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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:664/17.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:OBJECTO DO RECURSO JUDICIAL DE DECISÃO DE APLICAÇÃO DE COIMA.
Sumário:Os ofícios de notificação à arguida de diligências instrutórias realizadas no procedimento não são impugnáveis através do recurso judicial de medida de aplicação de coima.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão



I- Relatório


C.......... – Sucursal em Portugal interpõe o presente recurso jurisdicional contra o despacho decisório proferido a fls. 55/57, que rejeitou o recurso judicial interposto da notificação efectuada pelo Serviço de Finanças de Oeiras 2, “nos termos da alínea b) do n.º 4 do Artº 105º do RGIT”, pelo ofício de 24.02.2017, na sequência de instauração de processo de contra-ordenação por falta de pagamento de IVA (2012/02) no valor de € 39.716,77.
Nas alegações de fls. 84/87, a recorrente formula as conclusões seguintes:
I. «Assim, podemos concluir que o recurso judicial apresentado pela ora Recorrente ao abrigo do art.º 80º do RGIT não vem interposto de uma decisão de aplicação de coima, motivo pelo qual não é admissível.
II. Inconformada com a decisão, vem a recorrente recorrer, de forma a salvaguardar os seus direitos de acesso à Justiça.
III. No presente caso, discute-se a questão do meio mais adequado para reagir à notificação nos termos 1   05º nº4 alínea b) do RGIT.
IV. Sendo que caso em concreto, a recorrente recorreu nos termos do artº 80º do RGIT.
V. Entendo o douto tribunal que "Assim, podemos concluir que o recurso judicial apresentado pela ora Recorrente ao abrigo do art.º 80º do RGIT não vem interposto de uma decisão de aplicação de coima, motivo pelo qual não é admissível.
VI. Ora, na verdade, a dita comunicação feita, mencionava expressamente "efectuar pagamento (...) no prazo de 30 dias (…)."
VII. Sendo de senso comum, que tal notificação é para notificar do pagamento, logo resulta de uma decisão de coima.
VIII. A verdade é que se não fosse uma aplicação de coima, a comunicação bastava-se com a informação do valor me dívida, mas não!
IX. A comunicação é clara quanto à necessidade de pagamento.
X.  A condição de punibilidade prevista no artº 1  05º nº4 do RGIT, não é a notificação que deve ser feita para pagamento, mas sim a atitude que o contribuinte toma perante esse procedimento (de notificação) que agora se exige.
XI. Parece-nos ser excessivamente formalista colocar a tónica na notificação; o que releva é a regularização, no todo, da situação tributária em prazo expressamente concedido para o efeito''
XII. Assim sendo, mal andou o douto Tribunal ao entender que a notificação, visava a comprovação da aludida condição objectiva de punibilidade do crime de abuso de confiança fiscal.
XIII. Aliás, denota-se um comportamento a roçar o abuso de direito, se entendermos como tal.
XIV. Assim, mal anda o douto tribunal ao referir o seguinte "Mas, considerando teor integral do ofício não restam dúvidas de que a notificação em causa não foi de uma qualquer decisão de aplicação da coima, mas antes ordenada com vista à comprovação da aludida condição objectiva de punibilidade do crime de abuso de confiança fiscal.
XV. Mais, estamos perante uma situação de restrição de- acesso ao Direito e violação grave da Igualdade de Armas e do principio basilar do Direito Democrático, o Princípio do Contraditório.
XVI. A rejeição do recurso, com base nos fundamentos expendidos, constitui uma grave sanção, altamente lesiva dos direitos da-recorrente, por lhe coarctar o poder de acção e reação em processo judicial onde se discutem os seus direitos legítimos e legalmente atendíveis.
XVII. Pois que, qualquer outra decisão ou tão-somente manutenção da decisão que antecede pode representar uma violação do direito do contraditório e princípio de igualdade de armas, previsto processualmente e dignificado constitucionalmente, enquanto garantia das partes e corolário de confiança e segurança jurídica.

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Não há registo de contra-alegações.

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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 98/99), no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.

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II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
O despacho decisório recorrido considerou provados os factos seguintes:
«A) No Serviço de Finanças de Oeiras 2 foi instaurado, contra a ora Recorrente, o processo de contraordenação n.º .......... com fundamento na falta de pagamento de IVA (2012/02) no valor de € 39.716,77 – cfr. fls. 6 e 7;
B) Por ofício de 24.02.2017 foi a ora Recorrente notificada “nos termos da alínea b) do n.º 4 do Artº 105º do Regime Geral das Infrações Tributárias”, conforme fls. 14 cujo teor aqui se dá por reproduzido, para ,  nos  seguintes  termos: “efectuar o pagamento da(s) prestação(ões) em falta, acrescida(s) dos respectivos juros de mora e coima aplicável no prazo de 30 dias….”, mais referindo que “[o] valor da coima é quantificado nos termos dos artigos 105º, n.º 4, alínea b), 114º e 26º do RGIT” – cfr. doc. 1 junto com o recurso a fls. 40 dos autos.
C) Em 11.04.2017 deu entrada no Serviço de Finanças a petição de recurso ora em apreciação – cfr. fls. 17 dos autos.»
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Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:
«A decisão da matéria de facto assenta nos documentos mencionados em cada uma das respectivas alíneas, os quais não vêm impugnados nem existem indícios que possam por em causa a sua genuinidade.».

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2.2. De Direito
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida, ao ter rejeitado liminarmente o presente recurso judicial.
2.2.2. Para decidir no sentido da rejeição liminar do recurso judicial, o despacho impugnado estruturou a fundamentação seguinte.
«O art.º 105.º do RGIT, que prevê o crime de abuso de confiança fiscal no seu n.º 4, alínea b), e foi aditado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2007), estabeleceu uma condição de punibilidade, para além da que já constava do n.º 4 na anterior redacção e que consta hoje da sua alínea a). // Assim, o n.º 4 do art. 105.º do RGIT dispõe: // «4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis  se: 2) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação; // 3) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração, não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação  para o efeito». // Ou seja, o legislador veio adicionar uma segunda condição objectiva de punibilidade do crime de abuso de confiança fiscal, prescrevendo que a não entrega da prestação tributária só será punível se não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito. // No caso dos autos, foi essa notificação que foi efectuada, se bem que restrita ao pagamento do valor da coima aplicável.».

2.2.3. A recorrente coloca sob censura o veredicto que fez vencimento na instância.

Apreciação. A decisão impugnada decidiu com acerto, dado que a recorrente/arguida, através da instauração do presente recurso judicial, não questiona uma decisão administrativa de aplicação de coima.

O pedido incide sobre o ofício elevado à alínea b), do probatório, o qual remete para o disposto no artigo 105.º/4/b), do RGIT.

O artigo 105.º (“Abuso de confiança “) do RGIT, determina o seguinte:

«1. Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias. (…) // 4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se: a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação; // b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito».

Com base no normativo referido, foi endereçado à recorrente o ofício referido na alínea b), do probatório. Pelo que não está em causa decisão determinativa da verificação de infracção tributária imputada à recorrente e de aplicação da correspondente coima.

Nos termos do artigo 80.º/1, do RGIT, os recursos judiciais a interpor pelos arguidos junto dos tribunais tributários têm por objecto as decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias, o que no caso não se comprova que tenha ocorrido, nem constitui o objecto de censura da arguida/recorrente. Pelo que está vedada aos tribunais da ordem jurisdicional tributária a apreciação de impugnação incidente sobre acto praticado no procedimento que não corresponde a uma decisão de aplicação de coima e-ou de sanção acessória, como sucede no caso em exame. Por conseguinte, o presente recurso judicial deve ser rejeitado, por incidir sobre objecto ilegal. Como se decidiu na sentença recorrida. A qual não merece reparo.

O escrutínio jurisdicional da eventual decisão de aplicação de coima a proferir no procedimento contraordenacional ou o escrutínio jurisdicional da eventual da decisão de acusação pelo crime de abuso de confiança fiscal pode ser assegurado através do meio processual adequado para o efeito. No primeiro caso, através do processo de recurso judicial contra a decisão de aplicação de coima (artigo 80.º do RGIT), no segundo caso através do processo judicial penal a correr termos no tribunal comum. Pelo que não se comprova a invocada preterição das garantias de defesa da arguida.

Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, devendo ser confirmada na ordem jurídica.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.

O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Lurdes Toscano e Maria Cardoso.


(Jorge Cortês - Relator)