Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1941/15.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/28/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA DELONGA NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA; VIOLAÇÃO DO DIREITO À JUSTIÇA EM PRAZO RAZOÁVEL;
DANO PATRIMONIAL; NEXO DE CAUSALIDADE; DANO MORAL;
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
Sumário:I - Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários actos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais, atendendo, ainda, às circunstâncias do caso concreto e designadamente: (i) à complexidade do caso; (ii) ao comportamento processual das partes; (iii) à actuação das autoridades competentes no processo; (iv) e à importância do litígio para o interessado;
II - Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu;
III – Ocorre violação do direito à justiça em prazo razoável quando relativamente a uma acção declarativa de mediana complexidade, que teve um número de partes diminuto e em que se se verificou a apresentação de meios de prova simples, a referida lide manteve-se a tramitar e ainda sem decisão de 1.ª instância por cerca de 6 anos;
IV - O TEDH e no seu seguimento a doutrina e jurisprudência nacionais vêem indicando como um tempo razoável para a tramitação de uma acção declarativa em 1.ª instância de 3 anos;
V - Estando em causa uma responsabilidade pelo ilícito, não se exige uma culpa subjectivada, aceitando-se como bastante uma culpa do serviço, globalmente considerado;
VI - O dano corresponde à lesão ou ao prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial produzido na esfera jurídica de terceiros, decorrente da demora na tramitação do processo, ou na decisão, ou na adopção tempestiva procedimentos cautelares e de medidas provisórias que tenha sido oportunamente requeridas para se acautelar direito;
VI – Na responsabilidade por facto ilícito, há que aplicar a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, tal como vem formulada no art.º 563.º do CC. Por conseguinte, o facto ilícito não só tem de constituir, em concreto, uma condição sine qua non do dano, como, em abstracto, aquele mesmo facto tem de ser capaz (tem de ser idóneo), em condições normais, para produzir o tipo de dano que se invoca. Igualmente, se para a produção do dano a condição é de todo indiferente ou só se tornou condição em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, essa condição não será causa adequada do dano que se alega;
VII – Para ser atribuída uma indemnização por danos patrimoniais, por atraso na administração da justiça, é preciso provar-se a existência de danos concretos e que sejam causa adequada e decorrente da maior delonga do processo em tribunal;
IX -Para ser atribuída uma indemnização por danos não patrimoniais, por atraso na administração da justiça, é preciso que o A., na PI a requeira não podendo a mesma ser arbitrada oficiosamente, sem dependência de um concreto pedido
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

A....... interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que julgou improcedente a acção administrativa comum por si interposta contra o Estado Português (EP) e absolveu o R. do pedido de condenação ao pagamento de uma indemnização por atraso na administração da justiça, no valor de 60.000,00€, para ressarcimento de danos patrimoniais.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: “A) O processo que teve como suporte a presente ação está pendente há vários anos - há seis anos e seis meses.
B) E o próprio Tribunal apesar de ter conhecimento da presente ação ao emitir a certidão junta aos Autos em 13-03-2017 ainda não se dignou proferir a decisão.
C) O Autor beneficia da presunção da ilicitude por culpa leve, nos termos do disposto no artigo 7 nº 3, por remissão do artigo 12 da lei 67/2007.
D) Logo, o Tribunal ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 6 paragrafo 1, 20 nº 4 da Constituição e artigo 7 nº 3, por remissão do artigo 12 da lei 67/2007 e artigo 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei 65/78 de 13/10 e artigo 342 nº 2 do Código Civil, pois é ao Estado que administra a justiça, que devia garantir o andamento normal do Processo, que cabe alegar e provar qualquer causa justificativa do excesso verificado, já que tal constitui matéria de exceção cujo ónus alegação e prova compete ao Réu (Estado)”.

O Recorrido EP, aqui representado pelo Ministério Público (MP), nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1- A sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 20 de Novembro de 2017, julgou a presente acção administrativa comum totalmente improcedente, por não provada e, consequentemente, decidiu absolver o Estado Português do pedido;
2- O Recorrente vem impugnar a decisão em matéria de direito, mas também em matéria de facto – ao mencionar na motivação e conclusões certidão junta aos autos -, sem dar cumprimento ao ónus a seu cargo previsto no art.º 640º do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 1º e 140º, n.º 3, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
3- A acção de responsabilidade civil extracontratual vem fundada na preterição de realização da justiça em prazo razoável, atento o disposto no art.º 20º/4/CRP, e art.º 6°/1 da Convenção dos Direitos do Homem, com apelo ao estabelecido no art.º 7º/3, por remissã do art.º.12°/Lei n.º 67/2007, de 31.12.
4- O Autor intentara a acção pedindo a condenação do Estado a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 60.000,00, a título de danos patrimoniais referentes a demora no exercício da função jurisdicional;
5- A indemnização peticionada corresponde ao valor da indemnização reclamada em 12/10/2009 ao Ministério da Justiça - Comissão de Protecção às Vitimas de Crimes, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento;
6- É, no entanto, patente na presente acção que o Autor confunde factualidade pertinente ao procedimento administrativo de indemnização que corre termos perante a Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes Violentos (artigos 1.º e 2.º da p.i.),
7- E a factualidade referente ao alegado atraso ocorrido no processo judicial n.º 1229/11.1BELSB, da 3ª UO deste TAC, onde é apreciada a demora do referido procedimento administrativo a correr termos na Comissão de Protecção às Vitimas de Crimes;
8- Todavia o A. não logrou alegar nem provar, como é seu ónus, qualquer facto que permita concluir pela verificação dos pressupostos cumulativos da responsabilidade por atraso na justiça, nomeadamente, o nexo de causalidade e os danos patrimoniais resultantes da demora no processo judicial n.º 1229/11.1BELSB, da 3ª UO deste TAC;
9- Assim, de harmonia com a douta sentença, o decaimento dos pressupostos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual, “facto ilícito; dano e nexo de causalidade”, importa a manifesta improcedência do pedido de indemnização fundamentado na violação do prazo razoável.
10- Finalmente, uma vez que o tribunal está vinculado pelo pedido formulado pelo Autor na petição inicial (cfr. artºs. 260°/1 e 615°/I/e), ambos os preceitos do CPC aplicáveis “ex vi” artº 1º/CPTA) e o pedido indemnizatório visa somente os danos patrimoniais e não morais, é irrelevante o facto provado sob o n°.5, o qual teria reflexos a nível dos danos morais se acompanhado de prova que permitisse a verificação cumulativa dos pressupostos processuais da responsabilidade civil extracontratual do Estado.
11- A sentença recorrida é justa e encontra-se bem fundamentada, porquanto fez correcta aplicação do Direito à matéria de facto dada ali como assente, não padecendo de qualquer nulidade.”

Colhidos os vistos, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS
Na decisão recorrida foram dados por provados os seguintes factos, que se mantêm:
1 - No dia 12-10-2009, o A. endereçou requerimento ao Ministro da Justiça, na qualidade de vítima de crime violento requereu à Comissão de Protecção de Vítimas de Crimes Violentos, o pagamento de indemnização no valor de 60.000,00 euros, à luz do artº.2º/1/Dec.Lei 423/91 (cfr. docº.1 junto com a p.i., e admissão por acordo).
2 - Em 06-05-2011, deu entrada no TAC– Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, acção administrativa comum, com processo ordinário, contra o Estado Português e o Ministro da Justiça, autos que foram distribuídos sob o nº. 1229/11.1BELSB (cfr. docº.2 junto com a p.i., e admissão por acordo).
3 – Os autos sob o nº. 1229/11.1BELSB, tiveram tramitação nos termos seguintes:
3.1. Em 06- 05-2011 o Autor intentou a acção (artigo 2.º da p.i. e documento n.º 2 junto pelo A. aos autos);
3.2. Em 23- 05-2011 ocorreu a expedição da citação do Estado Português e do Ministro da Justiça;
3.3. Em 22- 06 - 2011 o Ministério da Justiça apresentou a sua contestação e o processo administrativo;
3.4. Em 29- 08-2011 o Estado Português, representado pelo Ministério Público, apresentou a sua contestação;
3.5. Em 06- 10- 2011, o A. apresentou um requerimento/réplica;
3.6. No dia 28/10/2011, foi aberta conclusão;
3.7. A 08/11/2011, a Mª Juiz ordenou a notificação do Autor para comprovar a notificação entre mandatários relativamente à sua réplica, nos termos dos artigos 229º - A e 260º - A, do Código de Processo Civil, ex vi do artº 25º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
3.8. Em 14- 11- 2011, em cumprimento do ordenado pelo tribunal e reconhecendo o seu lapso, o A. notificou o mandatário do Réu Ministério da Justiça;
3.9. Em 23- 11-2011, o Ministério da Justiça apresentou requerimento/resposta àquela réplica;
3.10. No dia 18/05/2012 foi aberta conclusão;
3.11. No dia 21/05/2012, o tribunal ordenou a notificação da Exma. Magistrada do Ministério Público para eventual resposta à réplica do Autor; 3.12.
3.12. No dia 24/05/2012 a secretaria lavrou “Termo de notificação ao Ministério Público”, assinado na mesma data;
3.13. A 21/12/2012 foi aberta conclusão;
3.14. Em 22- 02-2013 o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa proferiu despacho onde concluiu que: “(…) impõe-se a convolação para a competente acção administrativa especial, com aproveitamento do processado , o que se decide.
Notifique.
Remeta o processo à Secção Central para que proceda à correcção da distribuição, descarregando-o da 1ª espécie e carregando-o na 4ª espécie (acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos – artigo 220.º, alínea b), do Código de Processo Civil e Deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais n.º 825/2005, de 2 de Junho de 2005, publicada no Diário da República, II Série, n.º 114, de 16 de Junho de 2005.” (destaques nossos).
3.15. Em 26- 02-2013 e 27/02/2013 a secretaria notificou o mandatário do Autor e o Ministério Público deste despacho;
3.16. No dia 05/03/2013 foi lavrado “Termo de Remessa” à secção central;
3.17. A 24/05/2013 foi aberta conclusão;
3.18. Em 19- 10-2015, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa proferiu despacho nos autos para efeitos de agendamento da audiência prévia;
3.19. Em 21- 10-2015 e 27-10- 2015, o A. pronunciou-se quanto às datas que lhe são convenientes, tendo o Ministério da Justiça e o Estado, representado pelo Ministério Público, procedido a pronúncia sobre o mesmo assunto, respectivamente, em 23- 10- 2015 e 26 - 10- 2015;
3.20. Com conclusão a 09- 11-2015, na mesma data, uma vez obtido o acordo dos ilustres representantes das partes, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa proferiu despacho designando o próximo dia 09 de Dezembro, às 10H 00, para realização da audiência prévia;
3.21. A 10- 11-2015, a secretaria notificou os ilustres mandatários das partes e o magistrado do Ministério Público, em representação do Estado Português, para a data designada para a audiência prévia. (cfr. procº. 1229/11.1BELSB, disponível on line SITAF, e docºs. juntos com a contestação e admissão por acordo).
4 – Os autos sob o nº. 1229/11.1BELSB estiveram sem tramitação no período de 24-05-2013 e 19-10-2015, num lapso de tempo de 2 anos, 4 meses e 26 dias, não descontados os dias de férias judiciais (confissão do R. (cfr. artº. 27º da contestação, e prova documental junta com a contestação).
5 – O A. por causa do crime violento, de que foi vitima, passou de uma vida com dignidade para uma vida de miséria (cfr. prova testemunhal).
6 - O TAC de Lisboa à data dos factos – tramitação dos autos sob o nº. 1229/11.1BELSB - tinha uma elevada pendência, bem como elevado número de processos urgentes (cfr. prova documental junta com a contestação e prova testemunhal).”

Nos termos dos art.ºs 662º n.º 1 e 665.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) de 2013, ex vi art. 140º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA, na redacção anterior à dada pelo DL 214-G/2015, de 02-10, tal como as demais referências feitas ao CPTA neste acórdão), procede-se ao aditamento da factualidade dada como provada nos seguintes termos:
7 - Consta dos presentes autos uma certidão emitida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, 3.ª Unidade Orgânica, datada de 13-03-2017, extraída do processo n.º 1229/11.1BELSB, onde é lavrado o seguinte: “b) O processo teve audiência de discussão e julgamento a 16.02.2016;
c) O processo aguarda a prolação de decisão. (…)” (cf. a indicada certidão junta aos autos a fls. 547 em suporte digital).


II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêem delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório quanto à fundamentação de facto, por a decisão recorrida não ter dado por provado o teor da certidão extraída no processo n.º 1229/11.1BELSB, junta aos presentes autos, a fls. 547, em suporte digital;
- aferir do erro decisório, da violação dos art.ºs 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 6.º, 1.º parágrafo, 7.º, n.º 3, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e 342.º, n.º 2, do Código Civil (CC), por não ter sido atribuída ao Recorrente uma indemnização por danos patrimoniais, quando está provado nos autos que ocorreu um atraso na administração da justiça.

Vem o Recorrente invocar um erro decisório quanto à fundamentação de facto, por a decisão recorrida não ter dado por provado o constante da certidão junta aos autos com o requerimento com a referência n.º 499048, de 18-04-2017, certidão emitida em 13-03-2017 e extraída do P. n.º 1229/11.1BELSB. Considera o Recorrente, que esta certidão atesta um atraso ainda mais grave, relativo ao facto de o P. n.º 1229/11.1BELSB estar a aguardar há dezanove meses por decisão judicial e estar já pendente na 1.ª Instância há seis anos e meio.

Os art.ºs. 636.º, n.º 2, 640.º e 662.º do CPC de 2013, impõem à parte recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
O A. e Recorrente, através deste recurso, cumpriu um tanto deficientemente o indicado ónus, por não ter sido nada claro na indicação de que pretendia recorrer do julgamento de facto, porque o considerava errado, porque não tinha sido dado por provado o constante da certidão emitida em 13-03-2017, que tinha junto aos autos. Igualmente, nas conclusões que delimitam o recurso, o Recorrente manteve a sua alegação em termos um tanto dúbios e equívocos, porquanto, mais uma vez, não diz de forma clara e explicita que pretende impugnar o julgamento da matéria de factos, para além da impugnação do julgamento de direito.
Não obstante a forma menos perfeita e inteligível pela qual se invoca o erro no julgamento de facto, a verdade, é que o Recorrido entendeu que o Recorrente pretendia fazer abranger o seu recurso àquela matéria e contra-alegou quanto a esse concreto aspecto.
Igualmente, das alegações e conclusões de recurso ainda é possível ao Tribunal compreender que o Recorrente pretende a modificabilidade da decisão de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, com o acrescento do que vem indicado na mencionada certidão.
O teor da indicada certidão, que faz prova plena, releva para a apreciação da presente causa. Assim, acrescentou-se à matéria de facto o teor de tal certidão, salvo no que concerne à sua alínea a), que é algo que já vem provado pelo facto 2 da sentença recorrida.

Vem o Recorrente arguir um erro de julgamento e a violação dos art.ºs 20.º, n.º 4, CRP, 6.º, 1.º parágrafo, 7.º, n.º 3, da CEDH e 342.º, n.º 2, do CC, por não ter sido atribuída ao Recorrente uma indemnização por danos patrimoniais, quando está provado nos autos que ocorreu um atraso na administração da justiça. Diz o Recorrente, que tal atraso ocorreu porque a acção n.º 1229/11.1BELSB, deu entrada no Tribunal em 06-05-2011, esteve sem tramitação no período de 24-05-2013 e 19-10-2015 e está a aguardar prolação de decisão desde a data em que foi feito o julgamento em 16-02-2016.

O direito a uma decisão judicial em prazo razoável foi consagrado no art.º 20.º, n.º 4, da CRP, na versão introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20-09.
Esse mesmo direito está também consagrado nos art.ºs. 6.ºe 13.º da CEDH, de 04-11-1950 (aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13-10, com depósito em 09-11-1978 e desde essa data aplicável na ordem jurídica interna – cf. aviso no DR, 1.ª Série, n.º 1/79, de 21-01-1979) e tem igualmente protecção nos art.ºs 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10-12-1948 (publicada no DR de 09-03-1978) e 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12-06, com depósito em 15-06-1978 e desde essa data aplicável na ordem jurídica interna – cf. aviso no DR, 1.ª Série, n.º 187/78, de 16-08-1978).
Por seu turno, o art.º 22.º da CRP consagrava desde a revisão de 1982 (Lei-Constitucional n.º 1/82, de 30-09-1982) um princípio geral da responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas públicas.
Naquela data inicial, estava em vigor o Decreto-Lei n.º 48051, de 21-11-1967, que não consagrava em termos expressos a responsabilidade do Estado pelo funcionamento defeituoso do serviço público de justiça e designadamente pela delonga anormal na administração da justiça.
Todavia, a doutrina e a jurisprudência largamente maioritárias passaram a considerar que o artigo 22.º da CRP determinava um princípio geral de responsabilidade civil do Estado por danos causados no exercício das suas funções – política, legislativa, jurisdicional ou administrativa – e que era uma norma directa e imediatamente aplicável, servindo, por isso, de fundamento para a interposição de uma acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito e culposo (cf. neste sentido, o Ac. do STA, n.º 26535, de 07-03-1989, que deu o mote à alteração jurisprudencial nesta matéria, ou mais recentemente fazendo a referência à anterior jurisprudência o Ac. do STJ n.º 368/09.3YFLSB, de 08-09-2009. Vide também, entre outros, os Acs. do, do STA n.º 0533/09, de 19-11-2009 ou n.º 0122/10, de 05-05-2010 ou n.º 0144/13, de 27-11-2013. Na doutrina, vide, entre muitos outros Jorge Miranda - “A Constituição e a Responsabilidade Civil do Estado” - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra, 2001, pp. 927-934; JJ Gomes Canotilho - Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4º ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000, p. 496; Fausto Quadros - “Omissões legislativas sobre direitos fundamentais”. Nos Dez Anos da Constituição, Lisboa INCM, 1987, pp. 60- 61; Rui Medeiros - A Decisão de Inconstitucionalidade, Os Autores, o Conteúdo e os Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade da Lei. Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999, pp. 576-620; Manuel Afonso Vaz - A Responsabilidade Civil do Estado, Considerações Breves sobre o seu Estatuto Constitucional. Porto: Edição UCP, 1995, pp. 7-13; Maria da Glória FP Dias Garcia - A Responsabilidade Civil do Estado e Demais Pessoas Colectivas Públicas. Lisboa: CES, 1997, pp. 40-46; Maria Rangel de Mesquita - “Responsabilidade do Estado e Demais Entidades Públicas: o Decreto-lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967 e o Artigo 22º da Constituição”. Perspectivas Constitucionais, Nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 1997; Isabel Celeste M. Fonseca - “A responsabilidade do Estado pela violação do prazo razoável: quo vadis?”. Revista do Ministério Público, Ano 29, Jul-Set. 2008, nº 115, pp. 8-9).
Entretanto, foi publicada a Lei nº 67/2007, de 31-12, que no seu artigo 12.º vem prever em termos expressos que “é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa”.
Nos termos da Lei nº 67/2007, de 31-12, são pressupostos - cumulativos - para a efectivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas na administração da justiça, a existência de um facto ilícito e culposo, que tenha provocado danos e a verificação de um nexo de causalidade entre aquele facto e os danos verificados.
O facto é entendido como um acto conteúdo positivo ou negativo, como uma conduta de um órgão ou do seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas.
No caso, o facto corresponderá ao acto ou à omissão da administração (da justiça, vg. aos tribunais), de proceder à regular tramitação e decisão num processo.
Exige-se, ainda, a ocorrência de uma ilicitude, reconduzível à violação por aquele facto de normas legais e regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, ou à prática de actos materiais que infrinjam tais normas e princípios, ou que infrinjam as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser consideradas (cf. art.ºs. 7.º e 12.º da Lei nº 67/2007, de 31-12).
Para aferir da ilicitude decorrente de um atraso na decisão judicial, a jurisprudência nacional, seguindo o entendimento que já vinha sendo tomado pelo TEDH, a propósito da aplicação do art.º 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), vem invocando que para a apreciação da violação do prazo razoável, há que considerar, primeiramente, de forma analítica o (in)cumprimento dos vários prazos legais para a prática dos vários actos e dos correspondentes prazos para a ocorrência das várias fases processuais.
Verificada a violação de um dado prazo, essa constatação não será, contudo, o bastante para se concluir pela violação do direito a uma decisão em prazo razoável. Diversamente, há então que atender também às circunstâncias do caso concreto: (i) à complexidade do caso - aqui relevando o número de partes ou de testemunhas ou o número de meios de prova a produzir; (ii) o comportamento processual das partes; (iii) a actuação das autoridades competentes no processo; (iv) e a importância do litígio para o interessado – vg., havendo que apreciar-se o concreto assunto que é discutido no processo e a importância que o mesmo reveste para o respectivo autor ou os próprios bens que se pretendem salvaguardar com o litígio.
Assim, verificando-se um atraso no cumprimento de prazos por razões ainda justificadas face aos termos do concreto litigio, ou derivadas de comportamentos provocados pelas próprias partes, há que afastar, nestas situações, o preenchimento do conceito de “prazo razoável”.
Posteriormente, há que encetar um segundo raciocínio, já não analítico, mas global, em que a aferição do pressuposto da ilicitude decorrente da excessiva demora do processo ou do atraso na decisão judicial se afere pela totalidade do período de tempo em que tal processo se desenvolveu. Para o cômputo desse prazo global releva não apenas a fase declarativa, desde o seu início, mas também a fase de execução judicial, importando apurar, no todo, o tempo em que decorreu até que uma dada pretensão formulada em juízo fosse efectivamente conhecida ou satisfeita.
Assim, como se defende no STA no Ac. n.º 0319/08, de 09-10-2008, “Deve em seguida passar a analisar-se na globalidade o tempo de duração da acção e o seu estado e, se a conclusão que se recolher deste conspecto for clara e seguramente no sentido de que foi ultrapassado o prazo razoável não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos actos daquele percurso. Uma situação deste tipo pressupõe evidentemente uma opinião praticamente unânime de um universo de apreciadores que o julgador pode prefigurar e portanto ocorre apenas quando a demora processual seja chocante, inaceitável, para os critérios do homem comum e das suas expectativas ponderadas sobre o andamento da máquina da administração da justiça.” (sobre a apreciação do pressuposto da ilicitude por quebra do direito à justiça em prazo razoável, para além do acórdão do STA, acima citado, vide, entre outros, os Acs. do STA n.ºs. 122/09, de 08-07-2009, 090/12, de 10-09-2010, 122/10, de 05-05-2010, 144/13, de 27-11-2013 ou 72/14, de 21-05-2015. Entre a jurisprudência do TEDH remete-se para os Acs. n.ºs. 53615/08, de 25-09-2012, Novo e Silva c. Portugal, 75529/01, de 08-06-.2006, Sürmeli c. Alemanha, 35382/97, de 06-04-.2000, Comingersoll SA c. Portugal, 33729/06, de 10-06-2008, Martins Castro e Alves Correio de Castro c. Portugal, 39297/98, de 08-03-2001, Pinto de Oliveira C. Portugal, 12986/87, de 24-08-1993, Scuderi c. Itália ou 12598/86, de 19-02-1992, Viezzer c. Itália).
Refiram-se, a este propósito, as palavras de Isabel Celeste da Fonseca, quando lembra que “o Tribunal de Estrasburgo já afirmou que a duração razoável corresponde em princípio à duração média de um processo, sendo certo que – em princípio, sublinhe-se – a duração em média em 1.ª instância deve corresponder a 3 anos, ou dois anos e sete meses, se atendermos às causas em matéria laboral ou relativas a pessoas. E a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio, sublinhe-se de novo, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais, em que 2 anos pode significar duração excessiva, tendo em conta a particularidade de certas situações jurídicas litigiosas” (cf. da Autora, “Violação do prazo razoável e reparação do dano: quantas novidades, mamma mia! Anotação ao Ac. do STA de 09-10-2008, Proc. 319/08”, in CJA, Braga, Cejur, n.º 72, (Nov-Dez) 2008, pp. 45-46).
Quanto à culpa, é entendida enquanto um juízo subjectivo ou de censurabilidade, que liga o facto ao agente, por ter praticado a própria conduta ilícita ou por ter violado regras jurídicas ou de prudência que tinha obrigação de conhecer e adoptar.
Por aplicação dos art.ºs. 10.º, n.º 1, e 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12, a culpa é apreciada pela diligência que é exigível, em abstracto, a um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor em face do circunstancialismo próprio do caso concreto.
Estando em causa uma responsabilidade pelo ilícito, não se exige uma culpa subjectivada, a culpa personalizável no próprio autor do acto, aceitando-se como bastante uma culpa do serviço, globalmente considerado. Considera-se, pois, que da circunstância dos serviços de justiça não funcionarem de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são expectáveis num Estado de Direito, decorre a indicada culpa, que aqui é apreciada enquanto uma culpa anónima ou de serviço (cf. art.º 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12).
Por aplicação do art.º 10.º, n.º 2, da Lei n.º 67/2007, de 31-12, há aqui uma inversão da regra geral do ónus da prova prevista no art.º 344.º, n.º 1, do CC, presumindo-se a culpa, salvo prova em contrário (cf. art.º 350.º, n.º 2, do CC).
No que concerne ao pressuposto dano, corresponderá à lesão ou ao prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial produzido na esfera jurídica de terceiros, decorrente da demora na tramitação do processo, ou na decisão, ou na adopção tempestiva procedimentos cautelares e de medidas provisórias que tenha sido oportunamente requeridas para se acautelar direito.
Atendendo à concreta situação, que não se coaduna com um princípio de restauração natural, aqui afasta-se a regra do 562.º do CC, concretizando-se o direito à reparação pelo dano, sempre, através de uma prestação pecuniária.
Por via da jurisprudência do TEDH tem sido igualmente entendido que se deve presumir a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, não sendo necessário ao A. alegar e provar esses mesmos danos. Será um dano comum, que se apura de acordo com as regras da vida, inerente a todas as pessoas (singulares) que são vítimas de um atraso na justiça. Logo, a alegação e prova só nestas acções só serão exigíveis nos casos em que os danos excedam os normalmente produzidos nestas situações (cf. neste sentido, entre outros, os Acs. do TEDH n.ºs 62361, de 29-03-2006, Riccardi Pizzati c. Itália ou 50262/99, de 22-06-2004, C. Bartl c. República Checa).
Seguindo a jurisprudência do TEDH será também possível atribuir às pessoas colectivas uma indemnização por danos não patrimoniais, mas aqui e ficarem alegados e provados nos autos, vg. porque se verifique que da demora resultaram dificuldades de gestão, organização ou planeamento da empresa, danos para a sua imagem ou dificuldades financeiras.
Tal presunção da existência de danos não patrimoniais é, no entanto, ilidível, aceitando-se que haja casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano moral mínimo ou, até nenhum dano moral (cf. art.ºs 346.º e 351.º do CC).
Quanto ao montante do dano não patrimonial, regem os art.ºs. 496.º, nº 3 e 494.º do CC, quando indicam que o montante da indemnização deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do caso, como o grau de culpabilidade do agente (cf. também art.º 41.º da CEDH).
Ainda aqui, há igualmente que atender à jurisprudência do TEDH, que tem exigido que a indemnização a atribuir pelo juiz nacional seja razoável e em montante idêntico aos atribuídos por aquele TEDH para casos semelhantes. Para aferir os casos semelhantes o TEDH compara os números de anos, o número de jurisdições em que os casos correram, a importância dos interesses em jogo, o comportamento das partes e considera as situações para um mesmo país (c. neste sentido, entre outros, os Acs. do TEDH n.º 36813/97, de 29-03-2006, Scordino c. Itália, 64699/01, de 29-03-2006, Musci c. Itália ou 64890/01, de 10-11-2004, Apicella c. Itália).
Ou seja, para aferir do quantum da indemnização a arbitrar nos processos de indemnização decorrentes de atraso na decisão de processo judicial deve considerar-se os padrões fixados, quer na jurisprudência nacional, quer do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Sobre o assunto, indicando os vários montantes para os casos “semelhantes”, pronunciou-se detalhadamente o STA no Ac. n.º 01004/16, de 11-05-2017, para o qual ora se remete.
Mais se refira, que atendendo à jurisprudência do TEDH, vão sendo apontados a título meramente indicativo os valores que oscilam entre 1000,00€ e 1500,00€ por cada ano de demora do processo – cf. neste sentido os Acs do TEDH n.ºs 65102/01, de 29-03-2006, Mostacciuolo v. Italy (n.º 2), 65075/01, de 29-03-2006, Giuseppina and Orestina Procaccini c. Italy, 64886/01, de 29-03-2006, Cocchiarella c. Italy, 64699/01, de 29-03-2006, Musci c. Itália ou 64890/01, de 10-11-2004, Apicella c. Itália. Assim apontando Fonseca, Isabel Celeste - “Violação do prazo razoável e reparação do dano: quantas novidades, mamma mia! Anotação ao Ac. do STA de 09-10-2008, Proc. 319/08”, in CJA, Braga, Cejur, n.º 72, (Nov-Dez) 2008, pp. 45-46; Ac. do STA n.º 07472/11, de 12-05-2011.
Para a efectivação da responsabilidade exige-se, ainda, a verificação do pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Aplica-se aqui, tal como para os demais casos da responsabilidade do Estado pelo ilícito, a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, tal como vem formulada no art.º 563.º do CC, preceito segundo o qual a “obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Ou seja, só ocorre este nexo quando os danos, em abstracto, são consequência apropriada do facto. Igualmente, se para a produção do dano a condição é de todo indiferente ou só se tornou condição em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, essa condição não será causa adequada do dano que se alega.
De referir, ainda, que a mais recente jurisprudência do STA em matéria de responsabilidade civil do Estado Português decorrente de atraso na administração da justiça, na esteira do Ac. do TEDH n.º 73798/13, de 29-10-2015, Valada Matos c. Portugal, vem entendendo uniformemente que por força de um princípio da subsidiariedade, e por aplicação dos art.ºs 6.º, 113.º, 34.º, 35.º e 41.º da CEDH, compete, em primeira linha, ao juiz nacional reparar de forma razoável as violações dos direitos e liberdades que vêm consagrados naquela Convenção, intervindo o TEDH apenas numa segunda linha, se esgotados os mecanismos nacionais e quando não tenha havido uma resposta reparatória que possa considerar-se satisfatória – cf. neste sentido os Ac. do STA n.º 488/16, de 30-03-2017 e Ac. do STA n.º 01004/16, de 11-05-2017.
Nesta mesma lógica, se se entender que a resposta nacional não é satisfatória, é possível o recurso àquele TEDH para efectivar o correspondente direito indemnizatório, como que duplicando-se as apreciações judiciais sobre o mesmo assunto.
Feito o anterior enquadramento, apreciemos, em concreto, o caso dos autos, considerando o que antes ficou dito.
Diz o Recorrente que o atraso na administração da justiça ocorreu porque o P. n.º 1229/11.1BELSB, que intentou em 06-05-2011, aguarda decisão judicial desde 16-02-2016, estando pendente na 1.ª instancia há seis anos e meio.
Ou seja, o Recorrente funda a ilicitude da conduta do Estado numa acção que se iniciou em 06-05-2011 e numa paragem do processo na secretaria a partir de 16-02-2016.
Tendo os factos que estão na base do presente pedido de responsabilidade, ocorrido na vigência da Lei n.º 67/2007, de 31-12 (que entrou em vigor em 30-01-2008), dúvidas não subsistem que nos situamos no âmbito da responsabilidade cível extracontratual, regulada e disciplinada pela Lei n.º 67/2007, de 31-12.
Vejamos, então, a tramitação ocorrida no P.nº 1229/11.1BELSB.
Como decorre da matéria de facto apurada, o A. e ora Recorrente intentou em 06-05-2011 a acção nº 1229/11.1BELSB, que correu termos na 3.ª Unidade Orgânica do Tribunal de Círculo de Lisboa.
Em 23-05-2011, foram expedidas as citações dos réus.
Em 22-06-2011 e em 29-08-2011, foram apresentadas contestações e em 06-10-2011 foi apresentada réplica.
Em 28-10-2011 o referido processo foi concluso.
Em 08-11-2011 foi ordenado ao A. para comprovar a notificação entre Mandatários relativamente à réplica apresentada.
Em 14-11-2011 em cumprimento do ordenado pelo tribunal e reconhecendo o lapso, o A. notificou o mandatário do réu Ministério da Justiça.
Em 23-11-2011, o réu Ministério da Justiça apresentou requerimento/resposta àquela réplica.
Em 18-05-2012 foi aberta conclusão.
Em 21-05-2012, o tribunal ordenou a notificação da Exma. Magistrada do Ministério Público para eventual resposta à réplica do Autor.
Em 24-05-2012 a secretaria lavrou “Termo de notificação ao Ministério Público”, assinado na mesma data.
Em 21-12-2012, foi aberta conclusão.
Em 22-02-2013, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa proferiu despacho onde ordenou a convolação para a acção administrativa especial, com aproveitamento do processado.
Em 26-02-2013 e 27/02/2013, a secretaria notificou o mandatário do Autor e o Ministério Público deste despacho.
Em 05-03-2013, foi lavrado “Termo de Remessa” à secção central.
Em 24-05-2013, foi aberta conclusão.
Em 19-10-2015, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa proferiu despacho nos autos para efeitos de agendamento da audiência prévia.
Em 21-10-2015 e 27-10-2015, o A. pronunciou-se quanto às datas que lhe são convenientes, tendo o Ministério da Justiça e o Estado, representado pelo Ministério Público, procedido a pronúncia sobre o mesmo assunto, respectivamente, em 23-10-2015 e 26-10-2015.
Com conclusão a 09-11-2015, na mesma data, uma vez obtido o acordo dos ilustres representantes das partes, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa proferiu despacho designando o dia 09-12-2015, para realização da audiência prévia.
Em 10-11-2015, a secretaria notificou os ilustres mandatários das partes e o magistrado do Ministério Público, em representação do Estado Português, para a data designada para a audiência prévia.
Em 16-02-2016, foi realizada a audiência de discussão e julgamento.
Entretanto, não terá sido prolatada qualquer sentença naqueles autos até 13-03-2017 – cf. facto acrescentado.
Assim, da apreciação analítica da tramitação daquela acção é possível concluir que, efectivamente ocorreu uma primeira paragem do processo, após a notificação ao MP da réplica do autor em 24-05-2012 e 21-12-2012, data em que foi aberta conclusão ao Juiz, que levou a uma demora na secretaria de 211 dias, não descontados os dias de férias judiciais.
Igualmente, em 24-05-2013 e 19-10-2015, ocorreu nova paragem processual com a conclusão do processo e a prolação do despacho para efeitos de agendamento da audiência prévia, desta feita, de 2 anos, 4 meses e 26 dias, não descontados os dias de férias judiciais.
Foi realizada em 09-12-2015 audiência prévia e, em 16-02-2016 audiência final.
Entretanto, volta a haver um hiato de mais de 1 ano após a realização da audiência final sem que tivesse sido até 13-03-2017 prolatada a correspondente sentença.
Ou seja, da factualidade apurada há que aceitar que o processo em questão teve algumas delongas, após a fase dos articulados, que não vêm justificadas, considerando para esse efeito o período entre 24-05-2012 e 21-12-2012, o período entre 24-05-2013 e 19-10-2015, aqui a mais alargada demora com o agendamento da audiência prévia, e um último período entre 16-02-2016 e 13-03-2017, que correspondeu à realização da audiência final e ao aguardar para que seja prolatada uma sentença.
Será, portanto, de admitir que o espaço temporal mais crítico é o que medeia entre as datas de 24-05-2013 e de 19-10-2015, por ser exagerado um tão grande período para se proceder ao agendamento da audiência prévia.
Frente ao que ora vem provado, não se pode rotular aquele processo de muito complexo ou difícil. Tal processo, na fase dos articulados, teve o rito processual adequado para a correspondente forma processual, atendendo a que litigavam um autor e dois réus, a qual ocorreu entre 23-05-2011 e 24-05-2012.
Quanto ao maior lapso temporal após essa fase – entre 24-05-2013 e 19-10-2015 - não se encontra justificada esta demora no agendamento da audiência preliminar, considerando, designadamente, que estamos frente a um processo de mediana complexidade, cuja preparação exigiria um tempo de estudo e de esforço do juiz que se admite que pudesse ter ocorrido num lapso de tempo inferior.
Face ao que se discute no P. n.º 1229/11.1BELSB, caso em análise será, também, de complexidade mediana ou relativamente vulgar, pois não se apela a diferentes regimes jurídicos, a quadros legais complicados, ou a matéria que gere celeuma na doutrina e jurisprudência, de difícil aplicação prática. A decisão reclamará maioritariamente prova documental, não obstante ter ocorrido audiência prévia e audiência de discussão e de julgamento, esta última com produção de prova testemunhal.
Portanto, a nível da prova, a questão será também era relativamente simples ou de mediana complexidade.
Em suma, face às circunstâncias do caso, o mesmo tem de reputar-se como de mediana complexidade. Trata-se de um caso que apresenta um número de partes diminuto e que teve a apresentação de meios de prova relativamente simples. Quanto ao comportamento das partes no processo, dos dados apurados não resulta que estas tenham litigado com imperícia, ou de forma prejudicial à lide mais célere.
No que concerne à importância do litígio para o interessado, estava em causa o dever legal de decidir de um pedido indemnizatório formulado pelo A. junto à Comissão de Protecção às Vitimas de Crimes Violentos, ao abrigo do então Decreto-Lei n.º 423/91, de 30-10, ora revogado e do seu ressarcimento pelo EP, por ter sido vítima de crime violento. Tal decisão teria, pois, importância para o A., pois visava uma compensação do Estado de que o A. e Recorrente carecia.
No mais, nada ficou provado nestes autos.
Neste seguimento, atendendo às circunstâncias do caso – e considerando a jurisprudência nacional e do TEDH, acima indicadas - teremos que admitir que foi excessivo quer o tempo de cerca de 2 anos e 4 meses para o agendamento da audiência preliminar – porquanto tal diligência não requereria um elevado nível de preparação, nem exigência – quer o tempo global do litígio de mais de 6 anos – pois a PI foi apresentada em 06-05-2011 e em 13-03-2017 ainda não havia sido prolatada a decisão final em 1.ª instância.
Como acima se indicou, o TEDH e no seu seguimento a doutrina e jurisprudência nacionais, vêm assinalando como um tempo razoável para a tramitação de uma acção declarativa em 1.ª instância, o período de 3 anos.
O processo ora em questão demorará mais de 6 anos seguramente, portanto, mais do dobro do tempo que vem sendo apontado pelo TEDH.
Como se disse, o referido processo, não obstante a sua delonga, é um processo relativamente simples, que não clamavá pela aplicação de um quadro legal difícil ou complexo. Quanto ao grosso do tempo da demora, ocorreu entre o fim da fase dos articulados e a fase da decisão, não porque tivesse ocorrido uma fase de instrução complicada, mas porque o processo aguardou bastante tempo pelo despacho para o agendamento da audiência preliminar, depois para a realização da audiência final e porque em 13-03-2017 continuava a aguardar a prolação da sentença.
Por conseguinte, ainda que não se possa rotular o tempo de mais de 6 anos como de claramente exagerado, quando comporte a quase totalidade da tramitação de uma acção declarativa em 1.ª instância, com todas as suas possíveis vicissitudes, ainda assim, frente ao caso concreto – e atendendo à jurisprudência do TEDH, que se tem de seguir - há aqui que concluir pela ocorrência de uma violação do direito à justiça num prazo razoável.
Está, pois, verificado o requisito da ilicitude que dá lugar à obrigação de indemnizar.
No que concerne à culpa, existirá uma culpa de serviço, uma culpa globalmente considerada. Ou seja, a administração da justiça não funcionou de acordo com os standards de qualidade e eficiência que são expectáveis num Estado de Direito, desde logo porque não conseguiu efectivar num tempo mais curto e portanto mais razoável o agendamento e a realização da audiência preliminar e, consequentemente, porque a decisão em 13-03-2017 continuava por prolatar (cf. art.º 7.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12).
Quanto a este pressuposto, não releva nos presentes autos o ponto 6 da matéria de facto assente, uma vez que o elevado número de processos urgentes ou pendentes no tribunal, não pode ser fundamento para isentar ou obstar à efectivação da responsabilidade por atrasos na administração da justiça, tal como é advogado pelo TEDH. Nestas situações, o Estado responderá civilmente pela desorganização do aparelho judicial, assim como pela deficiente definição dos quadros do tribunal.
Aqui chegados, importa analisar os danos invocados pelo A. e ora Recorrente para se concluir quer pela existência desses danos, quer pela verificação ou não verificação do pressuposto do nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Comecemos pelos danos patrimoniais, aliás, os únicos peticionados pelo A.
Nesta acção, o A. e ora Recorrente peticiona uma indemnização se computa em 60.000,00€, por danos patrimoniais, alegando que porque o P. n.º 1229/11.1BELSB não teve ao andamento exigível, ficou privado da mesma.
Porém, conforme decorre da alegação do A. e dos factos provados, não está assente nos autos que o A. tenha tido como um dano a privação de uma indemnização de 60.000,00€, pois tal indemnização terá sido requerida junto à Comissão de Protecção às Vitimas de Crimes Violentos, não sendo certo que não a venha a receber efectivamente, ou que não venha a receber qualquer indemnização pelo Estado.
Ou seja, conforme resulta do que vem provado nestes autos, não é certo que o A. tenha efectivamente direito à indemnização a que aqui se arroga, pelo montante que pretende. Aliás, a conduta omissiva da mencionada Comissão será a razão que deu mote ao P.1229/11.1BELSB.
Portanto, nestes autos não ficou provada a existência de um dano pelo A., pelo facto de ter um direito efectivo e não ter recebido a indemnização de 60.000,00€, que requereu à indicada Comissão.
Concluindo, nestes autos não ficou provado um dano para o A. no valor de 60.000,00€, por estar assente que essa indemnização lhe era devida.
Logo, pelas mesmas razões – porque nestes autos não ficou provado que o A. tenha efectivo direito àquela indemnização – também não pôde ficar provado que tenha tido um dano decorrente da sua percepção em momento ulterior, por via da delonga no P. n.º1229/11.1BELSB.
Depois, no caso em apreço, também não se verifica o pressuposto da existência de um nexo entre o invocado dano de 60.000,00€, equivalente à indemnização não recebida e o atraso no P. n.º 1229/11.1BELSB.
Como acima indicamos, estando aqui em causa um pedido de responsabilidade por facto ilícito, aplica-se aqui a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, tal como vem formulada no art.º 563.º do CC.
Por conseguinte, o facto ilícito não só tem de constituir, em concreto, uma condição sine qua non do dano, como, em abstracto, aquele mesmo facto tem de ser capaz (tem de ser idóneo), em condições normais, para produzir o tipo de dano que se invoca. Igualmente, se para a produção do dano a condição é de todo indiferente ou só se tornou condição em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, essa condição não será causa adequada do dano que se alega.
Neste enquadramento, é fácil de compreender que os danos decorrentes do não recebimento da indemnização de 60.000,00€, não são imputáveis ao atraso na administração da justiça no P. n.º1229/11.1BELSB, mas, antes, têm a sua génese no facto de o A., aqui Recorrente, ter sido vítima de crime violento. Isto é, a eventual perda daquele valor não é causada pelo atraso no P. n.º 1229/11.1BELSB, mas, só pode ser imputável à conduta da Comissão, ou agora do MJ, que não venha a conceder ao A. e ora Recorrente a indemnização que diz devida.
Repare-se, que conforme alegações do A. este terá peticionado no P. nº 1229/11.1BELSB não apenas para que a Comissão de Protecção às Vitimas de Crimes Violentos lhe pague a quantia de 60.000,00€, que entende que lhe é devida, como, ainda, para que o EP o indemnize por a Comissão estar atrasada no pagamento daquele mesmo montante. Ou seja, o A. peticionou naquele processo a condenação da Comissão a pagar-lhe 60.000,00€ e, igualmente, a condenação do EP a pagar-lhe novamente 60.000,00€, por a decisão da Comissão estar em falta.
Por conseguinte, tal como decorre das alegações do A. e Recorrente, a não percepção da indemnização de 60.000,00€ é pelo próprio imputada ao facto de ter sido vítima de crime violento e à omissão de actuação por banda da Comissão e não ao atraso decorrente do P. n.º 1229/11.1BELSB. Segundo o próprio A. e Recorrente, o direito a auferir a indemnização de 60.000,00€ decorria de ter sido vítima de crime violento e dessa circunstância dever ser apreciada pela Comissão de Protecção às Vitimas de Crimes Violentos, que também lhe haveria de pagar tal indemnização. Porque essa indemnização não terá sido paga, o A. e Recorrente apresentou o P. n.º 1229/11.1BELSB, pedindo a condenação da Comissão a esse pagamento, assim como, pedindo ao EP que lhe pagasse também uma indemnização porque a Comissão estava atrasada a pagar a indemnização devida.
Portanto, o P. n.º 1229/11.1BELSB e o seu atraso não é a razão directa do dano relativo à não percepção indemnização de 60.000,00€, só podendo ser entendido como uma causa mediata e que pode, eventualmente, ter concorrido para esse efeito. Mas, em abstracto, o indicado processo não é a causa adequada do não recebimento da indemnização de 60.000,00€.
Quanto a quaisquer danos patrimoniais directamente decorrentes da demora do P. n.º 1229/11.1BELSB, o A. não os alegou e provou.
O A. apenas diz nesta acção que tem danos por o montante de 60.000,00€ ainda não lhe ter sido pago, mas não alegou concreta e especificadamente um único dano patrimonial directamente decorrente de um eventual atraso naquele pagamento, apenas porque o processo P. n.º 1229/11.1BELSB se tivesse demorado.
Ou seja, aqui falece o pressuposto do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, na asserção indicada no art.º 563.º do CC.
Por conseguinte, o presente pedido de pagamento de uma indemnização de 60.000,00€, equivalente ao valor da indemnização que o A. e Recorrente reclamou junto da Comissão de Protecção às Vitimas de Crimes Violentos, é um dano que não está provado e relativamente ao qual falece o nexo de causalidade entre esse mesmo dano e o atraso que terá havido no P. n.º 1229/11.1BELSB.
Relativamente a danos não patrimoniais, o A. ora R. não os peticionou.
Quer na PI, quer nas alegações de recurso, o A. e Recorrente vem alegar que está numa situação económica miserável e que a referida indemnização lhe traria conforto económico, mas esta alegação não vem acompanhada de nenhum pedido indemnizatório por danos morais.
Assim, não obstante a jurisprudência do TEDH entender que se deve presumir a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, não sendo necessário ao A. alegar e provar esses mesmos danos, a verdade é que, no caso concreto, o A. não só não alegou a existência de tais danos, como não os peticionou sequer.
Ora, estando em causa uma acção de responsabilidade contra o Estado por atraso na administração da justiça, por decorrência do princípio do pedido, competia ao A. peticionar a indemnização a que se dizia com direito.
O A., na PI, limitou-se a peticionar uma indemnização por danos patrimoniais, nada requerendo a título de danos morais.
Logo, não podia a sentença vir a condenar o R. e Recorrido em quantidade superior ou em objecto diverso do que o A. pedia – cf. art.ºs. 95.º, n.º 2, do CPTA e 609.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA.
Em suma, no caso em apreço, porque o A. e Recorrente não peticionou nenhuma indemnização por danos morais, essa mesma indemnização não poderia ser oficiosamente arbitrada pelo Tribunal sob pena de se violar de forma clamorosa o princípio do pedido e as regras que dai decorrem relativas à exigência de um processo que garanta o contraditório, a igualdade entre as partes e equidade.
Porque os pressupostos da responsabilidade do Estado são cumulativos, claudicando os requisitos relativos ao dano e ao nexo de causalidade, claudica, desde logo, o direito do A. a ver o R. EP condenado a esse título.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam em:
- negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, com a fundamentação ora adoptada;
- custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe for concedido (cf. art.ºs. 527.º n.º s. 1 e 2, do CPC, 7.º, n.º 2, 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 28 de Junho de 2018.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)
(José Correia)