Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07084/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/26/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRAZO PARA DEDUZIR IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL. CÔMPUTO.
OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO. ARTº.28, Nº.1, AL.C), DO RJAT.
VÍCIOS DE ACTIVIDADE CONTRAPÕEM-SE AOS VÍCIOS DE JULGAMENTO.
NÃO CONHECIMENTO DE QUESTÃO DEVIDO A NEXO DE PREJUDICIALIDADE. ERRO DE JULGAMENTO.
TRIBUNAIS ARBITRAIS.
REGIME DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA EM DIREITO TRIBUTÁRIO (DEC.LEI 10/2011, DE 20/1).
PRINCÍPIOS PROCESSUAIS INERENTES AO PROCESSO ARBITRAL.
RECURSO DE DECISÃO PROFERIDA POR UM TRIBUNAL ARBITRAL (ARTºS.25, 27 E 28, DO RJAT).
FUNDAMENTOS DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL JUNTO DOS T.C.ADMINISTRATIVOS.
Sumário:1. O prazo para deduzir a presente impugnação de decisão arbitral é um prazo de natureza judicial e aplica-se-lhe o regime do C.P.Civil (cfr.artº.29, nº.1, al.a), do dec.lei 10/2011, de 20/1; artº.20, nº.2, do C.P.P.T.), pelo que ele corre continuamente, mas suspende-se em férias judiciais, mais se transferindo o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os Tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto (cfr.artº.138, nºs.1, 2 e 3, do C.P.C.). Mais se dirá que o prazo para dedução de impugnação é de quinze dias computado da notificação da decisão arbitral (cfr.artº.27, nº.1, do dec.lei 10/2011, de 20/1 - RJAT).
2. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).
3. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma. No processo arbitral tal vício está previsto no artº.28, nº.1, al.c), do RJAT.
4. A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso.
5. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
6. A possibilidade de existência de tribunais arbitrais surgiu na Constituição da República a partir da sua revisão em 1982 (cfr.artº.211, nº.2, da C.R.P.), actualmente estando consagrada no artº.209, nº.2, do diploma fundamental.
7. O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo dec.lei 10/2011, de 20/1 (RJAT), sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma.
8. Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.
9. No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada. Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso. Em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in)constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos (cfr.artº.25, do RJAT).
10. Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral para os T. C. Administrativos (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).
11. No que se refere aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
a-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
b-Oposição dos fundamentos com a decisão;
c-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
d-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.
12. Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C.P.Civil.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
... E ... , com os demais sinais dos autos, deduziram impugnação de decisão arbitral, ao abrigo do artº.27, do dec.lei 10/2011, de 20/1, dirigida a este Tribunal visando decisão proferida no procedimento arbitral nº.110/2012-T (cfr.cópia da decisão arbitral constante de fls.108 a 116 dos presentes autos, tal como a cópia da decisão de pedido de nulidade e reforma da decisão junta a fls.117 a 119 dos presentes autos), tendo por objecto o pedido de anulação de acto de liquidação adicional de I.R.S., relativo ao exercício de 2010, no valor global de € 237.997,83, tendo julgado o mesmo improcedente.
X
Os apelantes terminam as alegações da impugnação (cfr.fls.78 a 107 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A presente impugnação incide sobre a decisão arbitral de 12 de Julho de 2013 que julgou improcedente a liquidação adicional de IRS relativa ao exercício de 2010;
2-Nesse aresto, assume-se como ratio decidendi, quanto à incobrabilidade do crédito que determinou a liquidação contestada, que "o crédito controvertido obedece aos requisitos previstos para a incobrabilidade dos créditos (artigo 41, n.° 1, do CIRC)", tendo a decisão assentado nesse pressuposto já que sem essa conclusão não se poderia dar por preenchida a norma de incidência;
3-Sucede, porém, que esse mesmo crédito não foi considerado incobrável pela AT quando chamada a pronunciar-se especificamente sobre ele em sede de Reclamação Graciosa apresentada nos termos do artigo 131 do CPPT pela ... - ... , S.A.. - cf. documento de fls. 59 e ss., tendo a AT concluído que "será de indeferir a reclamação graciosa peticionada pelo sujeito passivo relativamente ao crédito que a ... - ... , S.A. detinha sobre a ... - ... , Lda., por não ser aplicável a possibilidade de provisão prevista no artigo 36 do CIRC, nem a possibilidade de constituir um crédito incobrável aceite fiscalmente nos termos do artigo 41 do CIRC";
4-Consequentemente, a AT não admitiu qualquer correcção à autoliquidação do IRC de 2009, mantendo-se esta - e, bem assim, os valores com base nos quais foi determinada - na ordem jurídica tal como foram previamente apurados pela ... , em que os bens imóveis dessa Sociedade não atingem a percentagem de 50% relativamente a todos os bens do activo da sociedade situados em território português, quedando-se apenas pelos 42,7%, em função da AT ter indeferido a pretensão de considerar como custo, em 2009, o crédito que considerava incobrável, o que acarreta que, para efeitos fiscais, se o crédito não podia ser considerado incobrável em 2009 (decidindo a AT não ser aplicável a possibilidade de provisão prevista no artigo 36 do CIRC, nem a possibilidade de constituir um crédito incobrável nos termos do artigo 41 do CIRC), a rectificação do balanço feita pela ... com o lançamento a débito da conta 692 (custos e perdas extraordinárias - dívidas incobráveis) não tem enquadramento fiscal (legal), não podendo daí retirar-se quaisquer consequências em termos fiscais;
5-Consideraram, no entanto, os Srs. Árbitros que o facto de a AT não ter admitido qualquer correcção à autoliquidação do IRC de 2009, não prejudica a relevância fiscal para outros efeitos dessa correcção porquanto a mesma é efectuada apenas a nível contabilístico pelos sujeitos passivos;
6-Ora, tendo-se mantido na ordem jurídico-fiscal a autoliquidação de 2009 e não se admitindo, porque indeferida a sua correcção, os efeitos jurídico-fiscais resultantes dessa actualidade documentada nos autos não podem deixar de reportar-se exclusivamente aos elementos inicialmente declarados e não a elementos que posteriormente não foram admitidos pela própria AT;
7-Consequentemente, deve a decisão impugnada ser reformada por outra que proceda à devida qualificação jurídica dos factos em causa e que atenda aos elementos documentais constantes dos autos que implicam decisão diversa da proferida;
8-Por outro lado, a decisão arbitral é nula por omissão de pronúncia;
9-Efectivamente, o acórdão em causa padece de nulidade por omissão de pronuncia (artigo 668 do CPC, actual 615) quanto a um tema central da p.i., qual seja o que respeita ao momento da verificação da exigibilidade do imposto e da fixação dos critérios de incidência objectiva e subjectiva e eventuais delimitações negativas da incidência ou isenções, questão esta que não é coincidente com a da eventual alteração "retroactiva" de correcções contabilísticas fiscalmente impossíveis porque ilegais e que serão sempre irrelevantes no caso, como o presente, em que no momento legalmente fixado para a exigibilidade do imposto ocorre, nos termos do artigo 10, aquando da alienação onerosa das partes de capital, momento esse em que, como se provou, a ponderação de activos existente excluía a tributação das mais-valias;
10-Não se vislumbra na decisão qualquer referência, por mínima ou sequer implícita (o que, ademais, também não seria tolerável), à norma do n.° 3 do artigo 10.° do CIRS, nos termos da qual:
11-Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.° 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes: a) Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato; b) Nos casos de afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida pelo seu proprietário, o ganho só se considera obtido no momento da ulterior alienação onerosa dos bens em causa ou da ocorrência de outro facto que determine o apuramento de resultados em condições análogas;
12-Ocorrendo a fixação do facto gerador do imposto no momento indicado pela lei, apurando-se nesse preciso momento e não "a posteriori' o valor tributável, só a não ponderação do critério legal transcrito permite justificar a decisão do tribunal arbitral;
13-Por outro lado, como se alvitrou, tal questão não se confunde com o problema da retroactividade da correcção. Mesmo concedendo-se, academicamente, quanto à "legalidade" da correcção contabilística nos termos em que a mesma ocorreu e que esta pudesse projectar os seus efeitos "contabilísticos" para trás, o facto é que face à disposição legal, por razões óbvias, o facto gerador já se consumou, e consumou-se na sua expressão quântica, sendo-lhe indiferente, à luz da lei, a verificação de condições que não existiam no momento em que o mesmo ocorreu, pelo que, a decisão arbitral omitiu pronúncia nos termos expostos, como se comprova pela "argumentação" que indeferiu a nulidade arguida "a quo": nem uma letra sobre o artigo 10, n.° 3, do CIRS, podemos encontrar no excerto transcrito, quanto mais na decisão impugnada;
14-Termos em que, com o douto suprimento de V.Exas., não admitindo a decisão impugnada recurso e padecendo a mesma dos vícios imputados, deve a mesma ser reformada e/ou anulada, com as demais consequências legais.
X
Contra-alegou a Autoridade Tributária e Aduaneira, a qual pugna pela confirmação do julgado (cfr.fls.124 a 150 dos autos), sustentando nas Conclusões:
1-A presente impugnação é intempestiva, devendo ser rejeitada;
2-A petição de impugnação deu entrada, neste Tribunal, dia 24/10/2014, decorrido já o prazo legal às interposição, cujo termo ocorreu em 21/10/2013 - cfr. o n° 5 do art. 254 do CPC que "A notificação por transmissão electrónica de dados presume-se feita na data da expedição";
3-Donde resulta inequívoca a caducidade do direito de impugnar, o que vai alegado, com todas as legais consequências;
4-O articulado de impugnação é constituído por;
· Todo o ponto I (91 artigos ): cópia integral do pedido de pronúncia arbitral;
· Todo o ponto II: cópia integral do pedido de reforma deduzido junto do tribunal arbitral;
· Pontos III, IV e V: alegações do requerente deduzidas exclusivamente quanto ao mérito das decisões arbitrais;
5-Insurgindo-se na verdade contra a decisão de mérito, o recorrente invoca omissão de pronúncia, tentando direccionar a questão para a matéria respeitante a IRC de 2009 da ... , matéria que não é objecto dos autos;
6-O Tribunal conheceu de todas as submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão estava prejudicada pela solução dada a outras ou que sejam irrelevantes para a decisão da causa, em conformidade com o art. 660° do CPC (na versão em vigor à data da interposição do recurso); "O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada outras.";
7-Cita-se, ainda, o acórdão do STA, de 21/11/2012, proc. 762/12, “Quando o Tribunal consciente e fundamentadamente ou implicitamente não toma conhecimento de qualquer questão, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que esta só ocorre nos casos em que o Tribunal, pura e simplesmente, não toma posição sobre questão que devesse conhecer.”;
8-A decisão impugnada não padece de qualquer vicio, devendo, portanto, a impugnação ser rejeitada;
9-À cautela, se assim não se entender, por mero dever de ofício, porque a presente impugnação segue o regime do recurso de apelação, e, ainda, atento o facto de o tribunal arbitral se encontrar, já dissolvido, vai requerido o conhecimento do pedido de pronúncia arbitral;
10-Os serviços inspectivas limitaram-se a aceitar o lançamento contabilístico que, tendo efeitos no balanço, reflecte o que os sócios entendem que é a empresa. O balanço é um instrumento da empresa que deve reflectir para terceiros a posição verdadeira e apropriada da empresa, como resulta do código das sociedades comerciais;
11-Donde, não podia a AT ignorar aquela alteração contabilística, cabendo-lhe apenas aceitá-la, o que fez;
12-O que não significa que a aceitação contabilística do movimento, tenha as consequências fiscais que o sujeito pretende;
13-Ou seja, há que averiguar, em relação ao mesmo lançamento, por um lado, as consequências contabilísticas, por outro as consequências fiscais;
14-A reclamação graciosa deduzida pela ... - ... , SA, visava obter para o ano de 2009 a consideração de custos, no caso a consideração como custo do crédito incobrável;
15-Do ponto de vista fiscal o pedido da reclamante seria deferido se se encontrassem verificados os requisitos do art. 41 do CIRC e se a tal não obstasse o condicionalismo da alínea d) do n.º 3 do art. 36 do mesmo Código;
16-Ora, não só não se verificam os requisitos do art. 41, porquanto o crédito não consta da contabilidade da insolvente IMG e o mesmo não foi reclamado pela ... (art. 41 CIRC), como também, não tendo o mesmo sido reclamado, não se encontrando a ... em situação de insolvência e sendo a ... detentora de mais de 10% da ... ;
17-Nunca para efeitos fiscais poderia ser considerada a perda por imparidade (alínea d) do n.º 3 ,e alíneas a) e b) do n° 1 do art. 36 do CIRC);
18-No caso concreto, aquele movimento não pode ser aceite para efeitos de consideração como custo fiscalmente aceite, mas não pode, apenas porque se verificam os pressupostos legais que a isso obstam - 41 e d) do n° 3 do art. 36 do CIRC;
19-O que não significa que, contabilisticamente o seu lançamento seja ignorado e que não tenha outros efeitos. Simplesmente, há circunstâncias concretas que obstam à sua consideração como custo fiscal;
20-A revelação contabilística da divida não tem como efeito directo a sua aceitação como custo fiscal;
21-É a própria ... que aceita os créditos como incobráveis, os contabiliza como incobráveis e vem requerer à AT que assim os considere;
22-É que aquele lançamento não teria que ter feito para o ano de 2009, poderia ter sido para 2010 ou 2011. Mas a opção foi clara: foi reportado a 31/12/2009. O sujeito passivo entendeu que devia fazer a alteração em relação ao exercício de 2009, entendeu que devia reflectir tal movimento em 2009. Mas não pode fazer depender a sua opção contabilística da aceitação fiscal do custo para efeitos de IRC;
23-Até porque, o custo de que se fala, poderia, em abstracto, ser aceite como custo fiscal, É um custo susceptível de dedutibilidade. Porém, no caso dos autos, o custo em causa, não reúne os requisitos de que depende a aceitação como custo fiscal;
24-O facto de a AT não ter aceite como custo fiscal, em 2009, o crédito incobrável, significa apenas isso; que fiscalmente aquele crédito incobrável não é aceite. Nunca significará que a AT entende, ou não, que o crédito é cobrável contabilisticamente. Os lançamentos contabilísticos são da responsabilidade dos sujeitos passivos e não da AT;
25-Retomando a questão dos autos - a tributação em sede de IRS, das mais valias obtidas pelos recorrentes com a venda de acções da ... - o activo da ... à data da venda das participações sociais, segundo o balanço de 2009, aprovados pelos sócios, e conhecido na altura, era constituído, entre outros, pelo crédito que detinha sobre a ... ;
26-Assim sendo, como era conhecido, na unidade constituída pelo activo, cada componente tinha o seu peso/valor relativo correspondente a uma percentagem da unidade activo, sendo que o valor dos imóveis correspondia a menos de 50% da unidade activo;
27-Razão pela qual, a mais valia proveniente da venda das acções, não lhe sendo aplicável o n.º 12 do art. 10 do CIRS, encontrava excluída de tributação, por efeito da exclusão da alínea a) do n.º 2 do mesmo art. 10;
28-Alterado, por vontade dos sócios, o balanço daquele ano de 2009, com um movimento lançado a débito da conta 692 (custos e perdas extraordinárias - dívidas incobráveis) em contradição com o lançamento a crédito da conta 25511, ocorre uma variação na composição do activo e do passivo;
29-Se o crédito detido deixa de fazer parte do activo da empresa, passando contabilísticamente para o seu passivo, como dívida incobrável, é consequência inevitável uma variação do valor/peso relativo de cada componente da unidade activo;
30-O valor relativo que aquele crédito ocupava na unidade activo é absorvido pelos restantes componentes do activo;
31-É o caso dos imóveis, que por efeito daquele movimento contabilístico, real e resultante da vontade dos sócios, passam a constituir o activo da empresa em mais de 50% - em 52,36% do total dos activos;
32-Razão pela qual a mais valia resultante da venda das acções não se encontra excluída de tributação, como pretendem os autores;
33-O valor absoluto dos imóveis manteve-se. O que se alterou foi o seu valor relativo dentro do activo da empresa, que passou a ser superior a 50% do activo;
34-Quando as acções foram vendidas os imóveis faziam parte do activo da sociedade. E não é indiferente que a sociedade a que as mesmas respeitavam tivesse muitos ou poucos imóveis - atente-se no texto do n.º 12 do art. 10º do CIRS. Até porque se aqueles imóveis não constituíssem o activo da sociedade as acções valeriam muito menos. A composição do activo influencia directamente o valor das partes sociais;
35-Porém, e mais uma vez, nos autos não é posta em causa a tributação da variação do património da sociedade ... , mas a variação do património dos sócios e a respectiva tributação e em IRS.
X
Os impugnantes pronunciaram-se sobre a excepção de caducidade do direito de acção, pugnando pela improcedência da mesma (cfr.fls.155 e 156 dos presentes autos).
X
Foi cumprido o artº.146, nº.1, do C.P.T.A. (“ex vi” do artº.27, nº.2, do dec.lei 10/2011, de 20/1), tendo o Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitido pronúncia sobre a presente impugnação no sentido da não admissão da mesma por falta de fundamento legal (cfr.fls.172 a 174 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.178 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão arbitral impugnada julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.110 a 113 dos presentes autos):
1-Os requerentes detinham 25% do capital social da sociedade "... -... , Lda.";
2-Em 21/04/2010, a "... - ... , Lda." procedeu a um aumento de capital de € 516.255,83 para € 600.000,00, através da incorporação de reservas;
3-Em consequência de tal incorporação de reservas e consequente aumento de capital, o valor das quotas detidas pelos requerentes passou a ser de € 135.000,00 e de € 15.000,00 (vide item 111.2. do relatório inspetivo, ponto 10 a fls.21);
4-Na mesma data, 21/04/2010, a "... - ... , Lda." foi transformada em sociedade anónima, passando a designar-se ... - ... , SA.";
5-Em 11/05/2010, os requerentes venderam à "Vilões Investimentos imobiliários e Turísticos, SA.", as 150.000 acções que detinham na "... - ... , SA.", pelo preço unitário de € 15,70 e global de € 2.355.000,00;
6-Em Maio de 2012 a "... - ... , SA.", deduziu reclamação graciosa com referência ao ano de 2009, requerendo a aceitação como custo fiscal "(...) da perda por imparidade que deveria ter sido contabilizada no mesmo período de tributação de 2009 e que é relacionada com um crédito resultante da atividade normal da reclamante (...)". "Este crédito evidenciado no balancete analítico do mês de Dezembro de 2009 (...) à data do encerramento das contas de 2009 (...), já se encontrava em mora há mais de 24 meses", pelo que, conclui a reclamante "(...) configura, efetivamente, um crédito incobrável, o qual, na verdade, devia ter sido considerado como tal no ano de 2009 e não, como erradamente sucedeu, no ano de 2010";
7-A reclamante "... - ... , SA.", era em 31/12/2009 credora da "... - ... , Lda.", que, em 2006, havia cedido os seus activos e passivos à "... - ... , Lda.", cuja insolvência havia sido requerida;
8-Do anexo 5 à informação produzida pela Direção de Finanças de Aveiro, de 30/10/2012, resulta que a "... - ... , SA." procedeu à correção contabilística do movimento com referência ao ano de 2009;
9-Tendo, por contraposição a crédito da conta 25511, reflectido a perda com o lançamento a débito da conta 692 (custos e perdas extraordinárias - dívidas incobráveis);
10-A rectificação ao balanço foi feita pelo próprio sujeito passivo, tendo sido da iniciativa do sujeito passivo e não da AT;
11-Por efeito do movimento contabilístico real e resultante da vontade dos sócios da "... ", os imóveis passaram a constituir o activo da empresa em mais de 50% - concrtetamente, em 52,36% do total do activo;
12-Da análise à declaração anual da ... - cessionária da ... (anos 2005 e 2006 - ano a cessão) resulta que o crédito da "... " não está incluído nas respectivas demonstrações financeiras (anexo 6 à informação produzida pela Direção de Finanças de Aveiro, de 30/10/2012);
13-A relação de créditos definitiva elaborada pela administradora da insolvência da IGM, não inclui, em nenhuma das rúbricas - quer a dos créditos reconhecidos, quer a dos créditos não reconhecidos - qualquer crédito da "... " ou da "... ";
14-A "... " não reclamou o crédito junto do processo de insolvência;
15-A "... ", ainda que inactiva e cessada para efeitos de IVA, mantém a personalidade jurídica, cumprindo ainda com outras obrigações declarativas, designadamente em sede de IRC;
16-A "... " é detentora de parte social da "... ", equivalente a 32,26% do capital social (anexo 9 à informação produzida pela Direção de Finanças de Aveiro, de 30/10/2012);
17-O requerente é gerente da "... ".
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A decisão arbitral impugnada considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto é a seguinte: “…A matéria de facto foi fixada com base nos documentos juntos aos autos, cuja correspondência à realidade não foi questionada, e com base nas afirmações feitas nos articulados, em que não foi posta em causa a correspondência à realidade do afirmado, bem como no depoimento da testemunha João José Araújo Marques, apresentada pela Requerida…”.
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A decisão da matéria de facto pelo Tribunal arbitral baseou-se em prova documental constante dos presentes autos, pelo que, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” dos artºs.140, do C.P.T.A., e 27, nº.2, do dec.lei 10/2011, de 20/1):
18-A decisão arbitral impugnada foi objecto de incidente de nulidade e reforma suscitado pelos impugnantes, cujo indeferimento ocorreu no dia 4/10/2013 (cfr.documento junto a fls.117 a 119 dos presentes autos);
19-O mencionado indeferimento foi notificado aos impugnantes por via electrónica, na pessoa do douto mandatário, através do portal www.viactt.pt, tendo este tomado conhecimento do acto notificado no pretérito dia 9/10/2013 (cfr.documentos juntos a fls.160 a 163 dos presentes autos);
20-A presente impugnação foi enviada para este Tribunal no passado dia 24/10/2013, através de e-mail (cfr.data de envio aposta a fls.2 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, o Tribunal Arbitral deliberou julgar improcedente a petição que originou o procedimento arbitral, em consequência do que manteve o acto tributário de I.R.S., relativo ao exercício de 2010 e no valor global de € 237.997,83.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” dos artºs.140, do C.P.T.A., e 27, nº.2, do dec.lei 10/2011, de 20/1).
Começa o Tribunal pela apreciação da alegada intempestividade da presente impugnação, chamada à colação pela entidade impugnada nas conclusões 1ª. a 3ª. das contra-alegações.
O prazo para deduzir a presente impugnação de decisão arbitral é um prazo de natureza judicial e aplica-se-lhe o regime do C.P.Civil (cfr.artº.29, nº.1, al.a), do dec.lei 10/2011, de 20/1; artº.20, nº.2, do C.P.P.T.), pelo que ele corre continuamente, mas suspende-se em férias judiciais, mais se transferindo o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os Tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto (cfr.artº.138, nºs.1, 2 e 3, do C.P.C.).
Mais se dirá que o prazo para dedução de impugnação é de quinze dias computado da notificação da decisão arbitral (cfr.artº.27, nº.1, do dec.lei 10/2011, de 20/1 - RJAT).
No caso “sub judice”, o cômputo do prazo de quinze dias para deduzir a impugnação teve o seu termo inicial em 10/10/2013 (cfr.nº.19 da matéria de facto provada), levando em consideração que o cômputo de qualquer prazo começa a correr no dia seguinte aquele em que ocorreu o evento que gerou o início do mesmo (cfr.artº.279, al.b), do C.Civil). Por sua vez, o termo final de tal prazo somente ocorreu em 24/10/2013 (uma quinta-feira), pelo que a presente impugnação se deve julgar tempestiva (cfr.nº.20 do probatório).
Concluindo, improcede a excepção de intempestividade (caducidade do direito de acção) da presente impugnação aduzida pela entidade impugnada.
X
Os impugnantes dissentem do julgado alegando, em primeiro lugar e conforme aludido supra, que a decisão arbitral é nula por omissão de pronúncia. Que o acórdão em causa padece de nulidade por omissão de pronuncia quanto a um tema central da p.i., qual seja, o que respeita ao momento da verificação da exigibilidade do imposto e da fixação dos critérios de incidência objectiva e subjectiva e eventuais delimitações negativas da incidência ou isenções, questão esta que não é coincidente com a da eventual alteração "retroactiva" de correcções contabilísticas fiscalmente impossíveis porque ilegais e que serão sempre irrelevantes no caso, como o presente, em que no momento legalmente fixado para a exigibilidade do imposto ocorre, nos termos do artº.10, do C.I.R.S., aquando da alienação onerosa das partes de capital, momento esse em que, como se provou, a ponderação de activos existente excluía a tributação das mais-valias. Que não se vislumbra na decisão qualquer referência, por mínima ou sequer implícita (o que, ademais, também não seria tolerável), à norma do artº.10, nº.3, do C.I.R.S. (cfr.conclusões 8 a 13 da impugnação). Com base em tal argumentação pretendendo assacar à decisão arbitral recorrida o vício de omissão de pronúncia previsto no artº.28, nº.1, al.c), do dec.lei 10/2011, de 20/1 (RJAT).
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13).
Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário).
Mais, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº.133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac. T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).
Revertendo ao caso dos autos, defendem os impugnantes que a decisão arbitral omitiu pronúncia sobre o momento da verificação da exigibilidade do imposto e da fixação dos critérios de incidência objectiva e subjectiva e eventuais delimitações negativas da incidência ou isenções, tudo por referência à norma do artº.10, nº.3, do C.I.R.S., mais enquadrando tal nulidade do artº.28, nº.1, al.c), do RJAT.
Ora, da análise da decisão arbitral deve concluir-se que no enquadramento jurídico da mesma se examinou a questão em apreço (cfr.fls.114 e 115 dos presentes autos), o que é, de resto, confirmado no acórdão onde se julga improcedente o incidente de nulidade da decisão arbitral (cfr.fls.117 a 119 dos autos).
Assim sendo, não se verifica qualquer omissão de pronúncia de que padeça a decisão arbitral impugnada.
Mais aduzem os impugnantes que a decisão arbitral impugnada assume como "ratio decidendi", quanto à incobrabilidade do crédito que determinou a liquidação contestada, que o crédito controvertido obedece aos requisitos previstos para a incobrabilidade dos créditos (artº.41, nº.1, do C.I.R.C.), tendo a decisão assentado nesse pressuposto já que sem essa conclusão não se poderia dar por preenchida a norma de incidência. Que esse mesmo crédito não foi considerado incobrável pela A.T. quando chamada a pronunciar-se, especificamente, sobre ele em sede de reclamação graciosa. Que a A.T. não admitiu qualquer correcção à autoliquidação do I.R.C. de 2009, mantendo-se esta - e, bem assim, os valores com base nos quais foi determinada - na ordem jurídica tal como foram previamente apurados pela "... ", em que os bens imóveis dessa sociedade não atingem a percentagem de 50% relativamente a todos os bens do activo da sociedade situados em território português, quedando-se apenas pelos 42,7%, em função da A.T. ter indeferido a pretensão de considerar como custo, em 2009, o crédito que considerava incobrável. Que a decisão arbitral entendeu que o facto de a A.T. não ter admitido qualquer correcção à autoliquidação do I.R.C. de 2009, não prejudica a relevância fiscal para outros efeitos dessa correcção, porquanto, a mesma é efectuada apenas a nível contabilístico pelos sujeitos passivos. Que deve a decisão impugnada ser reformada por outra que proceda à devida qualificação jurídica dos factos em causa e que atenda aos elementos documentais constantes dos autos que implicam decisão diversa da proferida (cfr.conclusões 1 a 7 da impugnação). Com base em tal argumentação pretendendo, supomos, assacar à decisão arbitral recorrida um erro de julgamento de direito.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
A possibilidade de existência de Tribunais arbitrais surgiu na Constituição da República a partir da sua revisão em 1982 (cfr.artº.211, nº.2, da C.R.P.), actualmente estando consagrada no artº.209, nº.2, do diploma fundamental (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.550 e seg.).
A arbitragem encontra, assim, um espaço próprio por onde pode começar a irradiar. Com efeito, face aos crescentes níveis de litigação, que se tornam absolutamente incomportáveis para o sistema de justiça tradicional, os Tribunais arbitrais voluntários têm vindo a assumir-se como uma verdadeira alternativa para os cidadãos resolverem os seus litígios.
O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).
Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.
No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.
Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.
Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.
Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.
Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in)constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.
Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).
Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al.b), do RJAT.
Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2-Oposição dos fundamentos com a decisão;
3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.
Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do CPCivil.
E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.).
Voltando ao caso concreto, os impugnantes alegam um erro de julgamento de direito da decisão arbitral recorrida, defendendo a falta de relevância fiscal da correcção ao balanço contabilístico identificada nos nºs.8 a 11 do probatório acima exposto, em sede de I.R.S. e face à norma de incidência de mais-valias prevista no artº.10, nº.12, do C.I.R.S.
Ora, tal matéria não é passível de enquadramento nas diversas alíneas, do nº.1, do artº.28, do RJAT, pelo que não constitui fundamento legal de impugnação junto deste T.C.A. Sul, assim não sendo de conhecer por este Tribunal, tudo conforme mencionado supra para onde se remete.
Rematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente a presente impugnação e, em consequência, confirma-se a decisão arbitral recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO E CONFIRMAR A DECISÃO ARBITRAL que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condenam-se os impugnantes em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 26 de Junho de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Pereira Gameiro - 2º. Adjunto)