Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1436/21.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:RECLAMAÇÃO DO ART. 276º DO CPPT;
PREJUÍZO IRREPARÁVEL;
VALORES PENHORADOS;
DEPÓSITO EM CONTA BANCÁRIA DA EXEQUENTE
Sumário: Tendo sido deduzida reclamação nos termos do art. 276º do CPPT contra o acto de penhora do saldo de conta bancária, e tendo a reclamação efeito suspensivo nos termos do nº 6 do art. 278º do mesmo Código, encontrando-se ainda pendente de decisão judicial transitada em julgado, não pode a entidade exequente solicitar à entidade bancária a transferência daquele saldo para a sua conta.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A AGERE – Empresa de Águas, Efluentes e Resíduos de Braga, E.M., vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação deduzida ao abrigo do art. 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário por N.... – A....., ACE, contra o acto de transferência do montante penhorado para a conta da exequente no valor de € 1.011.018,58, no âmbito do processo de execução n.º 6…, instaurado pela AGERE-Empresa de Águas Efluentes e Resíduos de Braga, E.M, para cobrança coerciva de dívidas relativas a uma tarifa de ligação de saneamento e ligação à rede pública de um imóvel sito no Lugar de Sete Fontes, na freguesia de São Victor, concelho de Braga.

A sentença recorrida considerou ser ilegal a transferência para a conta da Recorrente de montante penhorado em execução fiscal e que se encontrava à ordem de instituição bancária.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

“1ª A sentença recorrida considerou que a reclamação deveria subir de imediato por verificação de prejuízo irreparável, que poderia comprometer a continuação da actividade da empresa Recorrida.

2ª A Recorrida não alegou factos nem consequentemente apresentou provas da verificação de tal prejuízo irreparável, pelo que o juízo da sentença recorrida é absolutamente conclusivo, sem suporte factual.

3ª Inexiste qualquer prejuízo para a Recorrida, pois o montante transferido para conta bancária da Recorrente já estava penhorado, logo, a Recorrida estava impossibilitada de movimentar tal dinheiro, o qual assim continuará mesmo que seja procedente a presente reclamação, pois não está em causa o acto de penhora.

4ª A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, concretamente do artigo 278º/nºs 1 e 3 do CPPT, pois não se verifica prejuízo irreparável.

5ª A sentença recorrida incorreu em omissão de pronúncia quanto à questão da falta de lesividade do acto que constitui o objecto dos presentes autos, o que determina a sua nulidade nos termos do disposto no artigo 125º/nº 1 do CPPT.

6ª Os presentes autos nenhuma relação têm com o proc. nº 1255/21.2BELSB, pelo que é irrelevante o que ali foi decidido, mais ainda porque a respectiva sentença não transitou em julgado, tendo sido objecto de recurso por parte da Recorrente.

7ª O que foi solicitado ao Tribunal nos presentes autos foi apreciar a legalidade ou não da transferência do montante penhorado, mas sem que tal envolva a apreciação da legalidade ou não do acto de penhora, pois tal está fora do âmbito de jurisdição do presente processo.

8ª O artigo 223º do CPPT, na versão aplicável aos autos, não regula a situação em apreciação nestes autos, ou seja, nada dispõe sobre a possibilidade do credor/exequente requerer a transferência para si de montantes penhorados ao devedor que se encontrem em instituições bancárias.

9ª O artigo 223º do CPPT, ou qualquer normativo deste diploma legal, não proíbem o acto praticado pela Recorrente, pelo que este não é ilegal.

10ª Face ao vazio normativo do artigo 223º do CPPT seria caso de aplicar, subsidiariamente, o disposto nos artigos 227º, 228º/nº 2 e 229º/nº 2 do CPPT, pois nestes casos – penhora de quantias – o legislador previu a transferência imediata dos montantes para o órgão de execução.

11ª Inexistindo diferença substantiva entre todas as situações (na verdade são iguais no sentido de se tratar de penhoras sobre dinheiro), considera-se que é de aplicar à penhora de depósitos bancários as normas dos artigos 227º, 228º/nº 2 e 229º/nº 2 do CPPT, pelo que se reforça o entendimento da legalidade da actuação da Recorrente.

12ª A douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, concretamente dos artigos 52º da LGT e 169º, 223º e 278º/nº 6 do CPPT.

TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-a por decisão que julgue a reclamação totalmente improcedente, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!”.

* *
A Recorrida apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

“I – A sentença proferida pelo Tribunal a quo não padece de qualquer nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 125.º, n.º 1, in fine, do CPPT, tendo a mesma se pronunciado, em pleno, sobre todas as questões suscitadas pelas partes, pelo que a arguição da Recorrente deverá ser indeferida;

II – Ao presente recurso deve ser conferido efeito devolutivo, por não vir requerida a atribuição de efeito suspensivo ou tampouco alegado e demonstrado, por quem competia, que a atribuição de efeito devolutivo afeta o efeito útil do presente recurso – cf. artigo 286.º, n.º 2, do CPPT;

III – a) A subida diferida da reclamação no âmbito dos presentes autos esvaziaria de qualquer utilidade, quer a presente reclamação, quer a reclamação atinente ao ato de penhora, causando ao Recorrido um prejuízo irreparável;
b) A sentença a quo não defende nem julga a (i)legalidade do ato de penhora praticado; limita-se, pois, a analisar a legalidade da transferência do montante penhorado, à luz da factualidade relevante inerente ao processo de execução em apreço, julgando a atuação da Recorrente, corretamente, ilegal.
A postura censurável da Recorrente no presente processo, que confessa factos contraditórios em diferentes momentos dos autos, deverá ser valorada pelo Tribunal ad quem, aquando da apreciação da atuação processual da Recorrente, que se vem escudando por detrás do utópico regime previsto no artigo 104.º da LGT; questão que, aliás e segundo cremos, será de conhecimento oficioso;
Por outro lado, tendo a Recorrente requerido ao Banco M….. a entrega dos valores penhorados, havendo pendente de decisão 2 (duas) reclamações que, como vimos, influem na prossecução da execução, respeitando uma delas, em especial, ao ato de penhora praticado pela Recorrente, na aceção quer do artigo 278.º, n.º 6, do CPPT, quer do n.º 13 do artigo 780.º do CPC, aplicável ex vi artigo 223.º, n.º 3, do CPC, a atuação da Recorrente é ilegal, pelo que bem andou o Tribunal a quo em anular a mesma.
Assim, por não padecer dos vícios que lhe são imputados, deverá a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo ser confirmada e mantida na íntegra por V. Exas., julgando-se o recurso interposto pela Recorrente totalmente improcedente.
Nestes termos e nos demais de Direito, deverão V. Exas. julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela Recorrente, confirmando e mantendo, na íntegra, a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.”.
* *
A Exmª. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos prévios atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.
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II- OBJECTO DO RECURSO

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objecto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, a questão que importa decidir é saber se a sentença padece de erro de julgamento por ter considerado verificado o prejuízo irreparável quanto à subida imediata da reclamação e ter julgado ilegal a transferência de valores penhorados para a conta da Recorrente.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

1) A 25.10.2011, foi emitida uma certidão de dívida pela AGERE, E.M., da qual consta o seguinte:
(Imagem no original)
(cfr. fls. 2 e 3 do doc. n.º 007178909 do Sitaf).

2) Na sequência da emissão da certidão de dívida, foi instaurado pela AGERE- Empresa de águas Efluentes e Resíduos de Braga –EM contra o Reclamante o processo de execução n.º 6….., por dívidas relativas a tarifa de ligação de saneamento, constante da factura n.º 2…, no montante de €665.112,79, a qual tinha prazo de pagamento voluntário até 09.09.2011.
(cfr. fls. 1 e ss do doc. n.º 007178909 do Sitaf).

3) A 05.04.2021, o Reclamante apresentou Reclamação Graciosa contra o ato constante da deliberação do Conselho de Administração da AGERE, proferido em 22.06.2011, que decidiu liquidar a «tarifa de ligação de saneamento» e a «vistoria de ligação», bem como contra o respetivo ato de liquidação, emitido em 25.08.2011, no montante de €665.112,79.
(cfr. artigo 20.º da petição e doc. n.º 007164804 e doc. n.º 007178909 do Sitaf)

4) A 05.04.2021, o Reclamante apresentou um requerimento, dirigido ao presidente do conselho de administração da AGERE, E.M., a solicitar a suspensão do processo de execução fiscal, mediante a prestação parcial de garantia, através de caução no valor de €665.112,79 e dispensa de prestação de garantia em relação ao valor remanescente.
(cfr. doc. n.º 007164800 e doc. n.º 007164815 do Sitaf).

5) A 26.04.2021, o Reclamante remeteu, por correio registado, Reclamação contra o indeferimento tácito do pedido de isenção parcial da prestação de garantia, a qual corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa, sob o n.º 895/21.4BEBRG.
(cfr. fls. 18 a 21 do doc. n.º 007178919 e doc. n.º 007164800 do Sitaf).
Mais se provou que,

6) O Reclamante é titular da conta bancária n.º 21…., a qual apresentava em 28.02.2021, um saldo de €1.074.717,99.
(cfr. fls. 54 e 55 do doc. n.º 007178909 do Sitaf).

7) A 17.05.2021, o Banco M….. remeteu ao Reclamante um ofício, sob o assunto «Declaração de Penhora» com o seguinte teor:
«Em cumprimento das instruções da Câmara Municipal Braga –AGERE-E.M., processo n.º 64…../2021 vimo-nos forçados a penhorar o saldo das contas:

de que V. Exa. é titular, tendo ficado cativo à ordem daquele Processo as quotas-partes disponíveis, não podendo as mesmas ser movimentadas.»
(cfr. fls. 1 do doc. n.º 007164793 do Sitaf).

8) Por ofício datado de 27.05.2021, a AGERE.E.M. solicitou à Caixa Económica M….., S.A que a quantia já penhorada no montante de €1.011.018,58 fosse depositada na conta desta, com a menção «pagamento penhora n.º 508…..».
(cfr. fls. 23 do doc. n.º 007178919 do Sitaf).

9) A 27.05.2021, o Reclamante remeteu, por correio registado, Reclamação, ao órgão exequente, contra a penhora de saldos bancários, referida no ponto 7, da qual consta o seguinte pedido:
« b) Determinar a suspensão imediata da execução, face à sua subida imediata, até ao trânsito em julgado da presente reclamação;
c)Julgar totalmente procedente a presente Reclamação, por provada e, em consequência:
d) Determinar a revogação do ato de penhora objeto da presente Reclamação, praticado pela Exequente, face ao vício de violação de Lei de que padece;
e) Ordenar o imediato levantamento integral da penhora sobre a conta bancária n.º 21……., aberta junto da “Caixa Económica M…. – C….., S.A”; ou subsidiariamente,
f) Ordenar o imediato levantamento da penhora no montante que ultrapasse o valor que o Reclamante ofereceu de caução (€ 665.112,79) e a conversão deste para caução-garantia, para os efeitos do disposto nos artigos 169.º, n.º 1 e 199.º, n.º 1, do CPPT.»
(cfr. fls. 36 e ss do doc. n.º 007178938 e fls. 25 a 53 do doc. n.º 007178919 do Sitaf).

10) A Reclamação referida no ponto anterior, foi remetida em 01.06.2021, ao Tribunal Tributário de Lisboa, a qual corre termos sob o n.º 1255/21.2BELRS.
(doc. n.º 007164907; n.º 007164909 e fls. 27 do doc. n.º 007178922 do Sitaf)

11) A 04.06.2021, o Banco M..... transferiu o montante penhorado de €1.011.018,58 para C M Braga.
(cfr. fls. 2 do doc. n.º 007164793 do Sitaf).

12) A 04.06.2021, estavam pendentes as duas reclamações apresentadas, referidas nos pontos 5 e 10.
(cfr. doc. n.º 007178909, 007178918, 007178919, 007178922, 007178933 e 007178938 do Sitaf).

Factos não provados
Não existem factos não provados com relevância para a decisão.
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Motivação da matéria de facto:
O Tribunal fundou a sua convicção na análise dos documentos e informações oficiais, constantes dos autos, para os quais se remete no final de cada facto, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal.”.

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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Por sentença do Tribunal Tributário de Lisboa foi admitida a subida imediata da presente reclamação por existir prejuízo irreparável, tendo sido julgada procedente porquanto foi entendido ser ilegal o acto praticado pela ora Recorrente que determinou o depósito na sua conta, de valores penhorados à Recorrida.

Discordando do assim decidido veio a Recorrente desde logo invocar que, não tendo sido provado o prejuízo irreparável, a reclamação não deveria ter subida imediata defendendo que inexiste qualquer prejuízo para a Recorrida, pois o montante transferido para a conta bancária da Recorrente já estava penhorado, logo, a Recorrida estava impossibilitada de movimentar tal dinheiro, tendo a sentença recorrida incorrido em erro de julgamento de direito mais concretamente do artigo 278º, nºs 1 e 3 do CPPT, pois não se verifica prejuízo irreparável (cfr. conclusão 2ª a 4ª das alegações de recurso).

Mais invoca a nulidade da sentença nos termos do art. 125º, nº 1 do CPPT por omissão de pronúncia quanto à questão da falta de lesividade do acto que constitui o objecto dos presentes autos. (cfr. conclusão 5ª das alegações).


A Recorrida nas suas contra-alegações defende que a sentença proferida pelo Tribunal a quo não padece de qualquer nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 125.º, n.º 1, in fine, do CPPT, tendo a mesma se pronunciado, em pleno, sobre todas as questões suscitadas pelas partes, pelo que a arguição da Recorrente deverá ser indeferida.

Mais defende que a subida diferida da reclamação no âmbito dos presentes autos esvaziaria de qualquer utilidade, quer a presente reclamação, quer a reclamação atinente ao acto de penhora, causando ao Recorrido um prejuízo irreparável, reiterando ainda que a sentença não defende nem julga a (i)legalidade do acto de penhora praticado, limita-se a analisar a legalidade da transferência do montante penhorado, à luz da factualidade relevante inerente ao processo de execução em apreço, julgando a actuação da Recorrente, corretamente, ilegal.

Vejamos então.

Considerando a matéria de facto assente nos presentes autos, a reclamação em apreço tem por objecto o acto praticado no âmbito do processo de execução nº 6……. que determinou o depósito em conta da Exequente, ora Recorrente, do valor € 1.011.018,58 que se encontrava penhorado à executada, ora Recorrida.

O Tribunal Tributário de Lisboa admitiu a subida imediata da reclamação nos termos do art. 278º, nº 3 do CPPT, porquanto entendeu ser uma situação de prejuízo irreparável tendo consignado para o efeito a seguinte fundamentação:
Dispõe o n.º 1 do artigo 278.º do CPPT que o Tribunal só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final.
Todavia, resulta do n.º 3 do citado artigo, que o Tribunal pode conhecer logo caso a reclamação se fundamente em prejuízo irreparável causado pela inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada.
No caso em apreço está em causa a transferência de €1.011.018,58 da conta do Reclamante para a conta da entidade Reclamada, quando o próprio ato de penhora já
tinha sido contestado, através da apresentação de uma Reclamação, nos termos do artigo 276.º do CPPT.
Apesar deste montante avultado estar cativo, estava na esfera do Reclamante, na sua conta, tendo com o ato de transferência saído da sua esfera patrimonial para ingressar diretamente na esfera patrimonial da exequente quando ainda se discute a legalidade da própria penhora.
Ora, resulta do exposto, que não apreciar de imediato a reclamação apresentada, causaria à Reclamante avultados prejuízos para a atividade desta, pois tal montante foi retirado para ingressar de imediato e sem mais na conta da entidade exequente [lembra-se na pendência de duas reclamações, uma contra o indeferimento da suspensão da execução, com isenção parcial de prestação de garantia e outra contra este ato de penhora].
Apreciar a final a legalidade deste ato, a transferência de €1.011.018,58 para a conta da exequente, causaria um prejuízo irreparável ao Reclamante, pois apesar deste montante estar penhorado, era um bem do reclamante, que tinha um ónus (uma penhora) mas que estava na sua esfera, com a transferência para a conta da exequente desapareceu da sua esfera patrimonial.
Atento o exposto, entente o Tribunal que estamos perante uma situação de prejuízo irreparável, que poderá comprometer a continuação da atividade da empresa, aqui reclamante, causado pela inadmissibilidade da extensão da penhora dos bens concretamente apreendidos, tendo o montante de € 1.011.018,58 sido transferido da conta do Reclamante para a conta da exequente na pendência da reclamação do ato de penhora.”.

Afirmamos desde já a nossa concordância com o assim decidido.

Na verdade estando ainda pendentes de decisão transitada em julgado, duas reclamações contra actos praticados pela Exequente no âmbito do processo de execução nº 6…, a saber, reclamação contra o indeferimento tácito do pedido de isenção parcial da garantia que deu origem ao processo nº 895/21.4BEBRG e reclamação contra o acto de penhora do saldo bancário no montante de € 1.011.018,58 que deu origem ao processo nº 1255/21.2BELRS, a transferência do saldo bancário para a conta da Exequente, traduz um prejuízo irreparável porquanto tal valor que se encontrava na esfera patrimonial da executada embora onerado com a penhora, com a referida transferência, esse valor saiu da esfera patrimonial da Recorrida e passou a estar na plena disponibilidade da Exequente, quando a legalidade da penhora ainda se encontra pendente de decisão judicial, e considerando tratar-se de um valor tão elevado agora na inteira disponibilidade patrimonial da exequente causará prejuízo irreparável à reclamante caso a reclamação ora em apreciação não tenha subida imediata, além de que a subida a final da reclamação pode retirar o efeito útil da reclamação, a saber a apreciação da legalidade da transferência que foi efectuada.

A Recorrente alega que não foi feita prova do prejuízo irreparável, contudo, como tem sido entendido pela jurisprudência “A subida imediata da reclamação prevista no n.º 3 do artigo 278.º do CPPT deve ser estendida a todas as situações em que, independentemente da alegação e prova de prejuízo irreparável, a subida diferida retiraria toda a utilidade à reclamação, porquanto essas situações também são susceptíveis de provocar um prejuízo irreparável. (cfr. Ac. do STA de 29/09/2010 – proc. 0678/10).

Importa ainda atender que “A compreensão do conceito de «prejuízo irreparável», susceptível de fazer subir imediatamente a reclamação prevista no artigo 276º do CPPT, tem que ser vista à luz da irreversibilidade sobre os interesses do executado dos efeitos produzidos pelo acto reclamado até ao termo do processo executivo” (cfr. Ac. do STA de 15/02/2012- proc. 061/12).

Conclui-se assim que a decisão de subida imediata da presente reclamação não padece de erro de julgamento, improcedendo tal fundamento invocado pela Recorrente.

É ainda alegado pela Recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade nos termos do art. 125º, nº 1 do CPPT por omissão de pronúncia quanto à lesividade do acto.

Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT, é nula a decisão quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Será nula a sentença por omissão de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, pelo que importa analisar se, no caso concreto foram apreciadas todas as questões invocadas.

Incumbe ao juiz a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, independente da sua pertinência ou viabilidade, ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras – artigo 608.º, n.º 2 do CPC.

As questões de que o juiz deve conhecer são, ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

Na petição de reclamação o Reclamante invocou os fundamentos da acção e formulou o pedido correspondente (cfr. art. 147º do CPC e art. 276º do CPPT), é na petição inicial que o autor deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de anulação do acto praticado no processo de execução fiscal. Por sua vez na resposta a Exequente invoca as razões de facto e de direito que sustentam o acto reclamado contestando os argumentos apresentados pelo Reclamante.

A falta de lesividade do acto reclamado foi invocada pela Recorrente na resposta que apresentou ao abrigo do art. 277º do CPPT afirmando para tanto que o acto não causa qualquer prejuízo à reclamante, sendo uma mera operação material de execução do anterior acto administrativo (o acto que ordena a penhora) e não assume qualquer lesividade para o reclamante. Mais afirma que como o montante está penhorado logo indisponível, a reclamante não o pode usar pelo que fica demonstrada a falta de lesividade do acto reclamado.

Ora da sentença recorrida consta a apreciação da falta de lesividade do acto reclamado, embora não duma forma directa, mas decorrente da apreciação do prejuízo irreparável, que a sentença considerou como verificado para efeitos da subida imediata da reclamação como atrás foi analisado.

A nulidade de sentença, por omissão de pronúncia [art. 615º nº 1 d) do CPC], é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre as questões com relevância para a decisão de mérito, sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.

Resta apenas acrescentar que o tribunal a quo ao concluir que “a transferência do valor de €1.011.018,58 para a conta da exequente deve ser anulada, por ilegal, uma vez que o Reclamante apresentou Reclamação Graciosa e estavam pendentes duas reclamações, uma contra o indeferimento do pedido de suspensão da execução, com isenção parcial de prestação de garantia, e outra contra o ato de penhora, devendo o montante ser restituído à conta da reclamante, para aí ficar cativo, até trânsito em julgado da decisão da Reclamação apresentada sobre a penhora efetuada”, apreciou a legalidade do acto reclamado não tendo o juiz conhecido as demais questões invocadas pela Reclamante, por prejudicadas, face à procedência do pedido de anulação do acto reclamado, como consagra o art. 608º, nº 2 do CPC.

Como se afirma no Ac. do STA de 03/02/2021 – proc. 0827/15.9BALSB “A omissão de pronúncia está diretamente relacionada com o comando fixado no n.º 2 do artigo 660.º do CPC (atual 608.º, n.º 2), segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». É o vício de que enfermam as decisões judiciais que tenham deixado por apreciar alguma questão cujo conhecimento se lhe impunha por ter sido invocada pelas partes. Assim, só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o tribunal não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da decisão judicial também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio. Não há nulidade da sentença por omissão de pronúncia relativamente a questões que resultem prejudicadas pela resposta dada pelo tribunal a outras.

Como é jurisprudência corrente e pacífica, a obrigação do juiz de se pronunciar sobre todas as questões que as partes lhe tenha colocado não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que a parte tenha produzido em defesa da sua tese, uma vez que questões não se confunde com argumentos.

Por outro lado, haverá omissão de pronúncia se o tribunal deixa por conhecer questões que foram suscitadas pelas partes sem indicar razões para justificar essa abstenção de conhecimento e se da decisão jurisdicional também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento ficou prejudicado.”.

Destarte se conclui que a sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia, improcedendo assim a alegada nulidade.

Prosseguindo.

A Recorrente alega ainda o erro de julgamento de direito, mais concretamente dos artigos 52º da LGT e artigos 169º, 223º e 278/6 do CPPT.

Antes de mais importa fazer uma resenha da matéria assente nos presentes autos, destacando-se que após ter sido apresentado pedido de suspensão do processo de execução nº 6… mediante prestação parcial de garantia, em 26/04/2021 foi apresentada reclamação contra o indeferimento tácito do pedido de prestação parcial de garantia, que deu origem ao processo nº 895/21.4BEBRG (cfr. pontos 3 a 5 do probatório).

Mais ficou provado que em 17/05/2021 foi penhorado o saldo de conta bancária no valor de € 1.011.018,58 e em 27/05/2021 a exequente solicitou à Caixa Económica M..... SA., que a quantia penhorada fosse depositada na conta desta com a menção “pagamento penhora nº 508….” (cfr. 7 e 8 do probatório).

Em 27/05/2021 a executada apresentou reclamação contra a penhora do saldo bancário dando origem ao processo nº 1255/21.2BELRS (cfr. 9 e 10 do probatório).

Resta referir que em 04/06/2021 a Caixa Económica M..... SA., transferiu aquele montante para a CMBraga, sendo que nessa data as reclamações nºs 895/21.4BEBRG e 1255/21.2BELRS estavam ainda pendentes (cfr. pontos 11 e 12 do probatório).

Em 05/07/2021 foi apresentada reclamação contra o acto de transferência da conta da executada para a conta da exequente do valor de € 1.011.018,58 dando origem aos presentes autos (cfr. plataforma SITAF).

Tendo presente o circunstancialismo fáctico acima mencionado, vejamos agora o enquadramento jurídico aplicável.

O artigo 52.º da Lei Geral Tributária, consagra nos seus n.º 1 a 4, o seguinte:
«1 - A cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução que tenham por objecto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem n.º 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados membros.
2 - A suspensão da execução nos termos do número anterior depende da prestação de garantia idónea nos termos das leis tributárias.
(...)
4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.

E o artigo 169.º, n.º 1, do CPPT estabelece que «A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CEE, de 23 de julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados-Membros, ou de convenção para evitar a dupla tributação, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente».

Tendo a reclamante, ora recorrida, reagido contra o indeferimento tácito do pedido de isenção parcial de prestação de garantia através de reclamação apresentada nos termos do artigo 276.º do CPPT, a qual corre ainda termos sob o n.º 895/21.4BEBRG (cfr. ponto 5 do probatório), a entidade exequente prosseguiu os termos do processo de execução e procedeu à penhora do saldo bancário da conta que a executada tem na Caixa Económica M....., tendo a recorrida reagido novamente contra essa penhora mediante reclamação nos termos do art. 276º que corre termos sob o nº 895/21.4BEBRG.

E na pendência das duas reclamações apresentadas nos termos do art. 276º do CPPT a entidade exequente solicitou àquela entidade bancária a transferência do saldo penhorado para a sua conta, tendo essa transferência sido efectuada em 04/06/2021.

Inconformada a recorrida apresentou reclamação nos termos do art. 276º do CPPT contra o acto de transferência do montante que estava penhorado, dando origem aos presentes autos.

Uma vez que está ainda a ser discutida a legalidade, quer do indeferimento tácito do pedido de isenção parcial de prestação de garantia, quer da penhora efectuada, não podia a entidade exequente, na pendência destas duas reclamações, prosseguir com os termos da execução, mais concretamente determinar o depósito de tal montante na sua conta.

Importa ter presente o entendimento jurisprudencial vertido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 21/02/2018 – proc. n.º 091/18 ao afirmar-se que:
“Deduzida reclamação contra o acto de penhora do saldo de uma conta bancária, ao abrigo do disposto nos arts. 276.º e segs. do CPPT, a mesma tem efeito suspensivo, o que significa que fica suspensa a eficácia desse acto, não podendo os valores penhorados ser aplicados no pagamento coercivo da dívida exequenda, pelo menos até ao trânsito em julgado da decisão”.

E mais recentemente o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30/09/2020- proc. 155/20.8BELRS “Sabendo o órgão de execução fiscal que nos termos do artigo 278º, nº 6, do CPPT, a reclamação referida no nº 3 ou seja, a reclamação com subida imediata com fundamento em ilegalidades do acto de penhora “suspende os efeitos do acto reclamado e segue as regras dos processos urgentes” deveria ter comunicado à entidade bancária que não desse cumprimento ao determinado na 2ª parte do nº 4 do art. 223º do CPPT, isto é, que não procedesse à penhora de novas entradas. Deste modo, ao não ter agido como legalmente estava obrigada, o órgão de execução fiscal não respeitou o efeito suspensivo do acto de penhora reclamado. Assim, a penhora de saldo efectuado na pendência da presente reclamação é ilegal por vício de violação de lei, o que tem como consequência a sua anulação”.

Na verdade o art. 278º, nº 6 do CPPT determina que a reclamação com subida imediata suspende os efeitos do acto reclamado e segue as regras dos processos urgentes.

Ora no caso em apreço, a transferência do saldo bancário penhorado traduz-se na prossecução da execução e na prática de diligências de penhora e entrega dos valores penhorados, decorrentes do acto de penhora praticado e reclamado. Não tendo sido suspenso o acto de penhora face à apresentação da reclamação, a exequente prosseguiu com a execução do acto reclamado (penhora) dando origem ao acto de transferência ora igualmente reclamado, e que se mostra ilegal face ao disposto no já referido nº 6 do art. 278º do CPPT.

Embora a reclamação não suspenda a execução no seu todo, tal não significa que o órgão de execução possa praticar actos de execução da decisão reclamada, pois esta fica suspensa com a reclamação com subida imediata. Importa salientar que o efeito suspensivo previsto no nº 6 do art. 278º do CPPT é imprescindível para assegurar a tutela judicial efectiva dos direitos ou interesses do reclamante afectados por actos da administração tributária/entidades exequentes.

Destarte resulta que a exequente, ora Recorrente, após ter tido conhecimento das apresentações das reclamações, designadamente contra a penhora dos saldos bancários, que ainda se encontravam pendentes de decisão judicial transitada em julgado, deveria ter suspendido a execução dos actos reclamados, ao invés de solicitar à entidade bancária a transferência do montante penhorado para a sua conta.

A Recorrente vem ainda alegar que apesar do art. 223º do CPPT não ser aplicável aos autos, contudo não proíbe o acto praticado, invocando ser de aplicar à penhora de depósitos bancários as normas dos artigos 227º, 228º, nº 2 e 229º, nº 2 do CPPT reforçando o seu entendimento pela legalidade da sua actuação.

Desde já cumpre ressalvar que o objecto do presente processo não é a apreciação da legalidade ou não do acto de penhora e dos seus procedimentos, porquanto o que importa decidir nos presentes autos é a legalidade ou não da transferência do saldo bancário que se encontrava penhorado. E como vimos tendo sido apresentada uma reclamação do art. 276º contra o acto de penhora do saldo bancário, face ao efeito suspensivo de tal reclamação, não poderia a entidade exequente prosseguir com diligências de execução dessa penhora, razão pela qual se conclui que o acto reclamado nos presentes autos padece de ilegalidade.

Resulta desta forma serem improcedentes todos os fundamentos do presente recurso, devendo manter-se a sentença recorrida.

Da condenação em custas

Nas causas de valor superior a € 275.000,00 a regra continua a ser o pagamento integral da taxa de justiça resultante da aplicação dos critérios legais, assumindo natureza excepcional a dispensa, pelo juiz, de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.
Tal dispensa – total ou parcial – só deverá ocorrer em situações de manifesto desequilíbrio entre o montante a pagar e a actividade desenvolvida pelo tribunal, o que se entende verificar.
Como tal, ponderando, a complexidade da matéria jurídica e o número de questões colocadas e, atendendo à lisura da conduta das partes e ao valor do processo fixado na sentença recorrida, que é de € 1.011.018,58, justifica-se a dispensa total de pagamento do remanescente de taxa de justiça.

* *
V- DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes da 2ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2022
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto