Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:141/18.8BEALM
Secção:CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:09/20/2018
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
REGULAÇÃO PROVISÓRIA DE PAGAMENTO DE QUANTIAS
ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
LEGITIMIDADE PASSIVA – PRESSUPOSTOS
Sumário:I – A relação de instrumentalidade entre o processo cautelar e a ação principal, cujo efeito útil aquele visa acautelar, e a conjugação entre o objeto da providência e o objeto da causa principal fazem com que as partes em juízo, num e noutro processo, tendencialmente devam coincidir.
II – Tal como já se entendia no âmbito do CPTA na sua versão original deve considerar-se, à luz do disposto nos atuais artigos 8º-A e 10º do CPTA revisto, que nas ações cujo objeto se circunscreve à efetivação da responsabilidade civil extracontratual é o Estado ou a pessoa coletiva pública em que se integrem os órgãos a que são imputáveis os atos e ações (ou omissões) justificadores do dever de indemnizar, que possui a legitimidade passiva e a correspondente personalidade judiciária para a ação, encontrando-se, nesse âmbito, os ministérios desprovidos de personalidade e de legitimidade passiva.
III – Nos termos do disposto no artigo 112º do CPTA pode ser solicitada a adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir num processo instaurado ou a instaurar nos Tribunais Administrativos, entre elas a de regulação provisória de uma situação jurídica, designadamente através da imposição à Administração do pagamento de uma quantia por conta de prestações alegadamente devidas ou a título de reparação provisória.

IV – A regulação provisória de pagamento de quantias pode ter aplicação na dependência de uma ação de indemnização, como reparação provisória do dano, à semelhança do que sucede, em processo civil com o arbitramento de reparação provisória (cfr. artigo 388º do CPC), ainda que ali submetida a requisitos não exatamente coincidentes com os constantes do artigo 133º do CPTA.

V - Neste âmbito a providência destina-se a permitir o pagamento de uma parcela da indemnização que haverá de ser apurada na ação principal, mas, para tanto, e em face da natureza preventiva e instrumental da providência cautelar, é mister, que se encontre indiciado que ao requerente assiste o direito a ser indemnizado pelo requerido (isto é, que seja provável a procedência da pretensão indemnizatória) e que seja demonstrado que o requerente se encontra em situação de grave carência económica e que seja de prever que o prolongamento dessa situação possa acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis.

VI – Tal significa que a averiguação, a proceder em processo cautelar destinado a obter o pagamento de quantias a título de reparação provisória por referência a ação de responsabilidade civil extracontratual do Estado fundada em factos (atos) ilícitos e culposos, da viabilidade da pretensão indemnizatória a formular nessa ação, implica a apreciação, ainda que perfuntória (própria do âmbito cautelar), dos pressupostos da responsabilidade civil; em termos que, só se for de concluir pela probabilidade do seu preenchimento cumulativo, se poderá reconhecer indiciariamente que ao requerente assiste o invocado direito indemnizatório, do qual faz emergir a reparação antecipada e provisória através da providência cautelar de regulação provisória de pagamento de quantias.
VII – A improbabilidade da procedência da pretensão indemnizatória, com base no juízo (perfuntório) de não verificação de todos, ou algum(s), dos seus pressupostos conduz, inevitavelmente, ao indeferimento da providência cautelar, tornando-se desnecessária, porque infrutífera, a apreciação dos demais requisitos da providência.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Proc. n.º 141/18.8BEALM

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

L…….., em seu nome e em representação dos seus filhos menores P….. e K…. (devidamente identificados nos autos) instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada processo cautelar no qual requereram o pagamento de uma renda mensal de €500,00 até à decisão final na ação principal de responsabilidade civil extracontratual por atos ilícitos contra o Estado Português, o Ministério da Saúde, o Ministério da Educação e o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS.
Por sentença de 08/05/2018 aquele Tribunal absolveu da instância os demandados Ministérios, com fundamento em ilegitimidade passiva, e indeferiu a pretensão cautelar.
Inconformada a requerente interpõe o presente recurso, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:
A. O presente recurso vem interposto do douto acórdão do TAF de Almada, o qual julgou totalmente improcedente a ação cautelar que em síntese se reproduziu em alegações supra e que por questão de economia processual para ali se remete.

B. Assim como do requerido e indeferido da convolação prevista no artigo 121º do CPTA, a possibilidade de convolação do processo cautelar em processo declarativo aplicável à acção administrativa comum, no sentido de antecipar juízo sobre a causa principal, o que foi indeferido por alegada falta de fundamentação legal.

C. De acordo com o artigo 121º, n.º2, a decisão é passível de impugnação, também objecto do presente recurso.

D. Trata-se de situações não enquadráveis nos artigos 97º a 111º, no respeito pela tutela jurisdicional efectiva e pelo direito ao processo efectivo e temporal justo, estando preenchidos os requisitos do artigo 120º, n.º2, atento às circunstâncias, à gravidade das lesões/interesses em causa e ao facto de ser preciso mais que uma mera providência cautelar cujo concretamente se requer (artigo 131º do CPTA)

E. Na intentada acção pela A. ora Recorrente constam como intervenientes a A e os filhos menores, na qual se peticionava, a condenação das R. demandadas ali melhor identificadas, ora Recorridas, no pagamento da quantia mensal fixa ali melhor explicitada a título de reparação provisória e indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos por si e pelos seus filhos em consequência omissão do dever de vigilância que as R. eram obrigadas, e que ao não cumprir resultou num ano escolar perdido para o filho P……, a cargo da escola e demandadas Rés

F. O Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão de julgar a acção cautelar improcedente, por falta de requisitos, que por uma questão de economia processual se remete para a Douta decisão supra transcrita.

G. O Tribunal foi mais longe e considerou partes ilegítimas passivas as demandadas.

H. Mais julgou o Tribunal “a quo” não provada a acção cautelar, essencialmente por considerar inexistente o pressuposto relativo à ilicitude, fundamentando a sua decisão dizendo que “Atento o probatório supra, é possível adiantar-se, desde já, que o fundamento no qual, na essência, a Autora estrutura o seu pedido, no que tange ao comportamento dos serviços, que considera na perda do ano escolar do filho P……, ocorrida nas instalações escolares, não é passível de considerar-se ilícito.” O que não se pode aceitar.

I. Não conformada com a decisão, vem a Recorrente interpor recurso, pugnando pela procedência da ação cautelar na medida em que tal decisão, surge em clara oposição com os fundamentos de facto e a prova constante nos autos;

J. Andou mal o JUIZ ao assim decidir, mostrando um total desprezo por todos os elementos factuais e jurídicos constantes no processo.

K. Desde logo, começa por não fazer diligencias de prova essenciais dizendo que são dilatórias, para no fim dizer que nada foi provado.

L. Verifica-se desde logo, manifesto erro na apreciação da prova produzida ao não se concluir o nexo de causa na saúde do filho com o evento omissivo de ficar em casa por não ter sido “arranjada” uma vaga na escola, não se pode dizer que “a A. não logrou demonstrar que o estado mental do seu filho, bem como os comportamentos que foram sendo descritos no registo clínico do doente, fosse suficiente para justificar a imobilização forçada do doente e aluno em idade escolar ou uma vigilância mais “apertada” por parte das demandadas.

M. Basta proceder à leitura de toda a documentação clínica, que a própria R. juntou ao processo (PA), a qual deveria ter sido analisada pela JUIZ, para concluir que não existem quaisquer dúvidas sobre a existência de motivos suficientes para que fossem providenciadas todas as medidas de segurança para o aluno/utente P….., quer através da aplicação do procedimento de internamento em escola apropriada.

N. Bem como toda a documentação das demandadas, como os relatórios escolares.

O. Ou mesmo o regime “interno” indicado na terapêutica a administrar ao aluno, o que foi por diversas vezes aplicado com sucesso, mediante a restrição do aluno em condições especiais de educação com maior vigilância apertada do P….. .

P. A Recorrente invoca para demonstração de tal factualidade os seguintes documentos clínicos juntos aos autos:

a) “Durante esse ano e no ano seguinte, no decorrer do 4.º ano, o P…. revelava dificuldades ao nível da leitura /escrita, atenção/concentração e atitudes e comportamentos disruptivos dentro e fora da sala de aula, cfr. consta do relatório psicológico junto”.

b) Mais, nesse mesmo ano foi sinalizado à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (dependente das três demandadas) sem acompanhamento adequado e eficaz.

c) Em 2014/2015 foi proposto (pelas demandas) para o Programa Educativo Individual e passou a ser seguido na Unidade de Pedopsiquiatria do Hospital Garcia da Orta (demandado ministério da Saúde), diagnosticado Perturbação Desafiante de Oposição.

d) Tanto mais que logo em 2015/2016 na Escola P…. G… o P…. ficou retido no 5.º ano por falta de aproveitamento escolar descorando assim o dever de vigilância e acompanhamento escolar que ao (demandado ministério da Educação cabe).

e) A A. não podia pagar a educação especial do P...... conforme provou.

f) Por isso, ano 2016/2017, a A. requereu a transferência do P...... para o agrupamento de Escolas n.º 1 de S….., frequência do 5.º ano (demandado ministério da Educação) onde o pai ajudaria económica e presencialmente.

Q. Face à falta de apoio no emprego, escolar, financeiro e na saúde das demandadas a família entendeu que podia ajudar a recuperar o P...... a transferência de escola para S… onde o pai se encontrava a trabalhar mas com residência no S…… .

R. A conclusão não poderá ser outra senão que o próprio tribunal a quo se contradiz, errando no seu julgamento da matéria de facto, quando escreve que “as Rés não praticaram factos ilícitos, ….nem era exigível restringir a liberdade de movimentação dos alunos internados ou não - nem admissível, por violar o núcleo essencial deste direito fundamental - para além do limite mínimo, consubstanciado na exigência de que permaneçam nos serviços escolares onde se encontram internados, cuidando em assegurar-lhe aí, o tratamento da patologia que motivou o internamento, bem como condições de segurança e bem-estar.” quando as Rés usaram e abusaram do procedimento do “interno” P......, com exceção daquele ano fatídico.

S. Não pode pois a Recorrente condescender com o Tribunal a quo quando refere que “da verificação da existência de qualquer acto inadvertido do aluno/doente, passível de previsão e prevenção por parte dos serviços dos Réus”, pois bastava considerar todos os factos provados, nomeadamente, a documentação clínica junta aos autos para, por parte dos entes públicos rés, lhe ser exigível o dever de representação do perigo do filho da A. menor – e não um outro aluno/doente qualquer – tentar o suicídio.

T. Assim sendo, contrariamente à interpretação da lei sufragada pelo Tribunal “a quo”, sendo a culpa das Rés. aferida nos termos do art. 487º do Código Civil («ex vi» do art. 4º do DL n.º 48.051, de 21/11/67), e impondo o circunstancialismo do caso e as regras de uma sã prudência que as entes públicas adoptassem uma conduta diversa, semelhante aquela que já havia praticado anteriormente e que praticou depois da inclusão do aluno no regime especial por decisão do Tribunal, forçoso é concluir que as rés praticaram várias omissões culposas, ou seja, agiu ilícita e culposamente;

U. Desse modo verificaram-se esses essenciais requisitos da responsabilidade civil.

V. Face ao exposto, padece a sentença recorrida de erro de julgamento de facto por equívoco de interpretação, valoração e consideração da prova produzida nos autos, nomeadamente nos factos dados como provados e descritos nos números G, H, I, J, , e dos números 1 a 19 dos factos provados na sequência dos depoimentos prestados pelas testemunhas oferecidas e do relatório da perícia médico-legal.

W. A Douta Sentença decide mal considerar as partes ilegítimas passivas as demandadas, violando à contrario senso, entre outros, os n.º 2 do art.º 576.º, alínea e) do art.º 577.º do CPC, aplicável ex vi art.º 1º do CPTA, e com o disposto na alínea e) do n.º 4 do art.º 89.º do CPTA, pois não existem exempções que obtém ao mérito.

X. A Sentença alem do mais demandas violou o artigo 8-A, 10, n.º1, 37.º em várias alíneas, todos do CPTA, artigo 161.º CPA, os artigos 13.º, 18.º, 21.º da CRP.

Y. O objeto da cautelar é a efetivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado, no âmbito da qual é peticionada a condenação a um pagamento a título de indemnização e de uma renda, por danos decorrentes de atuação ilícita das demandadas e o Estado. Mas não apenas por actuação ilícita,

Z. Mas também, na acção principal e preliminar cautelar pede-se a condenação por ação ou omissão de um ato praticado por qualquer órgão da Administração.

AA. Pelo que a entidade que possui legitimidade para ser demandada no presente processo é o Estado, e os Ministérios da Saúde, Educação e Finanças, entre outros o n.º1 e 2 do art.º 10.º do CPTA, representado pelo Ministério Público nos termos do n.º 1 e 2 do art.º 11.º do CPTA e artigos 50.º, 51.º e 52.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

BB. A sentença ao admitir que não são parte legitima as demandadas violou os citados artigos.

CC. A responsabilidade civil contratual e extracontratual do Estado e demais entidades públicas encontra-se regulada na Lei n.º 67/2007, de 31-12. No art.º 7.º da referida Lei determina-se que “O Estado e as demais pessoas coletivas públicas são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, e por causa desse exercício.”

DD. A Sentença violou a Lei n.º 67/2007, de 31-12, designadamente o art.ºs1 e 7.º.

EE. A Sentença fez uma incorreta interpretação do artigo 2° e 6º do Decreto-Lei n.º 48.051 de 21 de Novembro de 1967 e violou as normas do Código Civil que regulam a responsabilidade civil (art. 483° e seg.) e o direito à indemnização (art. 562° e segs.).

FF. Apurados todos os pressupostos da responsabilidade extracontratual, bastava apurar os requisitos do decretamento do pedido urgente que estão por demais demonstrados, face aos prejuízos a indemnizar e quantificar as rendas cautelares.

GG. Dito isto, as R. estão obrigadas a indemnizar o prejuízo que causaram a situação aqui em causa – art.º 798.º, do Código Civil -, traduzindo-se a indemnização na reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação - art.º 562.º, do Código Civil. Na impossibilidade de proceder a esta reconstituição, a indemnização é fixada em dinheiro – 566.º,n.º1, do Código Civil.

HH. Atento à demora legitima previsível da acção administrativa principal impõe-se decidir o procedimento cautelar e deferir o pedido por imperativo apenas antecipativo.

II. Conforme demonstrado e provado nos autos a atuação das demandadas é ilícita.

JJ. Provado que a existirem danos, os mesmos resultaram das omissões das demandadas.

KK. É pois evidente que ocorre responsabilidade civil extracontratual das demandadas.

LL. Consequentemente por terem agido com culpa dá lugar a obrigação de indemnizar tanto quanto as rendas como na indeminização a final, por isso se pediu a convolação, que quanto nós não devia ser indeferida, por legitima e estarem reunidos todos os pressupostos.

MM. Face ao exposto é provável o ganho da causa principal flagrante violação das entes.

NN. Assim sendo, atento à urgência de colmatar esse dever de vigilância descorado pelas demandas, é legitimo e justo fixar provisoriamente a renda pedida.

OO. A Douta Sentença violou o direito a uma justa e urgente reparação provisória que a lei e o direito lhe impõe ao Juiz, se reclama a evitar se perder um cidadão.

PP. Tendo em conta todos estes fatores, é de concluir que o quantitativo peticionado pela A. e filhos, é justo e razoável, tendo em conta tudo o aqui referido:

a) A Indemnização na acção principal no valor de 200.000,00 por danos patrimoniais e não patrimoniais.

b) A fixação da renda de €500,00 mensais à aqui A. e filhos até decisão final;


Termina, pugnando pela convolação da providência cautelar em ação administrativa comum, assim como pela revogação da sentença, que devia ter julgado a ação procedente e, consequentemente, deviam ter sido condenadas réus, legitimas passivas, a indemnizar solidária e subsidiariamente como pedido na providencia cautelar pelos danos causados ao filho P......, à filha K…. e à Autora, substituindo-o por outro que acolha as pretensões da ora recorrente, conforme o peticionado.


Notificados, contra-alegaram os recorridos ESTADO PORTUGUÊS, MINISTÉRIO DAS FINANÇAS e MINISTÉRIO DA SAÚDE.
Nas suas contra-alegações o recorrido ESTADO PORTUGUÊS pugnou pela improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida, tendo formulado o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos:
[Texto Integral]
Nas suas contra-alegações o recorrido MINISTÉRIO DAS FINANÇAS pugnou pela improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida, tendo formulado o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos:
1. O pedido que está em causa na providência cautelar requerida e que foi objeto da sentença impugnada, é um pedido indemnizatório, e não a ação ou omissão de um ato praticado por qualquer órgão da Administração.

2. Assim, a entidade que possui legitimidade para ser demandada no presente processo é o Estado, (pessoa coletiva de direito público) conforme, determina o n.º 2 do art.º 10.º do CPTA, (1.ª parte), representado pelo Ministério Público nos termos do n.º 1 do art.º 11.º do CPTA e artigo 51.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

3. Pelo que, bem andou a sentença recorrida ao julgar procedente a exceção de ilegitimidade passiva dos Ministérios, absolvendo-os da instância.

4. A sentença recorrida limitou-se a fazer a subsunção dos factos invocados pela Recorrente e dos documentos constantes do Processo Administrativo aos normativos aplicáveis, concluindo pela aplicabilidade da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.

5. Nesta conformidade, procedeu à análise da matéria de facto com vista ao apuramento da responsabilidade à luz daquele normativo legal.

6. Ou seja, verificar se estavam reunidos os pressupostos da responsabilidade civil previstos no art.º 7.º da referida lei, nomeadamente se os danos alegados pela Recorrente decorreram a atuação ilícita da Administração e consequentemente potencialmente geradores de indemnização.

7. Como se afirmou em sede de oposição e ora se reitera, se eventualmente a Recorrente sofreu prejuízos pela não frequência pelo filho do ano escolar 2016/2017, tais prejuízos não decorreram de qualquer ação ou omissão ilegal praticada pela Administração.

8. Na realidade e cfr. a própria Recorrente admite, se o filho não frequentou o ano escolar 2016/2017, foi porque a Recorrente recusou a colocação que lhe foi proposta pela Administração.

9. Não pode a Administração ser responsabilizada por eventuais danos ocorridos na esfera jurídica da Recorrente, danos que a existirem, decorreram da sua recusa em não aceitar a solução proposta pela Administração e não de qualquer conduta ilícita da Administração.

10. Como não pode ser responsabilizada pelo desemprego da Recorrente que ocorreu muito antes do facto alegadamente causador do dano.

11. Ao invés do alegado pela Recorrente, os factos relevantes para a decisão não foram desprezados.

12. E a prova documental existente no processo foi considerada suficiente, não havendo necessidade do recurso à prova testemunhal.

13. Ainda assim, refira-se que, estamos em sede de um processo cautelar e neste âmbito o que a juiz fez e bem foi uma análise perfunctória dos factos e da prova, que é própria da tutela cautelar.

14. E, conforme tem sido reconhecido pela jurisprudência, o juiz não está obrigado a considerar toda a matéria de facto e a ponderar todos os argumentos utilizados pelo Recorrente.

15. Donde, a sentença recorrida não merece qualquer censura por se encontrar conforme ao direito aplicável.


E nas suas contra-alegações o recorrido MINISTÉRIO DA SAÚDE pugnou pela improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida, tendo formulado o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos:
[Texto Integral]

*
Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face das conclusões formuladas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, as questões essenciais trazidas em recurso são as seguintes:
- saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto – (conclusões I. a V. das alegações de recurso);
- saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à decisão de absolvição da instância, com fundamento em ilegitimidade passiva, dos demandados Ministério da Saúde, Ministério da Educação e MINISTÉRIO DAS FINANÇAS – (conclusões W. a BB. das alegações de recurso);
- saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa ao absolver o requerido ESTADO PORTUGUÊS do pedido formulado – (conclusões CC. a PP. das alegações de recurso).
~
Importando explicitar que muito embora a recorrente mencione nas conclusões A. a C. das suas alegações de recurso que este também vem interposto da decisão proferida pela Mmª Juíza do Tribunal a quo que, nas suas palavras, indeferiu o pedido de convolação do processo cautelar em ação principal aludida no artigo 121º do CPTA (decisão interlocutória que, compulsados os autos, é a vertida no despacho da Mmª Juíza a quo de 28/02/2018, e que indeferiu o pedido apresentado pela requerente de «dispensa da ação principal, ou, subsidiariamente, de fixação de prazo para a sua apresentação»), a verdade é que não vêm enunciados no recurso os fundamentos integradores de erro decisório, não se dizendo porque ordem de razões o Tribunal a quo deveria ter procedido à antecipação do conhecimento do mérito da causa principal ao abrigo do artigo 121º do CPTA.
Não vindo imputado erro de julgamento quanto a tal despacho, e sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA), nada há, por conseguinte, a apreciar ou decidir quanto ao mesmo.
~
Simultaneamente não é de admitir o recurso na parte respeitante ao imputado erro de julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, o qual deve ser rejeitado, nessa parte, nos termos do disposto no artigo 640º nº 1 do CPC, ex vi do artigo 140º nº 3 do CPTA, uma vez que a recorrente não cumpre, nas suas alegações de recurso, os ónus de especificação indicados no artigo 640º do CPC.
Com efeito, este normativo impõe ao recorrente que impugne a matéria de facto o cumprimento de determinados ónus, sob pena de rejeição do recurso, sem cabimento de prévio despacho de aperfeiçoamento.
Assim, deve o recorrente, em tal caso:
i) especificar os “concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (nº 1 alínea a));
ii) especificar “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (nº 1 alínea b));
iii) especificar “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (nº 1 alínea c));
iv) no caso de os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas terem sido gravados, “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, de poder proceder à respetiva transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alínea a)).
Deste modo, o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser de imediato rejeitado, sem cabimento de prévio despacho de aperfeiçoamento, sempre que o recorrente omita nas respetivas conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto aquelas indicações (vide, entre outros, o Acórdão deste TCA Sul de 18/12/2014, Proc. 11609/14, in, www.dgsi.pt/jtacs, de que fomos relatores). No que constitui, como refere António Santos Abrantes Geraldes, inRecursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 134 ss., uma maior exigência no que respeita à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, aos recorrentes, regras muito específicas para a sua admissibilidade, e que é compreensível, a um tempo, por a pretensão de modificação do julgamento da matéria de facto, feito na 1ª instância, ser dirigida a tribunal de recurso que não intermediou na produção da prova, e a outro, como contraponto da reivindicação da atribuição aos tribunais de 2ª instância de efetivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto, gerando assim um dever de autorresponsabilidade das partes, impedindo que impugnação genérica, vaga ou imprecisa do julgamento da matéria de facto feito pela 1ª instância (vide, ainda, a este respeito, Ana Luísa Geraldes, in “Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto”, em Estudos em Homenagem ao Prof. José Lebre de Freitas, Vol. I, págs. 589 ss.).
Na situação presente a recorrente invoca que a sentença padece de erro de julgamento de facto por «…equívoco de interpretação, valoração e consideração da prova produzida nos autos, nomeadamente nos factos dados como provados e descritos nos números G, H, I, J, , e dos números 1 a 19 dos factos provados na sequência dos depoimentos prestados pelas testemunhas oferecidas e do relatório da perícia médico-legal». Mas não dá o mínimo cumprimento às especificações exigidas pelas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 640º do CPC, já que não indica a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre os pontos de facto que menciona terem sido mal julgados, nem especifica os concretos meios probatórios que impunham julgamento diverso do proferido.
Não se admite, por conseguinte, o presente recurso na parte respeitante ao imputado erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 640º nº 1 do CPC, ex vi do artigo 140º nº 3 do CPTA, uma vez que a recorrente não cumpre, nas suas alegações de recurso, os ónus de especificação indicados no artigo 640º nº 1 alíneas b) e c) do CPC. Pelo que não se toma conhecimento dessa parte do recurso. Permanecendo o recurso para apreciação dos demais fundamentos.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
Nos termos do nº 6 do artigo 663º do CPC novo, aqui aplicável ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, remete-se para a factualidade dada como provada na sentença recorrida.

*
B – De direito

1. Do erro de julgamento apontado à decisão de absolvição da instância dos demandados Ministério da Saúde, Ministério da Educação e MINISTÉRIO DAS FINANÇAS – (conclusões W. a BB. das alegações de recurso);
1.1. Pugna a recorrente ter a sentença recorrida decidido mal ao considerar os Ministérios requeridos partes ilegítimas, defendendo que o objeto cautelar é a efetivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado, no âmbito da qual é peticionada a condenação a um pagamento a título de indemnização e de uma renda, por danos decorrentes de atuação ilícita dos Ministério demandados demandados e do Estado, mas não apenas por atuação ilícita; que a ação principal e preliminar cautelar pede-se a condenação por ação ou omissão de um ato praticado por qualquer órgão da Administração; que, assim, a entidade que possui legitimidade para ser demandada no presente processo é o Estado e os Ministérios da Saúde, da Educação e das Finanças, nos termos dos artigos 10º nºs 1 e 2 e 11º nºs 1 e 2 do CPTA e dos artigos 50º, 51º e 52º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e que ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou aqueles dispositivos, bem como os artigos 576º nº 2 e 577º alínea e) do CPC, os artigos 89º nº 4 alínea e), 8º-A, 10º nº 1 e 37.º do CPTA, bem como o artigo 161.º CPA e os artigos 13º, 18º, 21º da CRP.
1.2 Na sentença recorrida o Tribunal a quo absolveu da instância os identificados Ministérios, com fundamento na sua ilegitimidade passiva. Decisão que assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«O Decreto-Lei n 214-G/2015, de 2 de outubro veio aditar ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o artigo 8º-A que sob a epígrafe “Personalidade e capacidade judiciária” dispõe que:
“1 - A personalidade e a capacidade judiciárias consistem, respetivamente, na suscetibilidade de ser parte e na de estar por si em juízo.
2 - Tem personalidade judiciária quem tenha personalidade jurídica, e capacidade judiciária quem tenha capacidade de exercício de direitos, sendo aplicável ao processo administrativo o regime de suprimento da incapacidade previsto na lei processual civil.
3 - Para além dos demais casos de extensão da personalidade judiciária estabelecidos na lei processual civil, os ministérios e os órgãos da Administração Pública têm personalidade judiciária correspondente à legitimidade ativa e passiva que lhes é conferida pelo presente Código.
4 - Nas ações indevidamente propostas contra ministérios, a respetiva falta de personalidade judiciária pode ser sanada pela intervenção do Estado e a ratificação ou repetição do processado.
5 - A propositura indevida de ação contra um órgão administrativo não tem consequências processuais, nos termos do n.º 4 do artigo 10.º”.

A questão da personalidade judiciária, que consiste na suscetibilidade de ser parte em determinada ação, por via do artigo 8º-A do CPTA, assume atualmente distinto relevo, sendo intenção do legislador, afastar as soluções ou “consequências processuais” que conduzam à extinção da instância (artigo 8º-A nº 4 e 5).

E, por forma a obter tal desiderato, o legislador em relação aos “ministérios e os órgãos da Administração Pública” estabelece uma correspondência ope legis entre os pressupostos processuais da personalidade e da legitimidade, consagrando a solução jurídica de os ministérios e os órgãos da Administração Pública terem “personalidade judiciária correspondente à legitimidade ativa e passiva que lhes é conferida pelo presente Código.” (artigo 8º-A nº 3).

Ora, em relação ao pressuposto processual da legitimidade passiva dispõe o artigo 10º nos nº1 e 2 do CPTA que:
“1 - Cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor.
2 - Nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público, salvo nos processos contra o Estado ou as Regiões Autónomas que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos ministérios ou secretarias regionais, em que parte demandada é o ministério ou ministérios, ou a secretaria ou secretarias regionais, a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.
(…)
7 - Quando o pedido principal deva ser deduzido contra um Ministério, este também tem legitimidade passiva em relação aos pedidos que com aquele sejam cumulados” (com sublinhado nosso)

Afigura-se-nos assim, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que as soluções normativas acima referidas, vieram afastar, a jurisprudência que sobre a questão da falta de personalidade jurídica dos Ministérios para serem demandados em ação de responsabilidade civil extracontratual estava a ser acolhida pelos tribunais da jurisdição administrativa, e que o Ministério da Educação vem invocar. Citamos, a título meramente exemplificativo desse entendimento, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2015-10-01, proferido no processo n.º 0556/15:
«I - A personalidade judiciária (inerente à personalidade jurídica) consiste na susceptibilidade de ser parte traduzindo-se na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em próprio nome, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei.
II - Os Ministérios não possuem personalidade jurídica para os termos de uma acção administrativa comum com vista a efectivar responsabilidade civil extracontratual.
III - Numa acção instaurada contra um Ministério a sanação da falta de personalidade judiciária não é possível, e não sendo sanável também não pode ser objecto de suprimento nos termos do disposto no artº 590º, nº 1, al. a) do CPC, determinando a absolvição da instância, nos termos do preceituado no artigo 278º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil.» (disponível em www.dgsi.pt).

Diversamente porém, de acordo com o artigo 8º-A, não pode o Ministério da Educação ser absolvido da instância por falta de personalidade judiciária. Assim, face ao novo enquadramento legal, a exceção invocada, em ação de responsabilidade civil extracontratual, subsume-se, por via da solução normativa prevista no artigo 8º-A nº 3, à da ilegitimidade passiva, exceção que deve ser conhecida, a par da ilegitimidade passiva do Ministério da Saúde e do Ministério das Finanças, nesses termos, suscitada pelos referidos Ministérios.

Vejamos então.

No caso dos autos, os Requerentes interpõe a presente providência cautelar como processo dependente de ação de indemnização de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito. Atenta a pretensão dos Autores parte legítima nessa ação é o Estado que, a par dos três Ministérios (Educação, Saúde e Finanças) vem igualmente demandado.

O pedido em causa constitui um pedido indemnizatório de pagamento de €200.000,00 aos Requerentes por alegados danos patrimoniais e não patrimoniais, na ação principal, e, a fixação de uma renda mensal de €500,00, a título de regulação provisória do pagamento de quantias, no presente processo cautelar.

E, sendo este o pedido indemnizatório formulado, em ação de indemnização, não está em causa ação cujo objeto seja o ato ou a omissão de qualquer órgão administrativo. Isto, ainda que, em sede de facto ilícito haja que conhecer de atuações/ omissões dos órgãos administrativos, o que apenas é efetuado, enquanto pressuposto do pedido indemnizatório em sede de responsabilidade civil extracontratual, o que acontece sempre, a par da verificação dos demais pressupostos (da culpa, do nexo de causalidade e do dano) que integram a causa de pedir complexa subjacente à ação de indemnização.

O que afasta, em ação de indemnização, sem cumulação de outros pedidos, a solução admitida pelo artigo 10º nº 7 do CPTA.

Deste modo, em ação de indemnização, sendo demandado o Estado a par dos Ministérios da Educação, da Saúde e das Finanças, é manifesto que os Ministérios são partes ilegítimas nessa ação, porquanto todos eles integram a pessoa coletiva pública Estado, não carecendo de estar em juízo simultaneamente com o Estado.

Situação que constitui exceção dilatória prevista no artigo 89º nº 4 al. e) do CPTA e conduz à absolvição da instância de acordo com o artigo 89º nº 2 do mesmo Código.

Em conclusão, e prejudicadas demais considerações, há que julgar procedente a exceção da ilegitimidade passiva do Ministério da Saúde, do Ministério das Finanças e do Ministério da Educação e absolve-los da presente instância cautelar.»

1.3 Antecipemos, desde já, que deve ser mantida a decisão de absolvição da instância dos identificados Ministérios, não colhendo o recurso nesta parte.
Vejamos porquê.
1.4 Na situação presente a requerente instaurou o presente processo cautelar, em seu nome e em representação dos identificados seus filhos menores requerendo o pagamento de uma renda mensal de 500,00 € até à decisão final na ação principal de responsabilidade civil extracontratual por atos ilícitos, que imputa aos referidos Ministérios e, através deles, ao Estado Português, indicando nela peticionar a condenação dos demandados a pagar-lhes, solidariamente, o montante global de 200.000,00 € a título de indemnização.
1.5 Restauremos o que se disse no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 23/11/2017, Proc. nº 22/17.2BELRA, de que fomos relatores, disponível in, www.dgsi.pt/jtca, que se passa a transcrever, e que foi reiterado no acórdão de 28/02/2018, Proc. nº 323/17.0BEBJA deste mesmo Tribunal:
«A razão de ser do processo cautelar é a de permitir, em concretização do direito a uma tutela judicial efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, a decretação judicial de medidas cautelares adequadas a precaver os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, enquanto não é definitivamente decidida a causa principal. A tutela cautelar visa apenas assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela ação, a contenda que opõe as partes. Razão pela qual se exige que as medidas cautelares cumpram as características de instrumentalidade e provisoriedade. Neste contexto o artigo 112º do CPTA revisto admite que “…quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo” (nº 1). Como refere José Carlos Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa – (Lições)”, Almedina, 5ª Edição, pág. 305 “…o processo cautelar é um processo que tem uma finalidade própria: visa assegurar a utilidade da lide (…). Pode dizer-se que os processos cautelares visam especificamente garantir o tempo necessário para fazer Justiça. Mesmo quando não há atrasos, há um tempo necessário para julgar bem. E é precisamente para esses casos, para aqueles processos em que o tempo tem de cumprir-se para que se possa julgar bem, que é necessário assegurar a utilidade da sentença que, a final, venha a ser proferida”.
Por a providência cautelar ser instrumental face à pretensão material objeto do litígio (principal), o processo cautelar, enquanto meio processual pelo qual se haverá de obter a providência cautelar pretendida, haverá naturalmente de assumir como característica processual a da instrumentalidade estrutural, nos termos da qual, ainda que tenha uma tramitação autónoma em relação ao processo principal que tem por objeto a decisão sobre o mérito da pretensão material (definitiva), daquele depende (cfr. artigo 113º nºs 1 e 2 do CPTA).
Essa característica da instrumentalidade, comum aos processos cautelares e às próprias providências, tem, designadamente, as seguintes manifestações:
- o pedido cautelar (a formular através de requerimento inicial que deve obedecer às exigências explicitadas no artigo 114º do CPTA) estando intimamente dependente da pretensão material principal (definitiva), pode ser apresentado previamente à instauração do processo principal, juntamente com a petição inicial do processo principal ou na pendência do processo principal (cfr. artigo 114º nº 1 alíneas a), b) e c) do CPTA), no primeiro caso o processo cautelar é intentado como preliminar do processo principal, e nos outros, como incidente (cfr. artigo 113º nº 1 do CPTA);
- o Tribunal competente para decidir o pedido cautelar é o que é competente para julgar a ação principal, devendo assim ser nele apresentado o requerimento inicial da providência (cfr. artigos 20º nº 6 e 114º nº 2 do CPTA);
- no requerimento inicial da providência deve ser indicada a ação principal de que o processo cautelar depende ou irá depender, se for preliminarmente instaurado, e quando apresentado na pendência do processo principal deve este ser identificado, conduzindo a falta de tais indicações, que não seja suprida após convite de aperfeiçoamento, à rejeição liminar do requerimento inicial da providência (cfr. artigos 114º nº 3 alíneas e) e i) e 116º nº 2 alínea a) do CPTA);
- a legitimidade para o pedido de decretação de providências cautelares está dependente da legitimidade para o processo principal, constituindo fundamento da rejeição liminar do requerimento inicial da providência a manifesta ilegitimidade do requerente (cfr. artigos 112º nº 1 e 116º nº 2 alínea b) do CPTA);
- se em sede de apreciação liminar do requerimento inicial da providência for de concluir pela manifesta ausência dos pressupostos processuais da ação principal o requerimento inicial da providência é liminarmente rejeitado (cfr. artigo 116º nº 2 alínea f) do CPTA);
- se o requerente da providência cautelar não fizer uso, no respetivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção de providência cautelar se destinou o processo cautelar extingue-se e a providência cautelar, quando decretada, caduca (cfr. artigo 123º nº 1 alínea a) do CPTA);
- o processo cautelar extingue-se e a providência cautelar, quando decretada, caduca, se, tendo o requerente feito uso do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção de providência cautelar se destinou, esse processo estiver parado durante mais de três meses por negligência sua em promover os respetivos termos ou de algum incidente de que dependa o andamento do processo, ou se esse processo findar por extinção da instância e o requerente não intentar novo processo, nos casos em que a lei o permita, dentro do prazo fixado para o efeito (cfr. artigo 123º nº 1 alíneas b) e c) do CPTA);
- se se verificar o trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo principal, no caso de ser desfavorável ao requerente processo cautelar extingue-se e a providência cautelar, quando decretada, caduca (cfr. artigo 123º nº 1 alínea d) do CPTA);
- quando o meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção de providência cautelar se destina não está sujeito a prazo, o requerente deve fazer desse meio no prazo de 90 dias contado desde o trânsito em julgado da decisão que decrete a providência cautelar, sob pena de caducidade da providência (cfr. artigo 123º nº 2 do CPTA);
- o julgamento de improcedência da causa principal, decidido por sentença de que tenha sido interposto recurso com efeito suspensivo, é relevante para efeitos de alteração ou revogação da providência cautelar decretada com fundamento em alteração dos pressupostos de facto e de direito inicialmente existentes (cfr. artigo 124º nº 3 do CPTA);
- a decretação de providência cautelar depende (cumulativamente) de que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e de que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (cfr. artigo 120º nº 1 do CPTA).
Ora, esta relação de instrumentalidade estrutural entre o processo cautelar e a ação principal cujo efeito útil aquele visa acautelar faz com que naturalmente as partes em juízo, num e noutro processo, tendencialmente devam coincidir.
Ainda que, no que tange aos contra-interessados no processo cautelar, devam considerar-se aqueles que sejam diretamente prejudicados pela adoção da providência cautelar (cfr. artigo 114º nº 3 alínea d)) e no processo impugnatório aqueles a quem o provimento do processo possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado (cfr. artigo 57º).
Isso mesmo já se entendeu no acórdão deste TCA Sul de 26-04-2012, Proc. 08706/12, onde se disse, a tal propósito o seguinte: “As providências cautelares estão necessariamente dependentes de uma ação já pendente ou a instaurar posteriormente à sua dedução em juízo, nos termos do nº 1 do artº 114º do CPTA, acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da providência definitiva, na pressuposição de que venha a ser favorável ao requerente, a decisão a proferir no processo principal (cfr. Alberto dos Reis, in BMJ, nº 3, pág. 45 e Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, ed. 1973, vol. I, pág. 198), isto é, visam assegurar a utilidade da sentença do processo principal, em relação à qual são instrumentais. Mesmo para aqueles que consideram os procedimentos cautelares uma categoria diferenciada, um tertium genus, entre o processo declarativo e o processo executivo, vendo neles um instrumento jurídico cujo objeto é distinto do objeto principal, não deixam de apontar como uma das características ou traços distintivos fundamentais a instrumentalidade (cfr. Sílvia Barona Vilar, in “Las Medidas Cautelares”, ed. do Consejo General del Poder Judicial, pág. 15, apud António Abrantes Geraldes, in “Reforma do Código de Processo Civil”, Procedimentos Cautelares, 1997, Centro de Estudos Judiciários, pág. 27 e Ana Gouveia Martins, “A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo – Em especial, nos procedimentos de formação dos contratos”, Coimbra Editora, 2005, pág. 45). Por isso, é a tutela cautelar designada “como um instrumento ao serviço da tutela garantida no processo principal, como pré-ordenada à tutela conferida pela sentença final que incida sobre o mérito da causa” e que “a finalidade da tutela cautelar não é a garantia abstrata do processo principal, mas antes a preservação de um determinado e concreto bem da via ameaçado pelo periculum in mora”. Atendendo a que a tutela cautelar “está estruturalmente construída em termos de acessoriedade de um processo principal, ao qual visa garantir utilidade prática”, a “função instrumental das providências cautelares postula uma certa homogeneidade do objeto da providência e do objeto principal”, implicando “que o facto que serve de fundamento ao requerimento da adoção de uma providência cautelar integre a causa de pedir da ação principal” (cf. Ana Gouveia Martins, obra cit., págs. 45-47). Por isso, o objeto da providência há-se ser conjugado com o objeto da causa principal, embora tal dependência não imponha perfeita identidade, nos termos do qual não tem de existir uma perfeita coincidência entre os pedidos formulados no procedimento cautelar e na ação principal, mas deve existir coincidência de partes e de causa de pedir (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 19/12/1992, in BMJ, 414º-646)
».
1.6 O CPTA na sua versão original, anterior às alterações que lhe foram introduzidas pelo DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, assumia uma matriz essencialmente dualista das formas de processo, estabelecendo duas formas de processos principais não urgentes, a ação administrativa comum e a ação administrativa especial (vide, a este propósito, Sérvulo Correia, “Unidade ou pluralidade de meios processuais principais no contencioso administrativo”, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 22, pág. 23 ss.; Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, in Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 88 ss.; Mário Aroso de Almeida, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 78 ss.; José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2004, pág. 172 segs., e ainda P...... Gonçalves, “A Acção Administrativa Comum” in, Stvdia Ivridica - Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Administrativa, 86, Colloquia – 15, pág. 127 segs).
De acordo com o disposto no artigo 37º nº 1 do CPTA, na sua redação original, seguiam a forma da ação administrativa comum “…os processos que tenham por objeto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição administrativa e que, nem neste código nem em legislação avulsa sejam objeto de regulação especial”. Sendo que o nº 2 daquele artigo 37º do CPTA estabelecia, enumerando-as, as pretensões que deveriam obedecer à forma de Ação Administrativa Comum, nelas se abarcando, as seguintes:
a) Reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo;
b) Reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições;
c) Condenação à adoção ou abstenção de comportamentos, designadamente a condenação da Administração à não emissão de um ato administrativo, quando seja provável a emissão de um ato lesivo;
d) Condenação da Administração à adoção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados;
e) Condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorram de normas jurídico-administrativas e não envolvam a emissão de um ato administrativo impugnável, ou que tenham sido constituídos por atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo, e que podem ter por objeto o pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestação de um facto;
f) Responsabilidade civil das pessoas coletivas, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, incluindo ações de regresso;
g) Condenação ao pagamento de indemnizações decorrentes da imposição de sacrifícios por razões de interesse público;
h) Interpretação, validade ou execução de contratos;
i) Enriquecimento sem causa;
j) Relações jurídicas entre entidades administrativas.”
E de harmonia com o disposto no artigo 46º nºs 1 e 2 do CPTA seguiam a forma da ação administrativa especial “…os processos cujo objeto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de atos administrativos, bem como de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo”, estabelecendo o nº 2 deste artigo 46º as pretensões que deverão obedecer à forma de Ação Administrativa Especial, nelas se abarcando, as seguintes:
a) Anulação de um ato administrativo ou declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica;
b) Condenação à prática de um ato administrativo legalmente devido;
c) Declaração da ilegalidade de uma norma emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo;
d) Declaração da ilegalidade da não emanação de uma norma que devesse ter sido emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo.
À luz destas disposições, e na esteira do que entendido pela Doutrina e pela Jurisprudência, a distinção entre os campos de aplicação destas duas formas processuais fazia-se da seguinte forma: se a pretensão do particular se dirigisse contra um ato administrativo de efeitos positivos ou uma norma administrativa, ou se visasse a prática de um ato administrativo devido ou a edição de uma norma ilegalmente omitida, a forma processual própria era a ação administrativa especial; apresentando a pretensão do particular qualquer outra configuração, o processo seguiria, em princípio, a via da ação administrativa comum (sem prejuízo das demais formas de processo especiais urgentes previstas – cfr. 35º nºs 1 e 2 do CPTA, na versão original).
1.7 Mas com a revisão do CPTA operada pelo DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro foi abandonada aquela matriz dualista das formas de processo, passando agora a existir uma única essencial forma de processo, a ação administrativa, que incorpora as pretensões a que anteriormente correspondiam as formas da ação administrativa comum e da ação administrativa especial (isto, novamente sem prejuízo das demais formas de processo especiais urgentes previstas), o que resulta da revogação do nº 2 do artigo 35º e do artigo 42º CPTA e de todas as alterações efetuadas aos anteriores Títulos II e III do código.
A tal modificação se refere, aliás, o preambulo do DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, nos seguintes termos:
Os aspetos mais significativos da presente revisão do CPTA dizem respeito à estrutura das formas do processo e ao respetivo regime. Com efeito, o CPTA, no respeito pela tradição mais recente do contencioso administrativo português, assente na contraposição entre o recurso contencioso e o processo declarativo comum do CPC, tradicionalmente seguido no contencioso das ações, optou por estruturar os processos declarativos não -urgentes sobre um modelo dualista, de acordo com o qual, para além dos tipos circunscritos de situações de urgência, objeto de regulação própria, as causas deviam ser objeto da ação administrativa especial ou da ação administrativa comum, consoante, no essencial, se reportassem ou não a atos administrativos ou a normas regulamentares.
A solução prestava -se a reparos, que se prendiam com a relativa incoerência e com a reduzida praticabilidade do modelo adotado.
Desde logo, relativa incoerência, na medida em que, embora a tramitação que o CPTA estabeleceu para a ação administrativa especial tenha sido, de algum modo, a sucessora daquela que, no regime precedente, correspondia ao recurso contencioso, a verdade é que, nos seus aspetos fundamentais, ela foi configurada por referência ao regime do processo declarativo comum do CPC, ao qual, por sua vez, também se reconduzia a forma da ação administrativa comum.
Esta circunstância tem várias explicações, mas a principal radica no princípio, que o Código assumiu como fundamental, nos artigos 4.º e 5.º, da livre cumulabilidade de pedidos. Com efeito, a introdução da possibilidade da dedução e apreciação, em cumulação de pedidos, de todos os pedidos que correspondem à ação administrativa comum no âmbito da ação administrativa especial, tornou inevitável a aproximação da tramitação desta última ao processo civil, indispensável para que tal fosse possível. Por isso, mais do que a sucessora do anterior recurso contencioso, a ação administrativa especial foi configurada como uma forma de processo primacialmente direcionada a harmonizar o modelo do CPC às especificidades próprias do processo administrativo.
Ora, uma forma de processo com estas características é suficiente, sem necessidade de um modelo dualista, para dar resposta a todos os processos declarativos não –urgentes do contencioso administrativo. Justifica -se, por isso, submeter todos os processos não -urgentes do contencioso administrativo a um único modelo de tramitação, que corresponde ao da anterior ação administrativa especial.
No sentido da consagração de um modelo único de tramitação dos processos não -urgentes concorre, por outro lado, do ponto de vista da praticabilidade do sistema, a conveniência em dar resposta a dificuldades que a delimitação do âmbito de intervenção da ação administrativa comum e da ação administrativa especial colocava. Basta pensar na dificuldade que, em muitas situações concretas, se coloca de saber se a Administração está investida do poder de praticar um ato administrativo impugnável, ou se o interessado pode propor uma ação de reconhecimento dos seus direitos ou interesses sem dependência da emissão desse ato. E na incoerência de se enquadrar o contencioso dos contratos no âmbito da ação administrativa comum e o dos atos administrativos no da ação administrativa especial, num contexto, tão diferente do tradicional, em que é admitida uma relativa fungibilidade entre as figuras do ato administrativo e do contrato.
Estas razões determinaram a opção de se abandonar o modelo dualista que o CPTA consagrava, extinguindo-se a forma da ação administrativa comum e reconduzindo –se todos os processos não -urgentes do contencioso administrativo a uma única forma de processo, a que é dada a designação de «ação administrativa».
Esta nova forma de processo é submetida ao regime que, até aqui, correspondia à ação administrativa especial, mas com as profundas alterações que decorrem da sua harmonização com o novo regime do CPC.
1.8 Das alterações efetuadas aos anteriores Títulos II e III do código, resulta que a nova única forma de processo, a ação administrativa, é submetida ao regime que até aqui correspondia à ação administrativa especial, ainda que com as particularidades agora ali previstas – para mais desenvolvimentos, vide, entre outros, Esperança Mealha, in “A nova ação administrativa: uma encruzilhada de acessos a um caminho processual único”, in Comentários à Revisão do CPTA e do ETAF, AAFDL Editora, 2016, 2ª Edição, pág. 215 ss., Mário Aroso de Almeida, in Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2017, pág 349 ss.; Sofia David, in “A proximação e a articulação entre o Código de Processo nos Tribunais Administrativos e o Código de Processo Civil”, in Comentários à Revisão do CPTA e do ETAF, AAFDL Editora, 2016, 2ª Edição, pág. 239 ss...
1.9 No âmbito da vigência da versão original do CPTA não havia divergência de entendimento, quer na doutrina quer na jurisprudência, no sentido de que as ações administrativas comuns que dissessem respeito a relações contratuais e de responsabilidade civil extracontratual deviam ser interpostas contra o Estado, e não contra os ministérios (vide, designadamente, na jurisprudência os Acórdãos do TCA Norte de 21/02/2008, Proc. 00639/06.0BEBRG‐A.; de 11/01/2007, Proc. 00534/04.8BEPNF; de 24/05/2007, Proc. 00184/05.1BEPRT; de 30/10/2008, Proc. 01170/05.7BEBRG, deste TCA Sul, de 01/10/2009, Proc. 02405/07; de 26-02-2015, Proc. 08987/12; de 15-01-2015, Proc. 11502/14; de 06/10/2016, Proc. 10175/13; de 02/02/2017, Proc. 12715/15 e do STA de 03/03/2010, Proc. 0278/09; de 01-10-2015, Proc. 0556/15 e de 04/02/2016, Proc. 01300/14 todos in, www.dgsi.pt, e na doutrina, designadamente Mário Aroso de Almeida, inO Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, Coimbra, Fevereiro 2003; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005; P...... GONÇALVES, in, “A ação administrativa comum”, A Reforma da Justiça Administrativa, Studia Iuridica 86, Colloquia – 15, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2005, 127‐167, 161).
Recupere-se, a este respeito, o acórdão deste TCA Sul de 15/01/2015 no Proc. 11502/14, in, www.dgsi.pt/jtcas, por nós relatado, onde se sumariou que «A ação administrativa comum que diga respeito a responsabilidade civil extracontratual deve ser interposta contra o Estado (representado em juízo pelo Ministério Público), e não contra o ministério em que se integram os órgãos a quem são imputados os atos que fundamentam o pedido indemnizatório», e onde se disse o seguinte: “Na verdade a questão de saber qual a entidade pública que deve ser demandada como ré numa ação administrativa é a maior parte das vezes encarada apenas como um problema de legitimidade passiva, desde logo, porque essa é a epígrafe do artigo 10º do CPTA: “legitimidade passiva”. Porém tal epígrafe pode ser enganadora, já que, na verdade, as regras ali previstas respeitam não apenas à determinação da legitimidade passiva, mas também às respeitantes à personalidade judiciária das entidades públicas. Quando, como é bom de ver, uma e outra constituem pressupostos processuais distintos entre si, não se podendo confundir, sendo pois essencial ao correto enquadramento da questão a compreensão dos pressupostos processuais, de personalidade judiciária e de legitimidade processual. Sendo certo que, um e outro, também não se confundem com a capacidade judiciária, (que consiste na suscetibilidade de estar por si em juízo, a qual tem por base e por medida a capacidade do exercício direitos - cfr. artigo 9º nºs 1 e 2 do CPC antigo, correspondente ao artigo 15º do CPC novo). Com efeito, enquanto a personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte em juízo (cfr. artigo 5º nº 1 do CPC antigo, correspondente ao artigo 11º nº 1 do CPC novo), traduzindo-se assim numa qualidade pessoal da parte, a legitimidade processual não é um atributo do sujeito, em si mesmo, mas uma qualidade do sujeito em relação a uma determinada ação com um certo objeto, consistindo na suscetibilidade de ser parte numa ação aferida em função da relação dessa parte com o objeto daquela ação, tratando-se, por conseguinte, de um conceito de relação (vide, entre outros, V. ANTUNES VARELA,J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, in, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1985, 179 e ss.). Ora, no que tange à personalidade judiciária cumpre evidenciar que o CPTA não autonomizou tal pressuposto, o que não facilita a resolução das questões respeitantes à personalidade judiciária das entidades administrativas em sede de contencioso administrativo. Pode, no entanto, retirar-se do disposto na 1ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA o princípio da coincidência entre personalidade jurídica e personalidade judiciária das entidades públicas, ao estatuir ali que “quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público”. Princípio da coincidência que é acolhido, também, no processo civil, dispondo o nº 2 do artigo 5º nº 2 do CPC antigo (a que corresponde o nº 2 do artigo 11º do CPC novo, aprovado pela Lei nº 41/2013), de aplicação subsidiária nos Tribunais Administrativos (cfr. artigo 1º do CPTA), que “quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária”. Porém, a 2ª parte do mesmo nº 2 daquele artigo 10º salvaguarda logo uma exceção, nos termos da qual “quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é (…), no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”. Trata-se, aqui, na verdade, de um caso de extensão de personalidade judiciária (ainda que para alcançar tal desiderato não seja sido usada técnica idêntica à que foi seguida para os casos de extensão de personalidade judiciária previstos nos artigos 6º e 7º do CPC antigo, correspondentes aos atuais artigos 12º e 13º do CPC novo) atribuindo-se personalidade judiciária aos ministérios, em vez do Estado.
Assim, consubstanciam ilegitimidade passiva em sentido próprio os casos em que o autor demanda uma entidade pública que não é a contraparte na relação material controvertida, tal como esta é configurada na petição inicial. E consubstanciam situação de falta de personalidade judiciária da entidade pública demandada aquelas em que a ação é instaurada contra uma entidade sem personalidade jurídica para a qual a lei não estende (excecionalmente), a suscetibilidade de ser parte em juízo.
A extensão de personalidade jurídica aos ministérios, prevista na 2ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA, apenas ocorre quando se esteja perante processo que “tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública”, como expressamente ali se prevê. Do que tem que entender-se que não se estabeleceu ali uma cláusula geral de extensão da personalidade judiciária aos ministérios. Importa, pois, definir o alcance deste segmento normativo, precisando para que situações se encontra reservada a excecional extensão da personalidade judiciária aos ministérios (os quais não têm personalidade jurídica). Não pode ser inócuo, antes constituindo um importante contributo para a solução da questão, o segmento inserto na parte final do nº 2 do artigo 10º do CPTA, nos termos do qual, em tal situação (quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública), parte demandada é, no caso do Estado, o ministério “a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”. Com efeito, daqui deve retirar-se que a expressão “ação ou omissão de uma entidade pública”, usada no nº 2 do artigo 10º do CPTA, está desde logo associada às ações ou omissões de entidade pública que impliquem o exercício de poderes de autoridade para a emissão de normas ou atos administrativos. Pelo que tal regra é de aplicar, desde logo, no âmbito da ação administrativa especial prevista no Título III do CPTA, a qual constitui o meio processo processual a utilizar (forma de processo a seguir) para as ações judiciais “cujo objeto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de atos administrativos, bem como de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo” (cfr. artigo 46º nº 1 do CPTA). Meio processual a usar para a formulação dos seguintes pedidos principais: anulação de um ato administrativo ou declaração da sua nulidade ou inexistência jurídica; condenação à prática de um ato administrativo legalmente devido; declaração da ilegalidade de uma norma emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo; declaração da ilegalidade da não emanação de uma norma que devesse ter sido emitida ao abrigo de disposições de direito administrativo (cfr. nº 2 do artigo 46º do CPTA). Mas será que tal implica que essa regra não possa ser seguida quando o meio processual em causa é o da ação administrativa comum, a que alude o artigo 37º do CPTA? Ou de outro modo, será que a excecional extensão da personalidade judiciária aos ministérios, prevista na 2ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA, não vigora para o meio processual ação administrativa comum, de modo que nesta forma de processo se mantém apenas a regra de coincidência entre personalidade jurídica e personalidade judiciária das entidades públicas? É conhecida a discussão em torno deste problema, designadamente em face das dificuldades resultantes da amplitude, diversidade e distinta natureza dos litígios que podem constituir objeto de uma ação administrativa comum.
O desde logo decorre da circunstância de, numa matriz essencialmente dualista das formas de processo acolhida no atual CPTA, que estabelece duas formas de processos principais não urgentes, a ação administrativa comum e a ação administrativa especial (vide, a este propósito, Sérvulo Correia, “Unidade ou pluralidade de meios processuais principais no contencioso administrativo”, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 22, pág. 23 ss.; Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, in Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 88 ss.; Mário Aroso de Almeida, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 78 ss.; José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2004, pág. 172 segs., e ainda P...... Gonçalves, “A Acção Administrativa Comum” in, Stvdia Ivridica - Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Administrativa, 86, Colloquia – 15, pág. 127 segs), a ação administrativa comum assumir uma natureza subsidiária, constituindo, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 37º do CPTA, a forma de processo a seguir quando para o objeto do litígio não se encontre prevista uma forma de processo especial, seja no CPTA, seja em legislação avulsa. O que é também evidenciado pelo nº 2 do mesmo artigo, quando ali se enumeram (a título exemplificativo, lembre-se) os objetos de litígio a que deve corresponder a forma de ação administrativa comum, a saber:
“a) Reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo;
b) Reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições;
c) Condenação à adoção ou abstenção de comportamentos, designadamente a condenação da Administração à não emissão de um ato administrativo, quando seja provável a emissão de um ato lesivo;
d) Condenação da Administração à adoção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados;
e) Condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorram de normas jurídico-administrativas e não envolvam a emissão de um ato administrativo impugnável, ou que tenham sido constituídos por actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo, e que podem ter por objeto o pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestação de um facto;
f) Responsabilidade civil das pessoas coletivas, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, incluindo ações de regresso;
g) Condenação ao pagamento de indemnizações decorrentes da imposição de sacrifícios por razões de interesse público;
h) Interpretação, validade ou execução de contratos;
i) Enriquecimento sem causa;
j) Relações jurídicas entre entidades administrativas.”
Os problemas de interpretação da norma do nº 2 do artigo 10º do CPTA, são muitos, nomeadamente quanto à sua aplicabilidade no âmbito dos processos que seguem a forma de ação administrativa comum (vide, para maiores desenvolvimentos, Esperança Mealha, in, “Personalidade judiciária e legitimidade passiva das entidades públicas”, Publicações CEDIPRE Online 2; Coimbra, Novembro, 2010, in, htpp://www.cedipre.fd.uc.pt). (…)
Com efeito, em face do pedido formulado e dos fundamentos da ação, tal como alegados na Petição Inicial, tem de considerar-se que o objeto do litigio, tal como foi configurado pelo autor na petição inicial, respeita a “responsabilidade civil das pessoas coletivas, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes”, já que o que o autor peticiona é o pagamento de indemnizações, cujos valores cumula, ainda que fundadas em factos ilícitos distintos, que imputa ao Ministério da Defesa – Exército Nacional, tal como por si identificado. E como é sabido o artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa consagra a atribuição de um direito fundamental a ser indemnizado por prejuízos causados por ações ou omissões do poder público, a que corresponde um dever público de indemnizar sempre que ocorra a lesão de tais direitos. Sendo que no âmbito da responsabilidade civil por danos decorrentes de facto ilícito no exercício da função administrativa, à luz do regime aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (com a alteração introduzida pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho – lei que procedeu à primeira alteração à Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro), consideram-se ilícitas “as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos” (cfr. artigo 9º nº 1), existindo também ilicitude “quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º”.
Mas a circunstância de na base de algum(ns) dos pedidos formulados pelo recorrente, autor na ação, poder estar a prática de uma ato administrativo ilegal (ou a ilegal omissão ou recusa da prática de uma ato administrativo devido) não altera a natureza do processo enquanto ação destinada a efetivar responsabilidade civil fundada na prática de ato administrativo ilegal, ou na omissão (recusa) ilegal do ato devido (…).
Até porque a circunstância de não ter sido oportunamente impugnado um determinado ato administrativo (ou de não ter sido oportunamente peticionada a condenação na prática de ato administrativo devido ilegalmente recusado ou omitido) não impede a instauração de ação destinada a efetivar responsabilidade civil extracontratual fundada na ilegalidade desse mesmo ato (ou na ilegalidade da sua omissão ou recusa), importando nesse caso conhecer, ainda que a título meramente incidental, da ilegalidade de tal ato. É o que decorre do artigo 38º nº 1 do CPTA que dispõe que “nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por atos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um ato administrativo que já não possa ser impugnado”. Mas também o que já decorria do artigo 7º, 1ª parte do Decreto-Lei nº 48051 de 21 de Novembro de 1967 (diploma que estabelecia o regime responsabilidade civil do Estado e das pessoas coletivas públicas) de acordo com o qual “o dever de indemnizar, por parte do Estado e demais pessoas coletivas públicas, dos titulares dos seus órgãos e dos seus agentes, não depende do exercício pelos lesados do seu direito de recorrer dos atos causadores do dano”. O que se mantém no novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro. Pelo que, ainda que seja imputável ao Ministério da Defesa Nacional a prática (ou omissão) dos identificados atos, como alude o recorrente nas suas alegações (vide conclusões E) e G) das suas alegações), tal circunstância não altera o objeto do litígio.
Mas será que tal conduz a que parte demandada na ação deva ser o Ministério da Defesa, como propugna o recorrente, e que assim tenha a decisão recorrida incorrido em erro de julgamento, com violação do disposto nos nº 2 e 4 do artigo 10º e no nº 2 do artigo 11º do CPTA, ao dar por verificadas as exceções dilatórias de falta de personalidade judiciária e de ilegitimidade passiva do demandado, por entender que nas ações administrativas comuns que digam respeito a relações contratuais e de responsabilidade civil extracontratual, parte demandada deve ser Estado, representado pelo Ministério Público? Não há divergência de entendimento, quer na doutrina quer na jurisprudência, no sentido de que as ações administrativas comuns que digam respeito a relações contratuais e de responsabilidade civil extracontratual devem ser interpostas contra o Estado (representado em juízo pelo Ministério Público), e não contra os ministérios (vide, designadamente, na jurisprudência os Acórdãos do TCA Norte de 21/02/2008, Proc. 00639/06.0BEBRG‐A.; de 11/01/2007, Proc. 00534/04.8BEPNF; de 24/05/2007, Proc. 00184/05.1BEPRT; de 30/10/2008, Proc. 01170/05.7BEBRG, do TCA Sul, de 01/10/2009, Proc. 02405/07 e do STA de 03/03/2010, Proc. 0278/09, todos in, www.dgsi.pt, e na doutrina, designadamente Mário Aroso de Almeida, in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, Coimbra, Fevereiro 2003; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005; PEDRO GONÇALVES, in, “A ação administrativa comum”, A Reforma da Justiça Administrativa, Studia Iuridica 86, Colloquia – 15, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2005, 127‐167, 161).
Entendimento que começou por ser extraído do artigo 11º nº 2 do CPTA, que dispõe que “sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas coletivas de direito público ou os ministérios podem ser representados em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico”, e assente, também, em certa medida, na sua raiz histórica, decorrente dos termos em que na LPTA, se encontravam estabelecidas as “ações sobre contratos e responsabilidade” (cfr. secção II, do Capítulo VI, da LPTA).
Estamos em crer, no entanto, que o que a norma do nº 2 do artigo 11º do CPTA visa é a representação em juízo, estabelecendo possibilidades distintas para as entidades públicas (face à obrigação-regra de constituição de advogado prevista no nº 1 do mesmo artigo 11º). Nada dizendo, na verdade, sobre quem pode ser parte (demandada) em juízo nas ações sobre contratos ou de responsabilidade civil de entidades públicas.
Não pode, no entanto, negar-se que da ressalva feita no segmento normativo inserto na 1ª parte do nº 2 do artigo 11º do CPTA (“sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade”), tem também que derivar, em conjugação com o nº 2 do artigo 10º do CPTA (na parte que alude à demanda do “ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”) que apenas a pessoa coletiva Estado pode ser demandada neste tipo de ações (sobre contratos ou de responsabilidade civil), estando, também por isso, afastada nelas a extensão da personalidade judiciária aos ministérios prevista na 2ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA.
É que, se assim não fosse, entendendo-se, como parece propugnar o recorrente, que mesmo nas ações de responsabilidade (e sobre contratos), por estar em causa uma ação ou omissão da pessoa coletiva Estado, em alusão à 1ª parte do nº 2 do artigo 10º (“quando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública”) parte demandada deve ser o Ministério (a “cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos” – cfr. 2ª parte do nº 2 do artigo 10º do CPTA), então seria desprovida de qualquer utilidade a norma do nº 2 do artigo 11º, na qual se encontra ressalvada a representação em juízo do Estado pelo Ministério Pública nas ações que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, esvaziando-se esta de qualquer sentido. O que não terá sido querido pelo legislador.
O que explica que seja entendido (e que justifica que assim o seja), que o nº 2 do artigo 10º do CPTA deve ser interpretado restritivamente, no sentido de não ser de aplicar às ações administrativas comuns que tenham como objeto relações contratuais e de responsabilidade a extensão da personalidade judiciária aos ministérios (prevista na 2ª parte daquele nº 2), reservada para distinto âmbito. Nesse sentido, vide, na doutrina, nomeadamente, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª Edição, 2010, págs. 85 e 86, em anotação ao art. 10º n.º 2 e Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in, “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Vol. I, 2006, pág. 167. Entendimento que foi também o seguido no recente acórdão deste TCA Sul de 06/11/2014, Proc. 10627/13, bem como nos anteriores acórdãos de 16/12/2013, Proc. 10159/13 e de 22/04/2010, Proc. 05901/10, disponíveis in, www.dgsi.pt/jcas.
Mantém-se, por conseguinte, naquele tipo de ações (que tenham como objeto relações contratuais e de responsabilidade), a regra da coincidência entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária das entidades públicas. Pelo que, para elas, não detêm os ministérios (em que se integrem os órgãos administrativos parte num contrato, no caso de ações sobre contratos, ou a quem sejam imputados os atos que fundamentam o pedido indemnizatório, no caso de ações referentes a responsabilidade civil) personalidade judiciária.
Aqui chegados, e considerando que, como se viu, é de configurar que o objeto da ação em causa respeita a responsabilidade civil, quem pode estar em juízo é a pessoa coletiva em que se integram os órgãos a quem são imputados os atos que fundamentam o pedido indemnizatório, no caso o Estado.”»
1.10 Na versão atual do CPTA, resultante da revisão operada pelo DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, abandonada a antiga matriz dualista das formas de processo, a ação administrativa, enquanto única essencial forma de processo (sem prejuízo das demais formas de processo especiais urgentes previstas no Código), abrange, nos termos da nova redação do artigo 37º do CPTA, as seguintes pretensões:
“a) Impugnação de atos administrativos;
b) Condenação à prática de atos administrativos devidos, nos termos da lei ou de vínculo contratualmente assumido;
c) Condenação à não emissão de atos administrativos, nas condições admitidas neste Código;
d) Impugnação de normas emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo;
e) Condenação à emissão de normas devidas ao abrigo de disposições de direito administrativo;
f) Reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo;
g) Reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições;
h) Condenação à adoção ou abstenção de comportamentos pela Administração Pública ou por particulares;
i) Condenação da Administração à adoção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados, incluindo em situações de via de facto, desprovidas de título que as legitime;
j) Condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorram de normas jurídico-administrativas e não envolvam a emissão de um ato administrativo impugnável, ou que tenham sido constituídos por atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo, e que podem ter por objeto o pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestação de um facto;
k) Responsabilidade civil das pessoas coletivas, bem como dos titulares dos seus órgão ou respetivos trabalhadores em funções públicas, incluindo ações de regresso;
l) Interpretação, validade ou execução de contratos;
m) A restituição do enriquecimento sem causa, incluindo a repetição do indevido;
n) Relações jurídicas entre entidades administrativas.”
Significando assim, como já se disse supra, que a nova ação administrativa incorpora as pretensões a que anteriormente correspondiam as formas da ação administrativa comum e da ação administrativa especial.
1.11 Simultaneamente foi aditado ao CPTA o artigo 8º-A que dispõe o seguinte:
“Artigo 8.º -A
Personalidade e capacidade judiciárias
1 — A personalidade e a capacidade judiciárias consistem, respetivamente, na suscetibilidade de ser parte e na de estar por si em juízo.
2 — Tem personalidade judiciária quem tenha personalidade jurídica, e capacidade judiciária quem tenha capacidade de exercício de direitos, sendo aplicável ao processo administrativo o regime de suprimento da incapacidade previsto na lei processual civil.
3 — Para além dos demais casos de extensão da personalidade judiciária estabelecidos na lei processual civil, os ministérios e os órgãos da Administração Pública têm personalidade judiciária correspondente à legitimidade ativa e passiva que lhes é conferida pelo presente Código.
4 — Nas ações indevidamente propostas contra ministérios, a respetiva falta de personalidade judiciária pode ser sanada pela intervenção do Estado e a ratificação ou repetição do processado.”

E os artigos 10º e 11º passaram a ter a seguinte redação:
“Artigo 10.º
Legitimidade passiva
1 — Cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor.
2 — Nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público, salvo nos processos contra o Estado ou as Regiões Autónomas que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos ministérios ou secretarias regionais, em que parte demandada é o ministério ou ministérios, ou a secretaria ou secretarias regionais, a cujos órgãos
sejam imputáveis os atos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.
3 — Os processos que tenham por objeto atos ou omissões de entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, são intentados contra o Estado ou a outra pessoa coletiva de direito público a que essa entidade pertença.
4 — O disposto nos n.ºs 2 e 3 não obsta a que se considere regularmente proposta a ação quando na petição tenha sido indicado como parte demandada um órgão pertencente à pessoa coletiva de direito público, ao ministério ou à secretaria regional que devem ser demandados.
5 — Quando, na situação prevista no número anterior, a citação for feita no órgão indicado na petição, considera-se citada a pessoa coletiva, o ministério ou a secretaria regional a que o órgão pertence.
6 — Havendo cumulação de pedidos, deduzidos contra diferentes pessoas coletivas ou Ministérios, devem ser demandados as pessoas coletivas ou os Ministérios contra quem sejam dirigidas as pretensões formuladas.
7 — Quando o pedido principal deva ser deduzido contra um Ministério, este também tem legitimidade passiva em relação aos pedidos que com aquele sejam cumulados.
8 — Nos processos respeitantes a litígios entre órgãos da mesma pessoa coletiva, a ação é proposta contra o órgão cuja conduta deu origem ao litígio.
9 — Podem ser demandados particulares ou concessionários, no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares.
10 — Sem prejuízo da aplicação subsidiária, quando tal se justifique, do disposto na lei processual civil em matéria de intervenção de terceiros, quando a satisfação de uma ou mais pretensões deduzidas contra uma entidade pública exija a colaboração de outra ou outras entidades, cabe à entidade demandada promover a respetiva intervenção no processo.”
“Artigo 11.º
Patrocínio judiciário e representação em juízo
1 — Nos tribunais administrativos é obrigatória a constituição de mandatário, nos termos previstos no Código do Processo Civil, podendo as entidades públicas fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público.
2 — No caso de o patrocínio recair em licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, a referida atuação no âmbito do processo fica vinculada à observância dos mesmos deveres deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da outra parte.
3 — Para o efeito do disposto no número anterior, e sem prejuízo do disposto nos dois números seguintes, o poder de designar o representante em juízo da pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, do ministério compete ao auditor jurídico ou ao responsável máximo pelos serviços jurídicos da pessoa coletiva ou do ministério.
4 — Nos processos em que esteja em causa a atuação ou omissão de uma entidade administrativa independente, ou outra que não se encontre integrada numa estrutura hierárquica, a designação do representante em juízo pode ser feita por essa entidade.
5 — Nos processos em que esteja em causa a atuação ou omissão de um órgão subordinado a poderes hierárquicos, a designação do representante em juízo pode ser feita por esse órgão, mas a existência do processo é imediatamente comunicada ao ministro ou ao órgão superior da pessoa coletiva.
6 — Os agentes de execução desempenham as suas funções nas execuções que sejam da competência dos tribunais administrativos.”

1.12 Os ministérios constituem departamentos governamentais que integram a orgânica do Governo e os órgãos administrativos são centros institucionalizados de titulação de poderes e deveres para efeitos da prática de atos jurídicos imputáveis a uma pessoa coletiva pública (cfr. artigo 20º nº 1 do CPA), não dispondo de personalidade jurídica, que deve entender-se apenas atribuída ao Estado e às pessoas coletivas de direito público.
A regra é a da correspondência entre a personalidade judiciária (suscetibilidade de ser parte) e a personalidade jurídica, como decorre do agora expressamente disposto no artigo 8º-A nº 2 do CPTA, solução que é também a acolhida no artigo 11º nº 2 do CPC.
Por via dessa regra os ministérios (e os órgãos administrativos) não deteriam personalidade judiciária, mas o nº 3 do artigo 8º-A do CPTA atual expressamente lhes reconhece personalidade judiciária em correspondência à legitimidade ativa e passiva que lhes é conferida pelo Código, precisamente para que possam intervir como sujeitos processuais nas ações em que, nos termos da lei de processo, devam figurar como demandantes ou demandados, isto é, nas ações para as quais tenham legitimidade, ativa ou passiva.
Ora, nos termos do artigo 10º nº 2 do CPTA, nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada haverá de ser a pessoa coletiva de direito público, salvo nos processos contra o Estado ou as Regiões Autónomas que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos ministérios ou secretarias regionais, em que parte demandada é o ministério ou ministérios, ou a secretaria ou secretarias regionais, a cujos órgãos.
O que significa que, tal como já se entendia no âmbito do CPTA na sua versão original, que nas ações cujo objeto se circunscreve à efetivação da responsabilidade civil extracontratual é o Estado ou a pessoa coletiva pública em que se integrem os órgãos a que são imputáveis os atos e ações (ou omissões) justificadores do dever de indemnizar que possui a legitimidade passiva e a correspondente personalidade judiciária para a ação. Encontrando-se, nesse âmbito, os ministérios desprovidos de personalidade e de legitimidade passiva.
A tal respeito, e nesse sentido, veja-se Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2017, 4ª Edição, pág. 108 ss.: “O nº 2 consagra uma regra e uma exceção. A regra é a de que, nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público (Estado, região autónoma, município, instituto público, entidade pública empresarial, etc). A exceção respeita aos processos reportados à ação ou omissão de órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, em que é demandado o ministério ou a secretaria regional a cujos órgãos seja imputável a ação ou omissão em que o Estado ou a Região Autónoma tenham incorrido. A nosso ver, esta exceção deve ser interpretada como pretendendo abranger as ações de impugnação e de condenação à prática de atos jurídicos ou operações materiais específicos pelos órgãos em causa. Deve, por isso, entender-se que ela não abrange, mesmo para o Estado e as Regiões Autónomas, as ações de responsabilidade civil extracontratual, bem como as ações sobre contratos, a que aludem as alíneas k) e 1) do n.º 1 do artigo 37.º, que não têm tal objeto. Mas isto, apenas quando o pedido respeitante à responsabilidade ou ao contrato seja o único pedido deduzido na ação ou, pelo menos, o pedido principal, uma vez que, para o caso de ele ser cumulado com um pedido que se enquadre na exceção da segunda parte do n.º 2, rege o novo nº 7 (vide infra, nota 8). A solução de se submeterem sempre à regra da primeira parte do nº 2 as ações cujo pedido único ou principal seja de responsabilidade ou relativo a contratos justifica-se, desde logo, porque a responsabilidade civil extracontratual é uma responsabilidade patrimonial da própria entidade pública pelas ações ou omissões praticadas no exercício da função administrativa, legislativa ou jurisdicional. (…)
A nosso ver, a exceção da segunda parte do n.º 2 abrange, não apenas a impugnação de atos administrativos e a condenação à prática de atos devidos, bem como a impugnação de normas e a condenação à emissão de normas, mas também a condenação à não emissão de atos administrativos, a condenação à adoção ou abstenção de comportamentos pela Administração Pública, a condenação da Administração à adoção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados e a condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar (cfr. artigo 37.2, nº I, alíneas a), b), c), d), e), h), i) e j), do CPTA). Não se vê motivo, por outro lado, para que a ação não deva também ser proposta contra o ministério ou a secretaria regional, quando o pedido se dirija ao reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos, a que se refere o artigo 37.º, n.º 1, alínea g). Embora esteja aí em causa, não um pedido condenatório, mas um pedido de simples apreciação, não deixa de valer o critério de legitimidade instituído pela segunda parte do nº 2, desde que a necessidade de tutela jurisdicional seja determinada por condutas ativas ou omissivas de órgãos do ministério ou da secretaria regional que suscitem uma situação de incerteza quanto à existência de uma situação jurídica ou um fundado receio quanto à adoção de condutas lesivas (cfr. artigo 39º).”
1.13 Ora, à luz do sobredito, se na situação dos autos a requerente instaurou o presente processo cautelar, em seu nome e em representação dos identificados seus filhos menores, requerendo o pagamento de uma renda mensal de 500,00 € até à decisão final na ação principal de responsabilidade civil extracontratual por atos ilícitos, que imputa aos identificados Ministérios da Saúde, da Educação e das Finanças, e, através deles, ao Estado Português, indicando nela peticionar a condenação dos demandados a pagar-lhes, solidariamente, o montante global de 200.000,00 € a título de indemnização, é evidente que quem unicamente detém legitimidade passiva, quer para o presente processo cautelar quer para a ação principal (a intentar), de que este processo cautelar é instrumental e dependente, é o Estado Português, e não os referidos Ministérios.
Em face do concreto pedido cautelar formulado no processo cautelar, e bem assim daquele a formular na ação principal, não carecem os identificados Ministérios de estar em juízo simultaneamente com o Estado Português.
1.14 Foi, pois, correto o entendimento feito na sentença recorrida, devendo, como bem foi decidido, ser os demandados Ministério da Saúde, Ministério da Educação e Ministérios das Finanças, ser absolvidos da instância com fundamento em ilegitimidade passiva.
Improcede, por conseguinte, nesta parte, o recurso.
O que se decide.
~
2. Do erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa – (conclusões CC. a PP. das alegações de recurso)
2.1. Pela sentença recorrida o Tribunal a quo indeferiu a pretensão cautelar formulada pela requerente por ter entendido não ser provável a procedência da pretensão indemnizatória a formular na ação principal, a intentar.
2.2 Pugna a recorrente em suma, no presente recurso, que a sentença recorrida violou a Lei n.º 67/2007, de 31/12, designadamente o seu art.º 1 e 7º, o Decreto-Lei n.º 48.051 de 21 de Novembro de 1967, com incorreta interpretação dos seus artigos 2º e 6º, e as normas do Código Civil que regulam a responsabilidade civil (art. 483° e seg.) e o direito à indemnização (art. 562° e segs.), sustentando que todos os pressupostos da responsabilidade extracontratual estavam verificados e que bastava apurar os requisitos do decretamento do pedido cautelar, que igualmente defende estarem demonstrados, face aos prejuízos a indemnizar, e quantificar as rendas cautelares.
Vejamos.
2.3 Nos termos do disposto no artigo 112º do CPTA pode ser solicitada a adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir num processo instaurado ou a instaurar nos Tribunais Administrativos (nº 1), entre elas a de “regulação provisória de uma situação jurídica, designadamente através da imposição à Administração do pagamento de uma quantia por conta de prestações alegadamente devidas ou a título de reparação provisória” (nº 2 alínea e)).
2.4 Assim enquadrando a concreta providência cautelar solicitada pela requerente, a Mmª Juíza do Tribunal a quo submeteu-a à respetiva regulação contida no artigo 133º do CPTA, do qual consta o seguinte:
“Artigo 133.º
Regulação provisória do pagamento de quantias
1 — Quando o alegado incumprimento do dever de a Administração realizar prestações pecuniárias provoque uma situação de grave carência económica, pode o interessado requerer ao tribunal, a título de regulação provisória, e sem necessidade da prestação de garantia, a intimação da entidade competente a prestar as quantias indispensáveis a evitar a situação de carência.
2 — A regulação provisória é decretada quando:
a) Esteja adequadamente comprovada a situação de grave carência económica;
b) Seja de prever que o prolongamento dessa situação possa acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis;
c) Seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
3 — As quantias percebidas não podem exceder as que resultariam do reconhecimento dos direitos invocados pelo requerente, considerando-se o respetivo processamento como feito por conta das prestações alegadamente devidas em função das prestações não realizadas.”

2.5 E bem, já que a regulação provisória de pagamento de quantias pode ter aplicação na dependência de uma ação de indemnização, como reparação provisória do dano, à semelhança do que sucede, em processo civil com o arbitramento de reparação provisória (cfr. artigo 388º do CPC), ainda que ali submetida a requisitos não exatamente coincidentes com os constantes do artigo 133º do CPTA.
2.6 Neste âmbito a providência destina-se a permitir o pagamento de uma parcela da indemnização que haverá de ser apurada na ação principal. Mas para tanto, e em face da natureza preventiva e instrumental da providência cautelar, é mister, que se encontre indiciado que ao requerente assiste o direito a ser indemnizado pelo requerido (isto é, que seja provável a procedência da pretensão indemnizatória) e que seja demonstrado que o requerente se encontra em situação de grave carência económica e que seja de prever que o prolongamento dessa situação possa acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis.
2.7 A sentença recorrida começou por avaliar da viabilidade da pretensão indemnizatória. E enquadrando-a no regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, com fundamento em factos (atos) ilícitos e culposos, passou a aferir da verificação dos respetivos pressupostos, tendo por base a matéria factual apurada nos autos e o quadro jurídico aplicável e convocado. O que fez nos seguintes termos, que se passam a transcrever:
«Para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas públicas por atos dos seus órgãos ou agentes, no exercício e por causa das suas funções é necessária a verificação cumulativa dos pressupostos da responsabilidade civil indicados no artigo 483º do Código Civil, sendo estes, o facto, que se traduz num comportamento ativo ou voluntariamente omissivo; a ilicitude, representada na ofensa de direitos de terceiros ou na violação de preceitos legais visando a proteção de tais interesses; a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, de acordo com a teoria da causalidade adequada.
Estes pressupostos da responsabilidade civil são de verificação cumulativa pelo que a falta de qualquer deles determina a improcedência da ação.
Para sustentar a pretensão indemnizatória trazida ao Tribunal, a Requerente a alega, em relação à indemnização de €20.000,00 que começa por peticionar:

- No ano letivo de 2015/2016 P...... frequentou a Escola P…. G… , no 5º ano de escolaridade, em que ficou retido por não aproveitamento, tendo tido problemas com colegas e professores e sido sujeito a medidas de processo tutelar educativo no Tribunal do Seixal.
- O pai do P...... vivia em S…. a Requerente requereu a transferência do P...... para o Agrupamento de Escolas nº1 de S……, para a frequência do 5º ano, para o ano de 2016/2017, o que foi aceite.
- O pai foi despedido e os problemas começaram. A Requerente tentou reverter a transferência mas não havia vaga. A solução apresentada, situava-se em C….., o que implicava fazer cerca de 40 minutos de transportes públicos e 30 minutos a pé, colocação que foi recusada pela Requerente, pelo que o P...... ficou sem frequentar a escola no ano de 2016/2017 e ficou em casa.
- A Requerente apresentou reclamação, que tendo sido recebida na Direção de Serviços da Região de Lisboa e Vale do Tejo, não teve resposta.
- Devido a essa situação, a mãe do P...... teve que se desempregar para tomar conta dele e o vigiar, encontrando-se desempregada desde 19 de abril de 2016 e ainda hoje procura novo emprego, estando inscrita no Centro de Emprego, prejuízo que ascende a €20.000,00.

Do probatório resultou indiciariamente provado que:
- A Requerente solicitou a transferência de Escola para o Agrupamento de Escolas n.º 1 de S….., cfr.H;
- Em 2016-09-26 por mail dirigido à Direção de Serviços de Lisboa e Vale do Tejo, a Requerente formulou pedido para o seu educando, no 5º ano de escolaridade, numa escola da zona de residência, ou seja, no Agrupamento A… A… Louro, Agrupamento P…. G… , Agrupamento N….. Alvares”, cfr. I.
- Em 2016-11-22 a Requerente formulou o pedido de vaga em formulário manuscrito, “Ficha de atendimento 2016/2017 – Pedido de Vaga – Anexo I” junto da Direção de Serviços de Lisboa e Vale do Tejo, para o Agrupamento de Escolas P…. G… , Seixal, cfr. L.
- Na mesma “Ficha de atendimento 2016/2017 – Pedido de Vaga – Anexo I” à pergunta “Tem irmãos no estabelecimento de educação ou de ensino que quer frequentar?” foi respondida com “não”, cfr. M.
- Em 2016-11-22, a Requerente apresentou reclamação contra a Direção de Serviços da Região de Lisboa e Vale do Tejo, a folhas 10 do Livro de Reclamações, cfr. O.
- O Delegado Regional de Educação da Região de Lisboa e Vale do Tejo dirigiu à Requerente um ofício Ref. n º …./2016 sob o assunto: “DGESTE – Direção de Serviços da Região de Lisboa e Vale do Tejo – Reclamação de L…..” com o seguinte teor:
“Serve o presente para informar V. Exa. que foi recebida a reclamação que V. Exa. decidiu apresentar contra a Direção de Serviços da Região de Lisboa e Vale do Tejo, a folhas 10 do Livro de Reclamações, e a qual será objeto de análise nos termos legalmente previstos.”, cfr. P.
- Em 2016-12-06, o Delegado Regional de Educação da Região de Lisboa e Vale doTejo dirigiu à Requerente o ofício Ref. …../2016, com o seguinte teor: “…

[Texto Integral]

…”, cfr. Q.
Nestes termos, o que resultou provado foi, ao contrário do que a Requerente veio alegar, que a reclamação apresentada em 2016-11-22, obteve resposta, tendo, em 2016-12-06, sido comunicado à Requerente a existência de vaga para o seu filho na Escola Secundária J…… de Barros.
E, tal disponibilização de vaga implicava por parte da Requerente, Encarregada de Educação a regularização escolar do aluno, aceitando a vaga formalmente.
Dever consagrado no n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 176/2012, de 2 de agosto:
“Obrigatoriedade de matrícula e de frequência
1 - Todos os alunos com idades compreendidas entre os 6 e os 18 anos devem frequentar o regime de escolaridade obrigatória nos termos previstos no presente decreto-lei.
2 - A escolaridade obrigatória determina:
a) Para o encarregado de educação, o dever de proceder à matrícula do seu educando em escolas da rede pública, da rede particular e cooperativa ou em instituições de educação e formação, reconhecidas pelas entidades competentes;
b) Para o aluno, o dever de frequência.”

O que a Requerente não fez, pois não procedeu à regularização da situação escolar do seu filho P...... .
Questão distinta, é a da vaga disponibilizada, no decurso do ano letivo, não ser no local pretendido pela Requerente e que pela distância em relação à sua residência não tenha inscrito o filho na Escola Secundária J…… de Barros. Ora, tal atuação corresponde a decisão tomada pela Autora.
E, ao que resulta do probatório, em 2016-12-06, quando foi comunicada à Requerente a colocação do filho na Escola Secundária J….. de Barros, esta já se encontrava desempregada desde 2016-04-19, ou seja há cerca de 6 meses (cfr. AI).
Em consequência, não se verifica qualquer atuação do Ministério da Educação suscetível de revestir carácter ilícito, por nenhuma norma constitucional, legal ou regulamentar ter sido contrariada, quando disponibilizou vaga na Escola Secundária J……. de Barros.
Acresce que, o alegado dano, ou seja, a situação de desemprego que a Autora afirma ter sido efeito da colocação proposta pelo Ministério da Educação, constitui consequência incompatível com a data dos factos, na medida em que à data de 2016-12-06, já a Autora se encontrava desempregada desde 2016-04-19.
Nestes termos, tendo a reclamação sido respondida e tendo sido disponibilizada vaga que não foi aceite pela Autora, não se verifica ilicitude, nem consequente nexo de causalidade, suscetível de suportar o pedido de pagamento de indemnização de €20.000,00 pelo facto de a Autora estar desempregada.
*
Do mesmo modo, o facto de P...... ter ficado em casa, alegadamente entrando em depressão, desmotivado, implicando com a irmã mais nova, dizendo que não tinha nada para fazer e que era preferível morrer, atitudes que afligiam a Requerente e perturbavam o ambiente familiar, nomeadamente, a irmã mais nova que passou a andar assustada e tinha receio do irmão, não são, de acordo com a teoria da causalidade adequada em que se traduz o nexo de causalidade entre o alegado facto ilícito (que não ocorreu) e os alegados danos, acima descritos suscetíveis de suportar:
- O prejuízo patrimonial que vem estimado em €10.000,00, devido, alegadamente, a irmã K….. ter passado a andar assustada e a ter receio do irmão, ter perdido a vivacidade e ter reduzido o aproveitamento escolar.
*
Mais vem alegado que a própria Requerente entrou em depressão por não saber o que fazer. E que, em consequência dos factos elencados, o menor foi objeto de um Processo Judicial de Promoção e Proteção de Menores, que corre termos sob o nº 569/1…, no Juízo de Família e Menores do Seixal – J1, tendo o Tribunal ordenado à DGEE (Ministério da Educação) a integração, com prioridade em curso “PIEF”, dado o aluno estar abrangido pelo Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de janeiro, o que veio a acontecer, estando o menor integrado na escola P…. G… (que no ano anterior tinha recusado uma vaga) em turma especial, no 5º ano de escolaridade.
Conclui que a solução veio com um ano de atraso e a instâncias do Tribunal e que devido ao filho não ter frequentado, o ano escolar de 2016/2017 por ter sido negada a transferência de escola, quantifica os prejuízos em €20.000,00.
Acontece que, o facto de um ano depois, o Tribunal ter ordenado à Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) a integração do P......, com prioridade em curso “PIEF”, dado o aluno estar abrangido pelo Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de janeiro, o que veio a acontecer, estando o menor integrado na escola P…. G… (que no ano anterior tinha recusado uma vaga) em turma especial, no 5º ano de escolaridade, não constitui argumento que demonstre ter ocorrido ilegalidade na não colocação do aluno na escola no ano antecedente.
Ademais, vem dizer o Ministério da Educação que as turmas PIEF são respostas do ensino básico para todos os alunos, independentemente de estarem abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro.
Sendo assim, tal ordem do Tribunal, não tem a virtualidade de demonstrar anterior ilicitude por omissão na não colocação do aluno que justifique, qualquer pedido de indemnização de €20.000,00 por prejuízos patrimoniais.
*
A seguir, alega a Requerente que a não disponibilização ao filho da mesma escola, onde já encontrava a irmã, causou à mãe grandes incómodos, transtornos e uma depressão nervosa e que, por causa direta e necessária da sua conduta e em consequência dos atos discriminatórios da administração tais prejuízos totalizam €50.000,00.
De novo se refira que, tal alegação não se alicerça em qualquer atuação ilícita, sendo, naturalmente as consequências alegadas, a título de danos, desprovidas de qualquer nexo de causalidade adequada.
*
Por último, mais vem pedida a indemnização, pelos danos morais no valor de €100.00,00, o que constitui o dobro do valor parcelar anteriormente peticionado e para o qual não se vislumbra qualquer fundamento legal que, ainda que sumariamente apreciado, permita concluir pela provável procedência da pretensão dos Requerentes, tendo em conta, designadamente, o disposto no artigo 496º do Código Civil.
Na verdade, visto exaustivamente o teor do probatório, não se descortina atuação do Ministério da Educação, nem omissão, suscetível de assumir carácter de ilicitude e que tenha privado o menor P...... de aceder ao ensino, tutelado pela lei ordinária e constitucional, ou que tenha constituído uma ofensa ao conteúdo essencial do direito fundamental ao ensino adequado à sua situação, conforme artigos 161º, nºs 1 e 2, al. d) do CPA, como os Requerentes vieram alegar.
Do mesmo modo e como anteriormente referimos é manifesto que os atos não contrariaram os artigos 1º e 2º da Lei nº 46/2006 de 28 de agosto diploma que “Proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de saúde”, porquanto nenhum dos Requerentes é deficiente ou se encontra em risco agravado de saúde, na previsão da referida lei, de modo a poder integrar na sua esfera jurídica patrimonial o direito a indemnização nos termos do artigo 7º do referido diploma legal.
Também, não resulta dos autos, que esteja em causa o reconhecimento das necessidades educacionais especiais da criança e os seus cuidados de saúde e de educação, ou que tenham sido contrariados princípios ou normas constitucionais, designadamente, os artigos 1º, 2º, 9º, 13º, 18º, 16º, 24º, 25º, 27º, 71º, 81º, 105º, 110º nº1, 202º, 204º, 277º nº1 da CRP invocados pela Requerente.
Mais invocam, os Requerentes que foi contrariado o Decreto-Lei nº 8/2010, de 28 de janeiro. Este diploma legal, cria um conjunto de unidades e equipas de cuidados continuados integrados de saúde mental, destinado às pessoas com doença mental grave de que resulte incapacidade psicossocial e que se encontrem em situação de dependência. Os Requerentes não explicitam em que medida este diploma poderá ter sido contrariado, sendo que com tal motivo, não se vislumbra a procedência da ação principal.
Em conclusão, dos factos alegados no douto requerimento inicial e indiciariamente provados resulta que o facto do filho da Requerente não ter frequentado a escola no ano letivo de 2016/2017 deve-se à recusa da Requerente em aceitar a solução encontrada pela Administração na colocação proposta para o aluno. É a própria Requerente que o admite.
Caso a Requerente tivesse regularizado a situação escolar do seu educando, formalizando a respetiva matrícula, o filho beneficiaria de todos os apoios educativos especializados, previstos no Programa Educativo Individual, tendo o Ministério da Educação, assegurado vaga para a frequência escolar do aluno no Agrupamento de Escolas J….. de Barros, S…., no 5º ano de escolaridade, não lhe sendo imputável qualquer atuação ilegal ou omissão.
E sendo assim, se a Requerente e os seus filhos sofreram os prejuízos que vem alegar, pela não frequência pelo filho no ano escolar de 2016/2017, tais prejuízos não decorreram de qualquer ação ou omissão ilegal praticada pela Administração, em concreto, pelo Ministério da Educação.
Além de que não resultou provado que a situação de desemprego da Requerente tenha sido causada pelo facto de o filho não ter frequentado o ano escolar de 2016/2017. E isto porque, em 19 de abril de 2016, data que resultou provado ser a data de desemprego da Requerente, ainda se encontrava a decorrer o ano letivo anterior de 2015/2016, porquanto o ano letivo de 2016/2017 apenas se iniciou em 15 de setembro de 2016.
O que significa que a Requerente estava em situação de desemprego muito antes de se iniciar o ano letivo de 2016/2017 ao contrário do que alegou mas não provou.
Deste modo e prejudicadas demais considerações, não sendo provável a procedência da pretensão formulada ou a formular na ação principal, ação de indemnização para o pagamento de €200.000,00, a presente providência cautelar apenas pode ser indeferida.»

2.8 Comece-se por dizer que a pretensão indemnizatória foi corretamente enquadrada pela sentença recorrida no regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, a que aliás a requerente, ora recorrente, também fez e faz alusão, pelo que não se entende, não tendo cabimento, a invocação, que faz no presente recurso, de que a sentença recorrida fez uma incorreta interpretação do artigo 2° e 6º do Decreto-Lei n.º 48.051 de 21 de Novembro de 1967, diploma já revogado pela Lei nº 67/2007.
2.9 O regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, atualmente resultante da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, concretiza o artigo 22º da CRP nos termos do qual “o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.
2.10 Este regime, aprovado pela Lei nº 67/2007, começa por dispor no seu artigo 1º o seguinte:
“Artigo 1º
Âmbito de aplicação
1 - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas coletivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa rege-se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, correspondem ao exercício da função administrativa as ações e omissões adotadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.
3 - Sem prejuízo do disposto em lei especial, a presente lei regula também a responsabilidade civil dos titulares de órgãos, funcionários e agentes públicos por danos decorrentes de ações ou omissões adotadas no exercício das funções administrativa e jurisdicional e por causa desse exercício.
4 - As disposições da presente lei são ainda aplicáveis à responsabilidade civil dos demais trabalhadores ao serviço das entidades abrangidas, considerando-se extensivas a estes as referências feitas aos titulares de órgãos, funcionários e agentes.
5 - As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas coletivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas coletivas de direito privado e respetivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.”



2.11 Não há dúvida que a situação dos autos se reporta à efetivação de responsabilidade civil extracontratual do Estado decorrente do exercício da função administrativa, motivada por factos lícitos e culposos da Administração.
A respeito desta (vide Capítulo II da Lei) os artigos 7º, 8º, 9º e 10º do regime aprovado pela Lei nº 67/2007 dispõem o seguinte:
“Artigo 7º
Responsabilidade exclusiva do Estado e demais pessoas coletivas
de direito público
1 - O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.
2 - É concedida indemnização às pessoas lesadas por violação de norma ocorrida no âmbito de procedimento de formação dos contratos referidos no artigo 100.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de acordo com os requisitos da responsabilidade civil extracontratual definidos pelo direito comunitário.
3 - O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são ainda responsáveis quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da ação ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço.

4 - Existe funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma atuação suscetível de evitar os danos produzidos.”
“Artigo 8.º
Responsabilidade solidária em caso de dolo ou culpa grave
1 - Os titulares de órgãos, funcionários e agentes são responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, por eles cometidas com dolo ou com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se encontravam obrigados em razão do cargo.
2 - O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são responsáveis de forma solidária com os respetivos titulares de órgãos, funcionários e agentes, se as ações ou omissões referidas no número anterior tiverem sido cometidas por estes no exercício das suas funções e por causa desse exercício.
3 - Sempre que satisfaçam qualquer indemnização nos termos do número anterior, o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público gozam de direito de regresso contra os titulares de órgãos, funcionários ou agentes responsáveis, competindo aos titulares de poderes de direção, de supervisão, de superintendência ou de tutela adotar as providências necessárias à efetivação daquele direito, sem prejuízo do eventual procedimento disciplinar.
4 - Sempre que, nos termos do n.º 2 do artigo 10.º, o Estado ou uma pessoa coletiva de direito público seja condenado em responsabilidade civil fundada no comportamento ilícito adotado por um titular de órgão, funcionário ou agente, sem que tenha sido apurado o grau de culpa do titular de órgão, funcionário ou agente envolvido, a respetiva ação judicial prossegue nos próprios autos, entre a pessoa coletiva de direito público e o titular de órgão, funcionário ou agente, para apuramento do grau de culpa deste e, em função disso, do eventual exercício do direito de regresso por parte daquela.”

“Artigo 9º
Ilicitude
1 - Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º.”
“Artigo 10º
Culpa
1 - A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.
2 - Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos.

3 - Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância.
4 - Quando haja pluralidade de responsáveis, é aplicável o disposto no artigo 497.º do Código Civil.”

Estatuindo ainda, nas disposições gerais do regime (vide Capítulo I da Lei) o artigo 3º o seguinte:
“Artigo 3º
Obrigação de indemnizar
1 - Quem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto na presente lei, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
2 - A indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa.
3 - A responsabilidade prevista na presente lei compreende os danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como os danos já produzidos e os danos futuros, nos termos gerais de direito.”

2.12 Neste conspecto cumpre recordar que é consensual que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e das pessoas coletivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos, funcionários ou agentes assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil: i) o facto; ii) a ilicitude; iii) a culpa; iv) o dano e v) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Pressupostos de verificação autónoma e cumulativa (vide, a título ilustrativo, o acórdão deste TCA Sul de 24/11/2016, Proc. nº 10242/13, in, www.dgsi.pt/jtca).
2.13 Tal significa que a averiguação, a proceder em processo cautelar destinado a obter o pagamento de quantias (cfr. artigo 133º do CPTA) a título de reparação provisória por referência a ação de responsabilidade civil extracontratual do Estado fundada em factos (atos) ilícitos e culposos, da viabilidade da pretensão indemnizatória a formular nessa ação, implica a apreciação, ainda que perfuntória (própria do âmbito cautelar), dos pressupostos da responsabilidade civil. Em termos que, só se for de concluir pela probabilidade do seu preenchimento cumulativo, se poderá reconhecer indiciariamente que ao requerente assiste o invocado direito indemnizatório, do qual faz emergir a reparação antecipada e provisória através da providência cautelar de regulação provisória de pagamento de quantias.
2.14 Da apreciação feita na sentença recorrida resulta que o Tribunal a quo considerou, indiciariamente, como não verificados os pressupostos da ilicitude, da culpa, dos danos e do nexo de causalidade entre os factos e os danos, nos termos e pelos fundamentos que externou ao longo da respetiva fundamentação, que se transcreveu supra.
2.15 A recorrente invoca no presente recurso que estão apurados todos os pressupostos da responsabilidade extracontratual, assistindo-lhe o direito à indemnização peticionada e que por tal razão bastava apurar os requisitos do decretamento do pedido cautelar, que igualmente defende estarem demonstrados.
2.16 Tal invocação é, todavia, genérica, não especificando em que medida teria a sentença recorrida incorrido em erro de julgamento quanto ao entendimento, que fez, de não verificação de cada um daqueles pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito da Administração. Não cabe, nem se impõe, a este Tribunal, rever em toda a linha a sentença recorrida, por não ser essa a função ou o âmbito do recurso. E sem essa alegação, com imputação concreta do erro de julgamento quanto aos referidos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que a sentença recorrida deu como indiciariamente não demostrados, não pode o Tribunal ad quem revogar a sentença recorrida em qualquer das suas dimensões, nem muito menos concluir pela procedibilidade da ação principal com vista ao decretamento da providência cautelar para pagamento de quantias a título de reparação provisória.
Com efeito, sempre faltaria concluir que ao invés do decidido na sentença recorrida, houve atuação ilícita, porque ilegal, imputável ao Ministério da Educação, de que resultou o impedimento da matrícula e frequência do identificado filho da requerente no pretendido estabelecimento de ensino no ano letivo 2016/2017. E a recorrente não explicita em que medida a sentença recorrida erro na aplicação e/ou interpretação do quadro jurídico convocado a tal respeito. Como faltaria concluir que diferentemente do entendido na sentença recorrida, ocorreram os invocados danos, com a dimensão e amplitude alegada, não explicitando novamente a recorrente em que dimensão errou a sentença recorrida quanto a tal aspeto. O mesmo sucedendo no que respeita ao nexo de causalidade entre os alegados factos e os invocados danos.
Não havendo, assim, motivo para modificação do juízo feito a tal respeito na sentença recorrida.
2.17 Ora, se a providência cautelar destinada ao pagamento de quantias a título de reparação provisória exige cumulativamente, nos termos do artigo 133º do CPTA, que se encontre indiciado que ao requerente assiste o direito a ser indemnizado pelo requerido (isto é, que seja provável a procedência da pretensão indemnizatória) e que seja demonstrado que o requerente se encontra em situação de grave carência económica e que seja de prever que o prolongamento dessa situação possa acarretar consequências graves e dificilmente reparáveis (cfr. nº 2 alíneas a), b) e c)), a improbabilidade da procedência da pretensão indemnizatória, com base no juízo (perfuntório) de não verificação de todos ou algum(s) dos seus pressupostos, conduz inevitavelmente ao indeferimento da providência cautelar. Tornando-se desnecessária, porque infrutífera, a apreciação dos demais requisitos da providência. Que foi o que a sentença recorrida fez e aqui deve ser mantido.
2.18 Não merecendo, por conseguinte, provimento o recurso, também nesta parte, deve ser mantida a decisão de indeferimento do pedido cautelar.
O que se decide.
*
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida.
~
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.
D.N.

*
Lisboa, 20 de Setembro de 2018


______________________________________________________
Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)




______________________________________________________
Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues Almada Araújo




______________________________________________________
Paulo Heliodoro Pereira Gouveia