Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:23/18.3BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:07/19/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO-TRIBUTÁRIO.
REQUISITOS.
PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL.
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL.
ACTO ADMINISTRATIVO CONSEQUENTE. NOÇÃO.
EFEITO JURÍDICO DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL. ALCANCE.
Sumário:1. Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final.
2. Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº.153, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Em conclusão, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final.
3. Constituindo o acervo normativo jurídico-tributário um ramo próprio do direito público, o legislador previu um processo de execução fiscal primordialmente direccionado à cobrança dos créditos tributários de qualquer natureza, estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o objectivo de conseguir uma maior celeridade na cobrança dos créditos, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas.
4. A possibilidade de suspensão da execução fiscal constitui direito do contribuinte que se enquadra no âmbito do princípio constitucional da efectividade da tutela judicial (cfr.artºs.20, nº.1, e 268, nº.4, da C.R.Portuguesa; artº.9, nº.1, da L.G.T.). Os casos em que a execução fiscal se pode suspender estão previstos no artº.169, do C.P.P.T. (cfr.artº.52, da L.G.T.).
5. Em certas situações, a legalidade de um acto administrativo depende da legalidade de outro acto anteriormente praticado que funciona como causa ou condição do primeiro. São os ditos actos administrativos consequentes.
6. O efeito jurídico de suspensão da execução fiscal, provocado pela interposição de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, com regime de subida imediata, deve manter-se enquanto não houver decisão transitada em julgado na mesma reclamação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"JOSÉ ..., UNIPESSOAL, L.DA.", com os demais sinais dos autos, deduziu salvatério dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Beja, exarada a fls.119 a 146 do presente processo e que julgou totalmente improcedente a reclamação de acto do órgão de execução fiscal deduzida pelo recorrente, enquanto executado no âmbito do processo de execução fiscal nº.... e apensos, o qual corre seus termos no Serviço de Finanças de ..., visando despacho que determinou a adjudicação de bem imóvel vendido no espaço da mencionada execução.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.166 a 177 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-O artigo 77º da LGT consagra no ordenamento tributário, o imperativo constitucional de fundamentação dos atos administrativos, estabelecido no artigo 268º, nº 3 da CRP;
2-A Administração Tributária, não fundamentou a continuação da prática de atos no processo de execução fiscal, depois de recebida a reclamação apresentada em 06/02/2017, como lhe impunha o artigo 77º da LGT;
3-Não fundamentou a manutenção da data da venda, para 11/02/2017. E,
4-Ainda menos fundamentou a prática posterior dos atos que consubstanciaram a venda, que se traduziram no envio em 07/03/2017 ao proponente de “Documento Único de Cobrança” e respetiva “Declaração de Não Inibição de Aquisição de Bem(s) em Processo de Execução Fiscal” e emissão das guias para pagamento de IMT e IS;
5-Mais, não fundamentou o subsequente recebimento do preço de aquisição e o recebimento dos impostos liquidados;
6-Tanto mais, que a reclamação havia sido remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal competente;
7-Não alcança a ora requerente, nem percebe, porque razão se decidiu continuar a praticar atos de execução, posteriormente à apresentação da reclamação, mormente depois da remessa ao Tribunal daquela;
8-Pelo que, o despacho na origem dos presentes autos padece de vício de forma por falta de fundamentação, carecendo de ser anulado;
9-Assim, a douta sentença recorrida ao considerar fundamentado o despacho na génese dos presentes autos, preconizou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, não podendo permanecer na ordem jurídica;
10-O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sendo garantido aos interessados o direito de reclamação dos atos materialmente administrativos que atinjam os seus direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 103º da LGT);
11-Uma vez apresentada a reclamação, vai esta prosseguir os seus trâmites no Tribunal tributário, para onde é expedido o processo de execução fiscal em conjunto com aquela, para que o juiz possa apreciar o ato atacado;
12-Razão pela qual, o processo de execução sai da esfera do órgão de execução fiscal ficando este impedido de praticar quaisquer atos naquele, mormente atos de execução do ato colocado em causa na reclamação (neste sentido, vide, entre outros os Acórdãos do STA de 5 de Agosto de 2015, proferido no Recurso nº 0990/15 e de 25/03/2015, tirado no Recurso nº 249/15);
13-Na data designada para a venda já havia sido apresentada a reclamação, razão pela qual se encontrava o órgão de execução fiscal impedido de praticar atos de execução do ato objeto daquela;
14-De facto, as decisões dos Tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras entidades (artigo 205º da CRP);
15-A partir do momento em que a reclamação apresentada contra o despacho em causa deu entrada, facto de que, conforme demonstrado, foi dado conhecimento ao autor do ato, por e-mail, estava impedida a prática de qualquer ato daquele decorrente;
16-Porquanto a legalidade do mesmo despacho iria ser apreciada pelo Tribunal competente para o efeito;
17-Razão pela qual, não deveria ter sido mantida a data da venda e a consideração das propostas apresentadas, nem praticados os atos posteriores decorrentes do despacho reclamado que consubstanciaram a venda, traduzidos no envio ao proponente de “Documento Único de Cobrança” e respetiva “Declaração de Não Inibição de Aquisição de Bem(s) em Processo de Execução Fiscal” e emissão das guias para pagamento de IMT e IS;
18-Nem deveria o preço da aquisição e os respetivos impostos liquidados, terem sido recebidos;
19-Mais, não deve prevalecer o entendimento vertido na douta sentença ora recorrida, no sentido de que, tendo a reclamação sido julgada improcedente por acórdão desse TCA Sul, transitado em julgado;
20-“(…) Não se vislumbra qualquer ilegalidade consequente que afete o despacho ora reclamado, pela razão de que o mesmo não foi praticado como acto consequente de qualquer acto que tenha sido declarado inválido”;
21-Porquanto, “a lei não esclarece o que sucede se a administração tributária der seguimento à execução e estiver pendente a reclamação com subida imediata, mas parece seguro que os atos que ofendam o efeito de suspensão da decisão reclamada são ilegais e o reclamante pode contra eles deduzir nova reclamação” (transcrição do Acórdão desse TCA SUL de 23/02/2017, tirado no Recurso nº 568/16.0BEALM);
22-Reclamação que a ora recorrente, quando de tais atos foi notificada, apresentou, reagindo contra o despacho na origem dos presentes autos que ordenou a adjudicação do bem, com base em atos ilegais anteriormente praticados;
23-Em face da apresentação da reclamação deduzida nos termos do artigo 276º do CPPT, se impunha tivesse sido dada sem efeito a data designada para a venda, bem como não tivessem sido tomadas em conta as licitações efetuadas, nem tão pouco praticados os atos de execução subsequentes;
24-Pelo que, o despacho que determinou a adjudicação do bem em causa a quem efetuou a licitação mais elevada, na origem dos presentes autos, é ilegal e deveria a reclamação ter procedido;
25-Assim, a douta sentença recorrida ao considerar que nenhuma ilegalidade pode ser assacada ao despacho reclamado, preconizou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, não podendo em consequência, permanecer na ordem jurídica.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual pugna pelo não provimento do recurso (cfr.fls.197 a 199 dos autos).
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº. 278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.123 a 138 do processo físico - numeração nossa):
1-Em 02.03.2010, foi instaurado no Serviço de Finanças de ... o processo de execução fiscal n.... contra “José ..., Unipessoal, Lda.”, para cobrança coerciva de uma quantia exequenda de € 270.201,73, por dívidas de IRC e juros compensatórios de 2008 (cfr.documento junto a fls.1 e verso do processo de execução apenso);
2-Àquele processo de execução fiscal, foram apensados outros processos de execução fiscal, do que resultou o aumento da quantia exequenda em cobrança coerciva (cfr.documentos juntos a fls.3 a 55 do processo de execução apenso);
3-Em 27.01.2011, no âmbito do processo de execução fiscal nº.... e apensos, a correr termos no Serviço de Finanças de ..., foi lavrado auto de penhora, para pagamento da quantia exequenda de € 3.053.992,68, do “Prédio rústico sito da Freguesia e Concelho de ..., inscrito na matriz cadastral sob o artigo 26 da secção AR/AR11 (Parte) e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 3123/20050118 (cfr.documento junto a fls.35 e verso do processo de execução apenso);
4-Através da AP. 3778 de 03.03.2010, sobre o prédio rústico situado em Herdade da ..., com área de 298,534 Hect., com um valor venal de € 4.500,00, inscrito na matriz cadastral da Freguesia e Concelho de ... sob o art.º 26 da secção AR/AR11 (Parte), descrito na conservatória do registo predial sob o n.º 3123/20050118, foi registada penhora a favor da Fazenda Nacional, efectuada no âmbito do processo de execução fiscal n.º..., respeitante a uma quantia exequenda de € 543.315,13 (cfr.documentos juntos a fls.47 e 48 do processo de execução apenso);
5-Através da AP. 4017 de 28.01.2011, sobre o prédio rústico situado em Herdade da ..., com área de 298,534 Hect., com um valor venal de € 4 500,00, inscrito na matriz cadastral da Freguesia e Concelho de ... sob o art.º 26 da secção AR/AR11 (Parte), descrito na conservatória do registo predial sob o n.º 3123/20050118, foi regista penhora a favor da Fazenda Nacional, efectuada no âmbito do processo de execução fiscal n.... e apensos, respeitante a uma quantia exequenda de € 3.053.992,68 (cfr.documentos juntos a fls.47 e 48 do processo de execução apenso);
6-Com data de 11.09.2014, no âmbito do processo de execução fiscal n.... e apensos, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., foi proferido despacho com o seguinte teor (cfr.documento junto a fls.208 do processo de execução fiscal apenso):
“(…)
Proceda-se à venda do bem penhorado nos autos por meio de Leilão Electrónico, nos termos do art.º 248.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e da Portaria n.º 219/2011 de 1 de Junho. Nos termos do n.º 2 do art.º 248.º do CPPT a venda irá decorrer no prazo de 15 (quinze) dias, sendo o valor base o correspondente a 70% do determinado nos termos do art.º 250.º do CPPT, ou seja € 11 780,50 (€ 16 829,28 x 70%).
Para a venda designo o dia 19 de novembro de 2014, pelas 11 horas, neste Serviço de Finanças, devendo a apresentação das propostas ter início no dia 3 de novembro de 2014, pelas 23:59 horas e terminar no dia 18 de novembro de 2014 às 23:59 horas.
O bem objecto desta venda tem a seguinte descrição: Prédio rústico situado em “Herdade de ...”, com a área total de 298,534 h a, sem inscrição na matriz, mas a destacar do artigo 26.º secção AR/AR11, actual artigo 38.º secção AR/AR, Freguesia e concelho de ..., Distrito de ..., descrita na C.R.P. de ... sob o n.º 3123/20050118, com o valor patrimonial de € 16 829,28. Publicidade através da Internet, como preceituado no n.º 1, do art.º 249.º do CPPT.
Notifique-se o fiel depositário, para nos 15 dias designados para apresentação das propostas, no período das 10h00 às 17h00 horas, mostrar o bem a quem o pretenda examinar.
Notifique-se o executado, bem como os credores com garantia real e os preferentes.(…)”;
7-Com data de 11.09.2014, foi elaborado edital de venda e convocação de credores com o teor que consta de fls.209 do pef apenso aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo por objecto a venda determinada por aquele despacho (cfr.documento junto a fls.209 do processo de execução fiscal apenso);
8-Com data de 11.09.2014, com o n.º 1372 e 1374, foi remetido a José ..., e a António ..., na qualidade de mandatário de José ... Unipessoal Lda, ofício com o seguinte teor (cfr.documentos juntos a fls.210 e 214 do processo de execução fiscal apenso):
“(…)
“Processo: ...
Venda n.º 0302.2014.90
Exmº Senhor Fica por este meio, notificado, considerando-se a notificação efectuada no 3.º dia posterior ao do seu registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil, do teor do despacho do Chefe deste Serviço de Finanças, de que se junta fotocópia, tendo sido elaborado em conformidade com o disposto no art.º 812.º do Código de Processo Civil, e que determina a venda dos bens penhorados para o dia 2014/11/19, no processo de execução fiscal supra referenciado. Daquele despacho cabe reclamação, no caso de com ele não concordar, para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, nos termos do art.º 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (C.P.P.T.) a interpor no prazo de dez dias após a presente notificação, nos termos do n.º 1 do art.º 277.º do referido CPPT, devendo observar-se o disposto no n.º 2 do mesmo artigo. Adverte-se, no entanto, que o Tribunal só conhecerá do recurso quando o processo for aí remetido, a final, - n.º 1 do art.º 278.º, ainda do CPPT, uma vez que não se enquadra nas excepções previstas no n.º 3 do mesmo artigo. (…);
9-Estes ofícios foram recebidos em 12.09.2014 (cfr.documentos juntos a fls.216 e 218 do processo de execução fiscal apenso);
10-Em 18.11.2014, entrou no Serviço de Finanças de ... requerimento de António ..., dirigido ao processo de execução fiscal n.... e aps. no qual pede a suspensão da execução devido à dedução de reclamação ao abrigo do artº.276 do C.P.P.T. (cfr.documento junto a fls.228 do processo de execução fiscal apenso);
11-Com data de 18.11.2014, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., foi proferido despacho no qual, além do mais, se suspende a venda marcada no processo de execução e se ordena a remessa do processo ao T.A.F. de Beja (cfr.documento junto a fls.226 do processo de execução fiscal apenso);
12-Com data de 04.03.2015, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., no âmbito do processo de execução fiscal nº.... e apensos, foi proferido despacho a ordenar a venda do imóvel para o dia 7 de abril de 2015, tudo conforme documento constante de fls.229 e 230 do processo de execução apenso, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
13-Com data de 07.04.2015, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., no âmbito do processo de execução fiscal nº.... e apensos, foi proferido despacho com o seguinte teor (cfr.documento junto a fls.270 do processo de execução apenso):
“(…)
Tendo-se procedido hoje, pelas 11,05h à abertura das propostas apresentadas da venda por leilão electrónico n.º 0302.2014.14, em que é executado José ... Unipessoal Lda NIF ..., com sede na Avª ..., verificou-se que a maior proposta foi apresentada pela empresa ... Lda, com sede na Rua dos ..., no montante total de € 755 000,00 (setecentos e cinquenta e cinco mil euros).
No entanto, e encontrando-se a decorrer um PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO (PER) com o n.º 90/15.1T8ODM, junto do Tribunal da Comarca de Beja, suspendo a adjudicação do bem, até que seja proferida decisão final sobre o já referido processo de revitalização da empresa em causa.(…)”;
14-Em 18.05.2015, foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 115/15.0BEBJA, interposto pela ora reclamante, contra o despacho que determinou a venda de um bem imóvel, penhorado no âmbito da execução fiscal nº...., que terminou com a seguinte decisão:
“Pelo exposto, julga-se procedente a reclamação e determina-se a anulação do ato que vem reclamado.”
(cfr.documento junto a fls.338 a 344 do processo de execução apenso);
15-Em 14.07.2015, foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 134/15.7BEBJA, interposto pela ora Reclamante, contra o despacho proferido no âmbito da execução fiscal n.º ..., que indeferiu o pedido para que fossem dados sem efeito os actos subsequentes ao despacho de nomeação de Administrador Judicial Provisório proferido no Plano Especial de Revitalização que sobre si corre termos, que terminou com a seguinte decisão:
“Pelo exposto, julga-se procedente a reclamação e determina-se a anulação do ato que vem reclamado.”
(cfr.documento junto a fls.417 a 432 do processo de execução apenso);
16-Com data de 04.09.2015, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., no âmbito do processo de execução fiscal nº.... e apensos, foi proferido despacho que determina, além do mais, a constituição de garantia idónea por parte da reclamante e no âmbito do processo executivo, tudo conforme documento constante de fls.458 do processo de execução apenso, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
17-Com data de 03.02.2016, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., no âmbito do processo de execução fiscal nº.... e apensos, foi proferido despacho que determina a anulação do acto identificado no nº.12 supra e declara a consequente anulação da venda efectuada, tudo conforme documento constante de fls.466 do processo de execução apenso, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
18-Com data de 16.02.2016, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., no âmbito do processo de execução fiscal nº.... e apensos, foi proferido despacho que fixa a data de 16 de Março de 2016 para a venda do imóvel rústico identificada no nº.4 supra, venda a realizar através de leilão electrónico, em virtude do processo de execução não se encontrar legalmente suspenso, tudo conforme documento constante de fls.477 a 479 do processo de execução apenso, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
19-Em 03.03.2016, deu entrada no Serviço de Finanças de ... reclamação de actos do órgão de execução fiscal tendo por objecto aquele despacho, a qual foi remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja através de ofício de 07.03.2016, com o n.º 424 (cfr.documentos juntos a fls.492 a 495 do processo de execução apenso);
20-Neste Tribunal, essa reclamação correu termos sob o n.º 95/16.5BEBJA, tendo sido proferida sentença, em 18.04.2016, que terminou com a seguinte decisão:
“Nos termos expostos, julga-se improcedente a reclamação mantendo-se o ato que vem reclamado nos seus precisos termos.”
(cfr.documento junto a fls.512 a 526 do processo de execução apenso);
21-Com data de 11.01.2017, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., no processo de execução fiscal nº.... e apensos, foi proferido despacho com o seguinte teor (cfr.documento junto a fls.556 e 557 do processo de execução apenso):
“(…)
Por meu despacho de 2016-03-04, determinei a suspensão da venda do imóvel penhorado nos autos, após apresentação de reclamação de actos do órgão da execução fiscal, que visava o meu despacho de marcação de venda.
Depois de remetida ao TAF de Beja recebeu o n.º de Processo 95/16.5BEBJA. Por sentença de 2016-04-18 foi a reclamação improcedente. A reclamante recorreu da decisão para o STA, processo n.º 753/16-30, tendo aquele tribunal mantido a decisão, que transitou em julgado em 2016-09-29. Atenta a proximidade da entrada em vigor do Programa Especial de Redução de Endividamento ao Estado, contactei via telefone, o mandatário da executada para informar a existência daquele e das suas vantagens. Ultrapassado o referido programa, não se confirmou a existência de qualquer pagamento nem a adesão. Desta forma e porque não existe qualquer contencioso pendente nem o Processo de Execução Fiscal se encontra legalmente suspenso, determino que se proceda a nova venda do bem penhorado nos autos, na modalidade de leilão electrónico, nos termos do n.º 1 do art.º 248.º do CPPT e da Portaria 219/2011 de 1 de Junho, uma vez que por questões relativas à aplicação informática que gere as vendas, não é possível continuar a venda anteriormente suspensa.
Nos termos do n.º 2 do art.º 248.º do CPPT, a venda irá decorrer durante 15 (quinze) dias, sendo o valor base o correspondente a 70% do determinado nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 250.º do CPPT, ou seja € 11 780,50 (€ 16 829,28 x 70%).
Para venda designo o dia 8 de Fevereiro de 2017, pelas 11 horas, neste Serviço de Finanças, devendo a apresentação de propostas ter início no dia 24 de Janeiro pelas 10 horas e terminar dia 7 de Fevereiro pelas 10 horas.
O bem objecto desta venda tem a seguinte descrição: Prédio rústico situado na “Herdade da ...”, com a área total de 298,534 ha, sem inscrição própria na matriz, mas a destacar do art.º 26 secção AR/AR11, actual artigo 38.º secção AR/AR, freguesia e concelho de ..., distrito de ..., descrita na CRP de ... sob o n.º 3123/20050118, com o valor patrimonial de € 16 829,28.
Publicite-se através da internet, conforme dispõe o n.º 1 do art.º 249.º do CPPT.
Notifique-se o fiel depositário, para nos dias designados para a apresentação de propostas, no período das 10 às 17 horas, mostrar o bem a quem o pretenda examinar.
Notifiquem-se o executado, os credores com garantia real e os preferentes.
(…)”;
22-Com data de 11.01.2017, foi remetido ao mandatário da reclamante ofício assinado pelo Chefe do Serviço de Finanças de ... dando-lhe conta do teor do despacho identificado no nº.21 supra (cfr.documentos juntos a fls.563 e 564 do processo de execução apenso);
23-Em 06.02.2017, deu entrada no Serviço de Finanças de ... reclamação de actos do órgão de execução fiscal tendo por objecto aquele despacho de marcação de venda (cfr.documento junto a fls.28 a 41 dos presentes autos; documento junto a fls.574 e 575 do processo de execução apenso);
24-Com data de 09.02.2017, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., no processo de execução fiscal nº.... e apensos, foi proferido despacho com o seguinte teor (cfr.documento junto a fls.574 e 575 do processo de execução apenso):
“(…)
Em 2017-02-06 José ... Unipessoal, Lda, …, apresentou neste serviço de Finanças reclamação nos termos dos artigos 276.º e 277.º do CPPT, do meu despacho de 2017-01-11 que determinou a marcação da venda do imóvel penhorado nos autos, na modalidade de leilão electrónico. Alega-se para o efeito que:
1. O valor do bem objecto de venda foi fixado sem respeito pelas normas legais vigentes (…);
2. O fiel depositário do bem não foi notificado (…);
3. Erro sobre a qualidade do objecto (…).
Antes de apreciar os factos invocados pela reclamante, no intuito de decidir se mantenho ou revogo o ato reclamado, importa salientar que pela quarta vez, na véspera da concretização da venda, vem a executada apresentar reclamação do meu despacho que determina a marcação da venda.
Na primeira venda (2014-09-11), a reclamação foi apresentada pelos filhos do gerente, na venda de um bem pertença da sociedade. Após recurso aquela caiu por ilegitimidade.
Na segunda venda (2015-03-04) foram apresentadas três reclamações por existir um PER, sem garantia suficiente e em que apenas ocorreu o pagamento de duas prestações das 150 concedidas. Apesar dos fundamentos das reclamações não serem atendidos, a venda foi anulada por existir um recurso pendente.
Na terceira marcação (2016-02-16) a reclamação atacava o valor atribuído ao bem e à exclusão do PER, quando a executada bem sabia que o valor foi fixado em conformidade com o que está determinado na lei (art.º 250.º do CPPT) e que não havia sido excluída do PER, mas que a venda foi marcada por inexistência de garantia e por impossibilidade legal de concessão de moratórias por parte deste órgão de execução fiscal. Após decisão do TAF, confirmada pelo STA, com trânsito em julgado em 2016-09-29, a reclamação decaiu, mas a venda ficou mais uma vez sem efeito, por impossibilitar os potenciais compradores de licitar na venda.
Antes da marcação desta quarta venda, agora reclamada, contactei (em novembro) via telefone o mandatário da executada, alertando para os benefícios da adesão ao PERES ( Decreto Lei n.º 67/2016 de 3 de novembro). Ultrapassado o prazo, não houve qualquer adesão, nem qualquer pagamento, aliás, salvo o devido respeito, não me parece que exista qualquer intenção de pagar. Após a comparência dos Ex.mos mandatários da reclamante no dia dois deste mês, perguntava-me quais seriam os motivos da reclamação que iria surgir. São esses que agora vou analisar, muito embora e salvo o devido respeito, sejam fáceis de rebater, por clara falta de suporte legal ou factual ou até, atrever-me-ei a dizer, fundamento razoável.
Vejamos:
4. A questão do valor atribuído ao bem objecto de venda, já foi amplamente discutido e apreciado pelo TAF (Proc. 65/16.5) e pelo STA ( Proc. 753/16.30), que confirmaram estar aquele em conformidade com a lei, pelo que me abstenho de voltar a pronunciar novamente sobre a suposta desconformidade.
5. Quanto à suposta falta de notificação do fiel depositário, quando há seis dias atrás, os dignos signatários da reclamação consultaram os autos, podiam ter visualizado a fls 51 e 52 a nomeação do fiel depositário bem como o respectivo aviso de recepção entregue. Aliás, o bem objecto da venda foi oferecido pela executada para efeitos de garantia, e o fiel depositário foi notificado sempre que foi marcada nova venda, tal como ocorreu em 2017-01-23 (fls 563). Quanto ao edital, pode facilmente verificar-se que consta o nome do fiel depositário.
6. No que respeita ao erro sobre a qualidade do bem objecto de venda, apenas referir que constam do edital todas as informações legalmente exigidas e que nenhum dos potenciais compradores arguiu a suposta falta. A reclamante não suporta estes argumentos em qualquer disposição legal, limitando-se a remeter para um Acórdão do STA que versa sobre oposição de acórdãos em pedidos de anulação de venda. Assim, não se vislumbra como pode a executada querer substituir-se a um potencial comprador que se poderia sentir lesado, caso existisse (o que discordamos) uma desconformidade entre o bem anunciado e o que realmente existe.
Termina a executada requerendo a subida imediata da presente reclamação. Tal como sucedeu nas anteriores reclamações, apesar do artigo 278.º do CPPT dispor que o Tribunal apenas conhecerá da reclamação após a venda, tem sido entendimento unânime da jurisprudência que deve ter subida imediata. Quiçá o legislador pretendesse com esta disposição evitar que a reclamação de actos do órgão de execução fiscal servisse de medida dilatória, impedindo desta forma a norma tramitação do Processo de Execução Fiscal, que visa, em última análise, a satisfação de créditos do Estado. Assim, mantenho o despacho reclamado, por entender que é legal e determino a subida imediata daquela. Suspenda-se a adjudicação da venda até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
(…)”;
25-Com data de 07.03.2017, foi remetida a “... Construção e Administração de Propriedades, S.A.”, enquanto adjudicante do imóvel em venda identificado no nº.21 supra, ofício assinado pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., no qual, além do mais, se faz menção à necessidade de trânsito em julgado da reclamação apresentada pelo executado para que se possa efectuar o pagamento e consequente adjudicação do imóvel em causa, tudo conforme documento constante a fls.606 do processo de execução apenso, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
26-A reclamação de actos do órgão de execução fiscal apresentada pela reclamante em 06.02.2017 no Serviço de Finanças de ..., foi remetida ao T.A.F. de Beja, através de ofício de 10.02.2017, com o n.º 224 (cfr.documento junto a fls.583 do processo de execução apenso);
27-Essa reclamação de actos do órgão de execução fiscal deu entrada e foi autuada no T.A.F. de Beja em 14.02.2017 sob o n.º 60/17.5BEBJA (cfr.consulta ao Sitaf);
28-Em 15.02.2017, foi proferido despacho judicial de aperfeiçoamento, na reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 60/17.5BEBJA (cfr.consulta ao Sitaf);
29-A reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 60/17.5BEBJA foi admitida liminarmente neste T.A.F. de Beja em 09.03.2017 (cfr.documento junto a fls.610 do processo de execução apenso);
30-Em 11.05.2017, foi proferida sentença na reclamação de actos do órgão de execução fiscal n.º 60/17.5BEBJA, que terminou com a seguinte decisão (cfr.consulta ao Sitaf):
“Julgo a presente reclamação improcedente, por não provada, e, em consequência, mantenho o ato reclamado na ordem jurídica.”;
31-Em 29.05.2017, pela reclamante, foi apresentado recurso judicial daquela decisão, para o Supremo Tribunal Administrativo (cfr.consulta ao Sitaf);
32-Em 09.08.2017, o Supremo Tribunal Administrativo declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer daquele recurso (cfr.consulta ao Sitaf);
33-Em 17.08.2017, a reclamante requereu a remessa dos autos para o Tribunal Central Administrativo Sul (cfr.consulta ao Sitaf);
34-Em 13.10.2017, o Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão prolatado naquele recurso, decidiu negar provimento ao mesmo (cfr.consulta ao Sitaf);
35-Em 12.12.2017, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., no processo de execução fiscal nº.... e apensos, foi proferido despacho no qual, além do mais, se determina a adjudicação do imóvel vendido à sociedade “... - Construções e Administração de Propriedades, S.A.”, devido ao trânsito em julgado da decisão judicial identificada no nº.34 do probatório, tudo conforme documento constante de fls.644 do processo de execução apenso, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
36-Com data de 12.12.2017, foi remetido ao mandatário da reclamante ofício com o número 1477, assinado pelo Chefe do Serviço de Finanças de ... a notifica-lo do despacho identificado no nº.35 (cfr.documento junto a fls.645 do processo de execução apenso);
37-Com data de 29.12.2017, foi remetido a “... - Construções e Administração de Propriedades, S.A.”, ofício assinado pelo Chefe do Serviço de Finanças de ... a remeter-lhe cópia do auto de adjudicação do bem imóvel (cfr.documento junto a fls.669 do processo de execução apenso);
38-Em 29.12.2017, deu entrada no Serviço de Finanças de ... a presente reclamação de actos do órgão de execução fiscal (cfr.data aposta a fls.6 dos presentes autos);
39-Com data de 09.01.2018, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., foi proferida decisão a manter o despacho objecto da reclamação e identificado no nº.35 supra, tudo conforme documento junto a fls.675 e 676 do processo de execução apenso, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
40-Com data de 09.01.2018, foi remetida ao T.A.F. de Beja a presente reclamação de actos do órgão de execução fiscal, onde deu entrada e foi autuada em 10.01.2018 (cfr.documentos juntos a fls.1 e 2 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com relevância para a decisão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou da análise crítica aos documentos juntos aos autos e ainda, dos documentos integrantes da cópia certificada do processo de execução fiscal, apensa aos autos, não impugnados, para eles se fazendo referência de modo individualizado em cada uma das alíneas do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar totalmente improcedente a reclamação deduzida pelo recorrente, mais mantendo o acto reclamado identificado no nº.35 do probatório.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o apelante, em primeiro lugar e em síntese, que A. Fiscal não fundamentou a continuação da prática de actos no processo de execução fiscal, depois de recebida a reclamação apresentada em 06/02/2017, como lhe impunha o artº.77, da L.G.T. Que a decisão do órgão de execução fiscal de manutenção da data da venda, para 11/02/2017, tal como a prática posterior dos actos que consubstanciaram a venda carece da fundamentação legalmente exigida. Que a sentença recorrida ao considerar fundamentado o despacho na génese dos presentes autos efectuou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, não podendo permanecer na ordem jurídica (cfr.conclusões 1 a 9 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
A fundamentação dos actos tributários ou “praticados em matéria tributária” que “afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes” estava consagrada nos artºs.19, al.b), 21, 81 e 82, do C.P.Tributário (cfr.actualmente o artº.77, da L.G.Tributária).
Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artº.1, nº.1, al.a) e c), do dec.lei 256-A/77, de 17 de Junho, quer do próprio artº.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº.1/89 (cfr.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág.936 e seg.; Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, 1990, pág.53 e seg.).
A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.
Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr.ac.S.T.J.26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/2/90, A.D., nº.351, pág.339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr.artº.153, nº.1, do C.P.Administrativo).
Dada a sua natureza instrumental (na medida em que a fundamentação não é um fim em si mesmo mas um meio de permitir ao destinatário do acto compreender as razões determinantes da sua prática), a extensão, o grau de pormenor e a complexidade que ela deve revestir variará de acordo com o caso e o contexto em que a própria decisão é proferida.
Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº. 153, nº.2, do C.P.Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Em conclusão, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr.Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.I, Almedina, 1991, pág.477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 2001, pág.352 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª. Edição, 2012, pág.675 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/12/2008, proc.2606/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2009, proc.3510/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/3/2011, proc.4489/11).
No caso concreto, deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que o acto reclamado, o qual está identificado no nº.35 do probatório supra, se encontra devidamente fundamentado. O mesmo se diga do despacho que o recorrente torna a chamar à colação e que se encontra devidamente identificado no nº.24 do probatório supra.
Por outras palavras, atendendo ao teor dos despachos identificados nos nºs.24 e 35 da factualidade provada, bem como ao contexto em que os mesmos foram praticados, não se detecta neles qualquer vício de falta, ou insuficiente, fundamentação. De facto, desse teor é possível a qualquer destinatário compreender quais foram as razões pelas quais o órgão de execução fiscal entendeu prosseguir com vista à concretização da adjudicação do bem imóvel vendido. Especificamente, quanto ao despacho reclamado identificado no nº.35 do probatório, neste é efectuada uma descrição das ocorrências processuais anteriores, mais sendo expressamente referidas aquelas que foram as razões nas quais o mesmo órgão de execução fiscal assentou essa decisão. Isto é, em síntese, o trânsito em julgado do processo judicial que havia determinado a suspensão da execução fiscal em questão, a inexistência de contencioso pendente na esfera da executada e o depósito do preço oferecido com a proposta mais elevada, e respectivos acréscimos legais.
E recorde-se que uma coisa é a fundamentação da decisão ser de tal modo insuficiente que não permita a um destinatário normal, nem ao seu destinatário concreto, compreender as razões pelas quais foi tomada, outra coisa é o seu destinatário não concordar com tais razões.
A falta de fundamentação formal, enquanto vício autónomo, por violação do artº.77, da L.G.T., coloca-se no primeiro destes planos, visto que no segundo o que estará em causa é já a validade substancial da decisão.
Sem necessidade de mais amplas considerações, conclui-se que do teor do acto reclamado era possível a qualquer destinatário, e ao reclamante/recorrente em particular, apreender e compreender as razões pelas quais ele foi praticado, pelo que não padece tal despacho de qualquer vício de falta ou insuficiente fundamentação.
Em decorrência do acabado de relatar, julga-se improcedente o presente esteio do recurso e confirma-se a sentença recorrida, neste segmento.
Alega o apelante, em segundo lugar e em sinopse, que na data designada para a venda já havia sido apresentada a reclamação identificada no nº.23 da matéria de facto, razão pela qual se encontrava o órgão de execução fiscal impedido de praticar actos de execução do acto reclamado. Que o despacho que determinou a adjudicação do bem em causa a quem efectuou a licitação mais elevada, na origem dos presentes autos, é ilegal e deveria a reclamação ter procedido. Que a sentença recorrida, ao considerar que nenhuma ilegalidade pode ser assacada ao despacho reclamado, preconizou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, não podendo, em consequência, permanecer na ordem jurídica (cfr.conclusões 10 a 25 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Apuremos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Constituindo o acervo normativo jurídico-tributário um ramo próprio do direito público, o legislador previu um processo de execução fiscal primordialmente direccionado à cobrança dos créditos tributários de qualquer natureza, estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o objectivo de conseguir uma maior celeridade na cobrança dos créditos, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/08/2012, proc.5859/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/01/2018, proc.429/17.5BEALM; Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, III Volume, Áreas Editora, 2011, pág.28).
O regime de anulação da venda em processo tributário encontra-se previsto no artº.257, do C.P.P.Tributário (cfr.artº.328, do anterior C.P.Tributário), preceito que deve ser conjugado com os artºs.838 e 839, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anteriores artºs.908 e 909, do C.P.Civil), onde se encontram enunciadas as causas de anulação.
A possibilidade de suspensão da execução fiscal constitui direito do contribuinte que se enquadra no âmbito do princípio constitucional da efectividade da tutela judicial (cfr.artºs.20, nº.1, e 268, nº.4, da C.R.Portuguesa; artº.9, nº.1, da L.G.T.).
Os casos em que a execução fiscal se pode suspender estão previstos no artº.169, do C.P.P.T. (cfr.artº.52, da L.G.T.). O acto tributário que constitui a dívida exequenda vê, assim, a sua eficácia suspensa a partir do momento em que o Estado assegurou (através da garantia ou penhora de bens que a substituam) a efectiva cobrança do crédito que se atribui. No entanto, a suspensão da cobrança da prestação tributária está sujeita ao princípio da legalidade, pelo que somente pode verificar-se nas situações previstas na lei (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.5934/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7180/13; Carlos Paiva, O processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.238 e seg.; Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.73 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.207 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, com este esteio do recurso pretende o reclamante/recorrente que seja anulado o acto reclamado, se bem percebemos, a pretexto de uma ilegalidade consequente, por ter sido mantida a data designada para a venda executiva e por terem sido tomadas em consideração as licitações então efectuadas. Ora, a verdade é que o objecto da presente reclamação se consubstancia no acto do Chefe do Serviço de Finanças de ... praticado em 12/12/2017 (cfr.nº.35 do probatório).
A única decisão que se vislumbra nesse despacho e, nessa medida, o único acto que nele se contém, é aquele que determina que se proceda à adjudicação do bem imóvel à sociedade “... - Construção e Administração de Propriedades S.A.”, pois tudo o que de mais dele consta nada de novo introduz na ordem jurídica e, como se disse, mais não é do que a enunciação das razões do órgão de execução fiscal para a concretização daquela adjudicação, naquele momento.
O acto que procedeu à marcação da venda em causa foi praticado em 11/01/2017 (cfr. nº.21 do probatório), sendo que a sua anulação foi pedida em reclamação de actos do órgão de execução fiscal que correu termos sob o nº.60/17.5BEBJA. Ora, esta reclamação viria a ser julgada improcedente, com a consequente manutenção dos efeitos daquele acto na ordem jurídica por sentença do T.A.F. de Beja, confirmada por acórdão deste T.C.A.Sul, datado de 13/10/2017 e transitado em julgado (cfr.nºs.23, 29, 34 e 35 da factualidade provada).
Deste modo, não se vislumbra qualquer ilegalidade consequente que afecte o despacho ora reclamado, pela razão de que o mesmo não foi praticado como acto consequente de qualquer acto que tenha sido declarado inválido. Por outras palavras, o objecto da presente reclamação de actos do órgão de execução fiscal é o despacho datado de 12/12/2017, sendo face ao mesmo que têm que se verificar as causas de invalidade que o recorrente elegeu como fundamento da acção, e não sobre quaisquer outros actos anteriores, salvo se este tivesse sido praticado em consequência de um qualquer acto anterior cuja invalidade entretanto tivesse sido declarada, o que, como se viu, não aconteceu.
E recorde-se que, em certas situações, a legalidade de um acto administrativo depende da legalidade de outro acto anteriormente praticado que funciona como causa ou condição do primeiro. São os ditos actos administrativos consequentes (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/07/2014, proc.7903/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/09/2015, proc.8932/15; Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 1991, pág.1217; Diogo Freitas do Amaral, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, Almedina, 2ª. edição, 1997, pág.80 e seg.).
No caso “sub judice”, o despacho reclamado, determinando a concretização da adjudicação do bem imóvel vendido na execução fiscal nº.... e apensos, a qual se encontrava suspensa por causa da apresentação de uma reclamação judicial que veio a ser julgada improcedente, em nada ofende o efeito suspensivo desta mesma reclamação. Justamente porque esse efeito suspensivo, determinado aliás pelo Chefe do Serviço de Finanças em 09/02/2017 (cfr.nº.24 da matéria de facto provada), cessou com o trânsito em julgado daquela reclamação. Repete-se, a data da venda do imóvel, e de todo o processado anterior foram efeitos introduzidos na ordem jurídica por acto de 11/01/2017, o qual não foi anulado, e cujos efeitos apenas se encontravam suspensos enquanto decorreu a reclamação judicial que incidiu sobre o mesmo.
Assim, qualquer que seja a extensão do efeito suspensivo da reclamação de actos do órgão de execução fiscal sobre a própria execução fiscal, a verdade é que, na data em que o despacho reclamado foi praticado (12/12/2017) já o efeito suspensivo na execução fiscal nº.... e apensos, derivado da apresentação da reclamação que correu termos sob o nº.60/17.5BEBJA, havia cessado com o trânsito em julgado da decisão que a julgou improcedente (o efeito jurídico de suspensão da execução fiscal, provocado pela interposição de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, com regime de subida imediata, deve manter-se enquanto não houver decisão transitada em julgado na mesma reclamação - cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/09/2014, rec.909/14; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/03/2015, rec.249/15).
Com estes pressupostos, o prosseguimento da execução fiscal nº.... e apensos, após o fim da suspensão derivada da improcedência da reclamação 60/17.5BEBJA, só imporia ao órgão de execução fiscal a marcação de nova venda se aquela acção tivesse sido julgada procedente (o que não se verificou), assim se anulando o despacho que designou a data para a venda em causa.
Em face do exposto não se vislumbra qualquer ilegalidade no despacho ora reclamado ao decidir a manutenção da venda realizada e das licitações efectuadas.
Rematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 19 de Julho de 2018


(Joaquim Condesso - Relator)


(Paulo Pereira Gouveia - 1º. Adjunto)


(Ana Celeste Carvalho - 2º. Adjunto)