Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12219/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/09/2015
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR – INSPECTOR DA PJ – PRISÃO PREVENTIVA – EVIDÊNCIA DA PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO – “PERICULUM IN MORA” – ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA .
Sumário:
I – A evidência de procedência do processo principal deve, naturalmente, poder ser facilmente constatada pela simples leitura da petição, ou resultar, de forma inequívoca e, portanto, sem qualquer esforço exegético, de qualquer elemento documental junto ao processo, sugerindo os próprios exemplos que o legislador indicou no preceito que esta faculdade deve ser objecto duma aplicação restritiva.
II – A aplicação duma medida de coacção restritiva da liberdade, mormente a prisão preventiva, priva o trabalhador da sua liberdade, sendo causa directa e necessária da ausência sucessiva e reiterada do seu local de trabalho, facto que acarreta a violação do dever de assiduidade previsto no artigo 3º, nº 2, alínea i) e nº 11 do ED.
III – No caso da prisão preventiva, a doutrina jus-laboral entende que as faltas do trabalhador devem, até que seja conhecida a sentença condenatória, considerar-se justificadas.
IV – A suspensão do contrato por facto não imputável ao trabalhador – como é o caso da imposição da medida de coacção de prisão preventiva –, na medida em que impede aquele de continuar a prestar a sua actividade à entidade empregadora pública, justifica que esta deixe de pagar-lhe a correspondente remuneração, enquanto durar a suspensão do contrato, sem que com isso se mostrem violados o direito ao trabalho previsto no artigo 58º da CRP ou, sequer, o direito à retribuição do trabalho, previsto no artigo 59º da Lei Fundamental.
V – Se a perda do direito à remuneração nada tem que ver com qualquer questão conexa ou acessória com o processo disciplinar movido ao recorrente, também não se pode afirmar que o despacho suspendendo é manifestamente ilegal, por violação das apontadas normas do EDTEFP [artigo 4º, nº 11] e da LOPJ [artigo 110º, nº 1], que de todo não têm aplicação no caso, o que afasta desde logo o decretamento da providência requerida ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.
VI – Se o despacho suspendendo não teve por fundamento a pendência do processo disciplinar que foi instaurado ao recorrente, mas sim as implicações que a medida de coacção de prisão preventiva que lhe foi imposta tiveram sobre o vínculo laboral que o liga à Polícia Judiciária, mormente por decorrência do regime de suspensão do contrato previsto nos artigos 231º e 232º do RCTEFP, torna-se evidente que o despacho suspendendo não violou o disposto no artigo 30º, nº 4 da CRP, não sendo por isso motivo bastante para justificar a concessão da providência ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.
VII – O parâmetro decisório do primeiro segmento do critério previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, respeitante ao requisito do “periculum in mora”, prende-se com a verificação da existência de um perigo de inutilidade da decisão a proferir no processo principal, ainda que meramente parcial, pela constituição de uma situação de facto consumado ou pelo receio de se produzirem prejuízos de difícil reparação.
VIII – Neste particular, incumbe ao julgador proceder a um juízo de prognose ou de probabilidade das razões que determinam o receio de inutilidade da sentença a proferir na acção principal, pelo perigo da constituição de uma situação de facto consumado ou de se produzirem prejuízos de difícil reparação.
IX – O convite ínsito no nº 4 do artigo 114º do CPTA só releva no caso do requerente da providência ter omitido algum ou alguns dos elementos enunciados no nº 3 do artigo 114º do CPTA, mas não para os casos em que essa alegação existe, mas é incompleta, pois nestes casos quaisquer irregularidades ou deficiências do requerimento que possam existir e não tenham sido detectadas só poderão, depois, porventura determinar o indeferimento da providência em decisão de mérito.
X – Também não ocorre nenhuma situação de facto consumado porquanto, estando em causa o não pagamento da remuneração do recorrente, em virtude da suspensão do contrato, logo que cesse o motivo que determinou essa suspensão [note-se que a prisão preventiva está sujeita a prazos máximos, em regra pouco extensos], o recorrente retomará imediatamente as suas funções, com o consequente recebimento da remuneração devida, não estando em causa uma situação que não possa ser revertida ainda na pendência da acção principal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
João……………………………….., Inspector da Polícia Judiciária, com os demais sinais nos autos, veio requerer contra o Ministério da Justiça a adopção da providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho de suspensão do pagamento de salários, decretado por despacho da Senhora Ministra da Justiça, datado de 19-8-2014.
O TAC de Lisboa, por sentença datada de 1-4-2015, julgou improcedente o pedido de suspensão de eficácia requerido [cfr. fls. … dos autos].
Inconformado, o requerente recorre para este TCA Sul, tendo concluído a sua alegação nos seguintes termos:
a) Com o devido respeito, que é muito, esteve mal o Mmº Juiz do Tribunal "ad quo" ao decidir que no vertente caso não se encontram preenchidos os requisitos do "fumus boni iuri" e o "periculum in mora", porquanto, considerando o direito concretamente aplicável à situação "sub judice" e na verdade estando aqueles preenchidos, deve, pois, o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se a mesma por outra que, em conformidade, seja julgada procedente a providência cautelar interposta por se verificarem preenchidos os requisitos essenciais a esse decretamento;
b) O recorrente interpôs providência cautelar de "suspensão da executoriedade de acto administrativo", com base no despacho do Sr. Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, datado de 4-6-2014, o qual determinou a suspensão do exercício de funções do recorrente, com suspensão do pagamento de salários e ainda a reposição dos vencimentos recebidos desde 26-3-2014, momento em que foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, cuja decisão, após recurso hierárquico e por despacho datado de 19-8-2014, viria a merecer concordância por parte de Sua Exª a Srª Ministra da Justiça;
c) A decisão do Sr. Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, e, por efeito reflexo, também a de Sua Exª a Srª Ministra da Justiça, são actos administrativos nulos, nos termos dos artigos 133º, nº 1 e nº 2, alíneas d) e f) do CPA, sendo postos em causa, por tempo indeterminado, o direito ao trabalho do recorrente, bem como o direito de receber o seu salário, previstos nos artigos 58º, 59º, nº 1, alínea a) e nº 3 da CRP;
d) A situação actual do recorrente é não voluntária, sendo do interesse do Estado a sujeição a essa medida restritiva de liberdades individuais do recorrente de molde a prosseguir a sua investigação, não parecendo, por via da decisão recorrida, que se tenha valorado essa situação específica do recorrente, que na mesma se encontra por único interesse do Estado;
e) Entende o ora recorrente que é evidente a procedência da pretensão formulada no processo principal, na medida em que, para além de ilegais as decisões administrativas postas em crise, na medida em que, nem tão pouco é proporcional sujeitar-se o recorrente ao seu salário por mero efeito de uma decisão judicial criminal que se pretende fazer operar de forma automática;
f) O artigo 4º, nº 11 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas determina: "Cessa a perda do vencimento de exercício, e é reembolsado aquele que tenha sido perdido, aos arguidos ainda não condenados que se encontrem ou tenham encontrado preventivamente suspensos.";
g) Determina-se por força da lei, que aos arguidos ainda não condenados e que tenham estado preventivamente suspensos, devem ser restituídas as quantias que tenham sido retiradas e determina-se a cessação imediata de quaisquer descontos;
h) Passando a suspensão de funções preventiva a ser aplicada sem qualquer corte nas remunerações recebidas, indo-se ao ponto de se determinar a devolução das quantias descontadas a quem tivesse estado suspenso preventivamente e ainda não condenado com transito em julgado;
i) E esta a consagração legal que se aplica a todos os agentes públicos, fundando-se a mesma nos princípios constitucionais já citados;
j) O artigo 110º, nº 1 do Decreto-Lei nº 275-A/2000, de 9/11, que aprovou a Lei Orgânica da Polícia Judiciária, estatui que "o funcionário arguido, durante a pendência de processo criminal ou disciplinar, não é prejudicado em concursos de provimento de lugares de acesso ou na progressão na carreira, mas a sua nomeação, quando a ela tenha direito, é suspensa e o respectivo lugar, quando seja caso, é reservado até decisão final";
k) Constata-se que um qualquer funcionário arguido não pode ser prejudicado na progressão da sua carreira, e portanto, não poderá ele também ser privado da paz jurídica decorrente do recebimento do seu salário, tanto mais por via de situação em relação à qual não está de modo voluntário, mas sim decorrente de imposição do Estado;
l) "Assim, é inconstitucional a norma que determina, na sequência de prolação do despacho de pronúncia, e durante a suspensão do exercício de funções públicas da mesma decorrente, a perda da totalidade do vencimento, pois tal suspensão apresenta-se como uma antecipação dos efeitos da pena de demissão ou mesmo como uma aplicação provisória da pena de demissão com base num mero juízo indiciário, não judicialmente firmado.
V – Tal norma é ainda inconstitucional por afrontar o princípio da proporcionalidade dada a manifesta desconformidade entre a medida cautelar assim imposta e o fim que através dela se pretendia atingir...";
m) A decisão do Sr. Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, e por efeito reflexo também a de Sua Exª a Srª Ministra da Justiça, padecem do vício de violação de lei, porquanto, violaram grosseiramente diversos princípios, donde se incluem os do Direito do Trabalho, mas também os princípios da legalidade, da adequação, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade, e da boa-fé;
n) O que, aliás, é notório quando o Sr. Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária refere que "...resulta que este último normativo parece ter absorvido/incorporado ou cindido num só, os anteriores normativos...", referindo-se, "in casu", aos artigos 63º e 64º do Decreto-Lei nº 100/99, de 31/3, e ao artigo 185º, nº 2, alínea d) do RCTFP;
o) Ora, fundamentando o proponente uma proposta de perda de direito à remuneração mensal do aqui recorrente, apenas com o facto de lhe parecer, não é só por si suficiente, para sustentar a proposta de perda de vencimento;
p) Seja como for, esta indefinição parece ter sido seguida pelo Mmº Juiz, porquanto refere o mesmo na sua decisão que "...no caso em apreço, não pode considerar-se, desde logo, que a pretensão do requerente é manifestamente procedente, antes o seu inverso...";
q) Mas, cuja clareza adiante lá acaba por ser posta em causa, quando refere que ''...as ilegalidades do acto suspendendo, a existirem, não são manifestas...";
r) A formulação "a existirem" só pode ser encarada no sentido de não ser manifesta a improcedência da acção principal, de resto, do nosso ponto de vista, muito pelo contrário;
s) Nem uma interpretação extensiva do artigo 185º, nº 2, alínea d) do RCTFP, permitiria enquadrar devidamente e em conformidade a situação do recorrente, que, como se disse, assenta numa involuntária ausência prolongada ao serviço, que decorre única e exclusivamente no interesse do Estado em assegurar a investigação;
t) Ora, as "obrigações legais" aqui mencionadas pressupõe, necessariamente, a participação voluntária do trabalhador, o que, de todo, não é o caso;
u) Vários autores referem que a melhor solução será a de considerar como justificadas as faltas decorrentes de prisão preventiva, pois, a prisão preventiva não constitui, por si só, uma comprovação da ilicitude do seu comportamento, ou seja, estas faltas não permitem fixar um juízo de imputabilidade;
v) "A prisão preventiva não constitui cumprimento de obrigação legal. O cumprimento supõe a realização voluntária de um dever e na prisão preventiva está excluído o cumprimento voluntário";
w) Na verdade, o facto não imputável ao trabalhador a que se alude no mencionado artigo 185º, nº 2, alínea d) do RCTFP refere-se ao facto em si e não à circunstância que lhe serviu de base;
x) Entende-se ainda que a ilicitude que releva para a qualificação da falta terá a ver com imputabilidade dessa mesma falta a um comportamento do trabalhador enquanto tal, e não em qualquer outra qualidade;
y) A situação de ausência ao serviço por parte do recorrente, jamais poderá ser enquadrada nos termos da previsão do artigo 185º, nº 3 do RCTFP;
z) Neste plano, veja-se, que o regime semelhante ao da situação de prisão preventiva, é o regime da situação de baixa médica por tempo indeterminado, mas nem mesmo neste regime "perturba" a segurança que impõe a privação de um salário mensal;
aa) "II – Ao invés do que acontecia face à LPTA, existe hoje a possibilidade de decretar uma providência cautelar dando apenas como verificado o requisito do "fumus boni iuris", desde que seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, nos termos da alínea a) do artigo 120º, não havendo necessidade de verificar a existência do segundo requisito, previsto nas restantes alíneas do citado preceito legal, ou seja, o "periculum in mora" […];
IV – Sendo o vencimento do recorrente a única componente do seu rendimento, o mesmo é indispensável para assegurar a sua subsistência e a do seu filho menor, pelo que a privação dele durante 180 dias [seis meses], é susceptível de pôr em risco a satisfação das suas necessidades básicas, o que equivale a dizer que, ao contrário do decidido na sentença recorrida, se impunha dar como provada a existência de prejuízos de difícil reparação e considerar verificado o requisito do ''periculum in mora" previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA...";
bb) Determina o artigo 30º, nº 4 da CRP, que "nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos";
cc) Como se constata do citado preceito constitucional, as penas, per si, não têm como efeito automático a perda de quaisquer direitos civis ou profissionais e, por maioria de razão, menos restrição poderá ainda haver à esfera do visado se se considerar que ainda nem sequer pena há;
dd) Um dos aspectos incontornáveis a considerar é de que o processo crime que actualmente incide sobre o recorrente ainda não transitou em julgado, e por isso, parece poder concluir-se que, à luz do consagrado na Constituição, também não lhe poderá advir qualquer restrição de direitos, nomeadamente, no que ao seu salário respeita;
ee) Dúvidas parecem não existir de que se encontra preenchido o requisito próprio que a qualquer medida cautelar preside, nomeadamente o da "aparência do bom direito", o denominado "fumus boni iuris", por "in casu", como se demonstrou se encontrar preenchido o preceituado pelo artigo 120º, nº 1, alínea a) do CPTA;
ff) Também muito mal esteve o Mmº Juiz "ad quo" ao considerar, em suma, que o recorrente não alega ou comprova um único facto concreto integrador de prejuízos, como sejam despesas com a sua subsistência e/ou agregado familiar que pudessem levar ao decretamento da providência cautelar;
gg) Para depois disso, afinal, vir o Mmº Juiz reconhecer que "de qualquer forma, sempre se concede que a perda do seu vencimento mensal [...] acarretará prejuízos para o ora requerente e seu agregado familiar, com o inerente abaixamento do nível de vida...";
hh) Sustentar-se como se faz nos vertentes autos que o recorrente nada refere que comprove a constituição de um facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação, parece, afrontar o senso comum, sobretudo quando estamos a falar de uma sanção disciplinar que, para além de o suspender do exercício de funções, sobretudo o priva do seu salário;
ii) O artigo 114º, nº 3, alínea g) do CPTA, exige a qualquer providência cautelar uma prova sumária da existência do direito invocado, porquanto, nestes casos, aquilo que se pretende é que o visado seja colocado numa situação de facto consumado ou numa situação em que o volume ou a qualidade dos prejuízos sofridos inviabilizam a possibilidade de reverter a situação em que se encontraria caso a ilegalidade não tivesse sido cometida;
jj) Uma das consequências da "summaria cognitio" tem a ver com o grau de prova suficiente para se demonstrar a situação tutelada e que se pretende demonstrar, bastando a mera justificação da probabilidade dos factos alegados – nos presentes autos, de resto, totalmente verídicos;
kk) Se assim não se tivesse entendido – e parece que não – então o Mmº Juiz terá esquecido o preceituado pelo artigo 114º, nº 3 do CPTA, segundo o qual "na falta de indicação de qualquer dos elementos enunciados no número anterior, o interessado é notificado para suprir a falta no prazo de cinco dias";
ll) Com o requerimento inicial juntou o recorrente o recibo do seu salário [enquanto o recebia, claro], sabendo-se igualmente que é casado, cuja esposa se encontra actualmente em situação de desemprego e tem três filhos menores;
mm) Encontrando-se, por isso, suficientemente provado nos autos que o recorrente sustenta o seu agregado familiar, que dele depende, sendo com certeza isso o suficiente para se concluir que no caso concreto existe o "periculum in mora";
nn) Tanto mais que, para além de na própria providência cautelar se ter afirmado que a pena de suspensão do recebimento dos salários, claro, lhe causaria uma impossibilidade de cumprir com as suas obrigações contratuais;
oo) Donde se inclui a renda de sua casa, água, electricidade, gás, telefone, vestuário, alimentação, etc, com todas as consequências que daí advém;
pp) Ao que acresce ainda, e não é coisa pouca, de que fica também impossibilitado de fazer face às suas necessidades básicas de subsistência, bem como de todo o seu agregado familiar;
qq) A jurisprudência tem dito que sempre que se verifique uma falta de meios de subsistência para o visado, em resultado de uma sanção disciplinar que o priva do seu salário e não se demonstre que aufere ele outros rendimentos que sejam idóneos a assegurar aquelas necessidades, então fica cabalmente provada a produção de prejuízos de difícil reparação num processo principal instaurado ou a instaurar em curto prazo;
rr) Porquanto, por via do não recebimento do seu salário fica o recorrente impossibilitado de cumprir com as suas obrigações financeiras e familiares, com um grave e irreparável prejuízo patrimonial, que acarreta, evidentemente, a não disponibilidade de um salário mensal;
ss) Ficando, preenchido o requisito para o decretamento de providência cautelar do "periculum in mora" tal como previsto no artigo 120º, nº 1, alínea b) do CPTA;
tt) Jurisprudencialmente: "Por isso, no que à privação dos rendimentos do trabalho diz respeito, é desde há muito jurisprudência firme do STA que, apesar de facilmente quantificável o prejuízo pecuniário resultante dessa privação, o mesmo é de reputar irreparável ou de difícil reparação, se essa privação puser em risco a satisfação de necessidades pessoais elementares, ou mesmo se determinar um drástico abaixamento do nível de vida do autor e seu agregado familiar...";
uu) "Quando o caso "sub judice" não permite uma maior especificação de factos concretos do que a alegada no requerimento inicial, porque os prejuízos, embora prováveis, apenas existem sob a forma de uma ameaça ainda não concretizada, verifica-se a existência do requisito de periculum in mora.";
vv) "É da natureza das coisas que a demissão de uma pessoa e a consequente perda de vencimento causam nessa pessoa danos patrimoniais e não patrimoniais que a posterior eventual anulação do acto nunca poderá ressarcir por completo: as dificuldades inerentes a viver-se durante o tempo do processo sem rendimentos nunca poderão ser integralmente ressarcidas à posteriori";
ww) Segundo ensinamentos da doutrina portuguesa, "desde que os factos concretos alegados pelo autor inspirem o fundado receio de que, se a providência cautelar for recusada, se tornará impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. É este o único sentido atribuir à expressão "facto consumado";
xx) A decisão proferida pelo Mmº Juiz se não for revogada, irá criar um facto consumado, com todos os efeitos nefastos que se vislumbram no horizonte, a menos que seja a sentença recorrida revogada e substituída por outra que, em conformidade, conceda provimento ao processo cautelar interposto;
yy) Existe fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação;
zz) Verificar-se-á a ocorrência de prejuízos que "produzir-se-ão ao longo do tempo, não sendo a "reintegração da legalidade capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente";
aaa) Nesta circunstância justifica-se a adopção de providência para evitar o "risco de retardamento da tutela que deverá ser assegurada pela sentença a proferir no processo principal";
bbb) Por essa razão, não há como não concluir que esteve mal o Mmº Juiz do Tribunal "ad quo", ao considerar que o recorrente não alegou qualquer facto que demostrasse a existência de sérios prejuízos resultantes da decisão final de suspensão do exercício de funções com perda de vencimento, quando, em bom rigor, entendemos nós, deveria ter julgado procedente a providência cautelar de "suspensão da executoriedade de acto administrativo", reconhecendo por um lado, a manifesta procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal [o "fumus boni iuris"], e por outro, o fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses do recorrente [o "periculum in mora"], previstos no artigo 120º, nº 1, alíneas a) e b) do CPTA, respectivamente.” [cfr. fls. … dos autos].

O Ministério da Justiça contra-alegou, tendo concluído a sua alegação nos seguintes termos:
I. Aos 23 de Dezembro de 2014 deu entrada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – 5ª UO – Processo nº 3010/14.7BELSB, uma acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos interposta pelo autor João…………………………., aqui recorrente, peticionando que seja proferida uma decisão que declare a nulidade de todos os actos administrativos decisórios, com fundamento nos despachos impugnados e, em consequência, manter o autor o seu direito de receber o seu salário e, se assim não se entender, ser a presente acção julgada totalmente procedente, por provada, reconhecendo-se a não procedência de todos os actos administrativos decisórios, com fundamento na decisão dos despachos em apreço;
II. Na acção principal acima mencionada, apensa aos presentes autos, o ora recorrido alegou a excepção de caducidade do direito de acção, com fundamento de que apesar de o recorrente ter interposto recurso gracioso [facultativo], em 4 de Julho de 2014, para Sua Excelência a Ministra da Justiça, do despacho do Exmº Senhor Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, proferido em 4 de Junho de 2014, não se suspendeu o prazo de 3 meses, para impugnar contenciosamente o acto em questão e, no caso dos presentes autos, não estamos perante uma situação de recurso hierárquico necessário, mas sim recurso hierárquico facultativo, sendo que, a imediata impugnabilidade contencioso de um acto não faz precludir a possibilidade de impugnação administrativa, antes abre mais uma via de reacção administrativa caso o particular pretenda, pelo que o prazo referido no artigo 69º, nº 2 do CPTA se conta a partir da notificação da decisão de indeferimento da pretensão, isto é, no caso, da notificação do despacho proferido em 4 de Junho de 2014 pelo Exmº Senhor Director Nacional-Adjunto da Polícia Judiciária e não da notificação do acto de indeferimento do recurso hierárquico proferido por Sua Excelência a Ministra da Justiça em 19 de Agosto de 2014. Em face do que forçoso será concluir que a apresentação da presente acção, em 23 de Dezembro de 2014, foi extemporânea, verificando-se assim a caducidade do direito de o autor instaurar a mesma contra o réu – vd. artigos 14º, 15º e 16º da contestação;
III. Pelo que, quer a propositura quer o andamento da acção principal, bem como o seu resultado, condicionam, assim, a manutenção da providência cautelar ordenada – nesse sentido, ponto IV do sumário do acórdão do TCA Sul, datado de 24 de Outubro de 2013, 2º Juízo, processo nº 10292/13;
IV. O acto suspendendo consubstanciado no despacho do Exmº Senhor Director Nacional-Adjunto da Polícia Judiciária, datado de 4 de Junho de 2014, confirmado por Sua Excelência a Ministra da Justiça por despacho proferido em 19 de Agosto de 2014, por não se verificarem, os requisitos cumulativos de que depende a providência cautelar, em apreço, ou seja, a ponderação de interesses, prevista no nº 2 do artigo 120º do CPTA, a qual deve traduzir-se num juízo factual com apelo a critérios jurídico-normativos, [...], sendo certo que, o que revela são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos sejam eles públicos ou privados [vide acórdão do TCA Norte, de 8-7-2011];
V. Pelo que o acto suspendendo em questão, não padece dos vícios que lhe são apontados pelo recorrente, concordando-se na íntegra com a, aliás, douta decisão tomada, que se insere nas correntes doutrinárias e jurisprudenciais largamente dominantes;
VI. Contrariamente ao alegado pelo recorrente, o despacho do Exmº Senhor Director Nacional-Adjunto da Polícia Judiciária, datado de 4 de Junho de 2014, trata-se de um despacho proferido ao abrigo das competências legais administrativas, não sancionatórias, cometidas àquele dirigente;
VII. O direito ao trabalho por parte do recorrente não se encontra suspenso por força do despacho do Senhor Director Nacional-Adjunto, mas da medida de coacção de prisão preventiva que lhe foi aplicada no processo-crime que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Almada;
VIII. O recorrente não fez prova quanto à alegada situação de desemprego por parte da sua mulher, juntou apenas o recibo do seu vencimento, o que não constituí prova suficiente para se poder afirmar que teve prejuízos de difícil reparação, fazendo apenas uma breve alegação e produção desses mesmos prejuízos, além de que não faz prova de como se materializa a irreparabilidade ou dificuldade na reparação dos mesmos;
IX. Não basta fazer afirmações vagas e inopinadas conclusões, mas sim citar doutrina e jurisprudência que se mostram assentes; sobre que versam; qual ou quais as suas fontes onde estão publicadas, em que datas e as referências dos processos e tribunais onde foram proferidos tais sentenças/acórdãos;
X. Sendo certo que o ónus da alegação não deve estar desligado do ónus da prova, pelo que não se mostram cumpridos o disposto no artigo 342º do Código Civil, nos artigos 5º e 414º do CPC, bem como no artigo 114º, nº 3, alínea g), do CPTA;
XI. Acresce que o recorrente confunde a medida da pena [que no presente caso ainda não lhe foi aplicada], da medida de coacção em processo penal, que são realidades completamente distintas;
XII. E, por outro lado, não demonstra de que forma é evidente a procedência da pretensão já formulada na acção principal;
XIII. A douta sentença recorrida, e bem, refere expressamente que o acto de 19 de Agosto de 2014 é meramente confirmativo do acto de 4 de Junho de 2014, como o recorrente acaba por reconhecer nas suas alegações;
XIV. Na medida em que, o despacho proferido por Sua Excelência a Ministra da Justiça em 19 de Agosto de 2014 que veio confirmar a decisão proferida pelo Exmº Senhor Director Nacional-Adjunto da Polícia Judiciária em questão, não tem autonomia relativamente a este;
XV. […] Daí a sentença recorrida concluiu e bem e – socorrendo-se do facto de se estar perante um acto meramente confirmativo – que é manifestamente evidente a improcedência da acção principal e, não julgou verificado o preenchimento do requisito previsto no artigo120º, nº 1, alínea a) do CPTA;
XVI. Por outro lado, contrariamente ao alegado pelo recorrente, o artigo 110º, nº 1 do Decreto-Lei nº 275-A/2000, de 9 de Novembro, não se aplica ao caso em apreço, pois não se trata de um concurso de acesso ou de progressão na carreira;
XVII. Igualmente não se verifica na douta sentença recorrida qualquer contradição ao referir-se ao requisito previsto no artigo 120º, nº 1, alínea b), segunda parte do CPTA ou seja, ao "fumus malus", pretendendo-se dizer que, apesar da evidência da presença daquele requisito, mesmo assim, a providência cautelar em questão não foi rejeitada com fundamento na falta do requisito em questão, cabendo sim na acção principal, atenta a complexidade da matéria, apreciar pela anulação ou não do acto;
XVIII. Acresce que, quando na sentença recorrida se refere "concluímos que, neste caso simples e claro que não há fumus [...]", está a aquilatar-se acerca do "fumus boni iuris" – vide artigo 120º, nº 1, alínea b), segunda parte do CPTA, e não do "fumus malus", não se vislumbra a pretensa incoerência/contradição da sentença;
XIX. É irrelevante, no caso dos presentes autos, que as faltas sejam qualificadas como justificadas, uma vez que tal facto não foi nem é determinante para a não concessão da providência em questão nem para a procedência do presente recurso;
XX. Quanto ao registo de assiduidade do trabalhador, ao recorrente foi-lhe aplicado o disposto no artigo 191º, nº 3, da Lei nº 58/2008, de 11 de Setembro, diploma em vigor à data dos factos e se tais faltas tivessem sido qualificadas como faltas injustificadas, ter-se-lhe-ia certamente instaurado um procedimento disciplinar, por força do disposto no artigo 18º, nº 1, alínea g) do diploma acima citado e aplicável à data dos factos;
XXI. Nem se verifica igualmente contradição quanto ao não preenchimento do requisito previsto no artigo 120º, nº 1, alínea b), primeira parte, do CPTA, como bem decidiu a sentença recorrida;
XXII. O recorrente não fez prova da existência dos alegados prejuízos de difícil reparação, mas tal não está em contradição com o facto de, na douta sentença se afirmar também que a perda do seu vencimento mensal acarretará para o ora requerente e seu agregado familiar, com o inerente abaixamento do nível de vida os quais, todavia, não decorrem directamente do acto suspendendo, mas antes da situação em que o requerente se encontra [em prisão preventiva], que o impede de ir trabalhar [...].";
XXIII. O facto de se conceder que haja um abaixamento do nível de vida do recorrente e do seu agregado familiar, atendendo aos padrões médios de consumo e à diversidade de bens de consumo a que estavam habituados até à data da prisão preventiva, não significa que tal facto lhes tenha causado prejuízos de difícil reparação;
XXIV. Nesse sentido, acórdão do TCA Sul, 2º Juízo, Processo nº 10308/13, de 24 de Outubro, disponível in www.dgsi.pt, em particular o ponto III do sumário "[...] Além de não resultar demonstrado que a subsistência do agregado familiar do requerente esteja em risco, atenta a composição desse agregado e as reduzidas despesas que mensalmente têm a cargo, também não existe uma drástica ou abrupta redução do nível de vida do requerente e do seu agregado familiar, mas apenas uma redução de nível de vida";
XXV. Resulta da análise do despacho liminar proferido ao abrigo do disposto no artigo 116º, nº 1 do CPTA, em 14 de Outubro de 2014, que o Tribunal "a quo" teve em consideração todos os elementos enunciados no artigo 114º, nº 3 do CPTA, face às características da sumariedade, a provisoriedade e instrumentalidade das providências cautelares, o Mmº Juiz "a quo" constatou que o recorrente juntou documentos, alguns alegadamente destinados a fazer prova da sua situação económica;
XXVI. Tratando-se de um processo de natureza urgente, bem andou o Mmº juiz "a quo" ter admitido o requerimento inicial, sem ter feito quaisquer outras considerações, pois que, ao fazê-las, já estaria a entrar no mérito da providência cautelar, num despacho de mera admissão;
XXVII. Nesse sentido, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, no "Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos", 2ª edição, 2007, página 671, e o Acórdão do STA, 1ª seção, de 5 de Dezembro de 2013;
XXVIII. O recorrente alega, nesta sede, um pretenso facto novo, i.e., o atraso no pagamento da renda de casa, sem fazer qualquer prova, nem explicita quais são as outras prestações fixas a que se refere, as quais são bastante variáveis de pessoa para pessoa/de agregado familiar para agregado familiar;
XXIX. Contrariamente ao alegado pelo recorrente, os prejuízos não são tão óbvios, pois não operam de forma automática e generalizada perante todos os que se encontrem na situação de prisão preventiva ou outra em que não exista a prestação de trabalho;
XXX. Relativamente ao ónus de alegação e ónus de prova, veja-se o Acórdão do TCA Sul, 2º Juízo, Processo nº 00166/04, de 17 de Junho, onde se lê no sumário "O ónus de prova [artigo 342º do CC] não pode desligar-se do antecipado cumprimento do ónus de alegação, devendo o requerimento inicial conter todos os factos integradores dos elementos constitutivos do direito à obtenção da tutela cautelar.";
XXXI. Por outro lado, o apoio judiciário que foi concedido ao recorrente por entidade administrativa não isenta aquele de provar, ainda que indiciariamente, os factos que alegou, em especial os ditos prejuízos de difícil reparação ou irreparáveis;
XXXII. No caso em apreço, não se está ainda no âmbito da demissão, mas tão só de suspensão da prestação de trabalho e da inerente contrapartida, a da não retribuição mensal, por força de uma medida de coacção decretada em processo penal, pelo que é completamente desajustado o alegado no ponto 117 das suas alegações;
XXXIII. Se a acção principal for julgada procedente, o que não se concede, dir-se-á que ainda assim é relativamente fácil reconstituir a situação do recorrente, na parte estritamente monetária, mediante o pagamento das retribuições;
XXXIV. De salientar que o recorrente não pôs em crise a análise efectuada pelo douto Tribunal "a quo" sobre a não necessidade de ponderação de interesses a que alude o artigo 120º do CPTA, isto é, o recorrente conformou-se, pelo que, quanto a este requisito, a sentença recorrida, transitou em julgado;
XXXV. Por fim, quer os articulados quer as conclusões do recorrente são extensas, repetitivas e prolixas, mais concretamente são apresentadas 54 conclusões, ocupando 7 [sete] folhas do total das alegações de recurso, o que contraria o disposto no artigo 639º do CPC, aplicável "ex vi" do artigo 1º do CPTA.” [cfr. fls … dos autos].
A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu douto parecer, no qual sustenta que o recurso não merece provimento [cfr. fls. … dos autos].
Sem vistos, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:
i. O requerente é inspector da Polícia Judiciária [PJ], a qual tem por missão, nos termos da sua Lei Orgânica e da Lei de Organização da Investigação Criminal [LOIC], coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação, e desenvolver e promover acções de prevenção, detecção e investigação da sua competência ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades judiciárias competentes, o que sempre foi feito pelo ora requerente – por acordo das partes;
ii. No quadro da orgânica interna da Polícia Judiciária, dos demais órgãos de polícia criminal e perante todas as entidades com quem colabora, goza o requerente de elevada reputação e reconhecimento, o que decorre muito normalmente da experiência adquirida ao longo dos anos em que ali presta serviço – por acordo das partes;
iii. Desde o dia 26-3-2014, por alegados crimes em relação aos quais foi indiciado, o requerente encontra-se a cumprir a medida de coacção de prisão preventiva, nos termos fixados pelos seus requisitos específicos previstos no artigo 202º do Código de Processo Penal [CPP], no Estabelecimento Prisional de Évora – por acordo das partes;
iv. Resulta do despacho judicial proferido pelo JIC do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada, no âmbito do processo nº 2210/12.9TASTB, que o ora requerente foi detido em flagrante delito [juntamente com outros arguidos no processo], encontrando-se fortemente indiciado pela prática dos seguintes crimes:- Em autoria material, de um crime de violação de segredo por funcionário p. e p. no artigo 383º, nº 1, do C.P.; - Em co-autoria material, de um crime de associação criminosa, p. e p. no artigo 299º, nº 2, do C.P.; - Em autoria material, de um crime de denegação de justiça e prevaricação, p. e p. no artigo 369º, nº 2, do C.P.; - Em autoria material, de um crime de corrupção passiva, p. e p. no artigo 373º do C.P. – cfr. doc. que integra o Processo Disciplinar nº 36/2014, junto aos autos;
v. De modo não voluntário, mas na natural decorrência que aquela privação de liberdade pressupõe, ficou o ora requerente, desde o referido dia 26-3-2014, impedido de comparecer ao seu serviço – por acordo das partes;
vi. Em 8 de Abril de 2014, na sequência de despacho do Director Nacional Adjunto da PJ, Dr. Pedro…………….., de 7-4-2014, foi instaurado ao ora requerente o Processo Disciplinar nº 36/2014, o qual foi suspenso por despacho de 2-10-2014, conforme proposta da Instrutora, tendo o IM do ora requerente sido notificado da referida suspensão, mediante ofício refª PD 44/2014, datado de 6-10-2014 – vd. fls. 57 e 58 do PA – Processo Disciplinar nº 36/2014 junto aos autos pelo requerido, e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido;
vii. Por despacho da Directora da Unidade de Recursos Humanos e Relações Públicas da Polícia Judiciária, datado de 3-6-2014, proferido no âmbito do processo nº 54/2014/GAI da PJ, foi submetido à consideração do Director Nacional-Adjunto, Dr. Pedro…………………….., o seguinte:
[…] Tendo em atenção a situação do Sr. Inspector Pedro ………………….. será de proceder em conformidade com o teor da presente IS, procedendo à correcção do registo de ausências, determinando a reposição dos vencimentos indevidamente recebidos e comunicando à ADSE a condição de prisão preventiva do beneficiário, solicitando os necessários esclarecimentos sobre os efeitos dessa situação nos seus direitos e eventualmente nos beneficiários familiares.” – por acordo das partes e cfr. doc. 1 junto com o r.i.;
viii. Mediante despacho de concordância do Director Nacional-Adjunto da PJ, Dr. Pedro…………………., de 4-6-2014, exarado na Informação de Serviço [IS] prestada no âmbito do processo nº 54/2014/GAI da PJ, foi determinado, mormente, que o requerente não tem direito à remuneração mensal, ou, por outras palavras, perde por inteiro a remuneração mensal, bem como que, sejam revogados os actos de processamento de vencimentos desde Março de 2014, ordenando-se que o mesmo reponha as quantias indevidamente recebidas, [n]os termos do DL nº 155/92, de 28/7, com os seguintes fundamentos:
[…]
Aqui chegados, e tendo presente o quadro factual ocorrido com o senhor inspector, em virtude do processo-crime nº 2210/12.9TASTB, dos serviços do Ministério Público de Almada, em que é arguido e à ordem do qual está preso preventivamente, verifica-se que o impedimento se prolonga efectivamente desde 26-3-2014, o que daí resulta a aplicação do regime da suspensão de trabalho por impedimento prolongado.
Atendendo a que esse impedimento já é superior a 30 dias e não se prevê quando cesse, haverá também que, a partir de 26-3-2014, aplicar o regime da suspensão por impedimento prolongado, de acordo com o artigo 191º, nº 3 do RCTF, que nos remete para os artigos 230º a 233º do mesmo RCTF.
Neste lapso de tempo, foram pedidas algumas informações complementares ao Exmº Procurador da República, titular do processo-crime, sendo certo que até ao momento ainda não foi obtida resposta, o que não invalida, face ao quadro legal anteriormente descrito, de podermos, desde já, concluir sobre quais os efeitos da aplicação daquele regime desde 26-3-2014.
1. Os efeitos quanto à remuneração estão previstos no artigo 231º, nº 1, do RCTFP, ou seja, não tem direito à remuneração mensal; ou, por outras palavras, perde por inteiro a remuneração mensal.
2. No tocante ao subsídio de natal, veja-se o artigo 207º, nº 2, c), do RCTFP;
3. Quanto ao subsídio de férias, tome-se em conta o disposto no artigo 179º do RCTFP;
4. Reportado a férias, o efeito mostra-se previsto no artigo 179º do RCTFP.
5. No concernente à antiguidade, vale o disposto no artigo 231º, nº 2, do RCTFP.
Sabendo-se que foram processados vos vencimentos, apenas com desconto de 1/6, importa agora que sejam revogados os actos de processamento de vencimentos desde Março 2014, ordenando-se que o mesmo reponha as quantias indevidamente recebidas, nos termos do DL nº 155/92, de 28/7.
Quanto à manutenção ou não da inscrição do senhor inspector e respectivo agregado familiar na ADSE, impõe-se, em primeira linha, que o Sector de Pessoal, à semelhança do previsto no artigo 17º, nº 3 do DL nº 118/83, de 27/2, comunique o facto da prisão preventiva para que os serviços da ADSE, que é a entidade que tem competência na matéria, possa decidir em conformidade.” – cfr. doc. 1 junto com o r.i., doc. que integra o Processo Disciplinar nº 36/2014 junto aos autos e por acordo;
ix. Não se conformando, em 4-7-2014, o ora requerente interpôs recurso hierárquico de tal decisão, dirigido à Ministra da Justiça que, em 19-8-2014, veio a confirmar a decisão do Director Nacional-Adjunto da PJ, Dr. Pedro………………….., de 4-6-2014, por despacho proferido nos seguintes termos:
[…]
Nos termos e com os fundamentos constantes da Informação da Direcção de Serviços Jurídicos e de Contencioso da Secretaria-Geral do Ministério da Justiça nº I-SGMJ/2014/595, datada de 28-7-2014 e da Informação da Adjunta deste Gabinete, de 4-8-2014, indefiro o recurso hierárquico interposto em 4-7-2014 pelo recorrente identificado em epígrafe, da decisão proferida pelo Senhor Director Nacional-Adjunto da Polícia Judiciária, de 4-6-2014, que lhe determinou a reposição dos vencimentos recebidos na situação de prisão preventiva, desde 26-3-2014, por aplicação do regime da suspensão de trabalho por impedimento prolongado, tal como previsto nas disposições conjugadas da alínea d) do nº 2 do artigo 185º, nº 3 do artigo 191º, e artigos 230º a 231º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro.
Face ao exposto, confirmo o acto recorrido, porquanto não reconheço que enferme de qualquer vício que o possa Invalidar ou que deva determinar a alteração do seu conteúdo, tudo nos termos do artigo 174º do Código do Procedimento Administrativo.” – cfr. doc. que integra o Processo Disciplinar nº 36/2014 junto aos autos, doc. 4 junto com o r.i., e por acordo;
x. O requerente encontra-se sujeito ao regime de contratação e de prestação de trabalho, ao abrigo do Regulamento do Contrato de Trabalho em Funções Publicas [RCTFP], aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11/9 – por acordo das partes;
xi. O requerente tem como vencimento base mensal o valor ilíquido de € 1.925,04 [mil novecentos e vinte cinco euros e quatro cêntimos] – por acordo das partes e cfr. doc. 2 junto com o r.i., recibo relativo ao mês de Abril/2014, cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra;
xii. Pelo psicólogo clínico, Dr. Paulo…………………., foi emitida declaração em 26-5-2014, em como consultou a esposa do requerente, Carla……………………………………….., no domicílio, em 24 de Maio de 2014, cujo pedido de consulta decorreu em função de sintomatologia severa de exaustão emocional, mais declarando que:
[…]
Actualmente, a paciente, mãe de 3 filhos [um dos quais nascido a 14-5-2014], encontra-se numa situação sócio-emocional complexa em virtude da prisão preventiva do seu marido. Para além deste facto, a sua mãe está debilitada por doença neurológica crónica e a sua sogra sofreu um AIT do qual terá resultado sequelas que se encontram em tratamento médico. Neste quadro familiar, a paciente encontra-se sem qualquer apoio, cuidando de 3 crianças durante o período de baixa por parto da sua profissão – educadora de infância.
[…]” – cfr. doc. 3 junto com o r.i., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
xiii. Em 10-10-2014, deu entrada em juízo o presente processo cautelar, nos termos do requerimento inicial, que aqui se dá por reproduzido na íntegra – cfr. registo no SITAF;
xiv. O requerido apresentou resolução fundamentada com a sua oposição – cfr. fls. 100 e segs. dos autos em suporte de papel, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido –, na qual alegou, designadamente, que no mês de Junho/2014, foram efectuados todos os acertos, por compensação, no vencimento do requerente, pelo que não foi necessário ao mesmo proceder à reposição, por guia, de vencimentos e suplementos, o que é do conhecimento do ora requerente – vd. artigo 63º da oposição de fls. 57 e segs. dos autos em suporte de papel;
xv. Em 23 de Dezembro de 2014, pelo ora requerente foi proposta a acção administrativa especial que corre termos sob o nº 3010/14.7BELSB e da qual os presentes autos constituem apenso, tendente à declaração de nulidade ou anulação da decisão suspendenda, ali impugnada – cfr. registo no SITAF, dando-se aqui por reproduzida na íntegra a petição inicial.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A sentença recorrida negou a tutela cautelar requerida fundamentalmente pelas seguintes razões:
i) Para afastar o decretamento da providência ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, a Senhora Juíza “a quo” considerou inexistir uma ilegalidade palmar do acto suspendendo, uma vez que as eventuais ilegalidades de que este possa padecer não são manifestas e, além do mais, implicam diversa interpretação e aplicação do regime contido nos artigos 191º e 230º a 233º do RCTFP, questões que extravasam do âmbito da lide cautelar e que apenas caberá analisar em sede de acção principal;
ii) De igual modo, a sentença recorrida afastou a verificação do requisito do “periculum in mora”, porquanto o requerente não explicou, alegando factos concretos, porque razão a não adopção da providência requerida lhe causa prejuízos irreparáveis para os direitos/interesses legalmente protegidos que visa assegurar com a acção principal, nomeadamente porque não alegou nem fez prova sumária da composição do seu agregado familiar, o montante das despesas que suporta, as receitas e as suas fontes de rendimento – v.g. patentes na declaração de IRS, que não juntou –, tornando difícil [senão impossível] ao tribunal a correspondente ponderação, mediante a previsão da duração da medida cautelar e atentas as circunstâncias do caso concreto.
Deste modo, a Senhora Juíza “a quo” absteve-se de efectuar a ponderação de interesses a que alude o nº 2 do artigo 120º do CPTA, concluindo pela improcedência do pedido cautelar formulado.
Nas extensas conclusões da sua alegação de recurso, o recorrente discorda do decidido, fundamentalmente pelas seguintes razões:
i) O acto suspendendo é nulo, por colocar em causa, por tempo indeterminado, o direito ao trabalho do recorrente, bem como o direito a receber o seu salário [artigos 58º e 59º, nº 1, alínea a) e nº 3 da CRP], sendo por isso evidente a procedência da pretensão formulada – conclusões a) a f) da alegação de recurso;
ii) O Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas [adiante abreviadamente designado por EDTEFP] e a Lei Orgânica da Polícia Judiciária [DL nº 275-A/2000, de 9/11] prevêem a restituição das quantias descontadas quanto o trabalhador se encontre em prisão preventiva [artigos 4º, nº 11 do EDTEFP e 110º, nº 1 da LOPJ, respectivamente] – conclusões g) a l) da alegação de recurso;
iii) A situação do recorrente assenta numa involuntária ausência prolongada ao serviço, que decorre única e exclusivamente no interesse do Estado em assegurar a investigação, pelo que nem uma interpretação extensiva do artigo 185º, nº 2, alínea d) do RCTFP, permite enquadrá-la devidamente e em conformidade nesse normativo – conclusões m) a z) da alegação de recurso;
iv) A manifesta ilegalidade do acto suspendendo decorre da violação do disposto no artigo 30º, nº 4 da CRP, uma vez que as penas não têm como efeito automático a perda de quaisquer direitos civis ou profissionais e, por maioria de razão, menos restrição poderá ainda haver à esfera do visado se se considerar que ainda nem sequer pena há – conclusões aa) a ee) da alegação de recurso;
v) A sentença recorrida padece de erro de julgamento ao não considerar demonstrado o requisito do “periculum in mora”, por falta de alegação e prova dos prejuízos – conclusões ff) a ww) da alegação de recurso;
vi) Se não for revogada a decisão proferida, tal irá criar uma situação de facto consumado, com todos os efeitos nefastos que se vislumbram no horizonte, a menos que seja substituída por outra que, em conformidade, conceda provimento ao processo cautelar interposto – conclusões xx) a bbb) da alegação de recurso.
São, pois, estas as questões que constituem objecto do presente recurso jurisdicional e que cumpre apreciar.
O recorrente pretende pôr em causa o acerto da decisão recorrida, numa primeira abordagem, procurando demonstrar a manifesta ilegalidade do acto suspendendo, de modo a justificar o decretamento da providência ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.
Para o efeito, sustenta o recorrente nas conclusões a) a f) da sua alegação a nulidade do despacho suspendendo, porquanto o mesmo coloca em causa, por tempo indeterminado, o seu direito ao trabalho, bem como o direito a receber o seu salário [artigos 58º e 59º, nº 1, alínea a) e nº 3 da CRP], nas conclusões g) a l) que o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas [adiante abreviadamente designado por EDTEFP] e a Lei Orgânica da Polícia Judiciária [DL nº 275-A/2000, de 9/11] prevêem a restituição das quantias descontadas quanto o trabalhador se encontre em prisão preventiva [artigos 4º, nº 11 do EDTEFP e 110º, nº 1 da LOPJ, respectivamente], nas conclusões m) a z) que a sua situação assenta numa involuntária ausência prolongada ao serviço, que decorre única e exclusivamente no interesse do Estado em assegurar a investigação, pelo que nem uma interpretação extensiva do artigo 185º, nº 2, alínea d) do RCTFP, permite enquadrá-la devidamente e em conformidade nesse normativo e, finalmente, nas conclusões aa) a ee) que a manifesta ilegalidade do acto suspendendo decorre da violação do disposto no artigo 30º, nº 4 da CRP, uma vez que as penas não têm como efeito automático a perda de quaisquer direitos civis ou profissionais e, por maioria de razão, menos restrição poderá ainda haver à esfera do visado se se considerar que ainda nem sequer pena há, razões que em seu entender são mais do que suficientes para demonstrar a manifesta procedência da pretensão formulada no processo cautelar.
Vejamos se lhe assiste razão.
A necessidade da existência duma tutela cautelar surgiu da constatação de que muitas vezes – ou a maior parte das vezes – a morosidade dos processos judiciais pode comprometer uma tutela efectiva, plena e adequada das posições jurídicas afectadas.
Essa constatação é tanto mais evidente quando nos movemos no quadro das relações jurídicas que se estabelecem entre os particulares e a Administração, na medida em que estes, não estando no mesmo plano daquela, podem vir a sofrer prejuízos dificilmente reparáveis mesmo que mais tarde venham a obter ganho de causa em acção destinada a escrutinar a legalidade da conduta da Administração. Basta pensar nos exemplos enunciados nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 112º do CPTA para perceber o alcance dos prejuízos que um particular pode sofrer se, paralelamente com a possibilidade de impugnar actos administrativos ou materiais e normas ou pedir a condenação da Administração no dever de prestar ou de reparar um dano, não lhe forem disponibilizados mecanismos processuais tendentes a evitá-los na pendência dessas acções.
A tutela cautelar tem, assim, uma finalidade própria, consistente em assegurar a utilidade duma lide que normalmente tende a demorar muito mais tempo, na justa medida em que implica uma cognição plena [cfr., neste sentido, J. C. Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa (Lições)]”, Almedina, 7ª edição, a págs. 327].
Porém, na exacta medida em que têm uma função preventiva contra a demora inerente aos processos principais, as providências cautelares assumem características típicas: elas são instrumentais da acção principal cuja utilidade visam assegurar, ou seja, dependem funcionalmente e não apenas estruturalmente desta; são provisórias, na medida em que não se destinam a regular definitivamente o litígio; e são sumárias, porquanto esse é o grau de cognição do tribunal, quer no plano de facto quer no plano do direito.
De acordo com o disposto no artigo 120º, nº 1, alínea a) do CPTA, “as providências cautelares são adoptadas […] quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou existente”.
A norma em causa permite que possa ser decretada uma providência cautelar desde que seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal. Em tais casos, não há necessidade de verificar a existência dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, nomeadamente o “periculum in mora”, nem tão pouco efectuar a ponderação de interesses exigida pelo nº 2 do preceito em causa.
Contudo, essa evidência de procedência do processo principal deve, naturalmente, poder ser facilmente constatada pela simples leitura da petição, ou resultar, de forma inequívoca e, portanto, sem qualquer esforço exegético, de qualquer elemento documental junto ao processo, sugerindo os próprios exemplos que o legislador indicou no preceito que esta faculdade deve ser objecto duma aplicação restritiva [cfr., neste sentido, na doutrina, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, na anotação 1. ao artigo 120º do CPTA, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 1ª edição, Almedina, 2005, a págs. 601/603; Ana Gouveia Martins, in “A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo” cit., a págs. 507/508, e Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo” cit., a págs. 481 e segs.].
Tem sido essa também a orientação da jurisprudência dos tribunais superiores, como se pode verificar, a título meramente exemplificativo, dos seguintes acórdãos: deste TCA Sul, de 15-5-2008, proferido no âmbito do processo nº 03514/08, da mesma data, proferido no âmbito do processo nº 03725/08, e de 14-6-2007, proferido no âmbito do processo nº 02604/07; do TCA Norte, de 23-10-2008, proferido no âmbito do processo nº 02591/06.3BEPRT, de 25-9-2008, proferido no âmbito do processo nº 00977/07.5BECBR, e de 12-3-2009, proferido no âmbito do processo nº 0222/08; e, do STA, de 22-10-2008, da 2ª Subsecção do CA, proferido no âmbito do processo nº 0396/08.
No caso presente, a manifesta ilegalidade do despacho suspendendo, com fundamento na respectiva nulidade, não é de todo evidente.
Com efeito, como decorre da matéria de facto dada como assente, o recorrente – inspector da Polícia Judiciária – encontra-se sujeito, no que tange ao regime de contratação e de prestação de trabalho, ao Regulamento do Contrato de Trabalho em Funções Públicas [RCTFP], aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11/9, estando a cumprir a medida de coacção de prisão preventiva desde o dia 26-3-2014, por alegados crimes em relação aos quais foi indiciado [cfr. pontos iii. e x. da matéria de facto dada como assente].
Ora, independentemente da relevância dessa sua actuação em sede disciplinar – cfr. ponto vi. da matéria de facto dada como assente –, o certo é que o despacho suspendendo procurou retirar as consequências jurídicas da ausência prolongada do recorrente ao serviço, por força da medida de coacção a que se viu sujeito desde 26-3-2014, no quadro da relação jurídica de emprego público, nomeadamente no seio do RCTFP [Lei nº 59/2008, de 11/9], subsumindo-a ao impedimento prolongado previsto no artigo 191º, nº 3 do RCTFP, para efeitos da aplicação do regime da suspensão da prestação de trabalho, e não a quaisquer outras figuras jurídicas constantes do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9/9, nomeadamente a prevista no artigo 45º do ED.
A aplicação duma medida de coacção restritiva da liberdade, mormente a prisão preventiva, priva o trabalhador da sua liberdade, sendo causa directa e necessária da ausência sucessiva e reiterada do seu local de trabalho, facto que acarreta a violação do dever de assiduidade previsto no artigo 3º, nº 2, alínea i) e nº 11 do ED.
Perante o silêncio das pertinentes disposições legais, respectivamente respeitantes ao regime das faltas ao trabalho e ao instituto da suspensão do contrato por facto respeitante ao trabalhador, tem sido a doutrina e a jurisprudência a resolver a questão da natureza destas faltas.
Assim, no caso da prisão preventiva, a esmagadora maioria da doutrina entende que as faltas do trabalhador devem, até que seja conhecida a sentença condenatória, considerar-se justificadas [cfr., neste sentido, Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2010, 5ª Edição, Almedina, a págs. 596, e Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I – Relações Individuais de Trabalho, 2007, Coimbra Editora, a págs. 725].
Tal entendimento sofreu durante um longo período a oposição da jurisprudência, que se pronunciava no sentido oposto. Porém, da análise da jurisprudência mais recente nesta matéria, é patente uma tendência para a alteração do jurisprudencial, numa clara aproximação do entendimento sufragado pela doutrina, no sentido de que as ausências do trabalhador por motivo do cumprimento de medida de coacção privativa da liberdade se devem considerar justificadas [cfr., também neste sentido, Eduardo Maia Costa, in Comentário ao acórdão do STJ, de 14 de Maio de 1997, Revista do Ministério Público, nº 70, a págs. 154 e segs., que considera que a prisão preventiva é devida não a qualquer comportamento do trabalhador, mas apenas a um juízo cautelar do julgador penal, pelo que “não pode deixar de considerar-se aberrante que, sendo o Estado, ao retê-lo dentro dos muros da prisão, a impedir o trabalhador de prestar o trabalho, seja este tido por culposo].
Deste modo, perante um caso de prisão preventiva, não é possível afirmar que a situação de impossibilidade de prestar se deva a facto imputável ao trabalhador, pelo que enquanto durar o impedimento o contrato de trabalho se suspende, à luz do disposto nos artigos 185º, nº 2, alínea d) e 191º, nº 3 do RCTFP, retomando-se a actividade no dia imediato ao da cessação do impedimento, com a apresentação do trabalhador à entidade empregadora pública, sob pena daquele incorrer em faltas injustificadas [cfr. artigo 233º do RCTFP].
Ora, tendo presente o disposto no artigo 231º, nº 1 do RCTFP, que prescreve que “durante a redução ou suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho”, tal significa que a remuneração, sendo pressuposto ou contrapartida da efectiva prestação do trabalho, pode deixar de ser paga durante o período de suspensão da prestação de trabalho, sem que tal implique a apontada violação do direito ao trabalho prevista no artigo 58º da CRP ou, sequer, a violação do artigo 59º da Lei Fundamental, na vertente do direito à retribuição do trabalho.
Com efeito, como decorre do apontado artigo 231º do RCTFP, a suspensão do contrato não interfere, antes mantém, os direitos, deveres e garantias das partes, entre os quais se encontra o direito à manutenção do vínculo jurídico-laboral do recorrente, pelo que o despacho suspendendo jamais poderia colocar em crise o conteúdo essencial do direito fundamental do recorrente ao trabalho.
Além disso, estando a medida de coacção de prisão preventiva sujeita a prazos máximos – cfr. artigo 215º do Código de Processo Penal –, decorridos estes, a medida extingue-se, com a consequente retoma da actividade no dia imediato ao da cessação do impedimento, com a apresentação do trabalhador à entidade empregadora pública, sob pena daquele incorrer em faltas injustificadas [cfr. artigo 233º do RCTFP].
Concluindo, dir-se-á que a suspensão do contrato por facto não imputável ao trabalhador – como vimos ser o caso da imposição da medida de coacção de prisão preventiva –, na medida em que impede aquele de continuar a prestar a sua actividade à entidade empregadora pública, justifica que esta deixe de pagar-lhe a correspondente remuneração, enquanto durar o impedimento, “rectius”, enquanto durar a suspensão, sem que com isso se mostrem violados o direito ao trabalho previsto no artigo 58º da CRP ou, sequer, o direito à retribuição do trabalho, previsto no artigo 59º da Lei Fundamental.
E, sendo assim, não é de todo evidente a nulidade do despacho suspendendo, com fundamento na ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental [artigo 133º, nº 2, alínea d) do CPA aprovado pelo DL nº 442/91, de 15/11, com as alterações introduzidas pelo DL nº 6/96, de 31/1], pelo que a providência requerida não podia ter sido decretada ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, como considerou a sentença recorrida, improcedendo deste modo as conclusões a) a f) da alegação de recurso.
Sustenta também o recorrente nas conclusões g) a l) da sua alegação que o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas [adiante abreviadamente designado por EDTEFP] e a Lei Orgânica da Polícia Judiciária [DL nº 275-A/2000, de 9/11] prevêem a restituição das quantias descontadas quanto o trabalhador se encontre em prisão preventiva [artigos 4º, nº 11 do EDTEFP e 110º, nº 1 da LOPJ, respectivamente], razão pela qual a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao não ter considerado manifestamente ilegal o despacho suspendendo.
Vejamos o que dizer.
Como acima já se deixou dito, e decorre expressamente do despacho suspendendo, a perda do direito à remuneração mensal foi consequência da suspensão do contrato, por impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador [prisão preventiva] mesmo antes de decorrido o prazo de um mês, a partir do momento em que se tornou previsível que aquele impedimento iria ter duração superior àquele prazo, por força da medida de coacção de prisão preventiva a que o recorrente se encontra sujeito desde 26-3-2014 [cfr. artigo 232º, nºs 1 e 2 do RCTFP].
Assim, a perda do direito à remuneração nada teve que ver com qualquer questão conexa ou acessória com o processo disciplinar movido ao recorrente, pelo que também não se pode afirmar que o despacho suspendendo é manifestamente ilegal, por violação das apontadas normas do EDTEFP [artigo 4º, nº 11] e da LOPJ [artigo 110º, nº 1], que de todo não têm aplicação no caso, o que afasta desde logo o decretamento da providência requerida ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.
Improcedem também, deste modo, as conclusões g) a l) da alegação de recurso.
Sustenta igualmente o recorrente nas conclusões m) a z) da sua alegação que a sua situação assenta numa involuntária ausência prolongada ao serviço, que decorre única e exclusivamente no interesse do Estado em assegurar a investigação, pelo que nem uma interpretação extensiva do artigo 185º, nº 2, alínea d) do RCTFP, permite enquadrá-la devidamente e em conformidade nesse normativo, o que, em seu entender, acarreta a manifesta ilegalidade do despacho suspendendo, na medida em que fundamentou a suspensão do contrato no normativo em causa.
Porém, como acima já tivemos ocasião de explicitar, a doutrina jus-laboral mais recente vem defendendo que a falta dada por motivo de prisão do trabalhador é ainda de impossibilidade objectiva de prestação do trabalho, pelo que tais faltas devem qualificar-se como justificadas [vd., por todos, Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2006, a págs. 507] incluindo-se, deste modo, na previsão da alínea d) do nº 2 do artigo 185º do RCTFP.
Deste modo, também não pode concluir-se, como sustenta o recorrente, que o enquadramento que o despacho suspendendo fez da sua situação na previsão do artigo 185º, nº 2, alínea d) do RCTFP viola ostensivamente esse preceito, tornando-o manifestamente ilegal, de molde a justificar a concessão da providência cautelar ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, razão pela qual improcedem as conclusões m) a z) da alegação de recurso.
Sustenta também o recorrente nas conclusões aa) a ee) da alegação de recurso que a manifesta ilegalidade do acto suspendendo decorre da violação do disposto no artigo 30º, nº 4 da CRP, uma vez que as penas não têm como efeito automático a perda de quaisquer direitos civis ou profissionais e, por maioria de razão, menos restrição poderá ainda haver à esfera do visado se se considerar que ainda nem sequer pena há, razões que em seu entender são mais do que suficientes para demonstrar a manifesta procedência da pretensão formulada no processo cautelar.
Mas também neste particular não lhe assiste razão.
Como acima se deixou expresso, o despacho suspendendo não teve por fundamento a pendência do processo disciplinar que foi instaurado ao recorrente, mas sim as implicações que a medida de coacção de prisão preventiva que lhe foi imposta tiveram sobre o vínculo laboral que o liga à Polícia Judiciária, mormente por decorrência do regime de suspensão do contrato previsto nos artigos 231º e 232º do RCTEFP.
Deste modo, não só porque nenhuma pena foi aplicada ao recorrente, mas sobretudo porque a perda da remuneração não foi determinada pela situação processual em que o recorrente se encontra – prisão preventiva –, mas sim por força da sua impossibilidade de prestar trabalho, determinante da suspensão do contrato, nos termos das aludidas normas do RCTEFP, torna-se evidente que o despacho suspendendo não violou o disposto no artigo 30º, nº 4 da CRP, não sendo por isso motivo bastante para justificar a concessão da providência ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.
Finalmente, nas conclusões ff) a ww) da sua alegação de recurso o recorrente sustenta que a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao não considerar demonstrado o requisito do “periculum in mora”, por falta de alegação e prova dos prejuízos, e nas conclusões xx) a bbb) da alegação de recurso defende que se não for revogada a decisão proferida, tal irá criar uma situação de facto consumado, com todos os efeitos nefastos que se vislumbram no horizonte, a menos que seja substituída por outra que, em conformidade, conceda provimento ao processo cautelar interposto.
Vejamos o que dizer.
Os critérios de que depende a concessão das providências cautelares no CPTA encontram-se definidos no seu artigo 120º, diferindo entre si consoante se trate da concessão de providências conservatórias ou antecipatórias.
Esses requisitos constam das alíneas b) e c) do nº 1 e do nº 2 do artigo 120º do CPTA: a alínea b) regula as situações em que está em causa a concessão de providências conservatórias e a alínea c) aquelas que dizem respeito a providências antecipatórias, enquanto que o nº 2 prevê a verificação dum requisito complementar, comum a ambos os tipos de providências.
Assim, à semelhança do que acontece nos meios cautelares previstos no Cód. Processo Civil [cfr. artigos 362º e segs.], o primeiro critério de que a lei faz depender a concessão duma providência cautelar é o do “periculum in mora”, previsto nas alíneas b) e c) do nº 1, e expresso na fórmula da existência de “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar [caso das providências conservatórias] ou ver reconhecidos [caso das providências antecipatórias] no processo principal”.
Esta formulação marca uma evolução face à legislação anterior ao CPTA [cfr. artigo 76º, nº 1, alínea a) da LPTA], na medida em que à produção de prejuízos de difícil reparação, enquanto único critério aferidor do “periculum”, se soma agora o da constituição de uma situação de facto consumado.
Deixa, por conseguinte, de se atender a critérios meramente fundados na susceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, para se colocar a tónica na irreparabilidade do prejuízo do requerente da providência, nomeadamente quando os factos alegados sejam de molde a perspectivar a criação duma situação em que se mostre impossível ou extremamente difícil a reintegração da sua esfera jurídica no caso da decisão no processo principal lhe vir a ser favorável. O que se pretende pois evitar são os riscos da infrutuosidade da sentença que vier a ser proferida no processo principal, através do restabelecimento da situação que existiria caso a actuação ilegal não tivesse ocorrido, e não já a susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos [cfr. o acórdão do TCA Sul, de 1-6-2011, proferido no processo nº 07608/11, a propósito da suspensão da eficácia duma medida de expulsão do território nacional].
No entanto, continua a ser também critério aferidor do “periculum” as situações que, não constituindo facto consumado, possam conduzir à produção de prejuízos de difícil reparação, caso a providência venha a ser recusada, nomeadamente porque a reintegração da situação no plano dos factos se perspectiva difícil ou porque poderá haver prejuízos que se vão produzindo ao longo do tempo e relativamente aos quais a reintegração da legalidade operada por uma sentença favorável no processo principal não é suficiente para os reparar total ou parcialmente. Em tais casos, em que também se justifica a adopção de providências cautelares, visa-se evitar o risco do retardamento da tutela que virá a ser assegurada pela sentença a proferir no processo principal.
Sendo este o enquadramento legal decorrente da alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA para aferir do requisito do “periculum in mora”, cuja verificação se torna necessária [embora não suficiente] para a concessão da tutela cautelar, importa relembrar os fundamentos que a Senhora Juíza “a quo” utilizou para afastar a sua verificação.
Para tanto, concluiu-se na sentença recorrida o seguinte:
[…]
Resulta à saciedade dos autos, que o requerente estribou a sua pretensão na manifesta ilegalidade do acto suspendendo, e que não alegou factos integradores do invocado periculum in mora, excepto que o acto em crise põe em sério risco a sustentabilidade de todo o seu agregado familiar (cuja constituição não diz qual é, nem comprova nos autos), que inevitavelmente a suspensão do pagamento de salários ao requerente acarreta prejuízos imediatos e de difícil reparação, na medida em que esse facto, forçosamente, terá impacto imediato no seu orçamento familiar, donde se inclui as despesas de todo o agregado familiar (despesas essas que também não concretiza, nem comprova), além de que, a decisão administrativa ora posta em crise, também terá a infeliz “virtualidade” de colocar em sério risco a possibilidade de se fazer face às despesas mensais correntes, donde se inclui o valor da prestação da casa, bem como as despesas fixas de gás, electricidade e água (despesas essas que também não logrou comprovar nos autos).
Aduziu que a suspensão do pagamento dos salários ao ora requerente, inclusive, já motivou à sua esposa, aqui contra-interessada, um quadro patológico que inspira cuidados, mormente, do ponto de vista psicológico, sendo-lhe detectado, por declaração médica datada de 26.05.2014, “sintomatologia severa de exaustão emocional”, com todas as necessárias consequências que desse facto decorre, bem como que, o despacho proferido pelo já referido Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária e, por efeito reflexo, também o da Srª Ministra da Justiça, constitui uma situação de facto consumado, ante a possibilidade da procedência da acção principal, porquanto, como é evidente, tratando-se de uma suspensão do pagamento da totalidade da remuneração mensal auferida pelo requerente, isso, claro, terá implicações directas e futuras no sustento do seu agregado familiar e no pagamento das obrigações mensais fixas que possui.
Sucede que, o que o requerentes tinha que explicar, alegando factos concretos, era da razão porque a não adopção da providência requerida (suspensão de eficácia da decisão de perda do direito ao vencimento, pois é disso que se trata – vide al. n) do probatório) lhe causa prejuízos irreparáveis para os direitos/interesses legalmente protegidos que visa assegurar com a acção principal, o que não fez (não se sabe qual a constituição do seu agregado familiar, o quantum das despesas correntes e das receitas, fontes de rendimentos – v.g. patentes na Declaração de IRS, que não juntou –, considerando que se pode presumir ter o requerente três filhos, um deles com menos de um ano de idade, e que a sua esposa trabalha e é educadora de infância – cfr. Declaração médica junta, al. l) do probatório –, mas desconhece-se, por não alegado, qual o vencimento que aquela aufere e, bem assim, quaisquer outros rendimentos do casal), tornando difícil (senão impossível) ao Tribunal a correspondente ponderação, mediante a previsão da duração da medida cautelar e atentas as circunstâncias do caso concreto.
Ademais, não é de qualquer tipo de prejuízo que aqui se trata (seguramente, não podem ser prejuízos hipotéticos e eventuais, faltando ao requerente a concretização mínima dos prejuízos que aquele pretende decorrerem da execução do acto suspendendo, aliada ao necessário nexo de causalidade entre os prejuízos alegados e a execução do acto suspendendo), mas sim de um prejuízo qualificado, um prejuízo de difícil reparação, conditio sine qua non para o decretamento da providência requerida (a par do fumus boni iuris), tanto mais que a alegada patologia do foro psicológica da esposa do requerente, conforme referido na declaração médica, não decorre da perda do direito ao vencimento do requerente (à data do domicílio – 24-5-2014 –, inexistia o acto suspendendo, aliás, datado de 4-6-2014), tendo aquela tido um parto recente (em 14-5-2014, é normal a depressão pós-parto), e tendo que conviver com tal realidade (a sua prisão preventiva, a par das doenças da mãe e da sogra, tomando conta, sozinha, de três filhos – alínea l) do probatório), sintomatologia contrária é que seria de causar admiração, inexistindo, ainda assim, o necessário nexo de causalidade com o acto suspendendo (à data inexistente, reitera-se).
E, apesar de o requerente tentar configurar uma situação de facto consumado, o certo é que tal alegação não colhe, no contexto da medida de coacção que lhe foi aplicada (prisão preventiva, em 26-3-2014 – alínea c) do probatório), a qual tem duração limitada (podendo renovar-se, é certo, consoante a complexidade do inquérito, mas não para além de um ano), afigurando-se, outrossim, ser possível a reintegração específica da esfera jurídica do requerente (em última análise, em sede de execução de sentença anulatória – artigo 173º/CPTA).
Como se refere no Acórdão do TCA Sul, de 15-10-2009, «Dito de outro modo, tem de verificar-se uma situação de facto consumado ou uma impossibilidade ou dificuldade de reparação do prejuízo alegado, que, em última análise, comprometa os interesses que os requerentes ora recorrentes visam assegurar no processo principal de que o cautelar é dependente, cfr. artigo 120º, nº 1, alíneas b) e c) do CPTA», sendo que vem entendendo a jurisprudência que, estar-se-á em presença duma situação de facto consumado quando se revele de todo em todo impossível a reintegração específica da esfera jurídica daquele mesmo requerente, tendo por referência a situação jurídica e de facto para ele existente no momento da respectiva lesão (cfr. acórdão do TCA Norte, de 8-7-2011, Pº nº 02936/10.1BEPRT, www.dgsi.pt). Tal não é o caso sub judice.
De qualquer forma, sempre se concede que a perda do seu vencimento mensal (cfr. alínea k) do probatório) acarretará prejuízos para o ora requerente e seu agregado familiar, com o inerente abaixamento do nível de vida (pese embora desconhecendo-se os rendimentos do agregado familiar, que o requerente sequer alegou) os quais, todavia, não decorrem directamente do acto suspendendo, mas antes da situação em que o requerente se encontra (em prisão preventiva), que o impede de ir trabalhar, tendo-se os autores dos actos sindicados limitado a extrair (mal ou bem, é questão a resolver no processo principal) as consequências legais dali decorrentes (ou seja, a suspensão do pagamento da retribuição a partir desse momento), sem que tal implique qualquer juízo de valor sobre a conduta do requerente e/ou afecte a sua presunção de inocência (cfr. referido no aresto do TCA Sul de 2012, supra citado).
Tudo sopesado, conclui-se pela não verificação do requisito estabelecido na 1ª parte da alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, ou seja, o periculum in mora, face ao alegado pelo requerente na matéria e à factualidade resultante dos autos.”.
Vejamos então se este entendimento é merecedor da censura que lhe aponta o recorrente.
Como acima se deixou dito, o parâmetro decisório do primeiro segmento do critério previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, respeitante ao requisito do “periculum in mora”, prende-se com a verificação da existência de um perigo de inutilidade da decisão a proferir no processo principal, ainda que meramente parcial, pela constituição de uma situação de facto consumado ou pelo receio de se produzirem prejuízos de difícil reparação. Neste particular, incumbe ao julgador proceder a um juízo de prognose ou de probabilidade das razões que determinam o receio de inutilidade da sentença a proferir na acção principal, pelo perigo da constituição de uma situação de facto consumado ou de se produzirem prejuízos de difícil reparação.
Neste contexto, sufragamos o entendimento alcançado na decisão recorrida de que os autos não evidenciam que o despacho suspendendo é causa directa e necessária de uma situação de carência económica por parte do ora recorrente e do seu agregado para fazer face aos encargos normais, nomeadamente porque nesse particular, aquele nada alegou nem provou, ainda que de forma meramente indiciária.
Com efeito, como salientou a sentença recorrida, o recorrente apenas alegou que com a perda da sua remuneração ficaria impossibilitado de cumprir as suas obrigações financeiras e familiares, nomeadamente prestações mensais de renda e outras prestações fixas, mas sem explicitar quais e qual o seu montante [cfr. artigos 120º a 122º do requerimento inicial], citando em sua defesa o acórdão deste TCA Sul, de 29-1-2009, proferido no âmbito do processo nº 04350/08 [que tivemos a oportunidade de relatar], onde se decidiu que “no que à privação dos rendimentos do trabalho diz respeito, é desde há muito jurisprudência firme do STA que, apesar de facilmente quantificável o prejuízo pecuniário resultante dessa privação, o mesmo é de reputar irreparável ou de difícil reparação, se essa privação puser em risco a satisfação de necessidades pessoais elementares, ou mesmo se determinar um drástico abaixamento do nível de vida do requerente e seu agregado familiar”.
Olvida porém o recorrente que no caso tratado no aresto citado, o aí recorrente alegou que o vencimento que auferia era a sua única fonte de rendimento [sublinhado nosso], pelo que nesse contexto teria que se dar por adquirido que sem este aquele não podia subsistir, conclusão a que não poderá chegar-se no caso dos presentes autos, uma vez que o cônjuge do recorrente, a fazer fé na declaração subscrita pelo psicólogo clínico, Dr. Paulo ……………… [cfr. ponto xii. da matéria de facto dada como assente], também exercerá a profissão de educadora de infância, pela qual será naturalmente remunerada, pese embora neste particular o recorrente nada tenha alegado.
Por outro lado, da leitura do requerimento inicial também é possível concluir não só que o recorrente não alegou nem provou indiciariamente que o seu vencimento constituía a única fonte de rendimento do agregado familiar [para o efeito, bastaria juntar cópia da última ou últimas declarações de IRS submetidas], como também omitiu qual a composição deste [cônjuge, número de filhos menores, etc.], quais as despesas que suporta com renda de casa ou empréstimo hipotecário, água, gás e electricidade, educação ou despesas de saúde, tendo confiado que a prova da privação do seu vencimento seria suficiente para demonstrar que o despacho suspendendo era causa directa e necessária da produção de prejuízos de difícil reparação.
Entende, porém, o recorrente que a Senhora Juíza “a quo” deveria tê-lo notificado para suprir a falta desses elementos, a coberto do disposto no nº 4 do artigo 114º do CPTA, por referência à alínea g) do seu nº 3.
Mas sem razão.
Com efeito, o convite ínsito na norma em questão só releva no caso do requerente da providência ter omitido algum ou alguns dos elementos enunciados no nº 3 do artigo 114º do CPTA, mas não para os casos em que essa alegação existe, mas é incompleta, pois nestes casos quaisquer irregularidades ou deficiências do requerimento que possam existir e não tenham sido detectadas só poderão, depois, porventura determinar o indeferimento da providência em decisão de mérito [neste sentido, cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, Comentário ao CPTA, Almedina, 3ª edição, 2010, a págs. 768 e segs.].
Por outro lado, como se referiu na sentença recorrida, também não ocorre nenhuma situação de facto consumado porquanto, estando em causa o não pagamento da remuneração do recorrente, em virtude da suspensão do contrato, logo que cesse o motivo que determinou essa suspensão [note-se que a prisão preventiva está sujeita a prazos máximos, em regra pouco extensos], o recorrente retomará imediatamente as suas funções, com o consequente recebimento da remuneração devida, não estando em causa uma situação que não possa ser revertida ainda na pendência da acção principal.
Ou, dito de outro modo, como se referiu no acórdão deste TCA Sul, de 23-1-2014, proferido no âmbito do processo nº 10748/13, “[…] não é um qualquer perigo que pode fundar o decretamento duma providência cautelar, porquanto se terá de exigir um perigo qualificado e que derive ou decorra da delonga processual”.
Por conseguinte, uma eventual diminuição do rendimento do agregado familiar não é por si só determinante da produção de prejuízos de difícil reparação. Ou seja, no caso vertido nos autos, o tribunal desconhece, pela simples razão de que o recorrente não cumpriu o seu ónus de alegação e prova, se estamos perante uma situação em que tal privação faça diminuir drasticamente o nível de vida do recorrente ou do seu agregado familiar, pondo em risco a satisfação das necessidades normais, correspondentes ao padrão de vida médio das famílias de idêntica condição social [cfr. parâmetros a que se fez apelo no acórdão do STA, de 28-1-2009, processo nº 1030/08]. Daí que não se possa concluir pela existência, gravidade ou irreversibilidade da [potencial] lesão [cfr., neste sentido, o recente acórdão deste TCA Sul, de 30-4-2015, proferido no âmbito do processo nº 11727/14].
Perante a conclusão acabada de alcançar, não tendo ficado demonstrado o requisito do “periculum in mora”, improcedem também as conclusões vertidas nas alíneas ff) a bbb) da alegação de recurso e, consequentemente, o presente recurso na sua totalidade.

IV. DECISÃO
Nestes termos e pelo exposto, acordam os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em negar provimento ao recurso interposto e confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Lisboa, 9 de Junho de 2015


[Rui Belfo Pereira – Relator]


[Pedro Marchão Marques]


[Helena Canelas]