colectivas, nem o fim específico prosseguido por estas últimas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO

I.........., S.A. [em representação do Fundo de Investimento .........., doravante também designada Recorrente] recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença prolatada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o acto de liquidação de Imposto de Selo, emitido nos termos da Verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), que lhe foi efectuada com referência ao ano de 2013 e respeitante ao prédio urbano em propriedade total inscrito na matriz predial sob o nº U-.........., da freguesia da Cova, concelho de Almada.

A Recorrente finaliza as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:

«(a) Na sentença recorrida o Tribunal a quo não se pronunciou na matéria de facto fixada sobre a factualidade alegada com relevo para decisão em toda a sua extensão, já que, conforme foi demonstrado documentalmente, à data da petição inicial encontrava-se paga (dentro do prazo legal) a primeira prestação do imposto cuja liquidação é contestada, tendo subsequentemente sido pagos (dentro dos prazos legais) os valores relativos à segunda e à terceira prestação do mesmo imposto, num total de € 10.708,60.

(b) Desta forma, deverão os factos considerados provados ser corrigidos em conformidade.

(c) A sentença recorrida procedeu a uma errada aplicação do direito aos factos que deu como provados, já que o prédio por referência ao qual foi liquidado o Imposto do Selo aqui contestado não é um "prédio com afectação habitacional", como expressamente exigia a norma de incidência que é invocada pela Administração Tributária, na redacção à data relevante.

(d) Com efeito, o fundo de investimento aqui representado pela Recorrente, não podia nem pode, em qualquer hipótese, e como entidade colectiva, afectar prédios à habitação, pelo simples motivo de tal afectação ser possível apenas no caso de pessoas singulares, já que as entidades colectivas, como é o caso, não "habitam" em prédios, antes afectam os mesmos prédios à sua actividade, dando-os de arrendamento ou alienando-os.

(e) Tal significa que os prédios detidos pelo fundo de investimento aqui representado pela Recorrente, não tendo, não podendo por definição ter a "afectação habitacional" exigida pela lei para efeitos de incidência do Imposto do Selo contestado na redacção à data relevante, não podiam a ele ser sujeitos.

(f) O Tribunal a quo, embora cite a legislação na redacção da lei vigente à data relevante nos presentes autos, ou seja, 31 de Dezembro de 2013, parece considerar na sua argumentação, de facto, a redacção vigente a partir de 1 de Janeiro de 2014, introduzida pela Lei nº83-C/2013, de 31 de Dezembro.

(g) Ora, por referência à legislação na redacção data relevante nos presentes autos é na jurisprudência citada na decisão recorrida confirmado o ponto de partida da argumentação da Recorrente - o de que o conceito relevante era o de "prédio com afectação habitacional" e não estava definido na lei - e negado o ponto de partida da argumentação do Tribunal a quo - o de que o conceito relevante era o de "prédio habitacional" e estava definido na lei.

(h) Nem se diga que releva neste âmbito a alteração introduzida no artigo 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, porque a tal alteração não pode ser atribuída natureza interpretativa.

(i) Na sua decisão o Tribunal a quo atende à afectação do prédio em termos objectivos, ignorando a função que tal prédio desempenha ao nível do seu proprietário, o sujeito passivo do imposto, o que a Recorrente considera não corresponder à letra ou ao objectivo do legislador, que apontam para interpretação funcional do conceito de "afectação habitacional".

(j) O conceito de "prédio com afectação habitacional" inexiste no ordenamento jurídico­ tributário, onde se conhecem, nos termos do artigo 6º do Código do IMI, os prédios urbanos habitacionais, os prédios urbanos comerciais, industriais ou para serviços, os terrenos para construção e os outros, como categoria residual.

(k) Num esforço interpretativo de apreensão do conceito de "prédio com afectação habitacional", cabe ao intérprete verificar se o mesmo tem ou não consagração legal, se está ou não densificado para outros efeitos e com que amplitude vai surgindo ao longo da legislação fiscal.

(l) Ora, as referências legais à "afectação habitacional" contrastam notoriamente com o conceito de "afectação habitacional" subjacente à liquidação contestada e à decisão recorrida, que abstrai da afectação que foi dada ao prédio, que (por definição) não foi a de habitação.

(m) A "afectação habitacional" pressupõe antes e impõe uma abordagem funcional e, numa perspectiva funcional de alocação a um determinado fim pelo sujeito passivo de imposto, o fundo aqui representado pela Recorrente, o prédio relativamente ao qual foi liquidado o imposto agora em discussão não é efectivamente um prédio "com afectação habitacional" nos termos exigidos pela lei à data relevante.

(n) Termos em que há que concluir que a liquidação contestada se encontra viciada de erro na aplicação da lei e que, porque enferma de erro de julgamento, deverá a sentença recorrida ser revogada por Vossas Excelências e, em consequência, ser substituída por nova decisão que acolha os argumentos de direito invocados pela Recorrente, determinando a anulação da liquidação impugnada, com as legais consequências.

(o) A liquidação contestada é ilegal por inconstitucionalidade material do artigo 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, ao abrigo do qual a mesma foi efectuada, por violação do princípio da igualdade, que exige que sejam tributados de forma igual os que dispõem de igual capacidade contributiva e de forma diferente os que dispõem de diferente capacidade contributiva, na proporção dessa diferença.

(p) É que nenhuma diferença existe entre a capacidade contributiva de um proprietário de um prédio com afectação habitacional com valor patrimonial tributário igual ou superior a €1 000 000 e a de um proprietário de um prédio urbano com o mesmo valor patrimonial tributário de afectação diferente, já que os prédios têm igual valor económico e capacidade de gerar rendi mento (e por isso têm o mesmo valor patrimonial tributário), pelo que facultam igual medida de capacidade contributiva aos seus titulares.

(q) No entanto, o primeiro dos proprietários antes referidos é tributado no Imposto do Selo em análise, enquanto o segundo o não é. É desta forma violado o princípio constitucional da igualdade na sua vertente de igualdade horizontal.

(r) A violação daquele princípio constitucional na sua vertente de igualdade horizontal é igualmente patente na comparação entre proprietários de prédios com afectação habitacional, já que decorre da opção do legislador ordinário que o proprietário de um prédio com afectação habitacional de valor patrimonial tributário de €1.000.000 é tributado, enquanto o proprietário de dez prédios com a mesma afectação de valor patrimonial tributário de €100.000 o não é, quando ambos detêm prédios com afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário ascende a €1.000.000.

(s) E decorre também da opção do legislador ordinário que o proprietário de um prédio com afectação habitacional de valor patrimonial tributário de €1.000.000 é tributado, enquanto o proprietário de dez prédios com afectação habitacional de valor patrimonial tributário de €999.999,99 o não é, quando o segundo detém prédios cujo valor patrimonial ascende a €9.999.999,90, ou seja, praticamente dez vezes maior do que o primeiro, em flagrante violação do princípio constitucional da igualdade na sua vertente de igualdade vertical.

(t) O Tribunal a quo não aceitou a argumentação da Recorrente, invocando para o efeito o acórdão do Tribunal Constitucional nº568/2016, de 25 de Novembro de 2016 e o acórdão do Tribunal Constitucional nº590/2015, de 11 de Novembro de 2015.

(u) Ora, o primeiro dos acórdãos referidos respeita a uma redacção da lei que não era (mais uma vez) a vigente à data relevante nos presentes autos, ou seja, à redacção introduzida pela Lei nº83-C/2013, de 31 de Dezembro, pelo que é irrelevante para os efeitos pretendidos.

(v) Por outro lado, os factos subjacentes ao acórdão nº590/2015 (os subjacentes à Decisão Arbitral no processo nº219/2013-T que está na sua origem) não são equivalentes aos subjacentes à presente impugnação, desde logo porque o sujeito passivo de imposto era naquele caso uma pessoa singular, enquanto o fundo aqui representado pela Recorrente é uma entidade colectiva.

(w) É por este motivo que no acórdão nº590/2015 o Tribunal Constitucional utiliza conceitos como o de "níveis de riqueza correspondentes aos padrões mais elevados da sociedade portuguesa" ou o de "manifestações de riqueza" que, na linguagem corrente (e não se vê que outra seja aqui de considerar), são utilizados relativamente a pessoas singulares.

(x) Da mesma forma, a argumentação analisada no acórdão em referência não é equivalente à sujeita a escrutínio nos presentes autos, já que a análise efectuada pelo Tribunal Constitucional partiu da comparação entre contribuintes com patrimónios de natureza diferente, e não, como a Recorrente aqui preconiza ser também relevante, nos termos antes descritos, a questão da violação do princípio constitucional da igualdade na sua vertente de igualdade horizontal no sentido de que nenhuma diferença existe entre a capacidade contributiva de um proprietário de um prédio com afectação habitacional com valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000 e a de um proprietário de um prédio urbano com o mesmo valor patrimonial tributário de afectação diferente.

(y) Não tem assim aplicação no caso concreto a jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente a invocada pelo Tribunal a quo, que, em qualquer hipótese, a Recorrente considera contemplar uma decisão errada.

(z) Termos em que há que concluir que a liquidação contestada é anulável por inconstitucionalidade da norma que as baseia na interpretação preconizada pelo Tribunal a quo e que, porque enferma de erro de julgamento, deverá a sentença recorrida ser revogada por Vossas Excelências e, em consequência, ser substituída por nova decisão que acolha os argumentos de direito invocados pela Recorrente, determinando a anulação da liquidação impugnada, com as legais consequências.

(aa) Uma vez que a liquidação que se contesta na presente impugnação tem na sua origem em erro imputável à Administração Tributária, deverá, na sequência da revogação da sentença recorrida que agora se propugna, ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deve o presente recurso ser dado como procedente, por provado, com as legais consequências.»


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Por decisão do Senhor Juiz Conselheiro Relator, datada de 12.09.2017, o Supremo Tribunal Administrativo declarou-se hierarquicamente incompetente para conhecer o presente recurso, entendendo ser este Tribunal Central o competente para tal.

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Aqui chegados foi aberta vista nos autos ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer a fls. 160 e 161 dos autos, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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As Juízes Desembargadoras adjuntas tiveram vista.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, nº4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

No caso trazido a exame, as questões apreciar e decidir são as seguintes:

(i) ampliação da matéria de facto;

(ii) saber se na sentença recorrida foi cometido erro de julgamento, por, face aos factos apurados, ser indubitável concluir que a liquidação impugnada, relativa a imposto alegadamente devido nos termos da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, é ilegal dado que «o prédio por referência ao qual foi liquidado o Imposto do Selo aqui contestado não é um "prédio com afectação habitacional", como expressamente exigia a norma de incidência que é invocada pela Administração Tributária, na redacção à data relevante»;

(iii) inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, da norma constante das verbas 28 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro;

(iv) direito a juros indemnizatórios.


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III. FUNDAMENTAÇÃO

A. DOS FACTOS

A sentença deu como provados os seguintes factos:

«A) A Impugnante é uma sociedade gestora de fundos de investimento que tem por objeto principal a gestão e administração, em representação dos participantes, entre outros, do Fundo de Investimento .........., o qual, nos termos da sua política de investimentos, detém prédios urbanos para revenda ou para arrendamento com o objetivo de aplicação dos capitais obtidos junto de participantes (cf. artigo 1º da pi);

B) O Fundo de Investimento .........., é dono do prédio urbano inscrito na matriz predial respetiva da freguesia da Cova, concelho de Almada, sob o artigo U- .......... (cf. fls. 18 do processo em papel);

C) Em 2013.03.11, o prédio em causa foi avaliado e atribuído o valor patrimonial tributário de € 1 070 860,00; da ficha de avaliação, constante de fls. 56 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida, transcreve-se:

a. (…);

b. Elementos do prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente:

i. Afetação: habitação;

ii. Nº de pisos: 7;

iii. Tipologia/divisões: 22

iv. Área total do terreno – 320,3100 m2;

v. Área de implantação do edifício – 263,0000 m2;

vi. Área bruta de construção – 1980,0000 m2;

vii. Área bruta dependente – 0,0000m2;

viii.(…);

ix. Tipo de coeficiente de localização – Habitação;

x. Coeficiente de localização – 2;

c. Elementos de qualidade e conforto:

i. Elementos – [em branco];

d. Outros elementos;

i. (…);

e. Idade do prédio: 56;

f.(…);

g. Valor patrimonial tributário
Vt
=
Vc
X
A
X
    Ca
X
Cl
xCq
x
Cv
1 070 860,00=603,00
X
    1 614,4328
X
    1,00
X
    2,00
x1.00
x
0,55

h. Vt = valor patrimonial tributário, Vc = valor base dos prédios edificados; A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação; Ca = coeficiente de afetação; Cl = coeficiente de localização; Cq = coeficiente de qualidade e conforto; Cv = coeficiente de vetustez (…);

D) Em 2014.03.18, foi emitida a liquidação nº2014.........., de imposto de selo – verba 28.1 da TGIS, relativo ao prédio inscrito na matriz sob o artigo U- .........., 1ª prestação, com montante a pagar de €3.569,54, durante o mês de Abril de 2014 (cf. fls. 18 do processo em papel);

E) Em 2014.06.20, a presente impugnação deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (cf. carimbo aposto a fls. 2 do processo em papel).»

Consigna-se na sentença recorrida a título de «Factos não provados» que «Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam os elementos do caso que, em face do alegado nos autos, se mostram provado com relevância necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.»

E, em sede de «Motivação da decisão de facto» consta na mesma sentença que «A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo.»


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Ampliação da matéria de facto

Retira-se das conclusões das alegações de recurso, inscritas nos pontos (a) e (b), que o Recorrente pretende que se dê como provado que: « à data da petição inicial encontrava-se paga (dentro do prazo legal) a primeira prestação do imposto cuja liquidação é contestada, tendo subsequentemente sido pagos (dentro dos prazos legais) os valores relativos à segunda e à terceira prestação do mesmo imposto, num total de € 10.708,60.»

Tendo em conta o objecto da impugnação e o pedido nela formulado, justifica-se do ponto de vista das várias soluções que se perfilem o pretendido aditamento à matéria de facto. E isto porque caso a liquidação sindicada venha a ser anulada, importa apreciar o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é admitida pelo artigo 640.º, n.º 1 do CPC, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto. No caso, o Recorrente cumpriu os ónus impostos pelo supracitado preceito legal, não havendo, assim motivo, para indeferir o pretendido aditamento.

E assim, adita-se ao probatório a seguinte factualidade:

F) A impugnante procedeu ao pagamento da primeira, segunda e terceira prestações do imposto relativo à liquidação identificada na alínea B) do probatório, respectivamente em 24.04.2014, 28.07.2014 e 14.11.2004. (documentos fls-63 a 66 dos autos)

E, adita-se oficiosamente o seguinte facto dada a relevância para a decisão da causa:

G) O prédio urbano identificado na alínea B) e que foi objecto da liquidação impugnada encontra-se descrito na respectiva "CADERNETA PREDIAL URBANA", designadamente, nos seguintes termos:

"Tipo de Prédio: Urbano ", “ Afectação: Habitação” (cfr. documento de fls. 50 do processo administrativo)


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B.DE DIREITO

Nos presentes autos está em causa a liquidação de Imposto do Selo, Verba 28.1 da TGIS relativa ao ano de 2013, incidente sobre o prédio urbano em propriedade total inscrito na matriz predial sob o nº U-.........., da freguesia da Cova, concelho de Almada destinado à habitação.

O Recorrente discorda do decidido em 1ª Instância sustentando, em síntese que a sentença procedeu a uma errada aplicação do direito aos factos, uma vez que o prédio ao qual foi liquidado o Imposto do Selo não é um “ prédio com afectação habitacional”, uma vez que « o fundo de investimento aqui representado pela Recorrente, não podia nem pode, em qualquer hipótese, e como entidade colectiva, afectar prédios à habitação, pelo simples motivo de tal afectação ser possível apenas no caso de pessoas singulares, já que as entidades colectivas, como é o caso, não "habitam" em prédios, antes afectam os mesmos prédios à sua actividade, dando-os de arrendamento ou alienando-os» e por outro lado, embora o decidido « [c]ite a legislação na redacção vigente à data relevante nos presentes autos ou seja, 31 de Dezembro de 2013, parecer considerar na sua argumentação, de facto, a redacção vigente a partir de 1 de Janeiro de 2014, introduzida pela Lei n.º 83-C/2’13, de 31 de Dezembro

Vejamos, então.

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, veio alterar o artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, e aditar à Tabela Geral do Imposto do Selo, a Verba 28, criando uma nova realidade sujeita a imposto, consubstanciada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1.000.000,00, fazendo recair sobre tal valor a taxa de 1%.

A redacção primitiva da Verba 28.1 da TGIS (redacção aplicável ao caso), estipulava:

«28. - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1- Por prédio com afetação habitacional – 1%

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5.»

Por sua vez, o artigo 1.º, n.º 1 do Código de Imposto do Selo (CIS), define o âmbito de incidência objectiva, estatuindo o seguinte:

«1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens. (redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro)».

E, o nº4 do artigo 2.º do mesmo diploma, prescreve: «Nas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, são sujeitos passivos do imposto os referidos no artigo 8.º do CIMI.» (aditado pela Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro).

E o artigo 8.º do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis (CIMI) sob a epígrafe «Sujeito passivo» determina o seguinte:

«1 - O imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar.

2 - Nos casos de usufruto ou de direito de superfície, o imposto é devido pelo usufrutuário ou pelo superficiário após o início da construção da obra ou do termo da plantação.
3 - No caso de propriedade resolúvel, o imposto é devido por quem tenha o uso e fruição do prédio.
4 - Presume-se proprietário, usufrutuário ou superficiário, para efeitos fiscais, quem como tal figure ou deva figurar na matriz, na data referida no n.º 1 ou, na falta de inscrição, quem em tal data tenha a posse do prédio.
5 - Na situação prevista no artigo 81.º o imposto é devido pela herança indivisa representada pelo cabeça-de-casal.».

Finalmente, naquilo que para aqui importa, estipula-se no artigo 3.º do Código de Imposto do Selo (CIS) sobre a epígrafe «Encargo do imposto»:

«1 - O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1.º
(…)
3 - Para efeitos do n.º 1, considera-se titular do interesse económico:
(…)
u) Nas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o sujeito passivo referido no n.º 4 do artigo anterior.».

Da conjugação dos aludidos preceitos resulta, pois, que os sujeitos passivos da situação jurídica de que incide a Verba 28 da TGIS são os referidos no artigo 8.º do CIMI, aos quais cabe o encargo do imposto.

Por outro lado o texto da norma contida na Verba 28 é clara a definir que o facto constitutivo da obrigação tributária para a sua aplicação assenta na titularidade de um direito real - «propriedade, usufruto ou direito de superfície»-, donde a específica qualidade ou natureza do sujeito passivo não se mostra projectada no critério normativo em sindicância. Isto é o que, cristalinamente, transparece do Acórdão do Tribunal Constitucional de 24 de Maio de 2017, proferido no processo n.º 250/2017 (cujo objecto material do recurso incidiu sobre a norma inscrita na Verba n.º 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, mas ainda assim, porque o que importa para o presente caso respeita à incidência subjectiva da Verba 28, o que fixou expresso no referido Acórdão é transponível para os presentes autos). Assim, para o que aqui releva, se pode ler que: « a verba 28.1, além do mais, desconsidera a natureza jurídica dos contribuintes, não distinguindo sujeitos individuais de pessoas coletivas, nem o fim específico prosseguido por estas últimas, (…)». (disponível em www.tribunalconstitucional.pt)

Quer isto dizer que cai por terra o primeiro argumento avançado pelo Recorrente, segundo o qual: «como entidade colectiva, não pode, em qualquer hipótese, afectar prédios à habitação, pelo simples motivo de tal afectação ser possível apenas no caso a entidades singulares.».

Esclarecido este ponto, avancemos para a questão da invocada inconstitucionalidade de que enferma a norma legal que sustenta a liquidação sindicada

Como denota a leitura das conclusões de recurso, o Recorrente continua a sustentar a inconstitucionalidade material da Verba 28. da Tabela Geral de Imposto do Selo, por violação do princípio da igualdade.

Ainda segundo o Recorrente, « O Tribunal a quo não aceitou a argumentação da Recorrente, invocando para o efeito o acórdão do Tribunal Constitucional nº568/2016, de 25 de Novembro de 2016 e o acórdão do Tribunal Constitucional nº590/2015, de 11 de Novembro de 2015»[Conclusão t)], concluindo que «o primeiro dos acórdãos referidos respeita a uma redacção da lei que não era (mais uma vez) a vigente à data relevante nos presentes autos, ou seja, à redacção introduzida pela Lei nº83-C/2013, de 31 de Dezembro, pelo que é irrelevante para os efeitos pretendidos[Conclusão u)].

Em primeiro lugar, importa precisar, que contrariamente ao defendido pelo Recorrente o Tribunal de 1ª Instância, sustentou juridicamente a sua decisão na jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 590/2015 de 11 de Novembro, que não julgou inconstitucional a norma constante da verba 28 e 28.1 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro. É verdade que na sentença sob recurso para além do já referido Acórdão do Tribunal Constitucional foi ainda convocado o Acórdão de n.º 568/2016, de 25 de Novembro, porém, tal citação, no contexto literal em que se mostra inserida visou sublinhar que a jurisprudência reflectida no Acórdão n.º 590/2015 de 11 de Novembro, manteve-se após a alteração introduzida naquela norma pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédio habitacional ou de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000.

Do que fica dito resulta, com clareza (a nosso ver), que o propósito da citação do referido Acórdão do Tribunal Constitucional não tem o alcance referido nas Conclusões de recurso.

Considera, ainda o Recorrente, que a argumentação aduzida pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 590/2015 de 11 de Novembro e acolhida pelo Tribunal de 1ª Instância não é aplicável na situação sub judice, porque o sujeito passivo de imposto naquele processo é uma pessoa singular, enquanto que a recorrente é uma pessoa colectiva e, por outro lado, no Acórdão n.º 590/2015, a argumentação «não é equivalente à sujeita a escrutínio nos presentes autos, já que a análise efectuada pelo Tribunal Constitucional partiu da comparação entre contribuintes com patrimónios de natureza diferente, e não, como a Recorrente aqui preconiza ser também relevante, nos termos antes descritos, a questão da violação do princípio constitucional da igualdade na sua vertente de igualdade horizontal no sentido de que nenhuma diferença existe entre a capacidade contributiva de um proprietário de um prédio com afectação habitacional com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000 e a de um proprietário de um prédio urbano com o mesmo valor patrimonial tributário de afectação diferente».

É certo que no Acórdão n.º 590/2015, o recorrente era uma pessoa singular, contudo a propósito da apreciada violação do princípio da igualdade, deixou claro que: A tributação decorrente da norma de incidência alojada na verba n.º 28 assume a natureza de imposto parcelar (assim, JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afeto à habitação, calculando o respetivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa ótica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário. (…) a aferição do respeito pelo princípio da igualdade fiscal na sua dimensão material carece de ser referida à unidade prédio afeto à habitação, o que importa a conclusão de que no primeiro caso não existe discriminação arbitrária entre contribuintes na operação uniforme do critério substantivo relevante, traduzido na atribuição a cada prédio com afetação habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a (euro)1.000.000,00.»

Sendo assim, não se vislumbra que a construção jurídica efectuada em torno do princípio da igualdade não tenha aplicação no caso concreto uma vez que o respeito pelo princípio da igualdade fiscal na sua dimensão material deve, ser referida à «unidade prédio afecto à habitação», centrada na individualidade económico-jurídica do património individual tributado, e não no conjunto do património do sujeito passivo do imposto.

Desde modo, tendo o Tribunal Constitucional decidido no seu Acórdão n.º 590/2015 de 11 de Novembro no sentido da não inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade da norma da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, entendemos que é de manter a sentença recorrida em conformidade decidiu.

De resto, «O juízo de não inconstitucionalidade formulado nos acórdãos do Tribunal Constitucional, quer pela força dos seus argumentos, quer por provir do tribunal a que a ordem judiciária comete a competência específica para a apreciação das questões da constitucionalidade das normas, deve ser observado (cfr. art. 8.º, n.º 3, CC), tanto mais que a parte que dele discorde tem sempre ao seu dispor o recurso para aquele Tribunal.» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20.06.2018, proferido no processo n.º 835/17, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

IV.CONCLUSÕES

I. A Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, desconsidera a natureza jurídica dos contribuintes, não distinguindo sujeitos individuais de pessoas colectivas, nem o fim específico prosseguido por estas últimas.

V.DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente.


Lisboa, 17 de Outubro de 2019.


[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Catarina Almeida e Sousa]