Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05354/12
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/17/2013
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:MAIS-VALIAS – FUNDAMENTAÇÃO – AVALIAÇÃO.
Sumário:Na fundamentação do acto tributário a Administração está obrigada a ponderar os novos argumentos que eventualmente tenham sido aduzidos pelo contribuinte na audiência prévia e a explicitar as razões pelas quais entende não lhe conceder relevância, sob pena do acto se converter numa manifestação de abuso e arbitrariedade.

Não está assim fundamentado um acto que se limita a referir, quanto às novas questões e argumentos invocados pelo contribuinte em sede de audiência prévia, que “face aos elementos enviados e após análise é de manter as correcções efectuadas”.

Para efeitos de apuramento de mais-valias relativamente a imóveis adquiridos antes da entrada em vigor do Código do Imposto de Mais-Valias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373 de 09-07-1965, o valor relevante para efeitos de correcção monetária é o que resultar da sua reavaliação nos termos da Portaria n.º 20258, de 28 de Dezembro de 1963, e não o valor de aquisição.

Tendo um imóvel sido reavaliado em 1964 ao abrigo deste diploma, e reflectindo o valor que lhe foi atribuído as benfeitorias que nele foram realizadas, recai sobre a AT o ónus de provar que as mesmas não correspondem à realidade, não podendo ser exigido ao contribuinte, 30 anos depois, que demonstre documentalmente o valor daquelas, visto que apenas está obrigado a guardar os livros de contabilidade, registos auxiliares e respectivos documentos de suporte durante o prazo de dez anos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1 - Relatório

a) - As partes e o objecto do recurso

B.... P.......... - Comércio ............................, SA., inconformada com a sentença do TAF de Sintra que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida do acto de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa do acto de liquidação adicional de IRC relativo ao exercício de 1994, e, nessa medida, manteve a liquidação impugnada, bem como o pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia de €4.818.050,94, dela veio interpor recurso jurisdicional contra a Fazenda Pública cujas alegações remata com estas conclusões:

1.ª O presente Recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu julgar totalmente improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrente do acto tributário referente a IRC do exercício de 1994 (liquidação n.°.............., no valor total de ESC 1.572.387.919);

2.ª A ora Recorrente suscitou perante o Tribunal a quo a legalidade da liquidação adicional de IRC de 1994, quer por considerar que o procedimento tributário padecia do vício de fundamentação insuficiente, por violação do número 7 do artigo 60.° da LGT, quer com fundamento na ilegalidade material por erro nos pressupostos de direito da correcção efectuada ao saldo das mais e menos-valias;

3.ª A Administração Tributária violou o disposto no número 7 do artigo 60.º da LGT na medida em que, ao emitir o relatório final de inspecção, não teve em conta as questões de direito abordadas em sede de direito de audição prévia ao projecto de conclusões, bem como os novos elementos de prova, em particular a declaração de substituição e recálculo do saldo da mais e menos-valia tributável;

4.ª Na exigência de fundamentação acrescida por via do exercício do direito procedimental de audição prévia não está, apenas, em causa a compreensão do iter cognitivo do órgão administrativo que se propõe emitir um acto tributário desfavorável, mas, igualmente, entender - de modo a poder sindicar - por que motivo as suas objecções de facto e de direito são insusceptíveis de alterarem o sentido da decisão;

5.ª Afirmar-se que se analisou o direito de audição e que se entende manter as correcções - sem enunciar os motivos pelos quais não são de atender os argumentos e elementos trazidos pelo contribuinte - significa esvaziar o direito procedimental de participação e audição prévia antes da liquidação, limitando os direitos dos particulares ao cumprimento de uma mera formalidade;

6.ª A violação do artigo 60° n.° 7 da LGT não reside na não aceitação dos elementos apresentados pela Recorrente, mas sim na omissão declarada a explicitar (i) por que motivo vários preceitos legais não eram relevantes para efeitos do enquadramento jurídico da questão; (ii) por que motivo é irrelevante o prazo legal de manutenção dos documentos contabilísticos, ou (ih) por que motivo a declaração de substituição não era relevante para efeitos do apuramento do imposto a pagar;

7.ª Se entendermos que qualquer uma destas questões é procedimentalmente relevante, forçoso será concluir que a fundamentação aduzida em sede do relatório final de inspecção - ao desconsiderar os elementos trazidos pelo contribuinte em sede de audição prévia, nada acrescentando ou valorando para efeitos do iter cognitivo que levou à prolação do acto administrativo -, viola de forma frontal e ostensiva o disposto no n. ° 7 do artigo 60° da LGT;

8.ª O artigo 60. ° da LGT consagra o direito, constitucionalmente previsto, de participação dos sujeitos passivos nas decisões administrativas que lhes digam respeito, consistindo a audição prévia uma formalidade essencial do procedimento tributário, no qual se inclui o procedimento de inspecção, conforme determinado na alínea a) do n. ° 1 do artigo 54. ° da LGT;

9.ª Para os efeitos consignados na norma legal, parece óbvio que não bastará à Administração Tributária limitar-se a afirmar que analisou os elementos enviados pelo sujeito passivo, mas exteriorizar e verbalizar por que motivo tais elementos ou não são novos ou sendo-o, são insusceptíveis de alterar a decisão procedimental;

10.ª Conforme bem nota ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, "Não pode, pois, considerar-se cumprido o dever de fundamentação quando a decisão final se limita a afirmar «ouvido o contribuinte este não trouxe elementos novos», devendo a decisão conter a justificação por que esses elementos nada trouxeram de novo relativamente ao projecto de decisão apresentada ao contribuinte ou interessado",-

11.ª Tem sido entendimento unânime da doutrina e jurisprudência que a obrigação a cargo da Administração Tributária de apreciação dos elementos novos apresentados pelos contribuintes abrange quer os elementos de facto, quer os elementos de direito;

12.ª No que diz respeito à correcção ao saldo das mais e menos-valias, a questão determinante consiste em determinar qual o valor de aquisição relevante para efeitos de cálculo da mais-valia, nos termos dos artigos 42. ° e 43.° do CIRC;

13.ª O apuramento da menos-valia acima referida foi efectuado com base em valores e dados constantes dos seus documentos de suporte contabilísticos e fiscais, nomeadamente, nos termos do teor da respectiva ficha de imobilizado, tendo para o efeito sido considerado o valor de Esc. 22.500.000$00;

14.ª A ora Recorrente procedeu à aplicação do coeficiente de correcção monetária constante da Portaria n.° 277/94, de 10 de Maio, referente ao exercício de 1930, ­110, 18 - ao valor líquido do terreno, do qual resultou, no exercício de 1994, a menos-valia fiscal declarada na Modelo 22;

15.ª O valor reavaliado ao abrigo da Portaria 20258 não correspondia a uma mera actualização monetária do valor de aquisição do imóvel, mas sim à reposição do custo histórico ao valor real do activo considerando todas as despesas incorridas pela Recorrente para colocar o bem em condições de utilização;

16.ª Face à faculdade concedida pela Portaria 20258, a Recorrente foi dispensada de apresentar os documentos de suporte que titulavam todas as despesas incorridas entre a data de aquisição e o ano de 1964, uma vez que o legislador consagrou a possibilidade de actualização do valor do bem ao seu valor real deduzido das amortizações praticadas;

17.ª Este valor consta nos registos contabilísticos da ora Recorrente desde 1964, diluindo-se, deste modo, todas as parcelas relativas ao custo histórico de aquisição, numa só parcela desse valor, e foi assim até 1994, data em que o terreno foi expropriado;

18.ª A questão decidenda limita-se a determinar se a Recorrente estava legalmente obrigada a apresentar documentos justificativos do valor de aquisição para além do prazo legal de obrigação de manutenção dos documentos e registos contabilísticos;

19.ª Nos termos do artigo 78° do Código de Processo Tributário - diploma aplicável à data dos factos tributários - "quando a contabilidade do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte";

20.ª Presumindo-se a veracidade dos registos contabilísticos, caberá à Administração Tributária afastar tal presunção, fazendo prova dos factos que colocam em crise a veracidade do declarado;

21.ª Da análise do relatório final de inspecção não se vislumbra a invocação de qualquer facto susceptível de afastar a presunção de que gozam os elementos declarados pela Recorrente, mas apenas a invocação da falta de apresentação das benefeitorias realizadas até ao ano de 1964;

22.ª Nos termos do n.° 5 do artigo 98° do CIRC - actual artigo 123°, número 4 do CIRC-, "Os livros de contabilidade, registos auxiliares e respectivos documentos de suporte devem ser conservados em boa ordem durante o prazo de 10 anos.",-

23.ª Tendo em conta a norma supra citada, parece inequívoco, que à data da inspecção, a qual ocorreu em 1999, a Recorrente apenas estava legalmente obrigada a possuir registos contabilísticos e documentos de suporte referentes ao exercício de 1989, sendo-lhe legalmente inexigível a apresentação de quaisquer documentos anteriores a essa data;

24.ª Face ao quadro legal acima invocado - prazo legal de guarda de registos de 10 anos e presunção de veracidade dos elementos declarados - parece claro que a Administração Tributária estava obrigada a aceitar os montantes declarados pela Recorrente, salvo se evidenciasse em sede inspectiva que tais elementos não mereciam credibilidade, afastando, assim, a presunção legal prevista no artigo 78° do CPT;

25.ª Em abono da tese ora propugnada, veja-se o Acórdão do STA proferido pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário no recurso n.° 26614, de 08.05.2002, nos termos do qual se determina "Se confrontarmos o probatório, logo vemos que a exigência da AF junto do contribuinte para que este procedesse à exibição dos documentos comprovativos dos custos da construção do imóvel ocorreu para lá do prazo de 5 anos, previsto no n. ° 2 daquele artigo. O impugnante, ora recorrido, não os apresentou, a pretexto de os ter já destruído. Como resulta da lei - e já acima se referiu - o recorrente não é obrigado a guardar os documentos por mais de 5 anos. E não sendo obrigado a guardá-los não pode ser penalizado pela eventual destruição dos mesmos. E daí decorre que da não apresentação de tais documentos, exigidos ao contribuinte para além do prazo de cinco anos (em que era obrigado a guardá-los), não pode a AF extrair a consequência de que o impugnante não fez prova dos custos, não considerando o valor declarado pelo Impugnante, unicamente com base na não apresentação dos mesmos";

26.ª Trata-se de jurisprudência firmada pelo Pleno da Secção do CT do STA, a qual não deixa margem para grandes dúvidas interpretativas, dada a clareza do entendimento perfilhado e a similitude da factualidade face ao caso ora em apreço;

27.ª A conclusão a retirar da referida jurisprudência do STA é linear: havendo que fazer prova do valor de aquisição de um bem imóvel com recurso a documentos que os sujeitos passivos não estão legalmente obrigados a dispor, a Administração Tributária não pode, sem mais, desconsiderar os montantes declarados pelos sujeitos passivos;

28.ª Por outro lado, na óptica da Administração Tributária, posição aliás corroborada pelo Tribunal a quo na sentença ora recorrida, o valor dos bens reavaliados ao abrigo de legislação fiscal não tem qualquer relevância para efeitos fiscais, mormente para efeitos de cálculo de uma mais-valia, o que justifica a legalidade das correcções efectuadas em sede da acção de inspecção tributária;

29.ª A relevância da Portaria 20258 deverá ser analisada em função da ulterior reforma do sistema fiscal operada em 1 de Janeiro de 1965, com a entrada em vigor do Código da Contribuição Industrial, devendo, pois ser analisada no respectivo contexto histórico e com a introdução da tributação de acordo com o lucro real, e com o estabelecimento de obrigações declarativas até à data inexistentes no quadro legal em vigor;

30.ª Antes da Reforma Fiscal operada na década de 1960, os contribuintes não estavam legalmente obrigados a possuir registos e documentos de suporte para os seus activos corpóreos - nem para as despesas ou benfeitorias realizadas - sendo, pois, chocante, que a Administração Tributária, passados que estavam mais de 30 anos sobre a publicação da referida legislação, venha a exigir à Recorrente a reconstituição cabal do valor de aquisição de um imóvel adquirido em 1930;

31.ª Contrariamente ao que sucedeu com toda a legislação subsequente em matéria de reavaliações legais do activo imobilizado corpóreo publicada após a Portaria 20258, de 28.12.1963, este diploma não procedeu à reavaliação dos activos com base na aplicação de coeficientes de actualização monetária aos valores de aquisição dos bens, mas sim com base na reposição do valor actual ou real dos activos à data da sua reavaliação (veja-se artigo 3° da Portaria);

32.ª O valor real do activo corresponde, precisamente, ao valor de aquisição original do bem acrescido das benfeitorias realizadas, matéria que não poderia deixar de ter sido considerada pela Administração Tributária aquando do cálculo da respectiva mais-valia do exercício de 1994;

33.ª Dito de outro modo: a aceitação do valor do imóvel reportado a 1964 impõe-se por força da Portaria 20258, a qual permitiu a incorporação no valor original de aquisição de todas as despesas e benfeitorias realizadas entre a data de aquisição e a data da reavaliação, valor, esse, que o legislador atribuiu relevância para efeitos fiscais e que a Administração Tributária nunca questionou;

34.ª De todo o exposto resulta, claramente, que até 1965 inexistia qualquer obrigação de conservar, quer para efeitos de contribuição industrial, quer de imposto de mais valias, o valor de aquisição inicial dos bens do imobilizado corpóreo, daí resultando a relevância que foi atribuída, a partir da entrada em vigor do CCI e do Código de Imposto das Mais Valias, aos valores de reavaliação efectuados até 1965, designadamente através da Portaria n.° 20258, de 28 de Dezembro de 1963;

35.ª Tudo ponderado, uma conclusão se impõe: a Portaria 20258 destinou-se a permitir actualizar o custo histórico de aquisição dos activos corpóreos, permitindo a cristalização dos valores de aquisição para efeitos de contribuição industrial e imposto de mais-valia, pelo que não poderá deixar de ser considerado, na ausência de outros elementos de prova - os quais como vimos são legalmente inexigíveis - como sendo o valor de aquisição fiscalmente relevante para efeitos do apuramento da mais-valia fiscal resultante da expropriação em 1994 do Imóvel da Recorrente, sob pena de violação dos princípios da justiça, da tributação segundo o lucro real, e dos artigos 42°, 43° e 98° do CIRC, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente para efeitos de procedência do presente recurso;

36.ª Em face do exposto, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, anulando-se integralmente a sentença ora recorrida, devendo em consequência ser anulada parcialmente a liquidação ora sindicada, e ser ainda ordenado o reembolso à Recorrente no montante de EUR 4.818.050,94, considerando o montante de imposto liquidado pela Administração Tributária (no valor de Esc. 1.572.387.919$00), o montante de imposto liquidado pela Recorrente aquando da entrega da declaração de substituição (Esc. 218.866.243$00), e o qual não foi considerado na liquidação de imposto ora sindicada, originando uma duplicação de colecta, bem como o pagamento efectuado ao abrigo do D.L. 124/96, tudo com as demais consequências legais, mormente o pagamento de juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43. ° da LGT, a computar entre o termo do pagamento indevido e a emissão do respectivo titulo de crédito.


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A Fazenda Pública não contra-alegou

A EMMP junto deste Tribunal emitiu o seguinte parecer, de fls. 447:

(..)

1 – B..... P............ - COMÉRCIO ......................, S. A. vem recorrer da douta sentença proferida a fls. 342 a 354 por com ela se não conformar. Alega nos termos conclusivos que constam a fls. 394 a 400, pedindo a revogação da decisão e a procedência da impugnação.

2 - A recorrida FAZENDA PÚBLICA não contra-alegou.

3 - Analisando os autos, entendemos que o presente recurso não deverá proceder. O exposto na douta sentença mostra-se-nos correcto encontrando-se bem fundamentada de facto e de direito. Entendemos ter feito uma correcta e suficiente análise da matéria de facto e correcta foi a sua subsunção jurídica.

Acompanhamos a posição já defendida pelo M° P° na 18 instância por com ela estarmos de acordo quer quanto aos factos quer quanto ao direito.

4 - Nestes termos, o recurso deve improceder, por não se mostrarem verificados os vícios que são assacados à decisão recorrida."


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Colhidos os vistos legais vem o processo à conferência.


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b) As questões essenciais a decidir:

¾ Saber se ocorre falta de fundamentação do acto impugnado;

¾ Determinar qual o momento relevante para efeitos de apuramento de mais valias, se o momento da aquisição de um prédio ou a data da sua reavaliação para efeitos fiscais;

¾ Se o sujeito passivo está obrigado a conservar durante mais de 30 anos os documentos que suportam as benfeitorias praticadas no imóvel;

¾ Se a falta da sua exibição pode ser valorada contra o contribuinte


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2 – Fundamentação

a) - De facto

A decisão recorrida deu, por provada, a seguinte matéria de facto com interesse para a sua decisão:
(1) A ora Impugnante, B........ P.............. - Comércio ........................, SA, tem como actividade principal o Comércio por grosso de combustíveis líquidos, gasosos e produtos derivados, com o CAE 51510 ­Cfr. documento a fls.290 e segs. do PAT apenso aos autos;
(2) Na sequência de procedimento de análise interna à declaração de rendimentos modelo 22 de IRC da Impugnante, que abrangeu o exercício de 1994, foi elaborado Projecto de Correcções, do qual se destaca o seguinte: "(...) Mais Valias fiscais por valores de realização não reinvestidos - 2.416.307.800$00

O Sujeito Passivo procedeu à alienação de um terreno em C..... R........ pelo valor de 2.200.000$00, no qual apurou uma menos valia fiscal de 279.050.000$00.

Solicitada a apresentação de elementos justificativos do valor de aquisição, foram-nos remetidas escrituras justificativas do seguinte valor:

1929 - 40.000$00

1930 - 150.000$00

1946 - 837.500$00

Tendo em conta que os coeficientes de desvalorização da moeda são de 110,18 e 49,92 para os anos de 1929/1930 e 1946, respectivamente, apurou-se um valor líquido actualizado de 62.742.200$00:

Valor Aquisição Ano Aquisição Coeficientes

40.000$00 1929 110,18 4.407.200$00

150.000$00 1930 110,18 16.527.000$00

837.500$00 1946 49,92 41.808.000$00

Valor Líquido Actualizado 62.742.200$00
O apuramento da mais ou menos valia fiscal resulta dos seguintes cálculos:

Valor Realização 2.200.000.000$00

Valor Líquido Actualizado 62.742.200$00

Mais Valia Fiscal 2.137.257.800$00

Valor apurado pelo Sujeito Passivo (279.050.000$00)

Valor a corrigir 2.416.307.800$00

Tendo em conta que o Sujeito Passivo apurou uma menos valia fiscal de 279.050.000$00, há que acrescer ao lucro tributável o montante de 2.416.307.800$00 discriminado da seguinte forma:

Mais Valia Fiscal apurada 2.137.257.800$00

Menos Valia apurada pelo S.P. (279.050.000$00)

Valor a acrescer 2.416.307.800$00

(...)" - Cfr.

documento a fls. 275 a 282 do PAT apenso aos autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

(3) Por ofício enviado em 2 de Junho de 1999 foi a Impugnante notificada para exercer o direito de audição sobre o projecto de correcções à declaração periódica de IRC relativa ao ano de 1994, decorrente da análise interna, no prazo de 10 dias - Cfr. documento a fls. 273 do PAT;

(4) Em 17 de Junho de 1999 a Impugnante pronunciou-se, em sede de audição prévia, sobre o projecto de correcções à declaração periódica de IRC relativa ao ano de 1994 - Cfr. documento a fls. 61 a 70, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

(5) Nesse documento a recorrente aduz, nomeadamente, o seguinte (1):
1. A Inspecção Tributária propõe no projecto uma correcção à matéria colectável referente às Mais-valias fiscais do exercício de 1994, no montante de Esc. 2.416.307.800$00, com base nas escrituras de aquisição de um terreno em C....... R..... e respectivos coeficientes de actualização monetária aplicáveis, tendo corrigido o correspondente valor líquido actualizado.
2. Ora, a inspeccionada não concorda nem pode conformar-se com a proposta de correcção à matéria colectável da Inspecção Tributária relativamente a esta matéria, pelos seguintes factos:
3. No exercício de 1994, a inspeccionada dispunha enquanto valor de aquisição do referido terreno o montante de Esc. 22.500.000 e enquanto ano de aquisição 1930, ambos assim registados quer na Ficha de Imobilizado (doc. n° 1) quer nos demais documentos de suporte contabilísticos e fiscais.
4. Aliás este valor e este ano de aquisição transitam já desde o ultimo exercício relativamente ao qual a inspeccionada se encontra obrigada a manter em boa ordem livros de contabilidade, registos auxiliares e respectivos documentos de suporte - no caso 1989 - em conformidade com o n° 5 do artigo 98° do Código do IRC e com o artigo 40° do Código Comercial (doc. n°7).
5. No âmbito da referida inspecção ao exercício de 1994, os Serviços solicitaram a apresentação das escrituras justificativas, as quais foram apresentadas e onde constam
os seguintes valores:
1929: 40.000$00
1930: 150.000$00
1946: 837.500$00
6. Com base naqueles elementos, a Inspecção propõe a correcção dos valores líquidos actualizados para efeitos de apuramento da mais valia fiscal imputável ao terreno alienado em 1994.
7. No entanto, dada a antiguidade do imobilizado e os limites temporais associados ao encerramento das contas e preenchimento das suas obrigações fiscais, a inspeccionada ora efectuada, de um lapso apercebeu-se, no decurso da inspecção tributária, do lapso cometido relativamente à data de aquisição relevante para efeitos fiscais do bem em causa.
8. Com efeito, a data de aquisição para efeitos fiscais do terreno em causa indicada no mapa de mais e menos valias fiscais e respectivo coeficiente de actualização monetária, não se encontram correctas.
9. De facto, os valores de aquisição e as respectivas datas foram diferentes da indicada no mapa de mais e menos valias fiscais, não se reportando unicamente a 1930.
10. Conforme pode ser comprovado pelas declarações entregues desde 1964 até 1994, o valor contabilístico de Esc. 22.500.000 utilizado para efeitos de apuramento da mais e menos valia fiscal, retirado da respectiva ficha do imobilizado, corresponde ao valor de reavaliação daquele elemento efectuada no exercício de 1964 ao abrigo da Portaria n° 20258, de 28 de Dezembro de 1963.
11. Esta conclusão foi possível retirar do ponto 7. do Relatório, Balanço e Contas do exercício de 1964 (doc. n° 5), uma vez que neste exercício, a inspeccionada procedeu à reavaliação do seu activo imobilizado corpóreo ao abrigo da referida Portaria 20258, de 28 de Dezembro de 1963.
12. Sendo certo que a mencionada Portaria 20258, de 28 de Dezembro de 1963, permitiu a reavaliação do Activo Imobilizado corpóreo de acordo com o valor actual real dos bens à data da reavaliação, e não de acordo com coeficientes de actualização monetária, mecanismo este utilizado nas reavaliações legais posteriormente autorizadas.
13. Assim, resultou enquanto valor actual real, à data - 1964, atribuído pela inspeccionada aos terrenos de C...... R........, o valor de Esc. 22.500.000, valor este que se encontra expresso na ficha do Imobilizado da Empresa.
14. Conforme poderá ser comprovado pela Inspecção, através da análise das declarações entregues desde 1964, entre os exercícios de 1964 e 1992, este bem foi sujeito a sucessivas reavaliações, ao abrigo de diplomas de carácter fiscal, conforme mapa anexo (doc. n° 3). A título de exemplo, relativamente a 1984, a ficha de Imobilizado do terreno apresenta o valor reavaliado nesse ano, no valor de Esc. 268.810.200 (doc. n° 6). O doc n° 3 resume toda a evolução do valor do terreno em causa, desde 1964 e até ao seu abate por alienação. Está perfeitamente claro que , de acordo com a legislação que autorizou reavaliações e a que fixou os coeficientes de actualização, de que o valor actualizado do bem, à data da alienação era de 850.229.233, valor este que consta, também, do mapa de abates de imobilizado (doc. n° 4)
15 Neste termos, o lapso cometido pela inspeccionada ao proceder ao preenchimento do mapa de mais e menos valias fiscais do exercício de 1994 foi, não o de ter considerado o valor de Esc. 22.500.000, mas apenas o de ter considerado como data para aplicação dos coeficientes de correcção monetária o ano de 1930. Na verdade, deveria ter considerado o ano de 1964, exercício no qual procedeu à reavaliação do seu Activo Imobilizado corpóreo, no qual se incluía o referido terreno, ao abrigo da citada Portaria 20 258, de 28 de Dezembro de 1963.
16. De facto, como é sobejamente conhecido por parte da Administração Fiscal, para efeitos de cálculo das mais e menos valias fiscais de bens alienados e reavaliados ao abrigo da Portaria 20 258, de 28 de Dezembro de 1963, bem como de reavaliações anteriores ou valores atribuídos aos bens, desde que efectuadas antes de 1 de Janeiro de 1965, exercício em que foram introduzidos os impostos parcelares de mais-valias e de Contribuição Industrial, são relevantes para efeitos de amortização e de apuramento de mais/menos valias fiscais e enquanto valor de aquisição dos elementos, os valores que resultaram daquelas reavaliações ou da atribuição na abertura de escrita.
17. Embora porventura desnecessário, chamamos a atenção da Inspecção para a alínea a) do artigo 12° do Código do Imposto de mais-valias, para o artigo 3 da Portaria 737/81, de 29 de Agosto, bem como para a Circular 25/68 da Contribuição Industrial, (Doc. n° 2) que alarga o regime fiscal da relevância dos valores resultantes da reavaliação efectuada ao abrigo da Portaria 20 258, de 28 de Dezembro de 1963, aos valores resultantes de reavaliações anteriores e aos valores de abertura de escrita, desde que anteriores a 1965.
18. Em face de todo o acima exposto, resulta que o apuramento da mais/menos valia fiscal deveria ter conduzido não ao apuramento de uma menos-valia fiscal do valor de 279.050.000, conforme, por lapso, foi efectuado, mas sim ao seguinte valor (…) 1.274.575.000
(…)
22. Em face do acima exposto, não pode a inspeccionada concordar com a correcção proposta pela Inspecção, atendendo ao facto de, ao pretender corrigir o valor de aquisição com referência aos valores constantes na escritura, a Inspecção Tributária estar, claramente, a violar um dos princípios do procedimento da Inspecção Tributária, definido no artigo 5° do Decreto-Lei n° 413/98, de 31 de Dezembro, que institui o RCPIT.
(…)
25.Ora, no caso sub judice, o procedimento correcto a adoptar pela Inspecção Tributária, não pode deixar de ter em conta os normativos supra invocados, designadamente o artigo 5.º do RCPIT e, como tal, ao proceder aos ajustamentos correspondentes aos lapsos cometidos no preenchimento do mapa de Mais e menos valias fiscais da ora inspeccionada relativos ao exercício de 1994, a Inspecção Tributária deverá considerar enquanto valor de aquisição o valor resultante da reavaliação efectuada ao abrigo da Portaria 20.258, de 28 de Dezembro de 1963, e enquanto ano de aquisição para efeitos de aplicação dos coeficientes de desvalorização monetária, o ano de 1964, conforme consta dos docs. 3 e 4 e das declarações entregues pela inspeccionada desde 1964.
(…)
28.Assim a inspeccionada propõe-se entregar uma Declaração de substituição da Declaração modelo 22 de IRC de 1994, nos termos do artigo 97° do Código do IRC, no mais curto espaço de tempo necessário à sua elaboração.
(…)
32.Face a tudo quanto foi dito, e ao propor-se praticar os actos considerados necessários à reposição dos factos. que ficaram, indubitavelmente, a dever-se a um lapso cometido pela ora inspeccionada no preenchimento do mapa supra citado, repondo o prejuízo para o Estado, a mesma entende que deixariam, assim, de existir fundamentos para prosseguir com a correcção proposta, a qual deverá ser excluída das propostas de correcção da matéria colectável do exercício de 1994, constantes do projecto de relatório da Inspecção Tributária.

(6) Em 22 de Junho de 1999 a Impugnante entregou, nos serviços da DGCI, declaração modelo 22 de IRC, de substituição - Cfr. documento n°5 junto com a p.i.;

(7) Em 22 de Junho de 1999 a Impugnante efectuou o pagamento de IRC relativo ao exercício de 1994, no valor de Esc. 218.866.243$00 - Cfr. documento n.º 8 junto com a p.i., não impugnado;

(8) Em 25 de Junho de 1999 foi elaborada a Conclusão de Correcções decorrentes da análise interna da declaração periódica de IRC relativa ao ano de 1994, onde consta o seguinte:
"(...) Quadro 20 Linha 16 e Linha 30 - Mais Valias fiscais por valores de realização não reinvestidos - 2.416.307.800$00
O Sujeito Passivo procedeu à alienação de um terreno em Cabo Ruivo pelo valor de 2.200.000$00, no qual apurou uma menos valia fiscal de 279.050.000$00.
Solicitada a apresentação de elementos justificativos do valor de aquisição, foram-nos remetidas escrituras justificativas do seguinte valor: 1929 - 40.000$00 1930 - 150.000$00 1946 - 837.500$00
Tendo em conta que os coeficientes de desvalorização da moeda são de 110,18 e 49,92 para os anos de 1929/1930 e 1946, respectivamente, apurou-se um valor líquido actualizado de
62.742.200$00: Valor Aquisição Ano Aquisição Coeficientes
40.000$00 1929 110,18 4.407.200$00
150.000$00 1930 110,18 16.527.000$00
837.500$00 1946 49,92 41.808.000$00
Valor Líquido Actualizado 62.742.200$00

O apuramento da mais ou menos valia fiscal resulta dos seguintes cálculos:

Valor Realização 2.200.000.000$00
Valor Líquido Actualizado 62.742.200$00
Mais Valia Fiscal 2.137.257.800$00
Valor apurado pelo Sujeito Passivo (279.050.000$00)
Valor a corrigir 2.416.307.800$00

Tendo em conta que o Sujeito Passivo apurou uma menos valia fiscal de 279.050.000$00, há que acrescer ao lucro tributável o montante de 2.416.307.800$00 discriminado da seguinte forma:
Mais Valia Fiscal apurada 2.137.257.800$00
Menos Valia apurada pelo S.P. (279.050.000$00)
Valor a acrescer 2.416.307.800$00
NOTA: Foi concedido o direito de audição, nos termos do n°1 do Artigo 60° da LGT e n°3 do Artigo 60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), através da notificação n° 2605 de 02/06/99, tendo sido exercido pelo S.P. em 17/06/99, contudo, face aos elementos enviados e após análise é de manter as correcções efectuadas." -
Cfr. documento a fls. 282 e 283 do PAT, apenso aos autos;

(9) No seguimento de tal acção de análise interna, em 1 de Julho de 1999, a Administração Tributária emitiu a liquidação adicional de IRC n° ................. no montante de Esc. 1.572.387.919$00, cuja data limite para pagamento voluntário ocorreu em 15 de Setembro de 1999 - Cfr. documento a fls. 122;


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Na motivação a sentença exarou o seguinte: “Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, e das informações oficiais constantes dos autos, conforme referido no probatório”.


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b) - De Direito

A recorrente insurge-se contra a sentença que julgou totalmente improcedente a impugnação que deduziu contra a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1994, em que argumentou estar a mesma inquinada do vício de violação do dever de fundamentação, plasmado no n° 7 do artigo 60° da LGT e violação de lei, por ofensa ao disposto nos artigos 43.° e 98.º, n.º 5, do CIRC.

No presente recurso reedita esses argumentos que pela sentença recorrida foram considerados improcedentes.

No que concerne ao primeiro argumento a recorrente reitera que o Relatório Final peca por falta de fundamentação, já que se pronunciou sobre as questões que suscitou na audiência prévia com uma mera referência “aos elementos enviados” [pela recorrente], e com a conclusão de que “após [a sua] análise é de manter as correcções efectuadas", o que no entender da recorrente nada acrescenta de substancial ao projecto de decisão e omite qualquer discussão sobre as questões que suscitou após este lhe ter sido remetido, não sendo por isso um acto fundamentado tal como impunha o art.º 60°, n.º 7, da LGT.

Esta norma estabelece que “os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.

Comentando este preceito António Lima Guerreiro adverte que o “princípio da participação inscrito no artigo 267.º, número 5, da C.R.P. incide, apenas, sobre a verificação e identificação dos factos relevantes para a decisão. No mesmo sentido concorrem o artigo 100.º, número 1, que prevê exclu­sivamente o exercício do direito de audição junto do órgão instrutor, e o artigo 103.º, número 2, alínea a), que dispõe esse direito ter por objecto as provas produ­zidas. As questões meramente de direito não cabem, assim e salvo legislação especial, no âmbito do mero direito de audição”. Mas o mesmo autor não deixa de assinalar que “a circunstância de o direito de audição não compreender a matéria de direito não significa que os factos sobre que incide não devam ser objecto de uma valoração jurídica.

O próprio número 4 do presente artigo impõe que a Administração Tributária envie ao contribuinte projecto de decisão com a sua fundamentação, o que implica uma valoração jurídica, posto que provisória, dos factos apurados pela Administração Tributária e apresentados ao contribuinte. É curioso que a obrigatoriedade desse dever não é líquida perante a doutrina a propósito do C.P.A.. É inequívoca na Lei Geral Tributária”.

Pois bem. No caso em apreço a recorrente suscitou na audiência prévia duas questões: a primeira consistente em afirmar que o marco temporal inicial para efeitos de avaliação da mais valia era 1964 e não a data de aquisição do imóvel; isto porque foi esse ano, em que foram introduzidos os impostos parcelares de mais-valias e de Contribuição Industrial, que se tornou relevante para a reavaliação do activo imobilizado corpóreo, por força da Portaria 20 258, de 20-12-1963. A segunda questão diz respeito à falta de elementos contabilísticos para além de dez anos antes da data da venda (1994), que a recorrente entende que não lhe podem ser exigidos nem valorada contra si a sua não exibição.

Estas questões, cuja resposta tem evidente natureza jurídica, assentam porém em pressupostos de facto e por isso essa resposta é obtida a partir de um silogismo semelhante ao silogismo judiciário. Não são, pois, questões estritamente jurídicas, mas antes questões de facto que demandam uma determinada resposta jurídica.

Ora, em relação a tais questões a AT apenas se limitou a tecer a singela consideração que acima se citou, não podendo extrair-se da mesma que tenham sido tomados efectivamente em conta os elementos novos que a recorrente carreou em sede de audiência prévia. Até pode suceder que quem elaborou o relatório final se tenha debruçado sobre os mesmos; contudo, como não exteriorizou convenientemente a sua posição concreta, o raciocínio, o caminho lógico percorrido e que esteve na base da decisão de desconsiderar os argumentos da recorrente, não pode entender-se sequer que o acto está minimamente fundamentado.

Como acentua FREITAS DO AMARAL “a fundamentação de um acto administrativo consiste na enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a dotá-lo de certo conteúdo”, sendo que a fundamentação “em primeiro lugar tem que ser expressa, ou seja, enunciada no contexto do próprio acto pela entidade decisória. Em segundo lugar, a fundamentação tem que consistir na exposição, ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e de direito da decisão. Não basta, pois, mencionar os factos relevantes ou anunciar uma “política pública” justificativa da decisão: há que referir também o quadro jurídico que habilita a Administração a decidir, ou o decisor de certo modo. Trata-se de um corolário do princípio da legalidade como fundamento da acção administrativa.” (2)

A importância da fundamentação advém do seu papel estruturante na concretização do Estado de Direito, que justifica que tenha sido alcandorada a direito fundamental (cfr. art.º 268.º, n.º 3 da CRP).

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1 do CPA, “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.”

Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto (art.º 125.º, n.º 2, do CPA). Mas não basta a mera remissão para o parecer, informação ou proposta: é necessário que estas contenham, ainda que de forma sucinta, as razões de facto e de direito que permitam compreender o sentido da decisão.

Como se vê, a fundamentação ou motivação - como elemento do acto administrativo - constitui um requisito de forma incontornável, e que de resto assim é encarado em todas as teorias do acto administrativo comuns aos sistemas jurídicos que comungam da mesma matriz do sistema romano-germánico, porque justamente se entende que ela é uma garantia dos particulares.

Como refere AGUSTÍN GORDILLO (3), “la garantía de la fundamentación del acto no es una cuestión secundaria, instrumental, prescindible o subsanable. Así como una sentencia no es tal si no está fundada en hechos y en el derecho, la decisión administrativa es abuso de poder, es arbitrariedad, es sistema autoritario de gobierno, si no tiene la humilde explicación que la coloca por debajo del derecho y no por encima de los hombres”. E acrescenta o mesmo autor: “en lo que respecta a los actos fundados en parte en facultades discrecionales, no habría forma de controlarlos si no se exigiera una fundamentación suficiente y adecuada, pues ello equipararía a la existente discrecionalidad como sinónimo de arbitrariedad”.

No caso em concreto não é possível dizer-se, como se disse na sentença recorrida, que referindo o relatório que “face aos elementos enviados e após análise é de manter as correcções efectuadas”, a fundamentação do acto, embora não sendo um “modelo de fundamentação” cumpriu o seu desiderato porque a recorrente “logrou compreender as razões da decisão”. Não as compreendeu porque é objectivamente impossível saber porque motivo a AT entende que o momento inicial relevante para o apuramento da mais valia é a data de aquisição e não a data da reavaliação, e também porque não é possível apurar - mediante a aplicação do critério do destinatário médio, imbuído de sagacidade e diligência normais e colocado no lugar da recorrente - quais as razões que justificam que recaia sobre o sujeito passivo o ónus de prova de factos em relação aos quais a lei não exige prova documental, face ao decurso do tempo entre o momento da sua prática e a altura em que relevaram para o procedimento inspectivo.

Em resumo e para concluir, procedem os argumentos da recorrente no que concerne à questão da fundamentação do acto impugnado, que efectivamente padece do vício de falta de fundamentação, o que justifica a sua anulação.


*

Mas, como vem sendo entendido pela jurisprudência, a falta de fundamentação não gera necessariamente a anulabilidade do acto se se vier a concluir que a solução dada ao caso concreto não poderia ser outra face aos factos e ao quadro jurídico aplicável. Nesta perspectiva, a falta de fundamentação nenhum desvalor jurídico encerra, convertendo-se antes em mera irregularidade por preterição de uma formalidade legal.

É o chamado princípio do aproveitamento do acto.

Como assim é incontornável sindicar no caso sub judice a solução jurídica encontrada pela AT quanto à determinação da mais valia obtida pela recorrente o que nos obriga a fazer um excurso histórico por esta figura tributária.

O Decreto-Lei n.º 45103, de 1 de Julho de 1963, que aprovou o Código da Contribuição Industrial (CCI) e aboliu determinados regimes especiais de liquidação da contribuição industrial, o imposto do selo relativo às licenças das verbas IV, VI, VI-A, VI-B, VII a XVIII, XXI e XXX a XXXII do artigo 105 da tabela geral do imposto do selo, o imposto proporcional sobre a indústria mineira e o imposto sobre águas mineromedicinais e suas explorações e a taxa de soberania a que se referem os Decretos n.os 12439 e 12973, inseriu-se na reforma tributária dos anos sessenta, que teve por objectivo a instauração da tributação dos rendimentos reais, condenando o arbítrio e o método de tributação segundo os rendimentos normais, que reservou apenas para aqueles casos de impossibilidade de apuramento e determinação dos rendimentos reais (4).

Na reforma tributária atrás referida assume particular relevo a tributação das mais-valias, que passa a ter uma nova feição com a criação do imposto de mais-valias operada pelo Código do Imposto de Mais-Valias (CIMV), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373 de 09-07-1965. Se bem que a tributação das mais-valias já ocorresse para os encargos de mais-valia previstos na Lei n.º 2030 e no Decreto-Lei n.º 41616, para o selo de traspasse, pago pelo tomador do local, no imposto sobre a aplicação de capitais, nos aumentos de capital das sociedades por acções e por quotas, mediante incorporação de fundos de reserva e emissão de acções com preferência para os accionistas, é com o referido diploma que passam a ser tributadas por força de um imposto coerente e sistematicamente delineado.

O CIMV previa, no seu artigo 12.º, mecanismos de correcção monetária do valor de aquisição dos elementos, bens ou valores do activo imobilizado das empresas, dispondo o art.º 15.º que “ocorrendo desvalorização da moeda, os valores de aquisição mencionados nas alíneas a), b) e c) do artigo 2.º serão sempre corrigidos pelos coeficientes a que se refere o § 3.º do artigo 25.º do Código da Contribuição Industrial”. Ora, este artigo dispõe que “as mais-valias não contam para a determinação do lucro tributável”, acrescentando no § 1.º que “só se consideram mais-valias, para efeitos deste código, os proveitos ou ganhos realizados, mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, em elementos do activo imobilizado ou em bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição” e no § 2.º que “a mais-valia é dada pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição eventualmente corrigido”.

Manifestamente preocupado com a ideia de justiça fiscal que a reforma visou implementar, no § 3.º desse mesmo artigo o legislador consagrou o princípio da atendibilidade da correcção monetária na determinação das mais-valias, dispondo que “o Ministro das Finanças publicará, em portaria, os coeficientes a tomar em conta para atender à desvalorização da moeda”.

É no contexto desta reforma que a Portaria n.º 20258, de 28 de Dezembro de 1963, que permitiu às entidades, singulares ou colectivas, sujeitas a contribuição industrial, procederem até 31 Dezembro de 1964 à reavaliação dos seus activos imobilizados, para efeito de actualização dos seus balanços, assume um papel fulcral no que respeita à questão das mais-valias.

De facto, de harmonia com o diploma, a reavaliação apenas podia incidir sobre os elementos do activo imobilizado corpóreo que estivessem e permanecessem ao serviço empresa, ainda que completamente reintegrados, tendo como limite o valor real dos activos à data.

Nos termos do art.º 45.º do CCI a recorrente foi obrigada a apresentar uma declaração anual na repartição de finanças do concelho ou bairro da sua sede, que obrigatoriamente incluía, nos termos do art.º 46.º, al. f), um Relatório técnico onde, para além das demais menções exigidas por lei, se incluíam, por força do n.º 6 da referida Portaria, as variações de acréscimos de valor resultantes da actualização ocorridas em cada uma das contas do activo imobilizado, de forma que permita uma discriminação perfeita do saldo da conta «Reserva de reavaliação».

Considerando que a tributação em mais-valias dos activos imobilizados se opera a partir da reforma tributária acima referida, mais concretamente a partir da entrada em vigor do CCI e do CIMV, é evidente que a Portaria n.º 20258 não pode ser postergada na solução jurídica do caso em apreço; isto é, dito de outro modo, a mais valia gerada com a venda do imóvel em 1994 não pode partir dos valores de aquisição (de resto realizada em três momentos distintos) mas antes do valor de reavaliação efectuado em 1964.

E esta reavaliação não foi feita “à socapa”! Além de ser permitida e de certo modo imposta pelo quadro legal então vigente, o seu conhecimento pela autoridade fiscal é inquestionável. Por isso, o valor de reavaliação do imóvel não pode ser por esta questionada, já que ao longo dos anos o aceitou como correcto, bem sabendo quais as consequências jurídicas que daí poderiam advir, nomeadamente ao nível do apuramento de mais-valias.

Isto é, a mais valia gerada com a venda do imóvel tem de partir, necessariamente, do valor da reavaliação em 1964 (22.500.000$00), com correcção monetária desde esse ano até ao ano da venda.

Concluiu-se, por isso, que o acto tributário em causa, ao ter optado por diferente metodologia no apuramento da mais-valia fiscal, não está isento de outras ilegalidades para além da falta de fundamentação.

Mas dir-se-á: a recorrente não provou através da exibição dos pertinentes documentos o valor dessa reavaliação, designadamente das benfeitorias que exponenciaram o valor de aquisição.

Só que, como já se referiu, não só a recorrente estava vinculada ao limite do valor real do terreno no momento da reavaliação, como essa reavaliação foi levada ao conhecimento da autoridade fiscal e o respectivo valor não foi por esta questionado, aceitando-o, portanto, como fidedigno. Por outro lado, as normas que obrigam as empresas a conservar a contabilidade, melhor dizendo, os documentos comerciais, durante o prazo de dez anos [art.º 40.º do CCom e artigos 98º, nº 5 (actual 123.º, n.º 4) do CIRC], servem precisamente para desonerar o contribuinte do ónus de prova em casos em que essa documentação é relevante.

Aliás, como bem refere a recorrente nas suas conclusões, “antes da Reforma Fiscal operada na década de 1960, os contribuintes não estavam legalmente obrigados a possuir registos e documentos de suporte para os seus activos corpóreos - nem para as despesas ou benfeitorias realizadas - sendo, pois, chocante, que a Administração Tributária, passados que estavam mais de 30 anos sobre a publicação da referida legislação, venha a exigir à Recorrente a reconstituição cabal do valor de aquisição de um imóvel adquirido em 1930”

Como se decidiu no acórdão do STA (pleno da Secção de CT) de 08-11-2006 (5):

I – O prazo para o contribuinte guardar os livros de contabilidade, registos auxiliares e respectivos documentos de suporte é de dez anos, conforme estabelece o art.º 98º, nº 5 do CIRC.

II – Não tendo o contribuinte apresentado quaisquer elementos justificativos dos valores considerados como valores de aquisição de imóvel, alegando que já não os possuía “pelo decurso do tempo”, não pode a Administração Fiscal concluir que aquele não fez a prova dos elementos que compõem o respectivo valor de aquisição, designadamente daqueles que sejam diferentes do preço propriamente dito e levar em consideração o valor constante da escritura para efeito de cálculo de menos/mais-valias.

III – Pelo que, não tendo a Administração Fiscal feito a demonstração da incorrecção da fixação do valor contabilístico, não é legítimo, uma vez decorrido o prazo a que alude o predito artº 98º, nº 5, exigir do contribuinte a prova do mesmo.

Em resumo e para concluir: o recurso merece provimento, o que significa revogar a sentença recorrido e anular parcialmente acto tributário impugnado. É que não obstante a constatação de que o acto padece do vício de falta de fundamentação, essa anulação parcial justifica-se pelo princípio do aproveitamento (neste caso parcial) do acto impugnado.

Tendo a recorrente apresentado declaração de substituição, em que procede ao pagamento do imposto devido tendo em conta a contabilização da mais-valia a partir de 1964, nos termos exposto, e através da qual liquidou Esc. 218.866.243$00, a anulação parcial determina o reembolso do diferencial que se vier a apurar.

Sobre esse montante são devidos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43. ° da LGT, a computar, como pede a recorrente, “entre o termo do pagamento indevido e a emissão do respectivo titulo de crédito.


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3 - Dispositivo:

Em face de todo o exposto acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e anular parcialmente o acto impugnado, com restituição à recorrente da diferença entre o montante do imposto devido e o montante efectivamente cobrado.

A esse montante acrescem juros indemnizatórios à taxa legal, desde o momento em que as quantias foram entregues à AT até ao momento da sua restituição.

Custas pela Fazenda Pública.

D.n.

Lisboa, 2013-10-17

______________________ (Benjamim Barbosa, Relator)

__________________________ (Pereira Gameiro)

____________________________ (Jorge Cortez)
(1) Aditado
(2) Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Coimbra, Almedina, 2001, p. 352 e ss.
(3) Tratado de Derecho Administrativo, T. III, pp. X.13 e X.17, disponivel na web in http://www.gordillo.com/
(4) Cfr. João Ricardo Catarino, Para uma Teoria Politica do Tributo, 2.ª ed., Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º 184, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 2009, p. 321.
(5) Rec. n.º 0244/06, Rel. Cons. Pimenta do Vale.