Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08532/12
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:06/21/2012
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO.
VIOLAÇÃO DE NORMAS LEGAIS OU REGULAMENTARES OU PRINCIPIOS GERAIS.
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE PRUDÊNCIA COMUM.
VIOLAÇÃO, POR OMISSÃO, DO DEVER DE EDITAR NORMAS REGULAMENTARES.
ARTIGO 6º DO DECRETO – LEI Nº 48051, DE 21 DE NOVEMBRO DE 1967.
Sumário:I – Em termos análogos ao regime civilístico, também o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado (Decreto – Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967) pressupõe a ocorrência dos seguintes requisitos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano, bastando a falta de verificação de um destes pressupostos para que a acção improceda.

II – Para que à luz do artigo 6º do Decreto – Lei nº 48051 uma omissão seja ilícita, por violação de uma norma legal ou regulamentar, é necessário que haja:
i) uma situação abrangida pelo âmbito de previsão da norma, legal ou regulamentar, que determine o dever de adoptar determinado comportamento (activo).
ii) A não adopção do comportamento normativamente pré-determinado pelos sujeitos passivos do dever.

III – Das normas legais ou regulamentares potencialmente aplicáveis ao caso sub judice – Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei nº 48/90, de 24 de Agosto, e o Estatuto Hospitalar, aprovado pelo Decreto – Lei nº 48357, de 27 de Abril de 1968 – não resulta qualquer obrigação para o ora Recorrido de controlar e/ou evitar a saída dos doentes.

IV – No domínio dos serviços de saúde a “prudência comum” mais não é do que a percepção de determinados estados patológicos dos utentes adequados a afastar, na medida do possível, os riscos que a manutenção ou evolução daquelas patologias poderá acarretar.

V – A operacionalidade do dever de vigilância existe em relação a perigos representáveis por um avaliador prudente. Assim, sempre que a patologia especial não seja comunicada, ou diligentemente perceptível, não poderá o doente considerar-se abrangido pelo âmbito de protecção regulamentar.

VI - Não se verificando o nexo causal entre o alegado facto ilícito (omissão de vigilância) e o dano ( morte) em termos de causalidade adequada, tanto basta para não estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, em razão do que não pode a acção deixar de ser julgada improcedente.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Maria ………………… e Maria Eugénia ……………….., com sinais nos autos, inconformadas com a sentença do TAF de Almada, de 28 de Outubro de 2011, que julgou improcedente, por não provada, a acção administrativa comum, sob a forma ordinária, por si intentada contra o Hospital …………… E.P.E., dela recorreram e, em sede de alegações, formularam as seguintes conclusões:



O presente recurso incide sobre a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente, por não provada, a acção administrativa comum na forma ordinária para efectivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito, e em consequência absolveu o Réu Hospital ………….. do pedido por considerar inexistente o pressuposto relativo à ilicitude.


Em primeiro lugar, por considerar que inexiste qualquer norma que impusesse ao R. a obrigação de controlar a saída dos doentes do serviço de urgência, e em segundo lugar, por considerar inexistir igualmente a violação, por parte do R., de regras de prudência comum que devessem ser tidas em consideração.

3.º
Para fundamentar este ultimo ponto, invoca a douta sentença a matéria não provada relativamente à comunicação ao Hospital, por parte da 2.ª A., que Manuel ………... sofria de Alzheimer ou que carecia das necessárias faculdades para perceber a realidade envolvente ou para se orientar.

4.º
Ora, não podem as Recorrentes conformar-se com tal entendimento, uma vez que entendem que, com base na factualidade dada como provada na douta sentença ora recorrida, o pressuposto da ilicitude – tal como o mesmo se encontra definido no art. 6.º do D.L. 48051 de 21 de Novembro de 1967 – encontra-se verificado.

5.º
De acordo com a citada disposição legal não é necessário que haja um preceito escrito que tenha sido violado, abrangendo igualmente aquele conceito a omissão de cumprimento de um dever imposto pela prudência comum, ou omissão do cumprimento de um dever que se impusesse respeitar.

6.º
Assim, da prova documental junta aos autos e da matéria dada como provada na douta sentença ora recorrida nomeadamente nas suas als. c) Manuel Jesus de Oliveira tinha, à data, 83 anos de idade; d) Sofria de Alzheimer (…); h) Manuel ………. foi encaminhado para o Hospital ………a (pelo SAP do Seixal), onde chegou de ambulância pelas 15h05; i) (…) docs. 29 a 33; j) Seguiu um envelope fechado relatório médico a acompanhar o doente (…) – doc de fls 122; k) Manuel …………… entrou no hospital referenciado como doente que tinha sofrido perda de conhecimento, náuseas e vómitos; m) a médica que então observou Manuel ……………. pediu a realização de electrocardiograma, de raio X e análises, tendo posteriormente mandado repetir análises às enzimas; q) A Dra Marcelina disse à 2.ª A que não dava alta ao doente sem análises previas e exames adequados; r) (…) por volta das 20h (…) teria de ficar em observação e repetir análises por volta das 2h, e que só depois se podia avaliar a situação e eventualmente dar-lhe alta; g) Aquela médica já conhecia Manuel ……….. e o seu estado clínico mental por o mesmo já ter sido ali assistido; t) Por volta das 2h20 foi informada que a situação se mantinha e só poderiam dar mais informações pelas 8h da manhã; u) Por volta das 8h50 (…) ainda não tinha tido alta (…); conclui-se que tal factualidade não pode deixar de subsumir o conceito de ilicitude tal como o mesmo se encontra consagrado no art. 6.º do DL 48051 de 21 de Novembro de 1967.

7.º
É certo que as Recorrentes não lograram provar que a 2.ª A. tivesse comunicado à médica que primeiro assistiu Manuel ………….. no Serviço de urgência do Hospital ………….. que o mesmo padecia de Alzheimer – no entanto tal médica já conhecia o seu estado clínico mental anterior por o mesmo já ter ali sido assistido (cf. Al. s) da matéria dada como provada.
8.ª
Ainda assim, e mesmo que a doença de Alzheimer de que padecia fosse desconhecida pelos profissionais do Serviço de Urgência, impunham as regras da prudência comum, um dever de especial acompanhamento e vigilância de um doente com as características de Manuel ………….. – 83 anos de idade e que deu entrada no Serviço de Urgência encaminhado pelo SAP do Seixal após duas perdas de conhecimento prolongadas nesse mesmo dia – pelo que foi violado um dever que se impunha respeitar.
9.º
Em segundo lugar o desaparecimento do doente não foi comunicado ao segurança assim que o mesmo não foi detectado – o que não pode deixar de configurar uma omissão de um dever que se impunha respeitar.

10.º
Em terceiro lugar, a inexistência de normas no regulamento interno do Serviço de Urgência que previssem o acompanhamento e vigilância de doentes com características especiais – idade avançada, patologias especiais, etc. – revela também uma omissão no cumprimento de um dever que se impunha respeitar – o de prever expressamente estas situações naquele regulamento.

11.º
E em quarto lugar, o mesmo se aplica à inexistência naquele regulamento de regras acerca dos procedimentos a adoptar entre os profissionais de saúde e a vigilância em caso de fuga de doentes.

12.º
Sem esquecer a adopção dos procedimentos em apreço destinados a concretizar tais regras.

13º
A omissão destas condutas encontra-se provada nos autos.

14.º
E a existência dos deveres elencados (ao contrário do que entendeu a douta sentença ora recorrida) é imposta pelas regras de prudência comum, que deviam ser tidas em consideração – tanto assim é que o próprio Recorrido reconhece a sua existência, e a falhas/omissões cometidas na acta da reunião do Conselho de Administração do Hospital ………… de 28/10/2006 – a fls. 136 dos autos, onde pode ler-se, nomeadamente:
“ O Conselho de Administração concordou e aprovou as conclusões retiradas pela instrutora do Processo de Averiguações n.º 144/SAJC/2006, Dra. Patrícia ………………, sobre o desaparecimento do doente Manuel ……………….. , cometendo o Sr. Director Clínico e ao Grupo Coordenador da Urgência, o encargo de preparar a alteração do regulamento interno do Serviço de urgência, de forma a se prever o acompanhamento e vigilância de doentes com características especiais (idade avançada, patologias especiais, etc.) e o estabelecimento de procedimentos a adoptar entre o profissionais de saúde e a vigilância em casos de fugas de doentes.” (negrito e sublinhado nosso)
15.ª
A factualidade descrita não pode, pois, deixar de se subsumir no conceito de ilicitude tal como o mesmo se encontra consagrado no era.º 6.º do DL 48051, de 21 de Novembro de 1967.”
*
O ora Recorrido, Hospital ………….., E.P.E. contra – alegou pugnando pela manutenção do decidido.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmada a sentença recorrida.
*
Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos, que se passam a transcrever:
a) Manuel ………….. faleceu em data não concretamente apurada, tendo o seu cadáver sido descoberto no dia 30 de Setembro de 2006, pelas 14 horas, na freguesia de Caparica, Concelho de Almada – al. A) da matéria assente;
b) Não foi possível datar a morte dado o estado de putrefacção em que o corpo se encontrava – resposta ao quesito 103.º;
c) Manuel …………….. tinha, à data, 83 anos de idade - al. B) da matéria assente;
d) Sofria de “Alzeimer” e apesar de sofrer da doença de diabetes, não corria risco de vida, nem padecia de doença que fizesse prever a sua morte subitamente – acordo; al. B9 da matéria assente;
e) No Centro de Saúde do Seixal era acompanhado pela Médica de Família, Dra. Paula …….. – resposta ao quesito 2.º:
f) No dia 14 de Setembro de 2006 (5.ª feira), Manuel …………..sentiu-se mal
g) A 2.ª A. acompanhou o seu pai ao SAP do Seixal, onde foi assistido pela Dra. Teresa ……….. – resposta ao quesito 4.º;
h) Manuel ……….. foi encaminhado para o Hospital Garcia …….., onde chegou de ambulância pelas 15h05 horas – resposta ao quesito 5.º;
i) Em 14/09/2006, foi registado nas fichas de emergência elaboradas pela Unidade de Socorro do Pelotão de Emergência Médica do Núcleo do Seixal da Cruz Vermelha Portuguesa, relativas a Manuel …………: Sinais /sintomas – Hipoglicémia; Doença Súbita – cfr. doc. de fls. 29 a 33 dos autos; al. D) da matéria assente;
j) Seguiu um envelope fechado relatório médico a acompanhar o doente, que consta a fls 122 com a denominação “transferência de doente – resposta ao quesito 122.º.
k) Manuel …………… entrou no hospital referenciado como doente que tinha sofrido perda de conhecimento, náuseas e vómitos – resposta ao quesito 119.º;
l) A 2º A., no hospital, foi aconselhada a preencher uma ficha a pedir informações sobre o doente, o que fez
m) A médica que então observou Manuel ………….. pediu a realização de electrocardiograma, de raio X e análises, tendo posteriormente mandado repetir análises às enzimas – resposta aos quesitos 120.º e 121.º; al. V) da matéria assente;
n) Passado algum tempo após Manuel …………, pai da 2ª A, ter dado entrada, em 14/09/2006, no Hospital ……………, a 2ª A. foi chamada pela Drª. Marcelina, médica que se encontrava a prestar serviço nas urgências – acordo; al. E) da matéria assente;
o) Aquela médica explicou à 2ª A. que iriam ter de realizar análises, electrocardiograma e Rx. – acordo; al. G) da matéria assente
p) Nessa altura a 2.ª A. teve oportunidade de estar ao pé do pai – acordo al. H) da matéria assente
q) A Dra Marcelina disse à 2.ª A que não dava alta ao doente sem análises previas e exames adequados – resposta ao quesito 18.º;
r) A 2.ª A. foi chamada novamente pela médica por volta das 20h. tendo-lhe sido dito que o seu pai teria de ficar em observação e repetir análises por volta das 2h, e que só depois se podia avaliar a situação e eventualmente dar-lhe alta – acordo al. I) da matéria assente
s) Aquela médica já conhecia Manuel ……………. e o seu estado clínico mental por o mesmo já ter sido ali assistido – acordo; al. F) da matéria assente
t) A 2.ª A. foi para casa e por volta das 2h20m já do dia 15 de Setembro, ligou para o Hospital para saber noticias do pai. Foi informada que a situação se mantinha e só poderiam dar mais informações pelas 8horas da manhã – acordo; al. J) da matéria assente.
u) A 2.ª A. ligou novamente por volta das 8h50 para o Hospital. Disseram-lhe que o seu pai ainda não tinha tido alta, e que só prestariam mais informações nos seguintes horários: 10h-12h; 14h-16h; 18h-20h. – acordo; al. K) da matéria assente
v) A 2.ª A. informou então qual o numero de telefone do seu local de trabalho, caso fosse necessário entrarem em contacto com ela – acordo; al. L) da matéria assente
w) A 2.ª A. voltou a ligar para o Hospital pelas 14.00 h., para o serviço de urgência. Após terem registado o nome do seu pai e lhe terem pedido para aguardar, a chamada caiu – acordo al. M) da matéria assente
x) A 2.ª A. voltou a telefonar para o Hospital a procurar saber informações sobre o seu pai, tendo-lhe sido dito que o mesmo tinha uma consulta de cardiologia, à qual não tinha comparecido – resposta oas quesitos 23.º e 24.º;
y) A 2ª A. telefonou novamente para o Hospital pelas 14.30 h., tendo-lhe sido dito para ter calma, que tinham todo o hospital em alerta e que iam passar a chamada para a Administração, tendo ficado à espera cerca de 45 minutos, enquanto alegadamente iam ver o que se estava a passar – resposta ao quesito 27.º;
z) Passados aqueles 45 minutos de espera telefónica a 2.ª A. decidiu dirigir-se pessoalmente ao Hospital com o seu marido, onde chegaram por volta das 15h40 – resposta ao quesito 29.º;
aa) Um funcionário dirigiu-se à 2ª A. referindo-se ao Manuel ……….. como “fugtivo” – resposta ao quesito 31.º;
bb) A 2ª A. sentiu aquela expressão pouco respeitadora do sentimento de angustia e preocupação que ela e os seus familiares estavam a atravessar, sentiu um enorme desrespeito e falta de compreensão – resposta aos quesitos 32.º a 33.º;
cc) A 2ª A. exaltou-se com a enfermeira, dizendo-lhe que tinha sido o hospital que tinha perdido o seu pai e chegou mesmo a desmaiar – resposta oas quesitos 34.º e 35.º;
dd) A 2ª A. foi informada pelo Dr. Pape, médico responsável pelo serviço de urgência, que lhe disse que os serviços do hospital estavam a procurar o seu pai; que não tinha qualquer resposta para o sucedido e que o mais importante seria manter a calma – acordo; al. O) da matéria assente
ee) Aquele médico também a informou que alegadamente teria visto o seu pai por volta das 12.00 h daquele dia e que o tinha encaminhado para a consulta de cardiologia – acordo; al. P) da matéria assente
ff) A 2.ª A. apercebeu-se que os seguranças do Hospital andavam em buscas no recinto do Hospital e comunicavam entre si com intercomunicadores – acordo; al. Q) da matéria assente
gg) A 2ª A. foi aconselhada por uma enfermeira do Hospital a formalizar uma reclamação no livro próprio, o que fez – acordo e doc. de fls. 36 al. V) da matéria assente.
hh) Uma vez que ninguém lhe sabia dizer nada, a 2.ª A. decidiu procurar o seu pai fora do Hospital – acordo; al. R) da matéria assente
ii) No dia 15/09/2006, a 2.ª A. percorreu a zona do Hospital, percorreu Almada e Cacilhas a pé, sempre com esperança de avistar o seu pai, mas sem sucesso – resposta ao quesito 36.º;
jj) Por volta das 18.00 horas o chefe dos seguranças do Hospital afirmou que o pai da 2.ª A. não se encontrava seguramente no recinto do Hospital e chamou a PSP, que chegou por volta das 19h40 – acordo al. S) da matéria assente;
kk) Em 15/09/2006, a 2.ª A. participou o desaparecimento do seu pai à P.S.P. – cfr. doc. de fls. 34 dos autos.
ll) Aquela entidade policial possuía também os elementos utilizados pelos seguranças do Hospital, nomeadamente as fotos de Manuel …………….. fornecidas pela 2.ª A. e as informações prestadas por ela e o Hospital – acordo e docs. De fls. 34 e 35 al. U) da matéria assente;
mm) Nesse mesmo dia a 2.ª A. e durante cada um dos 16 dias em que o seu pai esteve desaparecido, iniciou uma incessante busca pelo seu pai, na esperança de o encontrar vivo; fez quilómetros de caminhadas, procurando o pai por todos os locais, sempre sem o apoio da policia ou do hospital – resposta aos quesitos 43.º e 44.º;
nn) Distribuiu fotografias do pai por todos os locais onde passava nas ruas mais próximas, a crianças, a jovens, a toxicodependentes, em mercearias, em farmácias; levou uma fotografia do pai à PSP da Trafaria; com uma fotografia do pai dirigiu-se a pé ao terminal dos autocarros, dos barcos, dos táxis, a perguntar a toda a gente se tinham visto aquela pessoa – resposta aos quesitos 45.º e 46.º;
oo) Na paragem de táxis junto ao Hospital houve um taxista que disse que tinha visto o pai da 2.ª A., entre as 12h e as 14h do dia do seu desaparecimento, ao pé dos semáforos, agarrado a um poste e ainda com um tubo de soro, pendurado no braço – resposta ao quesito 47.º;
pp) Tendo a 2.ª A. informado a PSP do Pragal e a GNR da Trafaria – resposta ao quesito 48.º;
qq) A confirmação do desaparecimento do pai deixou a 2.ª A. desesperada – resposta ao quesito 37.º;
rr) A 2.ª A. sentiu-se dominada por uma sensação de perda, dor, tristeza e revolta, sentimentos esses que duram até hoje – resposta ao quesito 39.º e 40.º;
ss) Desde esse dia a 2ª A. tem tido dificuldade em descansar e acorda com pesadelos – resposta ao quesito 42.º;
tt) De inicio, a 2.ª A. procurou ocultar a situação
à 1ª A., considerando a sua idade, querendo poupá-la ao sofrimento – resposta ao quesito 54.º;
uu) Com o conhecimento do desaparecimento do seu marido, a 1ª A. experimentou um agravamento do quadro depressivo moderado que já tinha antes da morte do seu marido – resposta ao quesito 59.º;
vv) A 1ª A. sofreu dor e angustia por ter visto o seu companheiro de vida desaparecer sem ter oportunidade de se despedir dele e de o acompanhar nos derradeiros momentos em que se encontrava vivo – resposta ao quesito 62.º;
ww) No dia 30 de Setembro, a 2.ª R. viajava com filho Rui de regresso a casa no comboio da Fertagus quando decidiu sair na estação de comboios do Pragal para passar novamente na zona onde o pai tinha sido visto pela ultima vez – resposta ao quesito 64.º
xx) Após andar um pouco, sentiu um cheiro forte, a podre, e decidiu ir investigar – resposta ao quesito 65.º;
yy) Tendo encontrado o seu pai, morto, num estado de putrefacção muito avançado – resposta ao quesito 66.º;
zz) O corpo encontrava-se num terreno baldio, que se localiza a cerca de 1800 metros do hospital – resposta oas quesitos 67.º e 68.º;
aaa) O filho da 2.ª A., Rui, que a acompanhava, tentou impedi-la de ver o corpo do avô na integralidade – resposta ao quesito 69.º;
bbb) A 2ª A. mantém na memória a visualização do cadáver do seu pai deitado no local e em decomposição – resposta ao quesito 70.º;
ccc) A A. entrou em choque, começou a gritar por socorro, querendo parar os carros que por ali passavam, até que acabou por desmaiar e foi transportada para o Hospital …………. – resposta oas quesitos 71.º e 72.º;
ddd) O marido da 2.ª A., contactado pelo seu filho, deslocou-se imediatamente ao local e ainda hoje recusa-se a descrever o que viu à 2.ª A., o estado em que estava o corpo do seu sogro, para não ter de se recordar da violências daquelas imagens que ainda hoje o atormentam – resposta oas quesitos 73.º e 74.º;
eee) Entre 15/09/2006 e 01/10/2006, a 2ª A. esteve de baixa médica, tendo tido dificuldade em descansar, acordava com pesadelos e tomava medicação – resposta ao quesito 77.º;
fff) A 2ª A. mantém a imagem do corpo putrificado do seu pai, recorda-se do cheiro que aquele exalava e ainda do local em que este se encontrava – resposta oas quesitos 78.º, 79.º, 80.º e 81.º;
ggg) Aquele dia será recordado para sempre pela 2ª A. como aquele em que encontrou o seu pai, abandonado e meio comido pelos bichos – resposta ao quesito 82.º;
hhh) E começou desde aí a divagar sobre as circunstâncias da morte, imaginando como teriam sido dolorosos e aterradores os últimos momentos de vida do seu querido pai – resposta aos quesitos 85.º e 86.º
iii) A 1ª A. continua a não aceitar o facto de não ter tido oportunidade de se despedir do seu marido, companheiro de quase 5 décadas – resposta ao quesito 87.º;
jjj) Manuel …………… tinha uma família que lhe era dedicada : a 2ª A visitava-o diariamente, fiscalizava a sua dieta alimentar e a toma dos medicamentos, verificava o estado em que aquele tinha os pés, os níveis de glicemia e fazia medições regulares da tensão arterial – resposta aos quesitos 97.º a 102.º;
kkk) A A. dedicava ao seu pai todo o carinho, atenção e cuidados, como filha dedicada que sempre foi – resposta aos quesitos 83.º e 84.º;
lll) Manuel …………… faleceu longe de todos os que o amavam, e sem qualquer apoio, protecção e conforto, perdido num descampado, entregue às intempéries metereológicas e aos bichos e aceleraram o processo de decomposição do seu corpo – acordo e fotografias de fls. 37 a 40 dos autos;
mmm) A 1.ª A. beneficiava de apoio psiquiátrico desde Março de 2005 – resposta ao quesito 105.º;
nnn) Teve um agravamento do quadro ango-depressivo por falecimento do marido potencializado pelo seu desaparecimento, com paradeiro desconhecido durante aproximadamente 15 dias – resposta oas quesitos 106.º e 107.º;
ooo) A 2.ª A. solicitou, em Setembro de 2006, apoio psiquiátrico com sintomatologia ango-depressiva a alterações de comportamento com episódios dissociativos, em contexto de luto de seu pai, e ainda se encontra a receber apoio médico – resposta aos quesitos 108.º e 109.º;
ppp) Quando, dias depois de ter encontrado o corpo do pai, a 2.ª A. deslocou-se ao local e viu que ainda se encontrava ali o tubo do soro que o mesmo trouxe no braço, o que lhe causou sofrimento – resposta aos quesitos 113.º e 114.º;
qqq) O desaparecimento e a morte de Manuel ……….. constituiu um choque emocional para a família e foi comentada na comunidade local - resposta ao quesito 115.º;
rrr) Tendo tido eco ao nível da comunicação social, e tendo sido lembrada no Dia Nacional do Doente de Alzeimer - resposta ao quesito 116.º;
sss) Um doente que sofre de “Alzeimer”, no estado como aquele em que se encontrava Manuel de ………., não racionalizava a situação em que se encontrava, mas tinha capacidade para sentir fome, sede e aperceber-se do facto de se encontrar desamparado, sem apoio num ambiente hostil - resposta aos quesitos 91.º, 92.º, 93.º, 94.º, 95.º e 96.º;
ttt) Os doentes do serviço de urgência têm possibilidade de se deslocarem à casa de banho e ao bar, mas aqui de forma condicionada, de acordo com o seu estado de saúde - resposta aos quesitos 117.º.
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Tudo visto cumpre decidir.
Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF de Almada, que julgou improcedente, por não provada, a acção administrativa comum, sob a forma ordinária, intentada pelas ora Recorrentes contra o Hospital …………… E.P.E. para efectivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão publica, no âmbito do Decreto – Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967.
A sentença em crise absolveu o Réu do pedido por considerar inexistente o pressuposto relativo à ilicitude.
Entendeu para tanto o Mmo Juiz a quo que a decisão do presente pleito passaria “ por aferir se o Réu com a conduta omissiva que lhe é imputada pelas AA. inobservou o dever de vigilância sobre o doente Manuel ……………, que ali deu entrada no serviço de Urgência, pelas 15H05 do dia 14/09/2006 e que ali permaneceu, pelo menos, até cerca das 8H do dia 15/09/2006”.
Refere ainda que um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual é relativo à ilicitude do facto, considerando que esse pressuposto não se encontra verificado.
Em primeiro lugar, por considerar que inexiste qualquer norma que impusesse ao Réu a obrigação de controlar a saída dos doentes do Serviço de Urgência, ou mais latamente do próprio Hospital, invocando a propósito o Estatuto Hospitalar e a Lei de Bases da Saúde.
Em segundo lugar, por considerar que inexiste igualmente a violação, por parte do Réu, das regras de prudência comum que devessem ser tidas em consideração.
Para justificar este ultimo ponto, invoca o Mmo. Juiz a quo a matéria não provada relativamente à comunicação ao hospital, por parte da segunda Autora, Maria ……….., que Manuel ………….. sofria de Alzheimer ou que carecia das necessárias faculdades para perceber a realidade envolvente ou para se orientar.
Refere, no entanto, que ficou provado que a médica que examinou o paciente Manuel ……………., aquando da sua entrada na urgência do hospital já o conhecia, assim como conhecia o seu estado clínico mental – cfr. al. s) da matéria de facto dada como provada.
Considera, porém , que tal conhecimento prévio do estado clínico mental do paciente por parte da médica que primeiro o assistiu na urgência, conjugado com a restante prova, não parece poder significar que a médica sabia que o doente sofria de Alzheimer ou que este se encontrava incapaz de perceber onde estava e que podia abandonar o hospital sem destino definido.
Conclui, pois, que existindo duvida sobre o alcance do conhecimento que a médica poderia ter do doente, impunha-se decidir quanto à parte que invoca o direito e tem o ónus de efectuar a prova – artigo 516º do Código de Processo Civil.
Não se conformam com tal entendimento as Recorrentes, uma vez que entendem que, com base na factualidade dada como assente na sentença em crise, o pressuposto da ilicitude encontra-se verificado.

Analisemos a questão.
Para apreciação do caso sub judice assumem especial relevância os artigos 2º, 4º e 6º do Decreto – Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, que passamos a citar:
Artº 2ª
1 – O Estado e as demais pessoas colectivas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destas ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.
Artª 4º
1 – A culpa dos titulares dos órgãos ou agentes é apreciada nos termos do artigo 487º do Código Civil.
Artº 6º
Para efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as regras legais e regulamentares ou os principios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.”
Em termos semelhante ao regime civilístico, de igual modo o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas no domínio dos actos de gestão publica pressupõe a ocorrência dos seguintes requisitos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano. Por conseguinte, basta a falta de um destes pressupostos para que a acção improceda.
As ora Recorrentes, fazendo alusão aos arestos proferidos por este TCAS em 15 de Dezembro de 2010 (Proc. nº 5125/09) e em 7 de Abril de 2011 (Proc. nº 2749/07) sustenta “ um conceito de ilicitude mais amplo do que o consagrado na lei civil “ para concluírem que “ não é necessário que haja um preceito escrito que tenha sido violado para que se encontre verificada a ilicitude” – cfr. alegações das Recorrentes a fls. 466 dos autos.
Sem razão, no entanto.
Em primeiro lugar, saliente-se que a factualidade subjacente aos Acórdãos invocados pelas Recorrentes é diversa do caso em apreço, convocando regulamentação distinta. Em ambos os Arestos invocados estavam em causa acidentes de viação provocados pelas más condições da estrada, tendo-se concluído pela existência de culpa do estado ex vi artigo 493º nº 1 do Código Civil. E tal preceito não é aplicável ao caso sub judice.
Em segundo lugar, contrariamente ao que pretendem as ora Recorrentes, em parte alguma dos citados arestos se refere que não é necessária a violação de uma norma ou principio jurídico para que ocorra a ilicitude em sede de responsabilidade civil extracontratual do Estado. Nem tal faria sentido, em face do disposto no artigo 6º do Decreto – Lei nº 48051.
Aliás, basta atentar nos sumários dos arestos invocados pelas recorrentes para perceber que assim não é: “ Em sede de responsabilidade civil extracontratual do Estado a ilicitude juridicamente relevante é a que resulta da violação de normas legais ou regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, bem como decorre da ofensa a regras de ordem técnica e de prudência comum, pelo que nesta sede rege um conceito de ilicitude mais amplo que o consagrado na lei civil – cfr. artigo 6º do Decreto – Lei nº 48051, de 21.11.67” (Sumário igual no que a esta questão se reporta em ambos os Acórdãos).
Face à definição de ilicitude contida no artigo 6º do Decreto – Lei nº 48051, o facto ilícito consiste numa acção (ou omissão) praticada por órgãos ou agentes estaduais (em sentido lato) violadora das “normas legais e regulamentares ou dos princípios gerais aplicáveis”, ou das “regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração” (cfr. o citado artigo 6º).
No caso em apreço, a questão fulcral consiste em saber se, perante as circunstâncias concretas, os funcionários e agentes do ora Recorrido violaram alguma norma legal ou os princípios gerais aplicáveis ou infringiram regras de ordem técnica e de prudência comum que deviam ser tidas em consideração.

Analisemos então os diversos pressupostos contidos no citado artigo 6º.

I – Da alegada violação de normas legais e regulamentares ou de princípios gerais
Para que à luz do artigo 6º do Decreto – Lei nº 48051 uma omissão seja ilícita, por violação de norma legal ou regulamentar, é necessário, por um lado, que uma norma legal ou regulamentar imponha um comportamento activo e, por outro lado, que esse comportamento não tenha sido adoptado pelos sujeitos abrangidos pela previsão da norma.
A propósito o Mmo. Juiz a quo salientou que “das normas legais ou regulamentares potencialmente aplicáveis ao caso sub judice – Lei de Basese da Saúde, aprovada pela Lei nº 48/90, de 24 de Agosto e o Estatuto Hospitalar, aprovado pelo Decreto – Lei nº 48357, de 27 de Abril de 1968 – não resulta qualquer obrigação para o hospital de controlar e/ou evitar a saída dos doentes do serviço de urgência do Hospital.”
Ainda que as Autoras tivessem invocado a Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes emanada pelo Ministério da Saúde, deste texto, resulta, tão só, o direito dos doentes a “receber os cuidados apropriados ao seu estado de saúde, no âmbito dos cuidados preventivos, curativos de reabilitação e terminais” e o de “receber cuidados continuados”.
Sucede, contudo, que o ora Recorrido não foi acusado de falta ou insuficiência /deficiência de tratamentos ministrados ao pai da Recorrente Maria Eugénia, mas somente de não ter impedido a sua saída de um espaço publico aberto (urgência do Recorrido / consulta de cardiologia) no qual podia circular livremente (cfr. al. ee) da factualidade dada como assente: Aquele médico também a informou que alegadamente teria visto o seu pai por volta das 12.00 h daquele dia e que o tinha encaminhado para a consulta de cardiologia– acordo; al. P) da matéria assente).
Como já foi decidido em caso similar pelo STA (Acórdão do STA de 6 de Dezembro de 2006 in Proc. nº 0921/06) não existe nenhuma norma ou regra de carácter técnico que impusesse ao recorrido a obrigação de observar e vigiar, em permanência, o pai da Recorrente Maria………..
De resto, são as ora Recorrentes as primeiras a reconhecer a inexistência de tal regulamentação.
Em face do que ficou exposto improcedem as conclusões da alegação das Recorrentes atinentes à alegada violação de normas legais ou regulamentares ou de princípios gerais.

II – Da alegada violação das regras de prudência comum
Em face do disposto no artigo 6º do Decreto – Lei nº 48051 , a ilicitude pode decorrer da violação das regras de prudência comum que devam ser tidas em consideração.
No domínio dos serviços de saúde a “prudência comum” não será mais do que a percepção de determinados estados patológicos dos utentes e a adopção dos comportamentos que se revelem adequados a afastar, na medida do possível, os riscos que a manutenção ou evolução daquelas patologias poderá acarretar.
Ora, qualquer tentativa de responsabilizar o ora Recorrido pela não adopção de comportamentos que extravasem da configuração normal da sua prestação aos respectivos utentes, maxime cuidados médicos ou de saúde, terá de passar pelo crivo da invocação e prova de um quadro fáctico que torne razoável a afirmação de um dever de assistência /vigilância diferente daquele que é exercido em relação aos demais doentes.
Neste sentido, como se refere elucidativamente no Acórdão do STA de 6/12/2006, proferido no âmbito do Proc. nº 0921/06, em caso idêntico ao dos presentes autos, que passamos a citar:
(…) perante a não invocação de qualquer razão especial para vigiar a senhora ou a existência de alguma razão de ordem médica especifica para reforçar ou impor a sua observação em permanência, não pode dar-se por verificada, no caso, a violação de um dever de vigilância ou de regras técnicas de tratamento adequadas à sua situação não sendo imputável aos agentes do réu o desrespeito pelas regras de prudência comum exigíveis a um funcionário zeloso”.
No caso sub judice, como ficou bem evidenciado na sentença em crise, não ficou provado “ que os funcionários do R. tivessem conhecimento de uma razão especifica para manter em constante vigilância o doente, prestando-lhe maior atenção à que era dispensada aos demais doentes”.
A idade avançada não permite de per se a representação do perigo de fuga de um utente. A especial assistência /vigilância que a idade destes utentes poderá reclamar está circunscrita ao plano clínico.
A Alzheimer, como é do domínio corrente e como se teve o cuidado de precisar na sentença em crise, é uma doença que se caracteriza pelo “agravamento lento e progressivo das faculdades do doente” e que assume a forma de demência pré-senil, através de alterações degenerativas generalizadas do cérebro. Porém, conhece vários estágios de evolução e dá azo a circunstancias psíquicas heterogéneas e pouco consistentes.
Assim, só o efectivo conhecimento do estágio de evolução da doença em que o seu portador se encontra permite a representação efectiva dos riscos potenciais.
No caso sub judice, não ficou porém provado que tivesse sido mencionado ao ora Recorrido que o pai da ora Recorrente Eugénia sofria da doença de Alzheimer.
No contexto descrito, a referencia ao facto do paciente já ter sido assistido no Hospital e ser conhecido da médica que o examinou, não permite concluir, com suficiente rigor e certeza, que tal impusesse a adopção de especiais e reforçados cuidados de vigilância e assistência ao paciente.
Insistem contudo as Recorrentes que a mera circunstância de o paciente padecer de doença de Alzheimer era razão para de imediato conjecturar a possibilidade de o mesmo se ausentar irreflectidamente do Hospital, pois se assim não fosse, tal poderia levar o tribunal a concluir que o ora Recorrido teria omitido deveres de cuidado ao não adoptar as medidas protectoras condizentes com a representação do risco.
Todavia, para que a tese das Recorrentes tivesse viabilidade, necessário seria que as Recorrentes tivessem alegado e provado que as particulares circunstâncias em que o doente se encontrava (suposta ausência, com carácter permanente, de autonomia e lucidez) envolviam o risco de fuga e que tais circunstâncias eram do perfeito conhecimento do recorrido.
Ora, como o Mmo Juiz a quo acabou por decidir, depois de livremente apreciada a prova (artigo 655º do CPC) “tal facto [o conhecimento anterior do paciente por parte da médica] conjugado com a restante prova, não nos parece poder significar que a médica sabia que o doente sofria de Alzheimer ou que este se encontrava incapaz de perceber onde estava e que podia abandonar o hospital sem destino definido. Estes foram factos controvertidos que as partes discutiram ao longo de todo o processo e que acabaram por não se provar.”
E não tendo sido posto em crise o julgamento da matéria de facto, não se vislumbra como possa decidir-se em sentido contrário.
De resto, este especial dever de assistência / vigilância só poderá afirmar-se de acordo com o padrão de diligência de um avaliador zeloso e prudente, se a situação que o possa fundar for perceptível nos seus contornos. Como se refere no Acórdão do STA de 29/1/2009, in Proc. nº 0966/08: “O dever de vigilância só existe em relação a perigos representáveis por um avaliador prudente.”
Em suma, e seguindo a linha de jurisprudência do STA, dir-se-á que o dever de vigilância não pode extravasar de um “suporte de facto que suficientemente o explique e justifique” – cfr. o já citado Acórdão do STA de 29 de Janeiro de 2009, no qual se pode ler ainda o seguinte: “ Permanecemos, assim, na linha jurisprudencial deste STA (vide os acórdãos de 25/11/1998 e de 6/12/2006, proferidos, respectivamente, nos recursos nº 38.737 e 921/06), que não estende o dever de vigilância das instituições hospitalares para além de um suporte de facto que suficientemente o explique e justifique.”
Termos em que , de acordo com os fundamentos expostos, improcedem as conclusões da alegação das Recorrentes atinentes à alegada violação das regras de prudência comum.

III - Da alegada violação por omissão, do dever de editar normas regulamentares
Nas conclusões 9ª a 12ª da sua alegação as recorrentes invocam ainda a violação , por omissão, de um dever de “ter no regulamento interno normas acerca do acompanhamento e em especial vigilância de doentes de idade avançada e com patologias especiais e do procedimento a adoptar em caso de fuga de doentes, assegurando a respectiva aplicação” – cfr. fls. 470 dos autos.
A invocada violação não constitui no entanto qualquer censura à sentença recorrida na medida em que não constam da matéria assente os factos agora alegados nas conclusões 9º a 12º da alegação das Recorrentes.
Todavia, tal invocação desta violação tem uma função secundária, já que através dela as Recorrentes procuram aquilatar da violação de regras de prudência comum.
Esta posição corporiza uma falsa questão.
Desde logo, importa não olvidar que as normas regulamentares invocadas pelas Recorrentes teriam o seu âmbito de aplicação limitado a um conjunto pré-determinado de situações. Assim, a titularidade de uma idade avançada ou de uma patologia especial de um utente seriam as facti species normativas que desencadeariam o surgimento de um especial dever de acompanhamento e vigilância.
Ora, como já salientámos supra, a idade avançada não permite de per se a representação do perigo de fuga de um doente. A afirmação de um dever de vigilância em sentido próprio, apenas pode colocar-se relativamente a doentes titulares de patologias especiais.
Tal como também já ficou expresso, a operacionalidade do “dever de vigilância só existe em relação a perigos representáveis para um avaliador prudente” (cfr. o já citado Acórdão do STA de 29/1/2009). Assim, sempre que a “patologia especial” não seja comunicada, ou diligentemente perceptível, não poderá o doente considerar-se abrangido pelo âmbito de protecção da norma regulamentar. Esta é a conclusão a extrair quando, como fazem as Recorrentes, se pretende fundar pretensões indemnizatórias na violação de normas regulamentares inexistentes, mas cuja existência seria imposta pela “prudência comum”.
Porém, a formulação de juízos de valor sobre a prudência de determinada conduta, activa ou omissiva, não pode ser desligada do circunstancialismo factual envolvente, pois só este permitirá ajuizar sobre aquilo que seria, em concreto, exigível ou prudente.
Por conseguinte, sintetizando, na medida em que não houve qualquer violação de regras de prudência comum, maxime de um dever especial de vigilância, não podem as Recorrentes pretender beneficiar da invocação de normas que não teriam conduzido, caso existissem, a diferente desfecho factual.
Não há, por isso, com relevância para a decisão da causa, qualquer omissão regulamentar ilícita por violação das regras de prudência comum.
Termos em que , de acordo com os fundamentos expostos, improcedem as conclusões 9ª a 12ª da alegação das Recorrentes .
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Da ausência dos demais pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual do Estado

Nas restantes conclusões da sua alegação, as Recorrentes adiantam que “além do pressuposto da ilicitude, encontram-se preenchidos os demais pressupostos de que depende a responsabilidade civil [extracontratual] do Estado por facto ilicito (culpa, dano e respectivo nexo de causalidade)” – cfr. fls. 471 dos autos.
Também aqui não lhes assiste razão.
Desde logo, porque ficou por preencher o requisito do nexo de causalidade entre o facto (omissão do dever de vigilância) e o dano (morte).
Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 563º do Código Civil “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
Para ALMEIDA COSTA in “DIREITO DAS OBRIGAÇÕES”, 3ª Ed., 1979, pag. 318, a ideia fulcral da teoria da causalidade adequada é a seguinte: “ Considera-se causa de um prejuízo a condição que, em abstracto, se mostra adequada a produzi-lo.”
Esta ideia é igualmente perfilhada por GALVÃO TELLES, DIREITO DAS OBRIGAÇÕES, 5ª Ed.., pag. 380, ao afirmar que só é de considerar “como causa jurídica do prejuízo a condição que, pela sua natureza e em face das circunstâncias do caso se mostre apropriado para o gerar”.
No caso sub judice, a causa da morte é desconhecida, não sendo possível sequer datar a mesma – cfr. alínea b) do probatório.
Por conseguinte, entre o hipotético facto ilícito (omissão de vigilância ) e o dano (morte) não existe qualquer nexo causal – em termos de causalidade adequada na forma exposta - de tal modo se possa dizer que aquela é a causa adequada e este o seu efeito adequado, provável, típico (previsivel); ou melhor, que a morte do pai da Recorrente Maria Eugénia é a consequência directa normal daquela omissão.
Em face do que ficou exposto, por não estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, a presente acção não pode deixar de ser julgada improcedente.

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Termos em que, improcedendo todas as conclusões da alegação das Recorrentes é de negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar na íntegra a sentença recorrida.

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Acordam, pois, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida.

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Custas pelas Recorrentes.

Lisboa, 21 de Junho de 2012
António Vasconcelos
Ana Celeste Carvalho
Paulo Carvalho (Vencido, por entender que face aos factos d) e s) temos de concluir que houve “faute de service”, pelo que concederia provimento ao recurso).