Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1446/10.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/14/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. PROVA TESTEMUNHAL.
EXAME CRÍTICO DA PROVA. ARTº.607, Nº.4, DO C.P.CIVIL.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO DA DECISÃO JUDICIAL. REQUISITOS LEGAIS.
MEIO DE PROVA CONFISSÃO. NOÇÃO.
CONFISSÃO JUDICIAL REVESTE FORÇA PROBATÓRIA PLENA.
DESTRINÇA ENTRE MATÉRIA DE FACTO E MATÉRIA DE DIREITO.
NORMAS RELATIVAS À RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CARÁCTER SUBSTANTIVO.
CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ÓNUS DA PROVA DO EFECTIVO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO COMPETE À A. FISCAL.
MÉTODO DE AFERIÇÃO DA CULPA DO RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, AL.B), DA L.G.T.
Sumário:1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
5. Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
6. A questão do exame crítico da prova, pode fundamentar a nulidade da decisão judicial (não especificação dos fundamentos de facto da decisão), a qual abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artº.123, nº.2, do C.P.P.T., igualmente podendo nela enquadrar-se a falta de exame crítico da prova, requisito previsto no citado artº.607, nº.4, do C.P.Civil.
7. A fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, sendo caso disso, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Já quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos face aos quais essa apreciação seja necessária.
8. Diz-se confissão o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. A confissão consiste, assim, numa declaração de ciência, traduzida no reconhecimento da realidade de um facto (cfr.artº.352, do C.Civil). A confissão judicial reveste força probatória plena, nos termos do artº.358, nº.1, do C.Civil.
9. São factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos. São ainda de equiparar aos factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que sejam de uso corrente (v.g.”pagar”; “vender”; “arrendar”). Existe matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substantivo, seja de direito processual.
10. As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária).
11. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.
12. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
13. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.
14. Ao abrigo do regime examinado é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.
15. A culpa em causa no artº.24, nº.1, da L.G.T., deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familiae”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
M……., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.115 a 131 do presente processo que julgou totalmente improcedente a oposição intentada pelo recorrente, visando a execução fiscal nº…..-2002/….. e apensos, a qual corre seus termos no 4º. Serviço de Finanças de Lisboa, contra o opoente/recorrente revertida e instaurada para a cobrança de dívidas de I.V.A., relativas aos anos de 2000 e 2001, e de I.R.C., referentes aos anos de 2000 a 2002, tudo no montante global de € 8.250,57.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.136 a 140 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A matéria provada na alínea A), consubstancia uma questão de direito, um juízo de natureza conclusiva, portanto, é insuficiente para responder às previsões do art. 24º da LGT, pois, não existe matéria de facto provada para fundamentar a decisão;
2-No que concerne aos factos provados na alínea D), falta a alegação de factos materiais e sua prova, para fundamentar a decisão, pois que;
3-Os fundamentos da reversão formulados pela A.T., acolhidos nesta alínea D) dos factos provados, traduzem-se em conclusões e questões de direito;
4-Contrariamente ao vertido no despacho de reversão, a gerência de facto não se presume, tem de ser fundamentada no exercício efectivo da gerência;
5-No tocante á inexistência de bens da devedora originária, diz-se na referida matéria provada que, “constatada a inexistência de bens da originária devedora …, ordeno a reversão…”. É bastante evidente a ausência de meio de prova para fundamentar a decisão do Tribunal a quo, conforme o preceituado no art. 607º, nº 4 do CPC;
6-A norma do art. 24/1/b da LGT, foi indevidamente aplicada pela A.T. e posteriormente pelo Tribunal a quo, visto que, a sua finalidade é responsabilizar os gestores pelas dividas tributárias, em determinadas condições, que não se verificaram no caso dos autos;
7-Primeiro, porque não se provou que a oponente tivesse exercido, de facto, a efectiva gerência, assim se concluiu no despacho de reversão, matéria que o tribunal a quo deu como provada;
8-Segundo, porque, se fosse provado que a oponente exerceu, de direito e de facto a gerência, durante o período em que foram constituídas as dividas tributárias, então, teria aplicabilidade ao caso, a norma do art. 24º, nº 1, a) da LGT;
9-Verificando-se que, o oponente era gerente quando as dividas tributárias foram constituídas, era quanto bastava para ver que o facto abrange a previsão do art. 24º, nº 1, a) da LGT, incumbindo á A.T. a prova da culpa da insuficiência do património da devedora originária;
10-Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao recurso, devendo ser revogada a douta sentença impugnada por violação das normas citadas e insuficiência da matéria provada para fundamentar a decisão; consequentemente, deverá aquela douta decisão ser substituída por outra, que, julgue o recurso procedente e ordene a extinção da execução no que concerne á recorrente.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.151 a 153 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.117 a 121 do processo físico):
A-A oponente foi gerente de direito e de facto da sociedade “Z…… - Comércio Internacional, LDA”, desde a sua constituição até ao ano de 2002, pelo menos (cfr. documento junto a fls. 7 e 8 do PEF apenso; confissão constante dos artºs.2, 3, 25 e 26 do articulado inicial);
B-Em 22.11.2002 foi instaurado pelo 4º. Serviço de Finanças de Lisboa, contra a sociedade “Z…….. - Comércio Internacional, LDA”, o processo de execução fiscal nº …..-2002/….., por dívida de IVA–LO do ano de 2000, no montante a pagar de 1.496,40 €, ao qual foram posteriormente apensados os processos de execução fiscal nºs 33012004….., 33012005……, 33012006…… e 33012006….., por dívidas de IVA-LO de 2001, e IRC dos exercícios de 2000, 2001 e 2002, nos montantes de 1.496,40 €, 1.558,78 €, 1.922,87 € e 1.776,12 €, tudo respetivamente (cfr.documentos juntos a fls.1, 2 e 30 a 35 do PEF apenso);
C-Notificada para exercer o seu direito de audição prévia à reversão, a oponente apresentou em 17.02.2009 requerimento de pronúncia com o seguinte teor (cfr.documento junto a fls.21 do PEF apenso):
“(…)
M………, melhor identificada nos autos á margem referidos, tendo sido notificada na qualidade de responsável subsidiária para exercer o direito de audição prévia naquele processo, vem quantos aos factos dizer o seguinte.
A sociedade de que a declarante foi gerente, no ano de 1999, efectuou varias exportação para a Guiné-Bissau, no montante global de (cerca de) € 50.000,00.
Porém, no dito ano 1999, aconteceu o golpe de Estado, na sequência do qual foi deposto o presidente N…… e as condições de estabilidade deixaram de existir na Guiné-Bissau.
Por falta de condições de estabilidade, a declarante não voltou mais á Guiné e o importador, uma sociedade G….., apesar da tentativa de contactos, nunca pagou os débitos relativos ás nossas exportações.
Por esta razão a sociedade ficou descapitalizada, situação da qual não conseguiu sair, e originou que, deixou de honrar os compromissos que tinha com fornecedores locais.
Devido ao atraso de pagamento das rendas das suas instalações em Lisboa, no ano de 2000/2001, ficou sem essas instalações e todos os bens móveis que lá encontravam, incluindo documentação de anos anteriores.
A partir desse momento foi forçada a cessar a actividade de facto e nunca mais fez qualquer operação comercial.
Pelas razões expostas, a declarante não o contribuiu nem teve culpa que a sociedade perdesse o seu património.
A declarante.
(…)”;
D-Em 27.02.2009 foi proferido pelo Chefe do 4º. Serviço de Finanças de Lisboa, despacho de reversão contra a oponente, com o seguinte teor (cfr.documento junto a fls.22 e 23 do PEF apenso):
“(…)
“Depois de notificados nos termos legais, a potencial responsável subsidiária, M……, NIF ……, reagiu à notificação de audição prévia, conforme documento que antecede.
Segundo a certidão de matrícula da sociedade em crise (Z…… - COMERCIO INTERNACIONAL, LDA) a contribuinte foi gerente desde 1997/03/20, tendo a referida sociedade cessado a sua actividade em IVA a 2001/12/31 e em IR a 2006/12/31, logo os factos apresentados no documento que antecede não alteraram a sua responsabilidade subsidiária, a saber:
1. Estão sujeitos à responsabilidade subsidiária os gerentes, conforme o disposto no n.º 1 do art. 24.º da LGT;
2. São susceptíveis de constituir em responsabilidade subsidiária as dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, conforme o disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, competindo ao contribuinte revertido a prova de que o não pagamento não lhe é imputável;
3. A prova referida no n.º anterior não foi demonstrada;
4. Verificada a gerência de direito, presume-se a gerência de facto, não sendo nesta fase processual o momento apropriado para a apreciação se a gerência nominal ou de direito corresponde efectivamente a uma gerência efectiva de facto.
5. O pagamento voluntário das dívidas terminou no período da sua gerência, ou seja:

Quadro

Face ao exposto, nada mais resta do que decidir que, constatada a inexistência de bens da originária devedora, tendo como fundamento legal o disposto no artigo 153°, n.º 2, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário ORDENO A REVERSÃO DA EXECUÇÃO contra a subsidiária responsável M…….., anteriormente identificado artigo 24.º n.º 1 al. b) da Lei Geral Tributária.
Atenta a fundamentação supra, proceda-se à citação do(s) executado(s) por reversão, nos termos do Art. 160.° do C.P.P.T.(Código de Procedimento e de Processo Tributário), tendo em atenção o disposto no artigo 191.° n.º 3 do mesmo código, para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (nº. 5, do art. 23.° da L.G.T.).
(…)”;
E-A oponente foi citada pessoalmente da reversão referida na alínea antecedente, em 27.10.2009 (cfr.documentos juntos a fls.37 e 38 do PEF apenso);
F-Em 29.01.2010 foi, pelo Chefe do 4º. Serviço de Finanças de Lisboa, proferido despacho de prescrição das dívidas de IVA e IRC do exercício de 2000, referidas em B), no montante de dívida exequenda de 3.055,18€ (cfr.documentos juntos a fls.41 e 42 do PEF apenso);
G-A liquidação oficiosa de IVA do ano de 2001, com o nº 031….., e as liquidações oficiosas de IRC dos exercícios de 2001 e 2002, com os nºs 200…. e 200…., foram notificadas antes do final do ano de 2005, duas vezes cada uma para a morada da sede da devedora originária, por carta registada com aviso de receção, tendo as mesmas sido sempre devolvidas ao remetente (cfr.documentos juntos a fls.67 a 78 dos presentes autos);
H-L….., assumiu a função de TOC da devedora originária a pedido da oponente, em finais de 1998, inícios de 1999 (prova testemunhal);
I-A TOC da devedora originária, identificada na alínea antecedente, não apresentou as declarações de IVA e de IRC dos exercícios de 2000, 2001 e 2002 porque os responsáveis da empresa não lhe entregaram qualquer documento para o efeito (prova testemunhal);
J-A presente oposição foi apresentada em 23.11.2009 (cfr.data de entrada aposta a fls.4 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…1 - Não foi provado que a sociedade devedora originária tenha efetuado em 1999 uma venda de bens para a G….-B…., no valor de 50,000,00€, que não foi paga, e que a descapitalizou;
2 - Não foi provado que a sociedade devedora originária não tenha tido qualquer atividade nos anos de 2000, 2001 e 2002.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto fundou-se na prova documental junta aos autos e no processo executivo apenso.
Em concreto os factos dados como não provados resultam da circunstância de que o depoimento da testemunha inquirida nos autos, não obstante declarar ter sido TOC de devedora originária desde finais de 1998 ou inícios de 1999, ou seja, apenas dois anos após a constituição da sociedade, demonstrar desconhecer por completo os sócios e gerentes da mesma, para além da Oponente, mencionando um outro nome que não consta sequer do registo comercial e baseando a sua afirmação de que a sociedade não teve mais atividade desde 1999 com base no que lhe foi dito pela Oponente.
No entanto, esta afirmação da falta de atividade não tem respaldo na circunstância da própria Oponente ter declarado que a empresa teve escritório a funcionar até 2000/2001 e apenas a partir daí ter deixado de ter atividade (cfr. audição prévia à reversão).
Também o facto da testemunha ter mencionado que atribui a falta de entrega pela Oponente dos documentos necessários para a apresentação das declarações fiscais a vergonha desta não tem qualquer sentido em face do que parece ser uma relação de alguma proximidade entre a Oponente e a testemunha.
Finalmente, a alegação de que foi feita em 1999 uma venda para a G…..-B…., que originou a descapitalização da empresa carece em absoluto da existência de um qualquer elemento concreto e palpável que o confirme, não tendo o depoimento da testemunha L……. sido minimamente suficiente para o Tribunal poder atribuir a essa alegação uma coincidência com a realidade factual que a pudesse fazer relevar, já que, também nesta questão, o referido depoimento se mostrou de teor genérico, pouco concretizado, abstrato e, por isso, manifestamente falível em termo de credibilidade…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou improcedente a oposição à execução, devido ao decaimento dos seus fundamentos, mais mantendo o processo de execução fiscal quanto ao opoente e enquanto revertido, com excepção das dívidas exequendas já declaradas prescritas (cfr.al.F do probatório), face às quais se julgou extinta a instância devido a inutilidade superveniente da lide.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante aduz, em primeiro lugar, que as alíneas A) e D) do probatório, somente contêm matéria de direito ou juízos de natureza conclusiva, sendo insuficientes para fundamentar a decisão de reversão ao abrigo do artº.24, da L.G.T. Que no tocante ao vector “inexistência de bens da devedora originária”, se diz na referida al.D) que “constatada a inexistência de bens da originária devedora … ordeno a reversão…”. Que é bastante evidente a ausência de meio de prova para fundamentar a decisão do Tribunal “a quo”, conforme o preceituado no artº.607, nº.4, do C.P.C. (cfr.conclusões 1 a 3 e 5 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, segundo percebemos, consubstanciar um erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).
Por outro lado, no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, refira-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
“In casu”, abordemos, antes de mais, a menção do apelante ao artº.607, nº.4, do C.P.Civil, e à fundamentação de facto da decisão judicial recorrida.
A questão do exame crítico da prova, pode fundamentar a nulidade da decisão judicial (não especificação dos fundamentos de facto da decisão), a qual abrange não só a falta de especificação dos factos provados e não provados, conforme exige o artº.123, nº.2, do C.P.P.T., igualmente podendo nela enquadrar-se a falta de exame crítico da prova, requisito previsto no citado artº.607, nº.4, do C.P.Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.358; ac.S.T.A-2ª.Secção, 12/2/2003, rec.1850/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).
Na realidade, a fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, sendo caso disso, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa. Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios. Já quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos face aos quais essa apreciação seja necessária (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.321 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/4/2009, rec.1115/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/02/2018, proc.118/09.4 BECTB).
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida constante de fls.115 a 131 do processo físico e das referências supra exaradas à fundamentação da decisão de facto constante da mesma, deve julgar-se improcedente a alegação do recorrente, quanto ao dito exame crítico da prova, atenta a circunstanciada fundamentação da decisão de facto produzida pelo Tribunal “a quo”, tanto quanto à matéria de facto provada, como à não provada, e face ao meio de prova por documentos, como face à prova testemunhal.
Abordemos, agora, o meio de prova confissão utilizado pelo Tribunal “a quo” no que se refere ao reconhecimento do exercício da gerência de facto por parte da opoente e ora recorrente face à sociedade executada originária “Z….. - Comércio Internacional, LDA.” (cfr.al.A) do probatório).
Diz-se confissão o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. A confissão consiste, assim, numa declaração de ciência, traduzida no reconhecimento da realidade de um facto (cfr.artº.352, do C.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/03/2018, proc.282/11.2BEALM; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/06/2018, proc.448/16.9BELLE; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.534 e seg.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 1982, pág.311).
A dita confissão produzida pela opoente e ora recorrente e realizada no articulado inicial do presente processo, reveste força probatória plena, nos termos do artº.358, nº.1, do C.Civil, devendo ser confirmado por este Tribunal de recurso a correcta utilização de tal meio de prova.
Por último, analisemos a arguida utilização de matéria de direito ou juízos de natureza conclusiva nas als.A) e D) da factualidade provada.
São factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos. São ainda de equiparar aos factos os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido e que sejam de uso corrente (v.g.”pagar”; “vender”; “arrendar”). Existe matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factualidade cuja existência, ou não existência, não depende da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. Por sua vez, existe matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate unicamente de fixar a interpretação duma simples palavra constante de uma norma legal concreta, seja de direito substantivo, seja de direito processual (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/6/2013, proc.6465/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7746/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, III, Coimbra Editora, 1985, pág.206 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.406 e seg.; Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Almedina, 1982, pág.268 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.264 e seg.).
Já quanto à destrinça entre matéria de facto e juízos conclusivos de facto “vide” José Lebre de Freitas e Outros, C.P.Civil anotado, Volume II, Coimbra Editora, 2008, pág.605 e seg., e Antunes Varela, R.L.J., ano 122, nº.3778, em anotação a acórdão do S.T.J. de 8/11/1984, ponto 8 da anotação, pág.219 a 222.
Revertendo ao caso dos autos, a utilização das expressões “gerente de direito e de facto” e “constatada a inexistência de bens da originária devedora” nas citadas als.A) e D) do probatório supra exarado, devem equiparar-se a factos, dado que nos encontramos perante juízos que, embora subsumíveis a um conceito jurídico, são geralmente conhecidos e de uso corrente, assim nada havendo a alterar quanto ao probatório estruturado em 1ª. Instância.
Ainda quanto à dita expressão, “gerente de direito e de facto”, recorde-se que não se discute neste processo a gerência de facto do opoente/recorrente, atenta a citada confissão supra analisada.
Já quanto à expressão, “constatada a inexistência de bens da originária devedora”, faz a mesma parte do conteúdo do despacho de reversão da execução, também por esse motivo fazendo parte do probatório e devendo considerar-se matéria de facto.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente esteio do recurso.
O recorrente defende, em segundo lugar e em síntese, que contrariamente ao vertido no despacho de reversão, a gerência de facto não se presume, tem de ser fundamentada no exercício efectivo da gerência. Que a norma constante do artº.24, nº.1, al.b, da L.G.T., foi indevidamente aplicada pela A. Fiscal e pelo Tribunal “a quo”, visto que, a sua finalidade é responsabilizar os gestores pelas dívidas tributárias, em determinadas condições, que não se verificaram no caso dos autos. Que se deve aplicar ao caso dos autos o artº.24, nº.1, al.a), da L.G.T. (cfr.conclusões 4 e 6 a 9 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).
Antes de mais, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do oponente deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), levando em consideração o período temporal (anos de 2001 e 2002) a que respeitam as dívidas tributárias que constituem o débito exequendo revertido - cfr.als.B), D) e F) do probatório (cfr.por todos ac.S.T.A.-2ª. Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C.P.C.Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C.P.Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C.P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L.G.Tributária, o qual é aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.
Do disposto no artº.22, da L.G.Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.
A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
Preceitua o nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.236 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als.a) e b), do artº.24, da L.G.Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
No caso dos autos, a sentença recorrida concluiu, além do mais, pela improcedência da oposição, visto se verificarem os pressupostos do chamamento à execução do opoente, enquanto responsável subsidiário e ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., mais não tendo o mesmo efectuado prova da falta de culpa na insuficiência patrimonial da sociedade executada originária com vista ao pagamento dos créditos fiscais exequendos.
O recorrente, pelo contrário, entende que não, em síntese defendendo que a A. Fiscal, desde logo, não fez prova de que o apelante/responsável subsidiário exerceu, nos termos consignados no artº.24, nº.1, da L.G.T., efectivas funções de gestão e representação da sociedade executada originária.
Vejamos quem tem razão.
A reversão do recorrente fundamentou-se no citado artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., dado que o recorrente exerceu funções de gerência da sociedade executada originária, “Z….. - Comércio Internacional, LDA.”, e que o pagamento voluntário das dívidas revertidas terminou no período da sua gerência (cfr.al.D) do probatório).
Mais se deve relevar, nesta sede, a examinada confissão do opoente e ora recorrente do exercício de funções de gerência da sociedade executada originária (cfr.al.A) do probatório).
Aqui chegados, deve concluir-se que, no caso concreto, a A. Fiscal estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente/recorrente, ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., perante a verificação da gerência de facto, ou seja, do exercício real e efectivo do cargo por parte do mesmo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/3/2009, rec.709/08; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13), quanto a este vector, se confirmando a decisão do Tribunal “a quo”.
Fundando-se a reversão da execução no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., tal faz impender o ónus da prova sobre o gerente/administrador revertido, no caso o opoente/recorrente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida (e não o contrário, como parece defender o apelante), conforme examinado supra (na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 13/11/2014, proc.7549/14).
A culpa aqui em causa deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do ora recorrente como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.
Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familias”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe o cumprimento de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que o não pagamento das dívidas tributárias revertidas se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/3/2003, rec.1209/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/7/2012, rec.824/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/10/2009, proc.3267/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5746/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7689/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2014, proc.6191/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.; Isabel Marques da Silva, A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.121 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, do exame da factualidade provada não se pode, manifestamente, retirar que o opoente/recorrente tenha produzido prova demonstrativa de que a situação de insuficiência patrimonial da sociedade executada originária “Z……. - Comércio Internacional, LDA.” se ficou a dever, exclusivamente, a factores exógenos e que, no exercício da administração, usou da diligência de um "bonus pater familias".
Donde, há que concluir, com o Tribunal "a quo", que é imputável a título de culpa à actuação da oponente/recorrente, M……., enquanto gerente da mesma sociedade, a insuficiência patrimonial desta empresa, verificando-se assim todos os requisitos legais para a reversão contra si das dívidas exequendas no âmbito do processo de execução fiscal nº......-2002/........ e apensos.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 14 de Fevereiro de 2019



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Vital Lopes - 2º. Adjunto)