Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04357/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/11/2011
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE IRS.
ADIANTAMENTO POR CONTA DE LUCROS.
Sumário:I) -O contrato promessa de compra e venda não tem por objecto a transmissão de qualquer bem, mas apenas assegura a celebração do contrato prometido.

II) -Como resulta do nº 1 do art. 410 do Ccivil, pelo contrato promessa só se cria a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido, sendo o promitente comprador apenas titular de um direito de crédito e não de um direito real. O contrato promessa em causa produz meros efeitos obrigacionais.

III) -Só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prova que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no nº 4 do art. 7º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.

IV) -Concluindo-se que os lançamentos feitos em conta corrente de sócios não resultam de mútuos, de prestação de trabalhos ou do exercício de cargos sociais, têm os mesmos que ter-se, presumidamente, como feitos a título de lucros ou de adiantamento dos lucros (nº 4, in fine, do art. 7º do CIRS).]

V) - As presunções estabelecidas nesse preceito legal podem ser ilididas com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção - Geral das Contribuições e Impostos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. A..., veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do TAF de Sintra, pela qual foi julgada improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o acto de liquidação do IRS do ano de 1996.
São estas as conclusões das alegações do recurso e que definem respectivo objecto:
“a) Assim se demonstrando que os rendimentos por si obtidos configuram proveitos resultantes da cessão dos títulos supra identificados, os quais, se encontram isentos de tributação, de acordo com o preceituado n° art°. 6° n° 1 alínea m) do CIRS.
i) Tratando-se de rendimentos que a lei declara isentos, o impugnante agiu correctamente ao deixar de os mencionar na sua declaração de rendimentos, pois que, por forma do mencionado regime geral, os mesmos não tinham que ser objecto de qualquer menção na declaração de rendimentos modelo 1 do ano de 1996.
c) disposições violadas na sentença por erro de interpretação - CC, art. 376°, 1 e CIRS-art. 6°, 1;
d) requer-se que se julgue procedente o recurso e se revogando a sentença proferida substituindo-se por outra na qual se anule a liquidação dos autos - n° 2001.15320063195 - IRS - ano de 1996.”
Não houve contra-alegações.
A EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.

*
2. -A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos com relevância para a decisão e com base na prova testemunhal e documental produzida nos presentes autos, resulta apurada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:
“A) Mediante oficio sob a ref. 861/SRIP/90, datado de 08.08.1990, a Direcção Geral da Comunicação Social comunicou ao Impugnante a inscrição, no respectivo registo do periódico " B..."( n.° 114765) na titularidade do Impugnante. (Doc. fls. 4-5 dos autos)
B) Mediante ofício sob a ref.1170/SRIP/90, datado de 27.11.1990, a Direcção Geral da Comunicação Social comunicou ao Impugnante a inscrição, no respectivo registo dos periódicos "C..." " D...& D...""( n.°s 115024, 115025)) na titularidade do Impugnante. (Doc. fls. 46 dos autos).
C) Mediante ofício n°01992, datado de 15.02.1996, a Secretaria Geral do Ministério da Justiça comunicou ao Impugnante que a propriedade das publicações E...", "F..." e "G..." (... n.° 119667) se encontra registada na titularidade daquele. (Doc. fls. 43 e 44 dos autos)
D)Em 28.07.1996, entre o Impugnante e H...- SOCIEADADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A. foi celebrado o contrato promessa de cessão de títulos de publicações periódicas, de cujo clausulado se retira:
"1a
A primeira outorgante é titular dos seguintes títulos de publicações periódicas registados no Registo de Imprensa do Ministério da Justiça:
"B..." registado sob o número 114765
" D...& D..." registado sob o número 115025
"G..." registado sob o número 119 667.
2a
Pelo Presente Contrato Promessa a primeira outorgante promete ceder à segunda outorgante e esta aceita, a titularidade dos títulos atrás referidos pelo valor de Esc: 237.000.000$00 (...).
3a
A segunda outorgante procedeu nesta data, ao pagamento de Esc 4.000.00$00, a título de adiantamento e início de pagamento.
O valor restante relativo ao preço será liquidado nas seguintes datas:
. Em 30 de Setembro de 1996: Esc: 1.000.000$00
. Em 28 de Dezembro de 1996: Esc: 232.000.000$00." (Doc. n.°6 junto à p.i.)
E) O contrato promessa de cessão de títulos de publicações periódicas a que alude a al. D) do probatório encontra-se selado mediante estampilhas fiscais no montante de 670$00. (Doc. n.°6 junto à p.i.)
F) Consta do contrato promessa de cessão de títulos de publicações a seguinte menção: "Imposto de Selo Liquidado através de Guia. Valor 654$00". (Doc. n°6 junto à p.i.)
G) Em cumprimento das Ordens de Serviço n°s52245 e 52246 de 25.07.2000 a Administração Tributária levou a efeito uma acção de inspecção ao Impugnante, na consequência a acção inspectiva relacionada com "sinais exteriores de riqueza".
H) A Administração Fiscal no âmbito da acção de fiscalização identificada na ali. G) do probatório elaborou o Relatório Final do qual se extrai:
III-DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES ARIRMÉTICAS
Em consequência da acção inspectiva levada a efeito à empresa " H... - Soc. De Gestão Part Capitais, S.A." em Junho e Julho do ano 2000, aos exercícios de 1995, 1996 e 1997, verificaram-se movimentos a débito e a crédito da conta " 2551.2- Empréstimos a accionistas", em nome do seu maior accionista e administrador, Sr. A..., agora em apreciação.
Da análise efectuada à referida conta, suscitaram-nos as seguintes dúvidas:
1- A ausência de cheques dos fluxos financeiros de maior valor, nomeadamente em relação ao montante de Esc. 78.959.993$00, lançado a crédito da citada conta, no exercício de 1995, (anexo l), cujo suporte contabilística é um documento elaborado pela empresa (anexo2).
Por esse facto foi ouvido em termo de declarações o técnico de contas que inquirido sobre a razão porque não existiam cheques referentes aos fluxos financeiros, creditados na conta " 2551.2-Empréstimos de Accionistas, o mesmo afirmou, que não possuía fotocópia do cheque no valor de Esc. 78.909.993$00 (anexo 3). Valor transferido para 1996.
2- Em relação ao exercício de 1996, a referida conta, foi movimentada a débito, pelo montante de Esc: 237.087$00 (anexo 4), não existindo movimento a crédito, pelo que o saldo final de 1996 apurado foi de Esc: 232.223.517$00.
ANO DE 1996
Saldo de abertura em 1996 credor) 83 824 181$00
Valor não considerado suprimento -78 959 993$00
Saldo (credor) 4.864 188$00
Total do período no ano 1996 (saldo devedor) 237. 087.705$00
Saldo apurado (credor) -4.864 188$00
232 22351 7$00
Por não terem sido apresentados documentos de suporte dos fluxos financeiros, somos de opinião que o a valor atrás apurado, recebido pelo Sr. Jacques no ano de 1996, contabilizado a débito da conta " 2551.2" no montante de 232.223.517$00, será considerado adiantamento sobre lucros, tratando-se de rendimentos de capitais da Categoria E, de acordo com o determinado no art. 6° do CIRS.
O SP não entregou a declaração de rendimentos modelo l, referente ao exercício de 1996, onde apenas declarou rendimentos da categoria A, não tendo entregue o anexo E , e por conseguinte, omitindo esse rendimento."
I) Sob o relatório de Inspecção a que alude a al. H) do probatório, em 20.12.2000 o Director de Finanças da 1a Direcção de Finanças de Lisboa exarou o despacho seguinte: "Concordo com os pareceres, e com o relatório da acção de inspectiva em anexo. (...) Desta forma, nos termos e com os fundamentos referenciados, bem como do artº66°, n.°4 do Código do IRS, determino a alteração dos elementos declarados pelo sujeito passivo, em conformidade com o exposto."
J) Com base nas correcções efectuadas, em 05.04.2001 foi emitida a liquidação adicional de IRS n°5320063195, relativa ao ano de 1996, no montante de € 329.337,60, na qual se mostra aposto o dia 30.05.2001 como data limite de pagamento voluntário. (Doc. fls. 46 do p.a.t. em apenso).
L) Em, 25.07.2001 o Impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRS a que alude a al. J) do probatório. (Doc. fls. 3 a 10 do p.a.t. em apenso)
M) O Impugnante juntou à petição de reclamação graciosa a que alude a al. L) do probatório cópia do contrato promessa de cessão de títulos de publicações periódicas entre ela celebrado e H... - SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A. e, 28.07.1996, cuja redacção das cláusulas 1a e 2a é a constante na al. D) do probatório. (Doc. fls. 16 a 17 do p.a.t. em apenso).
N) Consta do contrato promessa de cessão de títulos de publicações a que alude a al. M) do probatório tem seguinte menção: "Imposto de Selo Liquidado através de Guia. Valor 604$00". (Doc. fls. 16 a 17 do p.a.t.).
O) Mediante despacho proferido em 07.07.2004 da autoria do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa foi a reclamação graciosa a que alude a al.L) do probatório indeferida. (Doc. fls. 84 a 91 do p.a.t. em apenso)
P) O Impugnante foi notificado do despacho a que alude a al. O) do probatório. (Doc. fls. 92 a 94 do p.a.t. em apenso).
Q) Em 09.08.2004, o Impugnante deduziu recurso hierárquico contra o despacho de indeferimento a que alude a al. O) do probatório. (Doc. fls. 96 a 101 do p.a.t. em apenso).
R) Em 13.12.2004, por despacho proferido pelo Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa foi decidido manter o acto recorrido. (Doc. fls. 115 a 120 do p.a.t. em apenso).
S) Mediante oficio n°057095, datado de 13.09.2005, foi o Impugnante notificado da decisão a que alude a al. R) do probatório. (Doc. fls. 129 a 130 do p.a.t. em apenso).
T) Em 25.01.2010, o Impugnante na qualidade de titular do registo de Marca Nacional 383 140 " MARIA D...& D...", concedido a 09.12.2005, cedeu e transferiu todos os seus direitos, propriedades e interesses relativos ao citado registo, a favor da H...- SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS S.A..( Doc. fls. 82 e 83 dos autos).
U) Em 25.01.2010, o Impugnante na qualidade de titular do registo de Marca Nacional 316 176 " G...", concedido a 05.07.2001, cedeu e transferiu todos os seus direitos, propriedades e interesses relativos ao citado registo, a favor da H...- SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS S.A..( Doc. fls. 85 e 86 dos autos).
V) Em 15.11.2005, deu entrada em juízo a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. Carimbo aposto a fls. 2 dos autos).
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Ao abrigo do atº 712º CPC adita-se ao probatório a seguinte matéria de facto que se reputa relevante para a decisão:
W) – O contrato - promessa junto com a petição de recurso hierárquico a fls. 106/107 do P.A.T. tem apostas estampilhas fiscais no valor de 670$00 e contendo ainda a menção “Imposto do Selo Liquidado através de Guia. Valor: 654$00”.
x)- Tendo os serviços verificado que da cópia do contrato-promessa junto com a reclamação a fls. 16/17 do P.A.T.constava que o imposto de selo fora pago por meio de guia, procederam aqueles à notificação em 15-02-2002 do reclamante para que apresentasse cópia do contrato definitivo de cedência dos títulos, bem como paras apresentar cópia da guia comprovativa do pagamento do imposto de selo.
z) – A reclamação foi indeferida fundamentalmente por falta de prova dos factos alegados pelo contribuinte porque até à sua decisão em Julho de 2008 o contribuinte continuava sem apresentar os elementos requeridos pelos serviços da AF – vd. fls. 86 e ss do P.A.T. .
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MOTIVAÇÃO DE FACTO
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas do probatório.
O depoimento prestado pela Testemunha Rui Antão não foi capaz de alterar ou modificar a matéria dada como assente, na medida em que para além de vago se mostrou conclusivo.
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FACTOS NÃO PROVADOS
A matéria vertida no 13° da p.i. e as demais asserções da douta petição inicial constituem antes conclusões de facto ou de direito ou são inócuas para a boa decisão da causa.
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3. -A questão a decidir, como bem a identificou a sentença, consiste em saber se estão ou não preenchidos os requisitos legais previstos no artº6º do CIRS para que se possa considerar que existiram movimentos a débito da conta 25512- Empréstimos a accionistas, em nome do impugnante e, porque não foram, no decurso da inspecção, apresentados documentos de suporte dos fluxos financeiro à Administração Fiscal, devem tais contabilizações a débito ser qualificadas como adiantamento sobre lucros, tratando-se de rendimentos de capitais de acordo com o citado normativo do CIRS.
Como se apura nos autos, a liquidação impugnada foi efectuada na sequência de uma acção inspectiva realizada à empresa H... - SOCIEDADE DE GESTÃO DE PARTICIPAÇÕES FINANCEIRAS, S.A. no âmbito da qual constatou a AF que existiam movimentos a débito da conta 25512- Empréstimos a accionistas, em nome do seu maior accionista e administrador, nomeadamente o Impugnante. Uma vez que não foram, no decurso da inspecção, apresentados documentos de suporte dos fluxos financeiros, a Administração Fiscal entendeu que as contabilizações a débito eram qualificados como adiantamento sobre lucros, tratando-se de rendimentos de capitais de acordo com o art. 6° do CIRS, desta forma considerou que o Impugnante omitiu rendimentos de capitais na declaração de IRS do ano de 1996.
Adversamente, sustenta o Impugnante que os rendimentos auferidos não eram adiantamento sobre lucros, mas rendimentos provenientes da cedência dos títulos à H... das publicações periódicas "B...", " D...& D..." e "G..." e como tal não se encontram sujeitos a tributação por configurarem proveitos resultantes da cessão de títulos nos termos da al. m) do n°1 do art. 6° do CIRS.
Na sentença recorrida veio a acolher-se a tese da AF com o fundamento capital de que o Impugnante não logrou provar que o valor de 237.000.000$00 recebido em 1996 consubstancia a contrapartida da alegada cedência dos títulos em apreço.
Nesse sentido aduziu que o Impugnante, em abono da sua pretensão de não sujeição a tributação em IRS, juntou em sede de procedimento administrativo tributário (petição de reclamação graciosa) cópia do contrato de promessa e cessão de títulos de publicações periódicas celebrado entre si e a H...- SOCIEADADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A. no dia 28.07.1996.
Adita ainda que, compulsada a al. M) do probatório, extrai-se que o Imposto de Selo foi liquidado através de Guia pelo que, se à data da celebração do contrato (28.07.1996) de harmonia com o art. 92° da Tabela Geral de Imposto de Selo o mesmo deveria ser pago obrigatoriamente, por estampilhas fiscais, é de estranhar, legitimamente, a razão pela qual a Impugnante em 28.07.1996, já saber que no ano de 1999 o Imposto de selo seria pago por meio de Guia visto que as estampilhas fiscais apenas foram abolidas a partir de 01.09.1999, pela Lei n°150/99, de 11.09, não colhendo a argumentação produzida pelo Impugnante, quando alega que se tratara de mero lapso.
Por fim, ainda refere a Mª Juíza que, dos documentos levados às alíneas T) e U) do probatório, se retira que somente em 25.01.2010 (um dia antes da realização da produção de prova de testemunhal nestes autos) o Impugnante transferiu os títulos para a H...E.
A EPGA pronuncia-se no sentido de que o recurso deve improceder por o recorrente não lograr pôr em causa a fundamentação de facto ou de direito da sentença, tendo sobretudo em conta as contradições factuais que chegaram aos autos, mormente, a que se refere às datas das celebrações dos contratos promessa (1996) e o pagamento do imposto de selo com guia (só utilizado a partir de 1999).
E, na verdade, como se levou ao probatório ampliado, tendo os serviços verificado que da cópia do contrato-promessa junto com a reclamação graciosa constava que o imposto de selo fora pago por meio de guia, procederam aqueles à notificação em 15-02-2002 do reclamante para que apresentasse cópia do contrato definitivo de cedência dos títulos, bem como paras apresentar cópia da guia comprovativa do pagamento do imposto de selo, vindo a reclamação a ser indeferida fundamentalmente por falta de prova dos factos alegados pelo contribuinte porque até à sua decisão em Julho de 2008 o contribuinte continuava sem apresentar os elementos requeridos pelos serviços da AF.
Sucede que o contrato - promessa junto com a petição de recurso hierárquico a fls. 106/107 do P.A.T. tem apostas estampilhas fiscais no valor de 670$00 e contendo ainda a menção “Imposto do Selo Liquidado através de Guia. Valor: 654$00” o que tudo legitima o bem fundado da decisão recorrida.
Diga-se, antes de tudo, que o contrato promessa mais não é do que a promessa de celebração de um contrato futuro, não tendo a virtualidade de transmitir qualquer direito (cfr. neste sentido Acórdão do STJ, de 0/03/2008, no recurso n° 8a272 in www.dqsi/istj.pt).
De facto, o Código Civil Português define no art. 410°, n°1, contrato-promessa nos seguintes termos:
"1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.
2.Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral.
3. (...)"
O Prof. Galvão Telles, no seu livro "Direito das Obrigações, 6ª edição, pág. 83 e 84, define o contrato-promessa como:
"Contrato-promessa - é um acordo preliminar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido. Mas em si é uma convenção completa, que se distingue do contrato subsequente. Reveste, em princípio, a natureza de puro contrato obrigacional, ainda que diversa seja a índole do contrato definitivo. Gera uma obrigação de prestação de facto, que tem apenas de particular consistir na emissão de uma declaração nG...cial. Trata-se de um "pactum de contrahendo" É bilateral se ambas as partes se obrigam a celebrar o contrato definitivo; unilateral se apenas uma das partes se vincula".
Por seu turno o Prof. Antunes Varela, no manual "Das Obrigações em Geral, 6ª Edição, 1° vol., pág. 301, define o contrato promessa como "a convenção pela qual, ambas as partes ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo, ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato".
Uma vez que o contrato prometido nunca foi exibido e dadas as discrepâncias detectadas nos contratos – promessa (um selado e outro não), tem-se como certo que as verbas em causa não poderiam respeitar, naquele longínquo ano de 1996, à cessão dos títulos em apreço, nenhuma censura merecendo o enquadramento jurídico fiscal operado pelo Fisco e impugnado pelo contribuinte.
Na verdade, evidenciam os autos que se verificaram movimentos a débito e a credito da conta " 2551.2- Empréstimos a accionistas", em nome do seu maior accionista e administrador, Sr. A..., constatando os serviços da AF a partir da análise efectuada à referida conta, a ausência de cheques dos fluxos financeiros de maior valor, nomeadamente em relação ao montante de Esc. 78.959.993$00, lançado a crédito da citada conta, no exercício de 1995, (anexo l), cujo suporte contabilística é um documento elaborado pela empresa (anexo2).
Instado a prestar esclarecimentos sobre tais situações, mormente a razão porque não existiam cheques referentes aos fluxos financeiros, creditados na conta " 2551.2-Empréstimos de Accionistas, o técnico de contas afirmou que não possuía fotocópia do cheque no valor de Esc. 78.909.993$00 (anexo 3), valor transferido para 1996.
Ora, no que tange ao exercício de 1996, a referida conta, foi movimentada a débito, pelo montante de Esc: 237.087$00 (anexo 4), não existindo movimento a crédito, pelo que o saldo final de 1996 apurado foi de Esc: 232.223.517$00, calculado do seguinte modo:
ANO DE 1996
Saldo de abertura em 1996 credor) 83 824 181$00
Valor não considerado suprimento -78 959 993$00
Saldo (credor) 4.864 188$00
Total do período no ano 1996 (saldo devedor) 237. 087.705$00
Saldo apurado (credor) -4.864 188$00
232 22351 7$00
E porque não foram apresentados documentos de suporte dos fluxos financeiros, concluíram os serviços da AF, e bem, que o a valor atrás apurado, recebido pelo impugnante no ano de 1996, contabilizado a débito da conta " 2551.2" no montante de 232.223.517$00, teria de ser considerado adiantamento sobre lucros, tratando-se de rendimentos de capitais da CatG...ria E, de acordo com o determinado no art. 6° do CIRS.
Nos termos deste normativo, na redacção aplicável, “Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras catG...rias.
E consoante o disposto no artº 7º do mesmo compêndio legal, sob a epígrafe “Presunções relativas a rendimentos da catG...ria E”, “Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros” (nº4), sendo que “As presunções estabelecidas no presente artigo podem ser ilididas com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos.”(nº 5).
Não obstante tal regime, veio a sentença a considerar que face ao cenário descrito, é de concluir que o Impugnante não logrou provar que o valor de 237.000.000$00 recebido em 1996 consubstancia a contrapartida da alegada cedência dos títulos em apreço.
A nosso ver, porém, poderia a Administração Fiscal proceder à liquidação impugnada por aplicação da presunção prevista no n° 4 do art. 7° do CIRS.
O impugnante alega, no fundamental, que o montante em causa, que lhe foi imputável a título de adiantamentos por conta de lucros, nos termos dos art°s.7, n°.4, e 6, n°.1, al. h), do C.I.R.S., não consubstancia qualquer acréscimo patrimonial susceptível de tributação em sede de I.R.S., assim não estando sujeito a tributação e devendo ser anulado o acto tributário nesta parte, devido a violação de lei.
A AF entende que a materialidade fáctica assume a natureza de adiantamento por conta de lucros, subsumível na previsão do art°.7, n°.4, do C.I.R.S. (redacção que é a aplicável ao caso dos autos - cfr.art°.12, n°.1, do C.Civil - cfr.actual art°.6, n°.4, do C.I.R.S.).
De acordo com o ensinamento de José Guilherme Xavier de Basto, in Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, 2007, págs.221 e seg.), nos termos do art°.7, n°.4, do C.I.R.S., se presume que as quantias escrituradas em quaisquer contas correntes dos sócios de sociedades comerciais, que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, correspondem a lucros ou adiantamento por conta de lucros. Com esta presunção, procede-se a uma qualificação supletiva de quantias cuja origem não esteja expressa nas contas correntes em causa. A lei não se refere expressamente às quantias escrituradas nas contas de sócios a título de suprimentos. O que a lei, com a presunção em análise, quis resolver foi a qualificação das quantias escrituradas cuja "causa" jurídica não foi expressamente declarada.
E o certo é que o impugnante não produziu prova documental no sentido de pôr em causa a liquidação objecto dos presentes autos, pelo que é de aplicar a referida presunção constante do artº 7°, n° 4 do CIRS.
E o certo é que o impugnante não contestou os referidos movimentos, vindo, no entanto, advogar que não houve qualquer adiantamento por conta de lucros, que aquele valor não consubstancia qualquer acréscimo patrimonial susceptível de tributação em sede de I.R.S..
No entanto, as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, como dispõe a norma do art. 349.º do C.C.
Conforme a indução ou inferência é feita pela própria lei, que do facto conhecido presume a existência do facto desconhecido, sem dependência de apreciação do juiz, ou é feita por este através das regras da vida (id quod plerumque accidit),a presunção diz-se legal, ou natural simples ou judicial) - cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil, 1960-1961, págs. 485 e 486.
A presunção, de que os referidos montantes recebidos pelo impugnante, como administrador, deveriam ser considerados “adiantamento de lucros”, é uma presunção legal (estabelecida expressa e directamente na lei), e não uma presunção simples, apenas natural ou judicial, que tenha por base os dados da experiência comum - e que, como se sabe, é admitida só nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal de acordo com o disposto no art. 351.º do C. C.
Por isso, vale a regra constante do n.º2 do art.º350.º do C.C., própria para as presunções legais - as quais, para serem destruídas (nos casos em que a lei o permite) têm de ser ilididas mediante prova em contrário.
No caso de presunção natural, não é necessário fazer a prova do contrário do facto presumido, bastando abalar a convicção resultante da presunção, e não, necessariamente, fazer prova do contrário do facto a que ela conduz - cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos desta Secção do TCA de 16.12.1997 e de 3.2.1998, recursos n.os 65 229 e 39/97, respectivamente.
Perante este quadro e face ao que se provou, impõe-se a inelutável conclusão de que o recorrente não logrou ilidir a presunção ou, pelo menos, abalar a convicção decorrente da presunção, como lhe estava legalmente imposto.
Perante os elementos literal, lógico e sistemático dos normativos que regem a tributação dos rendimentos da catG...ria E, mais especificamente os casos em que podem ser presumidos os rendimentos dessa catG...ria, as únicas situações em que são consentidas presunções quanto a tais rendimentos são as tipificadas no art° 7°, concretamente e ao que ao caso importa, os nºs 4 e 5. Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucro.
As presunções estabelecidas no presente artigo podem ser ilididas com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção - Geral das Contribuições e Impostos.
Analisando o probatório, resultam provados, como início de prova ou facto conhecido fundante do facto presumido, os movimentos a débito e a crédito da conta " 2551.2- Empréstimos a accionistas", em nome do seu maior accionista e administrador, Sr. Jacques da Conceição, o impugnante e ora recorrente, pelo que é lícito concluir, como fez a Administração Fiscal, que as verbas em causa foram embolsadas a título de lucros ou de adiantamento de lucros.
Atenta a clareza do texto legal, a presunção de adiantamentos de lucros poderia actuar porque existiu lançamento em conta-corrente do impugnante e escriturada na sociedade. [Em reforço argumentativo do entendimento afirmado, vejam-se os Acs. do TCA tirados no recurso 1703/99 em 06/03/2001, de que dimana a seguinte doutrina:-
1. Um saldo existente na conta corrente do administrador de uma sociedade em 31.12, em igual data regularizado por crédito da conta da sociedade de "despesas confidenciais", não pode sem mais, considerar-se como de atribuição de rendimentos por adiantamento de lucros a esse administrador, com o fundamento apenas, em não se aceitar tal regularização por tais despesas terem passado pela conta corrente do mesmo e que é conhecido;
2. Quando tal conta corrente era utilizada pela sociedade para pagamento e recebimento diversos nos vários locais onde possuía obras em curso, no Pais e no estrangeiro, e a conclusão da AF apenas repousa sobre tal saldo final, antes de regularizado, constatado aquando do levantamento do auto de notícia por um perito da fiscalização, sem que tenha analisado qualquer das referidas verbas dessa conta, designadamente quanto ao bem fundado de quaisquer dos seus lançamentos;
3. Tendo o recorrido trazido aos autos prova documental, entre outra, relativa a tal lançamento, aprovado em assembleia, e prova testemunhal relativa ao modo de funcionamento dessa conta corrente na sociedade, é de fazer funcionar a fundada dúvida, quer quanto à existência quer quanto à quantificação do facto tributário, que sobre tal qualificação repousava -art.º 121.º do CPT - anulando a liquidação adicional.
No recurso nº 64705, acórdão de 20/06/2000:
Concluindo-se que os lançamentos feitos em conta corrente de sócios não resultam de mútuos, de prestação de trabalhos ou do exercício de cargos sociais, têm os mesmos que ter-se, presumidamente, como feitos a título de lucros ou de adiantamento dos lucros (nº 4, in fine, do art. 7º do CIRS).]
Assim, só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prova que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no nº 4 do art. 7º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.
Improcedem, portanto, todas as conclusões do recurso, sendo de confirmar a sentença mas com a presente fundamentação.
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4. - Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida pela fundamentação supra expendida.
Custas pelo recorrente.
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Lisboa, 11/01/2011
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Joaquim Condesso)