Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03485/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/26/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO IMI
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS NA FASE DE RECURSO
INDEMNIZAÇÃO PELOS ENCARGOS SUPORTADOS COM A GARANTIA BANCÁRIA
Sumário:I) -Em sede de recurso, só dentro dos limites indicados no nº 1 do art. 524º do CPC ou só no caso de a junção se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, é que as partes podem juntar documentos às alegações, tudo nos termos nos nºs. 1 e 2 do art. 706º do mesmo Código, não estando aí abrangida a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção e pretender, com tal fundamento, juntar à alega­ção documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1ª instância.

II) -A junção de documentos às alegações de recurso só poderá ler lugar se a decisão da 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não ofere­cido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam.

III) -O ónus de alegação é consequência do regime de ónus de prova a cargo do impugnante o qual é determinado pelo regime substantivo que enforma a relação jurídica tributária controvertida, nos termos gerais do artº 342º nº 1 C. Civil.

IV) -A parte que deve exercer a actividade probatória relativamente aos factos que servem de fundamento à acção, de acordo com o princípio do dispositivo e sob pena de correr o risco de ver inferida a pretensão que deduziu em juízo (artº 516º CPC) é a parte que exerce o direito de acção.

V) -A prova produzida há-de ser não só a prova aduzida pelas partes, como também a prova que ao juiz se impõe diligenciar nos termos do art. 13º, nº 1 do CPPT.

VI) -Tratando-se de erro imputável aos serviços da Administração Fiscal o contribuinte terá sempre direito a ser indemnizado pela prestação de garantia bancária indevida para suspender a execução (nºs 1 e 2, do artº 53º, da Lei Geral Tributária) desde que peticione a atribuição dessa indemnização e se faça prova dos encargos suportados.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:


1. - A... Imobiliária, Lda, com os sinais identificadores dos autos, recorre da sentença da Mmª. Juiz do T.T. de Lisboa que, julgou procedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação de IMI, do ano de 2004, no montante de 29.909,72 €, relativo ao prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Santa Maria dos Olivais, em Lisboa, sob o n.º3915, e lhe indeferiu o pedido de indemnização por prestação de garantia bancária.
Em sede de alegações formulou as seguintes conclusões:
“a) No caso em apreço, a ora Recorrente solicitou, no âmbito da correspondente Impugnação Judicial, a indemnização pelos prejuízos resultantes da garantia bancária prestada para suspender o processo de execução fiscal que lhe foi instaurado em consequência da nota de liquidação nessa sede contestada.
b) A mencionada garantia bancária foi prestada em 09 de Janeiro de 2006.
c) Acresce que, resulta absolutamente claro da sentença recorrida que a nota de liquidação discutida nos presentes autos e a correspondente execução fiscal instaurada para a sua cobrança nunca deveriam ter sido, respectivamente, proferida e instaurada, já que para o ano em causa vigorava uma suspensão de tributação em sede de IMI devidamente comunicada à Administração Fiscal mas que esta decidiu, erroneamente, ignorar.
d) Assim sendo, encontram-se reunidos os requisitos para o Tribunal a "quo" deferir o pedido de indemnização em causa ao abrigo dos artigos 53. ° da LGT e 171 , ° do CPPT.
e) Com efeito, a Recorrente não vislumbra que decorra do cotejo dos citados artigos qualquer ónus de alegar "a priori", isto é, aquando da apresentação perante o Tribunal da Impugnação Judicial, de quaisquer outros factos adicionais ou paralelos à matéria controvertida nos autos mas, tão-só, a necessária formulação do pedido de indemnização.
f) uma vez que a respectiva causa de pedir reconduz-se à verificação, por parte do Tribunal, da prestação da garantia e dos danos daí decorrentes.
g) E tal verificação ou prova de que a garantia bancária ou equivalente foi indevidamente prestada, resultará, necessariamente, da decisão que for proferida nos autos sobre o fundo da questão.
h) No que concerne ao "quantum" da indemnização em causa, a lei faculta a possibilidade de não indicar, no momento do pedido, a importância exacta dos danos, bem como a possibilidade de liquidar os mesmos em sede de execução de sentença, razão pela qual não existe, igualmente, qualquer ónus de liquidar os custos respeitantes à garantia nos presentes autos.
i) Face a todo o exposto, deverá o Tribunal recorrido deferir o pedido de indemnização em causa, sob pena de, sufragando-se entendimento adverso, violação dos artigos 53º da LGT e 171.°do CPPT.
Nestes termos, deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se a decisão sob censura na parte ora recorrida, tudo com as legais consequências, assim fazendo Vossas Excelências, a costumada justiça.”.
Não houve contra-alegações.
O EPGA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos
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2.- Pelos documentos juntos aos autos a Mmª Juíza «a quo» deu como provados, com interesse para a decisão do processo, os seguintes factos:
1. Por escritura pública outorgada no dia 7 de Março de 2002, a impugnante adquiriu um lote de terreno para construção com o n.°3.01.03, situado na Zona de Intervenção da Expo 98, Freguesia de Santa Maria dos Olivais, Concelho de Lisboa, e inscrito na respectiva matriz sob o art. 3915 (cf. cópia da escritura de compra e venda, a fls. 28-31, do PAT).
2. Em 24 de Setembro de 2002, deu entrada nos serviços da repartição de finanças, de Lisboa 14, um requerimento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, através do qual a impugnante pediu “ao abrigo do disposto no art.º 10.° n.° 1 e) e n.° 5 do Código da Contribuição Autárquica", em relação ao prédio urbano melhor identificado no ponto anterior, a suspensão da "correspondente contribuição autárquica por um período de 4 anos", referindo no mesmo que o prédio em causa "passou a figurar no seu activo desde 30 de Junho de 2002" (cf. cópia do requerimento, a fls. 9, dos autos, e fls. 26, do PAT).
3. Para instruir o requerimento melhor identificado no ponto anterior, a impugnante juntou cópia da escritura de compra e venda do prédio urbano em causa e do balancete relativo ao mês de Junho de 2002, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e no qual figura a inscrição do lote de terreno melhor identificado no ponto 1 (cf. cópia do requerimento, a fls. 9, dos autos, e fls. 26, do PAT).
4.Em 21 de Novembro de 2002, foi emitida informação pelos serviços da repartição de finanças de Lisboa 14, propondo o indeferimento do requerido pela impugnante, com fundamento no facto de "nos extractos contabilísticos que junta ao pedido não fica demonstrado da contabilização do lote de terreno no activo da empresa, uma vez que, quer a designação quer o montante, não correspondem ao escriturado", e porque "o lote ao ter sido adquirido no mês de Março, seria sempre a contabilização relativa aquele mês a que deveria ser demonstrada, o que não é o caso" (cf. fls. 47, do PAT).
5. Em sede de audiência prévia, a impugnante veio alegar que a contabilização do lote de terreno para construção em causa ocorreu não em 30 de Junho de 2002, indicação dada no seu requerimento inicial por lapso, mas em 31 de Dezembro de 2001, juntando para o efeito cópia do balancete relativo ao mês de Dezembro de 2001, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. fls. 48 a 51 do PAT).
6. Em 30 de Junho de 2005, foi emitida informação pelos serviços da repartição de finanças de Lisboa 14, propondo o indeferimento do requerido pela impugnante, com fundamento no facto de o pedido ter sido apresentado fora do prazo, porque a aquisição do prédio ocorreu em 7 de Março de 2002 e a sua contabilização no activo da empresa em Dezembro de 2001 (cf. fls. 55, do PAT).
7. Em 30 de Junho de 2005, foi exarado despacho de indeferimento do pedido da impugnante, pelo chefe do serviço de finanças de Lisboa 14, tendo for fundamento "o lote de terreno foi adquirido em 7 de Março de 2002, por escritura lavrada no 26.° Cartório Notarial de Lisboa, facto impeditivo da escrituração do lote na escrita da empresa em Dezembro de 2001" (cf. fls. 54, do PAT).
8. Em 5 de Agosto de 2005, a impugnante recorreu hierarquicamente, para o director da 2.ª direcção de finanças de Lisboa, do indeferimento melhor identificado no ponto anterior (cf. requerimento inicial do recurso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a fls. 57-60, do PAT).
9. Em 17 de Março de 2005, foi emitida a liquidação de imposto municipal sobre imóveis n.°2004 125781503, relativa ao ano de 2004, na qual é determinada a colecta de Euros 29.909,72, relativamente ao imóvel melhor identificado no ponto 1 (cf. fls. 10, dos autos, e fls. 19, do PAT, volume II).
10. Em 28 de Novembro de 2005, a impugnante interpôs reclamação graciosa da liquidação de IMI n.°2004 125781503 (cf. requerimento inicial da reclamação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no processo de reclamação apenso).
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Em sede fáctica, convém tomar aqui posição sobre a junção aos autos dos dois documentos com que a recorrente instruiu o presente recurso visando infirmar a decisão sobre o pedido de indemnização, por danos decorrentes da prestação indevida da garantia.
Importa, pois, aquilatar não só da admissibilidade como da eficácia probatória de tais documentos.
Como é sabido, os recursos configuram-se como meio de impugnação das decisões dos tribunais inferiores e visam modificar as decisões recorridas e não apreciar questões não decididas pelo tribunal «a quo», ou seja, são meios de obter a reforma daquelas decisões e não vias jurisdicionais para alcançar decisões novas, como resulta, aliás, do disposto nos arts. 676º, nº 1, 680º, nº 1 e 690º, todos do CPC. O seu objecto tem de cingir-se, em regra, à parte dispositiva da decisão (nº 2 do art. 684º do CPC) e encontra-se, portanto, objectivamente limitado pelas questões postas ao tribunal recorrido (cfr. A. Reis, CPC anot. V, 211; A. Varela, Manual Processo Civil, 1ª ed., 52; Castro Mendes, Recursos, 1980, 14; Acs. do STJ, de 23/2/78, BMJ, 274, 191 ss. e de 25/2/93, CJ - Acórdãos do STJ, Ano I - Tomo I, 151 ss.; cfr., também, Acs. do STA, de 12/05/93, Rec. nº 15.478 e de 6/05/92, Rec. nº 10.558).
Assim, na fase de recurso não pode ser atendido um documento, só então junto, que não se destine a provar facto alegado pelo recorrente (cfr. neste sentido o Ac. do STJ, de 4/12/79, BMJ, 292, 313 ss. e o Ac. RP, de 18/6/79, CJ 3º, 989 ss.).
Com efeito, em sede de recurso, só dentro dos limites indicados no nº 1 do art. 524º do CPC ou só no caso de a junção se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, é que as partes podem juntar documentos às alegações, tudo nos termos nos nºs. 1 e 2 do art. 706º do mesmo Código, onde se dispõe:
«1. As partes podem juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o artigo 524º ou no caso de a junção se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
2. Os documentos supervenientes podem ser juntos até se iniciarem os vistos aos juízes; até esse momento podem ser também juntos os pareceres de advogados, professores ou técnicos.»
Nesse sentido, veja-se o Ac. STJ, de 12/1/94, BMJ 433, 467 e ss., em que se expende:
«Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser juntos ao processo com os articulados em que se aleguem os factos correspondentes.
Não o sendo, a parte pode juntá-los até ao encerramento da discussão em 1ª instância mas será condenada em multa a não ser que prove que não pode oferecê-los com o articulado (art. 523º do CPC).
Após o encerramento da discussão na 1ª instância são admitidos, conforme dispõe o nº 1 do art. 524º do mesmo diploma, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
O nº 2 daquele artigo permite que os documentos destinados a provar os factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado neces­sária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.
Mas, a frase «em qualquer estado do processo» significa, conforme diz José Alberto dos Reis, que os documentos em referência podem ser juntos mesmo depois de encerrada a discussão em 1ª instância, mas, como é evidente, na 1ª instância (vide Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág. 18).
No que diz respeito ao recurso de apelação, o artigo 706º do Código de Processo Civil prescreve no seu nº 1 que «as partes podem juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o artigo 524º ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância».
Relativamente à primeira parte daquele número, é necessário, para que a junção seja lícita, que a parte demonstre que não lhe foi possível juntar os documentos até ao encerramento da discussão na 1ª instância.
Relativamente à última parte do mesmo número, a lei não abrange, conforme dizem Antunes Varela. J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alega­ção documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1ª instância.
O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela funda­mentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário pro­var factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida (vide Manual de Processo Civil. 2ª ed., págs. 533 e 534).
O advérbio «apenas», usado na disposição legal significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª instância.
Assim a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não ofere­cido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam (vide Antunes Varela, RLJ, ano 115º, pág. 95)».
Ora, no caso dos autos, os documentos juntos pela recorrente com as alegações recursórias, por fotocópia, consistem na garantia bancária prestada em 05 de Janeiro de 2006 para suspender a execução fiscal n.º34420050102420, do 11º Serviço de Finanças de Lisboa, concernente à liquidação do imposto em discussão nos autos –IMI, do ano de 2004, referente ao prédio descrito na matriz da freguesia de Santa Maria dos Olivais, sob o n.º 3915 – bem como aos pagamentos realizados com a manutenção da garantia, até 05 de Janeiro de 2009 (doc. 1 e 2 a fls. 88 a 101).
Das datas a que se reportam os factos documentados vê-se que se trata de documentos que se referem a factos que não são supervenientes, pois, a garantia bancária, bem como as despesas efectuadas de 05 de Janeiro a 05 de Julho de 2006 com a manutenção da garantia são anteriores à data da apresentação da presente impugnação e poderiam ter sido juntos em sede de articulado inicial, já no que concerne às demais despesas de manutenção comprovadas pelas fotocópias de fls. 92 a 101, também poderiam ter sido oferecidas antes da decisão da 1.ªinstância.
Por outro lado, também, é manifesto que os aludidos documentos são efectivamente relevantes na demonstração da materialidade da prestação da garantia bancária e das despesas efectuadas com a sua manutenção, e tendem a demonstrar erro de julgamento da sentença recorrida, na parte em que indeferiu o pedido de indemnização decorrente da prestação indevida da garantia, pelo que, em decorrência dos princípios do inquisitório e da livre investigação, aplicáveis no âmbito do direito tributário, sempre se imporia, se o seu conhecimento fosse do domínio do Tribunal, diligenciar pela respectiva junção, razão porque se devem manter nos autos, sem embargo de a recorrente dever ser condenada em multa pela respectiva apresentação tardia, atendendo à relevância dos mesmos.
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Com suporte nos documentos juntos em sede de recurso e ao abrigo do disposto no art.º712.º/1 do CPC, adita-se ao probatório, a seguinte factualidade:

11) Em 05 de Janeiro de 2006, foi emitida a garantia bancária n°125-02-0925340, pelo Banco Comercial Português, a favor do 11º Serviço de Finanças de Lisboa 2 (cfr. cópia da garantia bancária fls.111, doc. 1 junto com as alegações.)
12) A emissão da mesma destinou-se à suspensão do processo de execução fiscal n°34420050102420 do 11º Serviço de Finanças de Lisboa, sendo à data a quantia exequenda no montante de €29,909,27, referente ao prédio inscrito na matriz da freguesia de Santa Maria dos Olivais, sob o n.º 3915 (mesmo doc. e fls 22 e 23 do PAT).
13) A oponente teve custos inerentes à prestação da referida garantia, que, em 05-01-2009, totalizavam €2.969,13 (dois e mil novecentos e sessenta e nove euros e treze cêntimos) –cfr. doc. de fls. 112 a 124, doc. 2 junto com as alegações.).
14) A presente Impugnação Judicial foi apresentada no 11º serviço de Finanças de Lisboa em 01 de Setembro de 2006 (cfr. fls. 2).

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Tem-se também como assente ao abrigo do 712º do CPC o seguinte facto:

15) A liquidação impugnada foi, em consequência de revisão oficiosa, objecto de anulação parcial no valor de €21.462, 47, que corresponde ao imposto liquidado referente aos lotes de terrenos para a construção inscritos na freguesia de Santa Maria dos Olivais, sob os n.ºs 3942 e 3943 (informação constante de fls. 19 a 23 do PAT).

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3. - Atenta a ordem do julgamento estabelecida no artº 660º do CPC, aplicável ao recurso por força das disposições combinadas dos artºs. 713º nº 2 e 749º, ambos daquele Código, vemos que a questão sob recurso, suscitada e delimitada pelas conclusões da Recorrente, é a de saber se a impugnante deve ser indemnizada pelos danos provocados pela prestação da garantia e sua manutenção, destinada a suspender a execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da dívida referente à liquidação n.º 2004125781503, respeitante ao IMI, do ano de 2004, referente ao prédio inscrito na matriz da freguesia de Santa Maria dos Olivais, sob o n.º 3915.
Pretende a impugnante/recorrente que a Administração Fiscal seja condenada no pagamento dos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária por si apresentada para suspensão do processo de execução fiscal e tendo obtido vencimento de causa no processo de impugnação onde se discute a legalidade da dívida exequenda e sendo esta anulada por erro nos pressupostos de facto e/ou por erro nos pressupostos de direito, ou seja, por constatação de erro imputável aos serviços, tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da sua prestação, nos termos do art.° 53° da LGT.
Obtido vencimento de causa nos presentes autos de impugnação e tendo sido formulado atempadamente o pedido de indemnização, não poderia a douta sentença recorrida indeferir o mesmo.
Neste particular, a sentença recorrida limitou-se a afirmar que: “ (…) a impugnante não alega, como é seu ónus, quaisquer factos que permitam concluir quais os prejuízos decorrentes da alegada prestação de garantia, nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 1, do art. 53.°, da LGT, pelo que o pedido de indemnização em questão não pode proceder (…)”.
Quid Juris?
Dispõe o artº 53ºda LGT que:
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
De acordo com a doutrina do Acórdão do STA de 18/12/2002 tirado no Recurso nº 0940/02 e que é para o caso transponível dada a identidade de situações, o que se fará com a devida vénia, “se houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, o contribuinte tem sempre direito a ser indemnizado. Mas se houve erro imputável ao contribuinte na liquidação do tributo – v.g. erros na declaração de rendimentos ou outros – ele só terá direito a receber indemnização se o processo de impugnação não for resolvido no prazo de três anos.
Lógico: se o erro é imputável ao contribuinte a ele deve caber o custo pela prestação da garantia. Mas esse custo não dura indefinidamente, mas apenas pelo tempo razoável para o tribunal tributário julgar, com caso julgado, o processo de impugnação. Se o processo de impugnação se arrastar por mais de três anos, não é justo que o contribuinte tenha de suportar os custos da prestação de garantia por mais tempo.
Com esta interpretação, temos os campos de aplicação dos nºs 1 e 2 do artº 53º da LGT bem delimitados: o nº 1 aplica-se quando o erro for imputável ao contribuinte e o nº 2 aplica-se quando o erro for imputável aos serviços.
Vejamos a história destes preceitos.
No anteprojecto de LGT de 25.9.97, previa-se apenas a indemnização do sujeito passivo pela prestação de garantia por prazo superior a três anos (artº 41º). Se o erro fosse imputável aos serviços, aplicava-se a regra geral dos juros indemnizatórios.
Pelo anteprojecto de LGT de 26.11.97, o prazo para começar a receber a indemnização passou para um ano (artº 39º). Mantinha-se a regra geral quanto ao erro imputável aos serviços.
No anteprojecto de LGT de Dezembro de 1997, manteve-se o prazo de um ano de prestação de garantia como condição de indemnização (artº 38º).
Pelo anteprojecto de LGT de 16.2.98, manteve-se o prazo de um ano (artº 29º).
Finalmente, na versão definitiva do anteprojecto de LGT passou-se esse prazo para três anos (artº 53º, nº 1) e incluiu-se um nº 2 a dizer que não se aplicava o prazo quando o erro fosse imputável aos serviços na liquidação do tributo.
Resulta desta história dos preceitos que se quis fazer a distinção entre os casos de erro imputável aos serviços e de erro imputável ao contribuinte. Se o erro é imputável ao contribuinte, é lógico que ele sofra as consequências da sua inépcia e do seu erro. Mas se o erro é imputável aos serviços, a que título o contribuinte teria de sofrer as consequências desse erro?
Está aqui em causa um princípio muito importante de justiça processual, que foi descoberto por CHIOVENDA e trazido para Portugal pelo Prof. MANUEL DE ANDRADE: a inevitável demora do processo ou a necessidade de a ele recorrer não pode causar dano à parte que tem razão (cfr. Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 388).
Logo, se o erro foi dos serviços não pode ser o contribuinte a suportar os danos decorrentes desse erro.
Lendo a sentença, vemos que a Mª Juíza considerou ter havido erro na liquidação do tributo imputável aos serviços da Administração fiscal. Houve erros de facto e erros de direito.
Logo, o contribuinte tem direito a ser indemnizado, independentemente do prazo de prestação de garantia.
Por outro lado, está implícito ao longo de toda a douta sentença que o erro foi imputável aos serviços, e foi por isso que o acto de liquidação foi anulado. Finalmente, o artº 100º da LGT, no que diz respeito aos efeitos da decisão favorável ao contribuinte, manda a Administração Fiscal proceder à plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios.
Ora, in casu, só se faz uma reconstituição plena da legalidade do acto se a contribuinte for totalmente indemnizada dos prejuízos sofridos com a prática de um acto de liquidação ilegal, de que a contribuinte não teve qualquer culpa.”
Alega ainda a recorrente que não lhe cabia o ónus de fundamentar o pedido de indemnização em causa, mas tão-somente a sua formulação, como o fez na p.i.
De facto, o conhecimento da prestação da garantia bancária e das inerentes despesas de manutenção estavam ao alcance do Tribunal a quo, que não procedeu à sua averiguação oficiosa.
A sentença é uma decisão jurisdicional, dos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas fiscais. Ela conhece do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto, pelo que a sentença pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito:- por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artº 668º do CPC.
Todavia, a sentença judicial não pode reduzir-se a um puro silogismo lógico, não pode nem deve representar uma aplicação por assim dizer maquinal da lei geral e abstracta aos factos da causa (vd. Acórdão da RL de 12/10/93, CJ, Ano XVIII, T. IV), antes devendo o juiz fazer uma apreciação crítica das provas (artº 659º, nº 2, do CPC), o que equivale a dizer que terá necessariamente de valorar e interpretar os factos apurados no julgamento à luz dos interesses e finalidades que o legislador quis defender, presentes nas normas jurídicas aplicáveis a cada hipótese, eivado desse sentido crítico, mandou proceder a diligências.
E, na verdade, a prova relevante será não apenas a aduzida pelas partes, mas também e especialmente a prova que ao juiz se impõe diligenciar. Nesse sentido se pronunciou o Acórdão do STA-2ª Secção, de 29/11/1995, proferido no Recurso nº 19 247, quando nele se expende, para justificar que o STA não sindica matéria de facto nos termos do artº 21º nº 4 do ETAF, que tem de ter-se em conta, para a descoberta da verdade material, todo o apport probatório trazido ao processo pela Administração Fiscal e pelo contribuinte e tendo em conta ainda as diligências ordenadas pelo juiz, nos termos do seu artº 40º nº 1 (hoje, artº 13º do CPPT), que não apenas a «imputável» ao Fisco.
Assim sendo, podia e devia o juiz da 1ª Instância realizar ou ordenar todas as diligências que considerasse úteis ao apuramento da verdade, ou seja, nesse conspecto, seriam pertinentes e adequadas as diligências a levar a efeito a coberto do artº 13º do CPPT. Mas à impugante/recorrente incumbia, na situação em apreço, o «ónus probandi» dos factos que sustentavam o pedido de indemnização, sem prejuízo de o juiz, no uso do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também pela sua comprovação.
No caso em apreço era essencial para a descoberta da verdade a obtenção dos documentos que comprovasse aquela materialidade, sendo descabida a argumentação de que “(…) a impugnante não alega, como é seu ónus, quaisquer factos que permitam concluir quais os prejuízos decorrentes da alegada prestação de garantia, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1, do art. 53°, da LGT, pelo que o pedido de indemnização em questão não pode proceder (…)”.
Ora, tendo em conta que o Mº Juiz veio a proferir a sentença sem nada ter feito no sentido de diligenciar a verdade material, foi precipitado julgar que o pedido de indemnização não podia proceder.
Refira-se a conveniência de ter em conta que ao abrigo do disposto no art. 13º do CPPT e 99º da LGT, se deve proceder à produção de prova pois por aqueles preceitos se fazem recair sobre os juízes dos tribunais tributários o dever de «realizar ou ordenar todas as diligências que considerarem úteis ao apuramento da verdade».
Afigura-se-nos, pois, que o Juiz do Tribunal recorrido poderia e deveria ter indagado daquela questão diligenciando por obter prova documental sobre os factos atinentes pois mesmo que se considerem como factos instrumentais, nada impede que o Tribunal indague sobre eles, faculdade que era admitida no processo civil já antes da reforma de 1995/1996 (Cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual, págs. 412 a 417.). Por outro lado, no art. 264.°, n.° 3, do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n° 180/96, de 25 de Setembro, e passamos a citar JORGE LOPES DE SOUSA, «ocorreu uma extensão dos poderes de cognição do tribunal em termos de este poder considerar na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária haja sido facultado o exercício do contraditório. Não se trata aqui de factos de conhecimento oficioso, pois o seu conhecimento pelo tribunal depende de uma actuação das partes, o que demonstra que, mesmo no domínio do processo civil as obrigações de alegação impostas às partes e os poderes de requerer a realização de diligências probatórias relativas aos factos alegados não é incompatível com a possibilidade de o tribunal atender a factos não alegados. De qualquer modo, parece que esta última ampliação dos poderes de cognição dos tribunais no domínio do processo civil, não poderá deixar de ser aplicada no domínio do processo judicial tributário, uma vez que os interesses públicos que neste estão em causa justificam, por maioria de razão, poderes de cognição ampliados» (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, nota 5 ao art. 13.°, págs. 119/120.). Deveria, pois, o Tribunal Tributário de Lisboa, ao abrigo dos poderes que lhe eram conferidos pelo artº 13º do CPPT e 99º da LGT, ter indagado a ocorrência dos factos indicados, fazendo juntar os pertinentes documentos de suporte e levá-los ao probatório que se impunha que fosse depois elaborado por forma a contemplar todas aquelas questões.
Pelo que a sentença recorrida, na parte em que desatendeu o pedido indemnização não pode manter-se na ordem jurídica.
Assim sendo e atendendo ao pedido: condenação da Administração Fiscal no pagamento dos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária pela impugnante para suspensão do processo de execução fiscal, dúvidas não sobram de que deve ser arbitrada a indemnização peticionada no valor de €2,909,27, (dois mil novecentos e nove euros e vinte e sete cêntimos) por ter feito prova dos encargos suportados com a garantia prestada pela impugnante desde 05-01-2006 até 05-01-2009.

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4. Nestes termos, acordam os juízes deste TCA em:

a) -Condenar a recorrente em 1 UC pela apresentação tardia dos documentos juntos com a alegação do presente recurso;

b) -Conceder provimento ao recurso interposto pela impugnante e conhecendo em substituição, julgar procedente o pedido de condenação da AT ao pagamento da quantia €2,909,27, (dois mil novecentos e nove euros e vinte e sete cêntimos) correspondente aos encargos suportados com a prestação da garantia, nos termos do artigo n.º 6 do 183-A do CPPT, mostrando-se respeitado o limite máximo previsto no artº 53º nº 3 da L.G.T..
Sem custas.
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Lisboa, 26/01/2010
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Aníbal Ferraz)