Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1268/04.9BEVIS
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2021
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA;
FOTOCÓPIA;
PROVA.
Sumário:Nos termos do art. 368º do Código Civil a fotocópia do documento faz prova plena dos factos nele constantes, a não ser que tenha sido impugnado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por E........, S.A., com referência à liquidação de Contribuição Autárquica dos anos de 1997 e 1998 no montante total de € 415.854,66 respeitante ao imóvel sito na freguesia de N. Sra. de Fátima.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“I – Estão em causa as liquidações de Contribuição Autárquica relativas aos anos de 1997 e 1998, emitidas em nome da Impugnante pela propriedade do imóvel melhor identificado nos autos, relativamente às quais, em sede de reclamação graciosa, se arrogou ter anteriormente requerido a respectiva suspensão nos termos previstos no art.º 10.º, n.º1, alínea f) do CCA.

II – Sendo que, uma vez notificada a Impugnante pelo serviço competente para fazer prova do pedido de diferimento da tributação mediante exibição do original do recibo de entrega do requerimento que terá materializado semelhante pedido, aquela não se dignou satisfazer este pedido.

III – Na douta sentença a quo formulou-se o entendimento segundo o qual, a junção por parte da Impugnante, em sede de reclamação graciosa, de uma fotocópia do pretenso recibo de entrega no serviço competente do pedido de isenção de CA, constituía prova bastante da efectivação de semelhante pedido, posto que também se não pôs em causa a veracidade do documento, determinando em consequência pela anulação das liquidações de imposto.

IV – Ora, dissente-se, ressalvado melhor entendimento, do assim doutamente decidido, porquanto, face à factualidade apurada, o que se conclui é que, precisamente por não reconhecer veracidade ou validade imediata ao documento que acompanhou a reclamação graciosa, é que o Sr. Chefe do Serviço de Finanças competente investiu a Impugnante no ónus de demonstrar essa mesma veracidade, isto é, passou a caber à Impugnante a demonstração de que aquele documento correspondia ao original do recibo do requerimento que pretensamente lhe tinha sido entregue após a pretensa entrega do mesmo no serviço de finanças.

V – Ao abrigo do princípio do dever de colaboração entre contribuintes e a AT, decorrente do disposto no art.º 59º da LGT, o Serviço de Finanças solicitou à Impugnante que exibisse o original do recibo que esta, por certo, detinha em seu poder, ou, pelo menos, que lhe foi entregue aquando da apresentação do pretenso requerimento no Serviço de Finanças.

VI – A omissão deste comportamento por parte da Impugnante, implicou a inversão do ónus da prova, nos termos da alínea b) do nº 2 do art.º 75º da LGT, porquanto tendo o procedimento origem num pedido formulado pela Impugnante, e não tendo sido prestadas as informações necessárias à respectiva apreciação, não se poderia dar a devida prossecução ao mesmo, no sentido da satisfação do pedido.

VII – Ademais, errou a douta sentença a quo na extensão que in casu atribuiu ao disposto no art.º 368º do CC, posto que a veracidade do documento mediante o qual se pretendia sustentar o pedido foi posta em causa mediante devolução à Impugnante do ónus de demonstrar que o pedido foi efectivamente efectuado mediante exibição do original do recibo.

VIII – Assim, com base na jurisprudência supra expendida, deve entender-se que não logra provar tal comunicação o sujeito passivo que apresentou uma mera fotocópia de um requerimento e que notificado para o efeito, não apresentou o respectivo original ou o correspondente recibo comprovativo.

IX – E como tal apenas se pode concluir que a Impugnante não logrou provar os requisitos cumulativos então previstos no art.º 10.º, n.º1, alínea f) do CCA para a não sujeição ao imposto, já que não prova que tenha dado conhecimento ao Serviço de Finanças da afectação do prédio à sua actividade comercial, mas, não tendo logrado fazer a prova dessa entrega, como lhe cabia, e na impossibilidade de se ficar na sua dúvida, a presente acção sempre teria de ser julgada contra a mesma.
X – Ao decidir de modo contrário, ressalvada a devida vénia, a douta sentença a quo violou entre outros, o disposto no art.º 74.º, n.º 1 da LGT; art.º 368.º do Código Civil e o art.º 10º do CCA, pelo que não se pode manter na ordem jurídica.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente, tudo com as legais e devidas consequências.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”.
* * *
A Recorrida apresentou contra-alegações tendo formulado conclusões nos seguintes termos:

“a) Nos termos do artigo 10.º do CCA os requisitos para a isenção ou suspensão da tributação de contribuição autárquica, são os seguintes: (i) que o sujeito passivo seja uma empresa que tenha no seu objeto social a venda de prédios, (ii) que o prédio seja inscrito contabilisticamente nas existências dessa empresa, o que implica que o mesmo tenha sido adquirido com propósito de revenda e (iii) que o sujeito passivo comunique à repartição de finanças da área da situação dos prédios, no prazo de 90 dias contados da aquisição do prédio, a sua afetação àqueles fins.

b) Nos presentes autos foi dado como provado que estão verificados todos os pressupostos para que a Recorrida beneficie a isenção ou suspensão da tributação de contribuição autárquica para os anos de 1997 e 1998, sendo manifesta a ilegalidade das liquidações de Contribuição Autárquica em crise nos presentes autos.

c) Uma vez que a Recorrida apresentou um requerimento específico para os fins previstos no n.º 5 do artigo 10.º do CCA e, mais, tendo ficado provado nestes autos que o preenchimento dos requisitos materiais para acesso à isenção existiam à data relevante, fica não só demonstrada a sua diligência, como que as alegadas dúvidas sobre os factos tributários (ou sobre os pressupostos da isenção) já deviam por esta hora estar dissipadas na esfera da Autoridade Tributária.

d) Ainda assim, note-se que, nos termos do n.º 3 do artigo 11.º da LGT, na interpretação das normas fiscais – neste caso sobre a isenção – deverá prevalecer um juízo de substância sobre a forma como, em caso de subsistência dúvida sobre os factos tributários, a valoração deverá ser efetuada – pela Administração Tributária – a favor do contribuinte e não contra o mesmo, em decorrência do disposto no artigo 100.º do CPPT que consagra o princípio in dubio contra fiscum.

e) A Recorrida juntou aos autos uma fotocópia do requerimento entregue junto da Repartição de Finanças do 8.º Bairro Fiscal de Lisboa, o qual tinha em vista a comunicação prevista no n.º 5 do artigo 10.º do CCA, estando em causa, nos termos do artigo 368.º do CC, a análise de uma reprodução fotográfica/mecânica que faz prova plena dos factos que representa, a menos que a parte contra quem os documentos são apresentados impugne a sua exatidão.

f) Assim, querendo arguir a falsidade deste documento, a Autoridade Tributária estava obrigada a deduzir o incidente de falsidade adequado para o efeito, tudo conforme o n.º 1 do artigo 446.º do CPC, no prazo previsto no n.º 2 do artigo 444.º do CPC – no caso, até ao termo do prazo para apresentar a sua contestação.

g) O facto de a Autoridade Tributária ter referido que, em sede do procedimento de Reclamação Graciosa solicitou à Recorrida o original do documento, não qualifica para efeitos de dedução do incidente de falsidade, pelo que, todo e qualquer vício invocado em relação ao documento apresentado pela ora Recorrida, deverá ser julgado improcedente, por intempestivo.

h) Não pode ser assacada à ora Recorrida qualquer responsabilidade decorrente da preterição do dever legal de cooperação, uma vez que, por um lado a Autoridade Tributária tem em sua posse o documento que solicitou à ora Recorrida, à mais de 10 anos (desde 03.02.1998), e por outro lado, a ora Recorrida adotou as diligências adequadas para cooperar com a Autoridade Tributária na descoberta da verdade material, tendo junto ao processo uma fotocópia do documento solicitado pela Autoridade Tributária, a qual – conforme referido supra – constitui prova plena nos termos do artigo 368.º do CC.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, manter-se válida na ordem jurídica a sentença proferida pelo Tribunal a quo, tudo com as legais consequências.
Em virtude do valor da causa ser superior a € 275.000,00 requer-se a V. Exa., se digne nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, determinar a dispensa de pagamento das custas acima do referido valor”.
* *
A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento ao ter considerado como provada a comunicação a que se refere a alínea f) do nº 1 do art. 10º do Código da Contribuição Autárquica e julgado procedente a impugnação judicial referente a contribuição autárquica dos anos de 1997 e 1998 referente ao imóvel inscrito na matriz sob o artigo 1783 da freguesia de N. Senhora de Fátima.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

A – Em 15/12/1999 a Impugnante incorporou, por ato de fusão, a sociedade C……, SA.
(Conforme cópia de escritura de fusão, junta como documento 2 da petição inicial e não impugnado)

B – Em 29/12/97 foi celebrada escritura pública de compra e venda, através da qual a sociedade S........, SA declarou vender à sociedade C........, SA, um prédio urbano, sito na Avenida……………., na freguesia de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa, inscrito na respetiva matriz predial urbana n.º……., mais tendo as partes declarado que o prédio se destinava a revenda.
(Conforme cópia de escritura de compra e venda, junta como documento 3 da petição inicial e não impugnado)

C – Na escritura referida no ponto B ficou exarado “(…) que a sociedade C........, SA se encontra colectada pelo exercício de aquisição de compra e venda de prédios para revenda e que exerceu normal e habitualmente essa actividade no ano trasacto (…)”
(Conforme cópia de escritura de compra e venda, junta como documento 3 da petição inicial e não impugnado)

D – No balancete da sociedade C........, SA, de dezembro de 1997, consta, sob o Código de Conta 32.9, o prédio na avenida 5 de Outubro – artigo 1783.
(Conforme documento 5 da petição inicial não impugnado)

E - Em 03/02/98 a sociedade C........, SA apresentou na Repartição de Finanças do 8.º Bairro Fiscal de Lisboa o requerimento que se reproduz:

(Imagem no original)

(Conforme documento 4 da petição inicial não impugnado).

F - Em 08/03/2002 foi efetuada liquidação de Contribuição Autárquica referente aos anos de 1997 e 1998, nos valores, respetivamente, de € 208.036,58 e € 207.818,208, relativamente aos seguintes prédios, identificados pelos artigos urbanos da freguesia de Nossa Senhora de Fátima:
- 01783 - 1997
- 01783 - A- 1998
- 01783 - AA- 1998
- 01783 - AB- 1998
- 01783 - AC- 1998
- 01783 - AD- 1998
- 01783 - AE- 1998
- 01783 - AF- 1998
- 01783 - AG- 1998
- 01783 - AH- 1998
01783 - AI- 1998
- 01783 - AJ- 1998
- 01783 - AL- 1998
(Conforme documento 1 da petição inicial não impugnado).

G - Em 27/06/2003 a Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação referida em F, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na qual alega:
- Que a sociedade C........, SA efetuou, em 3 de fevereiro de 1998, pedido de isenção de contribuição autárquica, ao abrigo do artigo 10.° n.° 1 alínea f) do CCA, à qual juntou, como documento n.° 3, cópia do documento referido em E;
- Razão pelo que não é devida a contribuição autárquica respeitante ao artigo e frações constantes do documento de cobrança;
- Pelo que deve a mesma ser anulada.
(Conforme documento a fls. 2 a 46 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos)

H - Em 08/08/2003 a Impugnante recebeu ofício através de carta registada com aviso de receção, que se dá por integralmente reproduzido, no qual foi solicitado que, no prazo de 10 dias, apresentasse o original do documento n.° 3 junto com a reclamação (pedido de isenção ao abrigo da alínea f) do n.° 1 do artigo 10.° do CCA - artigo 1783 da freguesia de N. Sra. Fátima) e informado que a reclamação apenas poderia ser objeto de resolução após a apresentação do documento, pelo que, caso esta não ocorresse, a reclamação seria arquivada sem mais diligências. (Conforme documentos a fls. 49 e 50 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos)

I- Por ofício datado de 02/06/2004 foi comunicado à Impugnante que se pronunciasse, em exercício do direito de audição prévia, sobre o projeto de decisão, o qual tem o seguinte conteúdo:

(Imagem no original)

(Conforme documento de fls. 51 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos)

J- Em 09/07/2004, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 8 indeferindo a reclamação com os fundamentos constates do projeto de decisão.
(Conforme documento de fls. 53 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos)
*
Nada mais foi provado com interesse para a decisão a proferir.
*
MOTIVAÇÃO
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme é especificado nos vários pontos da matéria de facto provada.”.


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou a presente impugnação judicial procedente por considerar que se mostravam provados todos os requisitos legalmente exigidos para a suspensão de tributação de contribuição autárquica previstos no art. 10º, nº 1 alínea f) do Código da Contribuição Autárquica designadamente, que a impugnante logrou provar ter efectuado a comunicação a que alude o nº 5 do mesmo artigo e, em consequência julgou procedente a impugnação judicial e anulou as liquidações de Contribuição Autárquica dos anos de 1997 e 1998 no montante de e 415.854,66 referentes ao imóvel sito na freguesia de N. Senhora de Fátima, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1783.

Como refere a sentença recorrida:
Estabelecia o Código da Contribuição Autárquica - CCA (versão aplicável resultante do DL 442-C/88, de 30 de Novembro com as alterações da L 10-B/96, de 23 de março), no artigo 10º n.º 1 alínea f), que a contribuição é devida a partir do terceiro ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tenha passado a figurar nas existências de uma empresa que tenha por objeto a sua venda.
Por sua vez o n.º 5 deste preceito legal determinava que, para efeitos do disposto nas alíneas e) e f) do nº 1 e no nº 4, deverão os sujeitos passivos comunicar à repartição de finanças da área da situação dos prédios, no prazo de 90 dias contados da verificação do facto determinante da sua aplicação, a afetação dos prédios àqueles fins.
Decorre das normas citadas que os requisitos para a isenção ou suspensão da tributação de contribuição autárquica ali prevista, são os seguintes (i) que o sujeito passivo seja uma empresa que tenha no seu objeto social a venda de prédios, (ii) que o prédio seja inscrito contabilisticamente nas existências dessa empresa, o que implica que o mesmo tenha sido adquirido com propósito de revenda, (iii) que o sujeito passivo comunique à repartição de finanças da área da situação dos prédios, no prazo de 90 dias contados da aquisição do prédio, a sua afetação àqueles fins.
Voltando ao caso dos autos, consta do probatório que ficou exarado na escritura que titulou a aquisição do prédio em causa nos autos, cujo teor não foi impugnado, que a sociedade C........, SA se encontrava, à data da aquisição do prédio em causa, coletada pelo exercício de aquisição de compra e venda de prédios para revenda e que exerceu, normal e habitualmente, essa atividade no ano transato (C).
Mais consta que a dita sociedade adquiriu, em 29/12/97, a propriedade do imóvel sito na Avenida……………, da freguesia de Nossa Senhora de Fátima, inscrito na matriz urbana n.º……, prédio, destinado a revenda (B).
Do elenco dos factos provados (D) resulta ainda que o prédio adquirido foi inscrito como existência no balancete de dezembro de 1997 da sociedade C........, SA, sob o Código de Conta 32.9 (mercadorias).
Por fim, foi considerado provado que, em 03/02/98, a sociedade C........, SA, apresentou na Repartição de Finanças do 8.º Bairro Fiscal de Lisboa, um requerimento a pedir concessão de suspensão de tributação de contribuição autárquica, nos termos do artigo 10.º n.º 1 alínea f) do respetivo Código, relativamente ao prédio sito na Avenida……….., inscrito na matriz urbana da freguesia de Nossa senhora de Fátima sob o n.º……., em virtude do mesmo ter sido afeto a revenda, ao qual foi junta cópia da escritura de compra e venda e elementos contabilísticos comprovativos da sua contabilização na conta de existências (E).
Resultam assim provados nos autos todos os requisitos exigidos para que opere a suspensão de tributação de contribuição autárquica prevista no artigo 10.º n.º 1 alínea f) do CCA.
Mas é entendimento da administração tributária que a Impugnante não logrou demonstrar a inexistência do facto tributário, porquanto, tendo sido para tal notificado, não apresentou o original do requerimento de concessão de suspensão de tributação de contribuição autárquica, sendo, portanto, legal a liquidação efetuada.
Não lhe assiste, porém, razão.
A Impugnante juntou à sua reclamação e a esta impugnação, uma cópia do requerimento entregue na Repartição de Finanças do 8.º Bairro Fiscal de Lisboa (E e G), com carimbo da referida repartição e rubrica ilegível.
Nos termos do disposto no artigo 368.º do Código Civil (CC) “As reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas, fazem prova plena dos factos ou das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exatidão.
Nunca a administração tributária, na reclamação, ou a Fazenda Pública, nestes autos, impugnaram o referido documento, quanto à sua exatidão ou por qualquer outra razão.
Como bem diz o Ilustre Magistrado do Ministério Público no seu parecer, não se pôs em causa que o carimbo aposto no documento fosse da referida Repartição de Finanças ou que a assinatura não fosse reconhecida como de nenhum funcionário daquele serviço.
Assim, ao contrário do que sustentou a administração tributária, o documento apresentado nos autos faz prova plena de que foi entregue na Repartição de Finanças do 8.º Bairro Fiscal de Lisboa e que tem o conteúdo que dele resulta.
Sendo que o requisito do n.º 5 do artigo 10.º do CCA é apenas a comunicação à administração tributária de que o sujeito passivo reúne os requisitos para a suspensão da tributação e estando provado nos autos que essa comunicação foi atempadamente entregue e que todos os requisitos referidos na alínea f) do n.º 1 do dito preceito legal estão reunidos, não podia a administração tributária ter liquidado contribuição autárquica dos anos de 1997 e 1998.
Ao fazê-lo, incorreu no vício de violação de lei, por referência aos preceitos legais indicados, razão porque terá que proceder a impugnação, o que se decidirá no dispositivo.”.


Discordando do assim decidido, veio a Fazenda Pública alegar no presente recurso jurisdicional que, face à factualidade apurada, por não se reconhecer veracidade ou validade imediata ao documento junto à reclamação graciosa, foi efectuada a notificação à impugnante para demonstrar essa veracidade, cabendo-lhe demonstrar que aquele documento correspondia ao original do recibo do requerimento pretensamente entregue.

Mais alega erro de julgamento quanto à extensão dada na sentença ao disposto no art. 368º do CC porquanto a veracidade do documento que sustentava o pedido foi posta em causa mediante a devolução à impugnante do ónus de demonstrar que o pedido foi efectuado, mediante a exibição do original do recibo. Conclui assim que a impugnante não logrou provar os requisitos cumulativos previstos na alínea f) do nº 1 do art. 10º do CCA para a não sujeição do imposto.

Vejamos então.

O art. 10º do Código da Contribuição Autárquica consagrava (à data dos factos) no seu nº 1, alínea f), que a contribuição seria devida a partir do terceiro ano seguinte, inclusive, àquele em que um prédio tivesse passado a figurar nas existências de uma empresa que tivesse por objeto a sua venda.
Por sua vez o n.º 5 deste preceito legal determinava que, para efeitos do disposto nas alíneas e) e f) do nº 1 e no nº 4, deveriam os sujeitos passivos comunicar à repartição de finanças da área da situação dos prédios, no prazo de 90 dias contados da verificação do facto determinante da sua aplicação, a afetação dos prédios àqueles fins.

Assim, para que a isenção ou suspensão da tributação de contribuição autárquica se verificasse, seriam necessários os seguintes requisitos:
- que o sujeito passivo fosse uma empresa que tivesse no seu objeto social a venda de prédios;
- que o prédio estivesse inscrito contabilisticamente nas existências dessa empresa, o que implicava que o mesmo tivesse sido adquirido com o fim de revenda; e,
- que o sujeito passivo comunicasse à repartição de finanças da área da situação dos prédios, no prazo de 90 dias contados da aquisição do prédio, a sua afetação àqueles fins.

Dos autos resultam provados todos os requisitos acima enunciados como consta das alíneas nesta disposição legal (cfr. alíneas B) a E) do probatório).

A divergência assenta no requisito enunciado no nº 5 do art. 10º do CCA quanto à comunicação à repartição de finanças da afectação dos imóveis à revenda.

Na sentença recorrida foi considerado que a fotocópia junta à reclamação graciosa referente à comunicação à repartição de finanças da afectação dos prédios a revenda, por não ter sido impugnada, fazia prova plena dessa comunicação nos termos do art 368º do CC.

Cumpre salientar que nos termos do art 368º do Código Civil “As reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão.”.

In casu, quando a impugnante apresenta a reclamação graciosa pedindo a anulação da contribuição autárquica dos anos de 1997 e 1998 juntou diversos documentos nos quais se inclui uma fotocópia do requerimento apresentado em 13/02/1998 e dirigido ao Chefe da Repartição de Finanças do 8º Bairro Fiscal de Lisboa com o seguinte teor “Vem requerer a V.Exª
Nos termos do art. 10º nº 5 do Código da Contribuição Autárquica, lhe seja concedida a suspensão de tributação de Contribuição Autárquica preconizada pela alínea f) do nº 1 do art. 10º do já citado Código, relativamente ao edifício sito na Avenida…………, inscrito na matriz predial urbana sob o nº……, da freguesia de Nossa senhora de Fátima, em virtude de o mesmo ter sido afecto a revenda, resultante de aquisição, por escritura de Compra e Venda em 29 de Dezembro de 1997.”. (cfr. alínea E do probatório)

Desta forma ao contrário do que alega a Fazenda Pública, a impugnante cumpriu o ónus da prova que sobre si impendia, na medida em que juntou prova plena (de acordo com o art. 368º do CC) dos factos que invocava.

Assim, tal documento faz prova da comunicação aos serviços de que os imóveis se destinavam a revenda, na medida em que, nem o Serviço de Finanças no procedimento de reclamação graciosa, nem a Fazenda Pública impugnou o seu teor ou suscitou a sua falsidade, não questionando sequer o carimbo de entrada do requerimento nem a assinatura dele constante, pelo que resulta assim provado que tal requerimento deu entrada no serviço de finanças.

Considera a Fazenda Pública que a notificação que dirigiu à impugnante para a apresentação do original do documento, configura um não reconhecimento da veracidade ou validade imediata do documento, mas sem razão porquanto, neste contexto, se existia dúvida por parte do Serviço de Finanças sobre a fotocópia, então deveria ter tentado localizar o original do requerimento que deu entrada naqueles serviços, ou impugnar expressamente o teor daquela fotocópia. Ao invés notificou a Impugnante para apresentar o original sob pena de a reclamação graciosa não proceder, não podendo essa notificação ser entendida como impugnação do teor do documento.

Mais vem a Fazenda Pública invocar a jurisprudência vertida no Acórdão deste Tribunal de 14/02/2012 no processo nº 04773/11 em defesa da sua argumentação, contudo, importa salientar que a situação fáctica subjacente a esse Acórdão é distinta dos presentes autos, porquanto naquele Acórdão estava em causa a apresentação de uma fotocópia de um requerimento com um carimbo de recepção de diferente configuração do utilizado pelo Serviço, com a data rasurada e que tendo sido notificado para o efeito, o impugnante não apresentou o respectivo original ou o correspondente recibo comprovativo. Ora no caso em apreço a fotocópia apresentada não configura qualquer divergência no carimbo dos serviços aposto no requerimento, não tendo a AT, suscitado ou impugnado o seu teor ou a assinatura dele constante.

Resulta assim que, in casu, em sede de reclamação graciosa e para efeitos de prova dos factos alegados a Recorrida juntou um documento (fotocópia) referente à comunicação a que se refere o art. 10º do CCA, tendo assim cumprido o seu ónus da prova.
A administração tributária perante um documento (fotocópia) em que era atestada a sua entrega junto dos seus serviços, deveria ter adoptado um de dois procedimentos; indagar do original do documento junto dos serviços, ou tendo dúvidas sobre a veracidade de tal documento, deveria ter impugnado o seu teor. No caso em apreço a AT não adoptou nenhum destes procedimentos e ao invés limitou-se a notificar o Recorrido para a apresentação do original do documento.

Desta forma se conclui que resultaram provados todos os requisitos enunciados no art. 10º do CCA para a Recorrida beneficiar da suspensão de tributação nele prevista, pelo que a sentença recorrida não merece qualquer censura, sendo de negar provimento ao recurso.


Da condenação em custas

Nas causas de valor superior a € 275.000,00 a regra continua a ser o pagamento integral da taxa de justiça resultante da aplicação dos critérios legais, assumindo natureza excepcional a dispensa, pelo juiz, de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.
Tal dispensa – total ou parcial – só deverá ocorrer em situações de manifesto desequilíbrio entre o montante a pagar e a actividade desenvolvida pelo tribunal, o que se entende verificar.
Como tal, ponderando, a complexidade da matéria jurídica e o número de questões colocadas e, atendendo à lisura da conduta das partes e ao valor do processo, que é de € 415.854,66, justifica-se a dispensa total de pagamento do remanescente de taxa de justiça.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Lisboa, 9 de Junho de 2021
[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha].
Luisa Soares