Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08137/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:02/19/2015
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:I.R.C.
NOÇÃO DE CUSTOS.
REQUISITO DA INDISPENSABILIDADE DE UM CUSTO.
PROVISÕES. NOÇÃO E REQUISITOS DO RELEVO CONTABILÍSTICO ENQUANTO CUSTOS.
JUROS DE MORA. NOÇÃO.
CRÉDITOS RESULTANTES DA ACTIVIDADE NORMAL DA SOCIEDADE.
INTEGRANTES DA CONSTITUIÇÃO DA PROVISÃO PARA CRÉDITOS DE COBRANÇA DUVIDOSA.
SUBSÍDIOS JURISPRUDENCIAIS RELATIVOS À APLICAÇÃO DO ARTº.23, DO C.I.R.C.
CONTRATOS DE ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO (ALD).
ENQUADRAMENTO NO ARTº.23, DO C.I.R.C.
Sumário:1. A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”. Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
2. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
3. O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário.
4. Ao abrigo do princípio contabilístico da prudência, os agentes económicos devem adoptar uma postura de cepticismo perante todos os proveitos não realizados e, bem assim, incluir nas respectivas demonstrações financeiras os efeitos que traduzam a compensação das possíveis perdas daqueles montantes. Nestes termos, aos activos que traduzam créditos sobre terceiros devem ser associados os efeitos das incertezas que sobre eles venham a recair. A estas componentes negativas do rédito, reflectidas nas demonstrações financeiras para compensação de prováveis perdas no valor dos activos, era dada a designação de provisões, realidades que actualmente se designam por imparidades.
5. As contas de provisões são aquelas onde se inscrevem as verbas destinadas a contrabalançar encargos ou prejuízos estimados e actuais de provável processamento futuro ou apenas de montante actualmente incerto. A provisão cria-se com um fim imediato em vista, nomeadamente o de fazer face a um ou mais créditos que se crêem mal parados.
6. As provisões que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e, bem assim, as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos na lei fiscal, considerar-se-ão proveitos ou ganhos do respectivo exercício (cfr.artº.33, §2, do antigo C.C.I.; artº.33, nº.2, do C.I.R.C.).
7. Os juros de mora (resultantes da "mora debitoris") pressupõem que a prestação se tenha tornado certa, exigível e líquida. O momento da constituição em mora, o qual tem a ver com a exigibilidade da prestação, depende da natureza da obrigação. Sendo a obrigação pura, só existe mora depois de o devedor ser interpelado para cumprir (cfr.artº.805, nº.1, do C.Civil). Pelo contrário, se a obrigação tiver prazo certo, não será necessário a interpelação para que haja mora, a qual se verifica logo que vencida a obrigação (cfr.artº.805, nº.2, al.a), do C.Civil).
8. Mais se deve recordar que nos termos do artº.804, do C.Civil, a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor. Por outro lado, dispõe o artº.806, nº.1, do mesmo diploma, que na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora. Os juros de mora, como se percebe, são uma das consequências patrimoniais da mora do devedor e representam para o credor o direito a uma remuneração pela quantia em dinheiro de que se viu privado, por certo tempo e por efeito do não cumprimento pontual da obrigação.
9. Configurando-se como uma das consequências patrimoniais do incumprimento da obrigação principal - sendo que não vem questionada a correcta identificação contabilística de tais juros enquanto integrantes da constituição da provisão para créditos de cobrança duvidosa efectuada pela sociedade recorrida para efeitos do artº.34, do C.I.R.C. - não podem os juros de mora deixar de integrar também o conceito de "créditos resultantes da actividade normal" da mesma sociedade, como da de qualquer credor e, nessa medida, constituir um custo dedutível, nos termos do disposto no artº.33, nº.1, al.a), do C.I.R.C.
10. Quanto ao enquadramento no aludido artº.23, do C.I.R.C., deve fazer-se menção a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:
a-É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica;
b-Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C.;
c-A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C.
11. Os contratos de aluguer de longa duração (ALD), se bem que, naturalmente, sujeitos ao império da autonomia da vontade privada, emergente do artº.405, do C.Civil, é habitual reportar este tipo de contrato às normas jurídicas aplicáveis contidas no dec.lei 354/86, de 23/10, diploma relativo ao exercício da indústria de aluguer de veículos automóveis sem condutor (com as actualizações derivadas dos dec.lei 373/90, de 27/11, 44/92, de 31/3, e 77/2009, de 1/4).
12. No caso "sub judice" estão em causa custos com rescisão de contratos de ALD, por motivo de sinistro com perda total dos veículos segurados, sendo tais montantes correspondentes ao diferencial entre o valor recebido das companhias de seguros pela sociedade recorrida, a título de indemnização, e o valor das viaturas no momento do sinistro, mais tendo a impugnante contabilizado esse diferencial como custo, restituindo-o ao cliente.
13. A entrega dos referidos montantes aos clientes locatários não constitui uma mera liberalidade, estranha ao objecto e actividade social da sociedade impugnante, antes assentando em genuína motivação empresarial, pelo que se deve concluir que tais custos são fiscalmente dedutíveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.245 a 258 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, “......................................., S.A.”, tendo por objecto liquidação adicional de I.R.C., relativa ao ano de 1994 e da qual resultou uma correcção ao lucro tributável declarado, embora da mesma não resulte imposto a pagar.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.274 a 289 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-A douta decisão de que se recorre não traduz uma correcta interpretação e aplicação da lei e do direito, em prejuízo da apelante. Na verdade;
2-A sentença recorrida, padece dos vícios de violação de lei, por infracção aos artigos 23 e 18 do CIRC e 74 LGT, pois;
3-Na douta sentença em análise, considerou-se que estava presente o nexo causal de "indispensabilidade " que deve existir entre os custos e a obtenção dos proveitos ou ganhos;
4-Ressuma ainda da douta sentença que "a lei concede à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa";
5-Acrescendo que "cabe, por sua vez, ao contribuinte, no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade.";
6-Porém, não resulta, dos factos dados como provados, qualquer factualidade passível de se configurar como prática de mercado ou política comercial, com vista à manutenção da fonte produtiva, ainda que mediatamente, pela criação de uma boa relação com o cliente, locatário do veículo sinistrado e pela segurança que dá aos locatários de que, se ocorrer qualquer sinistro, também parte do seu risco inerente ao contrato de locação será coberto pelo seguro, como foi decidido na douta sentença ora posta em crise (o que levaria à prova da famigerada indispensabilidade);
7-Na verdade, a fls.14 da douta sentença, remete-se para o Acórdão do TCA Sul, de 1 de Junho de 2011, proferido no processo n.º 04589/11, quando, após uma leitura meramente perfunctória, se constata que neste consta da matéria dada como provada, maxime, U) e V) dos factos provados que "aquando de um sinistro de viatura, apura um valor que resulta da diferença entre o montante recebido da Companhia de Seguros a título de indemnização e o valor das rendas vincendas, deduzido à data do sinistro", e "é prática de mercado, quando o valor referido em U) é positivo (quando o valor da indemnização é superior ao das rendas vincendas, descontado o valor da caução), a sua devolução aos clientes";
8-Ora, nos presentes autos de impugnação, como facilmente se afere dos factos dados como provados, não consta qualquer factualidade susceptível de nos levar a tal conclusão, há apenas um juízo conclusivo não suportado com factos, como acontece no Acórdão antedito, pelo que são casos diametralmente opostos;
9-Assim, não havendo premissas susceptíveis de nos levarem a tal conclusão, aliás, dos factos dados como provados não consta um único que consubstancie essa famigerada indispensabilidade, maxime, prática de mercado a devolução de montantes de indemnizações aos clientes, assim seguindo um raciocínio de silogismo lógico, e mesmo reforçado na douta sentença ora posta em crise, maxime, fls.13, "cabe ao contribuinte, no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade", o que, manifestamente, foi o caso, pois a AT questionou essa mesma indispensabilidade;
10-Ressuma pois, um claro erro de julgamento, pois se o ónus era incumbência da impugnante, e não resultando da matéria provada factos susceptíveis de nos levarem a tal conclusão, há um claro e manifesto erro de julgamento, devendo, por conseguinte, ser valorado negativamente contra a impugnante a falta de prova de tal premissa, pois a esta incumbia, indo a douta sentença ao arrepio das normas jurídicas do ónus da prova, maxime art. 74 LGT e 342 do Código Civil;
11-Mais, em regra, nestes casos, e o que está em causa no Acórdão antedito, é uma situação diversa da sub judice, na verdade, normalmente, em razão do sinistro, há casos em que sendo o locador beneficiário da indemnização, cabe-lhe receber a soma correspondente ao valor do bem. Ulteriormente, entrega ao locatário a quantia recebida, deduzida da importância relativa às rendas vincendas e eventualmente da soma correspondente ao valor residual;
12-Desconhece-se pois que montantes são estes "correspondentes ao diferencial entre o valor recebido das companhias de seguros, a título de indemnizacão, e o valor das viaturas no momento do sinistro, tendo a impugnante contabilizado esse diferencial como custo, restituindo-o ao cliente";
13-Afinal, o valor da viatura no momento do sinistro não é o valor da indemnização?
14-Parece que assim é, pois para isso há tabelas de desvalorizações periódicas automáticas, que é para aferir do valor da viatura, valor de mercado, entenda-se, que é o real e efectivo valor da viatura;
15-Então a seguradora vai pagar mais que o valor de mercado do veículo? Obviamente que não, pelo que desconhecemos se efectivamente há montantes devolvidos aos clientes;
16-Sendo que não há qualquer prova nos autos dessa devolução, maxime, cópias dos cheques;
17-Ressuma do antedito que não pode, pois, ser dado como provado que há montantes devolvidos aos locatários;
18-Sem prescindir, no CIRC, maxime, na interacção entre os art.ºs 15, 20 e 23 resulta que só poderão ser considerados custos do exercício as verbas que, comprovadamente e numa relação directa de causa efeito, hajam que ser dispendidas para a percepção dos proveitos;
19-Acresce que, face à qualidade jurídica do locador, na relação contratual do seguro, em que formalmente é ele o tomador do seguro, e que por essa qualidade as indemnizações "sub judice" integram a sua esfera patrimonial nos termos do art. 20.º/1 - g) CIRC, o facto de não os ter considerado fiscalmente como proveitos seus do exercício, também por arrastamento não os pode considerar como custo fiscal seu quando efectiva a transferência para os seus clientes, sob pena de o desagravamento fiscal imputado se constituir como um ganho, na razão directa do montante de IRC que deixa de entregar ao Estado;
20-Quanto aos juros de mora, a questão terá, forçosamente, de ser equacionada à luz do que se entende por créditos decorrentes da actividade normal da empresa. E na esteira até do entendimento jurisprudencial, só o serão os que decorram do seu objecto ou escopo social, ou seja, sendo o objecto da empresa a transacção de veículos automóveis, só os créditos decorrentes da venda de veículos automóveis se inserem no sinalagma, conforme ao art.º 885 do CC;
21-Os art.ºs 804 a 806 CC, referem-se a uma factualidade anormal, contrária ao espírito do art.º 885 CC e às regras do comércio, ou seja, referem-se ao não cumprimento do sinalagma por parte de um dos contraentes. E isto, nunca constituirá uma vicissitude normal da actividade empresarial;
22-Por outro lado, os juros de mora, porque não aceites na provisão poderão ser considerados custo no exercício em que se verifique a efectiva incobrabilidade do crédito vencido;
23-Porém, tal só deverá ser aceite se forem considerados em sentença condenatória, porque pedidos, e se venha a verificar a incobrabilidade da dívida em acção de execução;
24-Ora, a lei fiscal, face aos princípios da materialidade e da tipicidade fechada, exige uma clara demonstração de que o prejuízo real é efectivo;
25-E esta factualidade só será admissível quando o contribuinte demonstre que não prescindiu da indemnização quando exerceu o seu direito ao crédito vencido em mora, o que só é demonstrável quando exercido o direito ao crédito por via judicial;
26-Não o entendendo assim, a douta sentença em recurso violou os preceitos legais invocados na mesma, pelo que, deverá ser revogada, com todas as legais consequências devidas;
27-TERMOS EM QUE, deve ser admitido o presente recurso e revogada a douta decisão da primeira instância, substituindo-a por outra que julgue improcedente a impugnação judicial, com todas as consequência legais.
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A sociedade recorrida produziu contra-alegações nas quais termina pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão do Tribunal "a quo" (cfr.fls.290 a 298 dos autos).
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de se negar provimento ao presente recurso (cfr.fls.311 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.313 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.248 a 252 dos autos - numeração nossa):
1-A ora impugnante tem como actividade principal o comércio de veículos automóveis, encontrando-se enquadrada no CAE 50100 (cfr.informação exarada a fls.22 a 25 do processo administrativo apenso);
2-A impugnante encontra-se enquadrada, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, no regime geral de tributação (cfr.informação exarada a fls.22 a 25 do processo administrativo apenso);
3-Em cumprimento da Ordem de Serviço n° ............., de 27 de Março, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Serviços de Prevenção e lnspecção Tributária procederam a uma acção de inspecção à ora impugnante, relativa, entre outros, ao exercício de 1994, da qual resultaram as seguintes correcções meramente aritméticas à matéria tributável do referido exercício, no montante de € 419.030,73/84.008.117$00:
- Provisões relativas a juros por créditos em mora: € 114.431,70/22.941.497$00;
- Indemnizações relativas à rescisão de contratos de aluguer de viaturas por motivo de sinistros: € 304.599,03/61.066.620$00 (cfr.informação exarada a fls.22 a 25 do processo administrativo apenso; documento junto a fls.13 do procedimento de reclamação graciosa apenso);
4-As correcções meramente aritméticas à matéria tributável do exercício de 1994, descritas no nº.3, foram efectuadas com os seguintes fundamentos:
"(...)
3.1.1.1 Indemnização de valores recebidos das Companhias de Seguros
O contribuinte contabilizou como custo fiscal do exercício o valor de 61.066.620$00, relativo à rescisão de diversos contratos de aluguer de viaturas de longa duração, vulgarmente conhecidos por "ALD", por motivo de sinistros com perda total dos veículos segurados, correspondendo o referido valor ao diferencial entre o valor recebido da Companhia de Seguros, a título de indemnização e o valor das viaturas no momento dos sinistros.
Uma vez que o contribuinte restituiu aquele valor aos seus clientes, não pode o mesmo ser considerado custo fiscal do exercício, por não se enquadrar no âmbito do artigo 23° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), pelo que será acrescido ao lucro tributável declarado.
3.1.1.2 Provisões do Exercício
Na constituição da provisão para créditos de cobrança duvidosa, nos termos da alínea a) do n° 1 do artigo 34° do CIRC, o contribuinte considerou na sua base de cálculo juros de mora pelo atraso no pagamento de créditos já vencidos.
Ora, tendo presente o disposto na alínea a) do n° 1 do artigo 33° do mesmo diploma legal, os juros derivados de créditos em mora não se enquadram na actividade normal da empresa.
O montante da provisão constituída indevidamente e não aceite como custo do exercício para efeitos fiscais, nos termos da referida alínea a) do artigo 33° do CIRC, é de 22.941.497$00, conforme mapa ANEXO I, a fls. 1".
(cfr.documento junto a fls.13 do procedimento de reclamação graciosa apenso);
5-Com base nas correcções resultantes da acção inspectiva descritas nos números anteriores, o lucro fiscal declarado pela ora impugnante no exercício de 1994, no valor de 56.284.318$00, que dera origem a imposto a recuperar no valor de 2.574.154$00, foi corrigido para o valor de 140.292.435$00 (cfr.informação exarada a fls.27 a 30 do procedimento de reclamação graciosa apenso);
6-Em consequência, em 20 de Julho de 1999, foi emitida a liquidação de IRC nº..............................., relativa exercício de 1994, que anulou a recuperação de imposto auto-liquidado no apontado valor de 2.574.154$00, e não apurou valor algum de imposto a pagar ou a receber (cfr.documento junto a fls.14 do procedimento de reclamação graciosa apenso);
7-Em 26 de Outubro de 1999, a impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação identificada no nº.6 (cfr.documento junto a fls.2 a 10 do procedimento de reclamação graciosa apenso);
8-Por despacho do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, datado de 13 de Setembro de 2004, foi indeferida a reclamação graciosa referida no nº.7 (cfr.documento junto a fls.40 a 42 do procedimento de reclamação graciosa apenso);
9-Da informação nº.25-AJT/04, da Direcção de Serviços de Prevenção e lnspecção Tributária, datada de 12 de Abril de 2004, que sustenta o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, consta, nomeadamente, o seguinte:
"(...)
CRÉDITOS DE COBRANÇA DUVIDOSA (PROVISÃO)
(...)
COMENTÁRIO
10 - Compulsados os elementos internos disponíveis (v.g. informáticos e os constantes do arquivo individual do contribuinte), constata-se, que os cálculos do montante apurado e acrescido ao lucro tributável "sub judice" foram correctamente efectuados, não havendo reparos nessa matéria a considerar, nem por parte do próprio contribuinte.
11 - Pelo que tudo se fica por divergência de direito quanto à subsunção do facto à norma.
12 - Em abono do entendimento prosseguido pela DSPIT no seu relatório de inspecção, será de referir que foi prosseguido o entendimento da Adm. Fiscal nesta matéria, maxime da DSIRC (vide por todos os procºs n° 308/97 e 104/91, de que se junta cópias).
13 - De facto, a questão terá que ser equacionada à luz do que se entende por créditos decorrentes da actividade normal da empresa.
E na esteira até do entendimento jurisprudencial (vide por todos o Acórdão da Relação – Procº n° 59548 - in CTF, n° 357, pág. 219 ss), só o serão os que decorram "stritu sensu" do seu objecto, ou seja, sendo o objecto da empresa a transacção de veículos automóveis, só os créditos decorrentes da transmissão dos bens (v.g. o preço contratualizado) se inserem no sinalagma, conforme ao artº 885° C. Civil:
Artº 885° C. Civil - Tempo e lugar do pagamento do preço
1- O preço deve ser pago no momento e no lugar da entrega da coisa vendida.
2- ...
14 - Ao invés do que afirma a reclamante na PI, os artºs 804° a 806° C. Civil, referem já e tão só a uma factualidade anormal, contrária ao espírito do artº 885° C. Civil e às regras do comércio, ou sejam, referem ao não cumprimento do sinalagma por parte de um dos contraentes. E isto, por muito vulgar que seja, nunca se constituirá como uma vicissitude normal da actividade empresarial.
15- Por outro lado, afirma a DSIRC no ponto 6 do procº 104/91, que esses juros de mora, porque não aceites na provisão poderão ser considerados custo no exercício em que se verifique a efectiva incobrabilidade do crédito vencido.
Porém, tal só será de aceitar se forem considerados em sentença condenatória, porque pedidos, e, se venha a verificar a incobrabilidade da dívida em acção de execução.
E isto porque, o prejuízo mínimo a que se refere o artº 806°/1 C. Civil é presuntivo, resultando esta presunção da confrontação deste com o arº 807/2 C. Civil.
Ora, a lei fiscal, face aos princípios da materialidade e da tipicidade fechada, só aceita factualidades, não presunções, ou seja, tem que haver uma clara demonstração de que o prejuízo é real, é efectivo.
E esta factualidade só será admissível quando o contribuinte demonstre que não prescindiu da indemnização quando exerceu o seu direito ao crédito vencido em mora, o que só é demonstrável quando exercido o direito ao crédito por via judicial, pois que quando exercido por via extrajudicial, se o pagamento da dívida se fixar em singelo no montante da transacção do bem (v.g. o preço fixado), então é porque o credor prescindiu do direito à indemnização, logo não há custo a considerar.

INDEMNIZAÇÕES DE VALORES RECEBIDOS DAS C. SEGUROS - CUSTO FISCAL

16 - A Adm. Fiscal não aceitou, para efeitos do artº 23° CIRC, a contabilização como custo fiscal do exercício do montante, de esc.61.066.620$00, relativo à rescisão de diversos contratos de aluguer de viaturas: de longa duração (vulgo ALD), por motivo de sinistros com perda total dos veículos segurados, na parte correspondente ao diferencial de valor entre o montante pago pela C. Seguros a título de indemnização e o valor das viaturas no momento dos sinistros, porquanto estes montantes foram restituídos ao clientes.
17- Por sua vez, o contribuinte, ora reclamante, na explanação que desenvolve nos artºs 23 a 34 da PI reclamante, não avança explicação jurídica para o facto de ter considerado como seu custo fiscal a verba "sub judice".
Antes argumenta de facto no sentido de demonstrar que tais verbas indemnizatórias aproveitam única e exclusivamente aos seus clientes porque são eles que suportam efectivamente os custos dos seguros que lhes subjazem.
E vai mais longe, considerando mesmo e por forma expressa nos artºs 32 a 34 da PI reclamante, que integrar no seu património tais verbas se constituiria num acto de apropriação indevida, e, assumindo, nunca ter considerado tais verbas para os efeitos tributários a que alude o artº 23° CIRC como um proveito seu.
18 - Resulta evidente no CIRC, maxime na interacção entre os artºs 15°, 20° e 23° que só poderão ser considerados custos do exercício as verbas que, comprovadamente e numa relação directa de causa e efeito, hajam que ser dispendidas para a percepção dos proveitos.
É inequívoco, face ao exposto no ponto 17 supra, que se constitui como a súmula dos argumentos do contribuinte, ora reclamante, em que este expressamente reconhece que nunca tais verbas foram consideradas proveitos seus para efeitos fiscais, que concomitantemente também não poderão nunca constituir-se fiscalmente como custos seus do exercício, por não preencherem os requisitos e pressupostos de aplicação do artº 23° CIRC.
19 - Mas mesmo que se entenda o contrário, e que face à qualidade jurídica do locador, ora reclamante, na relação contratual do seguro, em que formalmente é ele o tomador do seguro, e que por essa qualidade as indemnizações "sub judice" integram a sua esfera patrimonial nos termos do artº 20°/1 - g) CIRC, o facto de não os ter considerado fiscalmente como proveitos seus do exercício, também por arrastamento não os pode considerar como custo fiscal seu quando efectiva a transferência para os seus clientes, sob pena de o desagravamento fiscal imputado se constituir como um ganho, na razão directa do montante de IRC que deixa de entregar ao Estado.
(...)"
(cfr.informação exarada a fls.27 a 30 do procedimento de reclamação graciosa apenso);
10-Os seguros associados aos contratos de Aluguer de Longa Duração (ALD) eram contratados para garantir que, em caso de perda total do veículo, os clientes mantinham em uso um veículo, utilizando o valor da indemnização recebida e mediante a celebração de um novo contrato (cfr.depoimento da testemunha inquirida);
11-Os prémios dos referidos seguros eram indirectamente suportados (repercutidos nas rendas) pelos locatários dos veículos automóveis objecto dos respectivos contratos de ALD (cfr.depoimento da testemunha inquirida);
12-No exercício de 1994, a impugnante lançou na sua contabilidade, como proveitos, a totalidade do montante das indemnizações recebidas das seguradoras por sinistros ocorridos com viaturas em contratos de ALD (cfr.documentos juntos a fls.137 a 268 dos autos; depoimento da testemunha inquirida).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “...Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto fundou-se na análise crítica dos elementos constantes dos autos, designadamente, dos documentos, não impugnados, juntos aos autos pela impugnante e, ainda, das informações oficiais e documentos constantes do PAT e do procedimento de reclamação graciosa apensos, e, bem assim, do depoimento da testemunha inquirida, tudo conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.
Quanto à factualidade constante dos nºs.10 a 12 dos factos provados, foi valorado o depoimento da testemunha inquirida, Luís............................, o qual, na qualidade de Director Administrativo e Financeiro da sociedade impugnante desde 1995, mostrou um conhecimento directo dos factos em causa, tendo deposto com segurança e revelando credibilidade…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente procedente a impugnação pela sociedade recorrida intentada, assim anulando a liquidação de I.R.C. objecto dos presentes autos (cfr.nº.6 do probatório).
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e como supra se menciona, que da interacção entre os artºs.15, 20 e 23, do C.I.R.C., resulta que só poderão ser considerados custos do exercício as verbas que, comprovadamente e numa relação directa de causa efeito, sejam despendidas para a percepção dos proveitos. Que quanto aos juros de mora a questão terá, forçosamente, de ser equacionada à luz do que se entende por créditos decorrentes da actividade normal da empresa. E só o serão os que decorram do seu objecto ou escopo social, ou seja, sendo o objecto da empresa a transacção de veículos automóveis, só os créditos decorrentes da venda de veículos automóveis se inserem no sinalagma, conforme ao artº.885, do C.Civil. Que os artºs.804 a 806 do C.Civil, se referem a uma factualidade anormal, contrária ao espírito do citado artº.885, do mesmo diploma e às regras do comércio, ou seja, referem-se ao não cumprimento do sinalagma por parte de um dos contraentes, sendo que tal situação nunca constituirá uma vicissitude normal da actividade empresarial. Que os juros de mora, porque não aceites na provisão poderão ser considerados custo no exercício em que se verifique a efectiva incobrabilidade do crédito vencido. Porém, tal só deverá ser aceite se forem considerados em sentença condenatória, porque pedidos, e se venha a verificar a incobrabilidade da dívida em acção de execução (cfr.conclusões 18 e 20 a 26 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13).
Refira-se, igualmente, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.98, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1994; artºs.29 e 31, do C.Comercial).
Revertendo ao caso dos autos, defende, em resumo, a Fazenda Pública que os custos relativos a juros de mora desconsiderados não são passíveis de enquadramento no âmbito da provisão para créditos de cobrança duvidosa.
Por seu lado, a decisão recorrida concluiu que os juros de mora em causa se enquadram na actividade normal da impugnante/recorrida, pelo que a provisão contabilizada com os créditos com essa proveniência é dedutível à matéria colectável, e, nessa medida, a sua não aceitação como custo fiscal enferma de ilegalidade, por erro nos pressupostos.
Vejamos quem tem razão.
O imperativo constitucional da tributação dos sujeitos passivos de I.R.C. segundo o seu lucro real produz distintas consequências, num equilíbrio dos direitos das empresas na opção pela tributação de acordo com a sua contabilidade, estruturada segundo princípios de balanço comercial, e das limitações especificamente previstas para a passagem daquele balanço para o balanço fiscal, enquanto base da determinação do lucro tributável. A lei portuguesa tem encontrado na via normativa a solução para a transformação dos princípios destinados a servir as necessidades comerciais das empresas em normas geradoras de uniformidade no apuramento do lucro tributável. Nesta sede, a provisão, caracterizada como uma reserva de determinada quantia destinada a prever uma incomprovada e futura despesa, no acautelar de riscos especiais prováveis do negócio, encontra um regime normativo estruturado na enumeração taxativa das provisões legalmente dedutíveis, assente em princípios gerais (v.g.obrigações e encargos derivados de processos judicias em curso) e normas de aplicação específica (v.g.provisões para créditos de cobrança duvidosa), e sendo vocacionado à prevenção do uso abusivo destes processos contabilísticos que visem o adiamento do pagamento do imposto (cfr. J.L.Saldanha Saches, Direito Fiscal, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2002, pág.245 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11).
Mais se dirá que, ao abrigo do princípio contabilístico da prudência, os agentes económicos devem adoptar uma postura de cepticismo perante todos os proveitos não realizados e, bem assim, incluir nas respectivas demonstrações financeiras os efeitos que traduzam a compensação das possíveis perdas daqueles montantes. Nestes termos, aos activos que traduzam créditos sobre terceiros devem ser associados os efeitos das incertezas que sobre eles venham a recair. A estas componentes negativas do rédito, reflectidas nas demonstrações financeiras para compensação de prováveis perdas no valor dos activos, era dada a designação de provisões, realidades que actualmente se designam por imparidades.
Atento o anteriormente expendido, a relevância das provisões, adentro cálculos inerentes ao lucro tributável, no duplo aspecto (positivo e negativo) da dotação e reposição, sempre mereceu por parte do legislador fiscal prescrições que visam o seu correcto tratamento.
As contas de provisões são aquelas onde se inscrevem as verbas destinadas a contrabalançar encargos ou prejuízos estimados e actuais de provável processamento futuro ou apenas de montante actualmente incerto. A provisão cria-se com um fim imediato em vista, nomeadamente o de fazer face a um ou mais créditos que se julgam mal parados (cfr.Rogério Fernandes Ferreira, Gestão Financeira, 4ª. edição, I, pág.351 e seg.; A. Álvaro Dória, Reservas e Provisões, Comentário contabilístico, 2ª.edição, Livraria Cruz, Braga, 1983, pág.33 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno, 27/2/85, Ap. D.R. de 12/1/87, pág.125 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/11/2001, rec.26080; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 2/10/2001, proc. 4668/00; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11).
Mais se deve referir que as provisões que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e, bem assim, as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos na lei fiscal, considerar-se-ão proveitos ou ganhos do respectivo exercício (cfr.artº.33, §2, do antigo C.C.I.; artº.33, nº.2, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1994).
"In casu", em causa estão os juros de mora de dívidas provenientes de fornecimentos da impugnante/recorrida aos seus concessionários, não pagas na data de vencimento, havendo que saber se os mesmos se enquadram na actividade normal da empresa, podendo dar origem a provisões dedutíveis ao lucro tributável, nos termos dos artºs.33, nº.1, al.a), e 34, do C.I.R.C. (actuais artºs.35 e 36), ou não, como entende a A.Fiscal (cfr.nºs.3 e 4 do probatório).
Os juros de mora (resultantes da "mora debitoris") pressupõem que a prestação se tenha tornado certa, exigível e líquida. O momento da constituição em mora, o qual tem a ver com a exigibilidade da prestação, depende da natureza da obrigação. Sendo a obrigação pura, só existe mora depois de o devedor ser interpelado para cumprir (cfr.artº.805, nº.1, do C.Civil). Pelo contrário, se a obrigação tiver prazo certo, não será necessário a interpelação para que haja mora, a qual se verifica logo que vencida a obrigação (cfr.artº.805, nº.2, al.a), do C.Civil; João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 5ª.edição, 1992, vol.II, pág.112 e seg.; António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 1990, vol.II, pág.446 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/6/2012, proc.4704/11).
Mais se deve recordar que nos termos do artº.804, do C.Civil, a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor. Por outro lado, dispõe o artº.806, nº.1, do mesmo diploma, que na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
Os juros de mora, como se percebe, são uma das consequências patrimoniais da mora do devedor e representam para o credor o direito a uma remuneração pela quantia em dinheiro de que se viu privado, por certo tempo e por efeito do não cumprimento pontual da obrigação.
Da mora poderão, em abstracto, emergir para o credor direitos não atingidos por risco de incobrabilidade - como tal, insusceptíveis de ser levados a provisões - mas, não é esse o caso dos juros de mora, cujo risco de incobrabilidade anda associado ao da obrigação principal, com a ressalva de que o incumprimento desta não envolve necessariamente logo a "mora debitoris".
Configurando-se como uma das consequências patrimoniais do incumprimento da obrigação principal - sendo que não vem questionada a correcta identificação contabilística de tais juros enquanto integrantes da constituição da provisão para créditos de cobrança duvidosa efectuada pela sociedade recorrida para efeitos do artº.34, do C.I.R.C., conforme se conclui dos nºs.4 e 9 do probatório - não podem os juros de mora deixar de integrar também o conceito de "créditos resultantes da actividade normal" da sociedade recorrida, como da de qualquer credor e, nessa medida, constituir um custo dedutível, nos termos do disposto no artº.33, nº.1, al.a), do C.I.R.C. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/10/2006, rec.668/06).
Por último, refira-se que a menção da recorrente ao regime constante do artº.885, do C.Civil, norma que consagra o tempo e lugar de pagamento do preço na compra e venda, em nada releva para efeitos de exame das características dos juros de mora, supra delineada.
Concluindo, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito, assim sendo forçoso julgar improcedente este fundamento do recurso, mais se confirmando a decisão do Tribunal “a quo”, neste segmento.
Mais aduz o recorrente, em síntese, que a sentença recorrida padece do vício de violação de lei por infracção aos artºs.18 e 23, do C.I.R.C., e 74, da L.G.T. Que não resulta do probatório qualquer factualidade passível de se configurar como prática de mercado ou política comercial, com vista à manutenção da fonte produtiva, ainda que mediatamente, pela criação de uma boa relação com o cliente, locatário do veículo sinistrado e pela segurança que dá aos locatários de que, se ocorrer qualquer sinistro, também parte do seu risco inerente ao contrato de locação será coberto pelo seguro, como foi decidido na douta sentença ora posta em crise, vector que levaria à prova da famigerada indispensabilidade. Que não pode ser dado como provado que há montantes devolvidos aos locatários. Que face à qualidade jurídica do locador, na relação contratual do seguro, em que formalmente é ele o tomador do seguro, e que por essa qualidade as indemnizações "sub judice" integram a sua esfera patrimonial nos termos do artº.20, nº.1, al.g), do C.I.R.C., o facto de não os ter considerado fiscalmente como proveitos seus do exercício, também por arrastamento não os pode considerar como custo fiscal seu quando efectiva a transferência para os seus clientes, sob pena de o desagravamento fiscal imputado se constituir como um ganho, na razão directa do montante de I.R.C. que deixa de entregar ao Estado (cfr.conclusões 2 e 6 a 19 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar novo erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
Quanto a esta correcção, e contrariamente ao que defende o apelante, a sociedade recorrida fez prova de que, no exercício de 1994, lançou na sua contabilidade, como proveitos, a totalidade do montante das indemnizações recebidas das seguradoras por sinistros ocorridos com viaturas em contratos de ALD (cfr.nº.12 do probatório).
De acordo com o relatório de inspecção, este custo foi desconsiderado, ao abrigo do artº.23, do C.I.R.C., por se considerar que esta despesa não aproveita directamente à realização dos proveitos do sujeito passivo e, por outro lado, visto que as indemnizações em causa não foram consideradas fiscalmente como proveitos do exercício do sujeito passivo (cfr.nºs.4 e 9 do probatório).
Ora, conforme acabado de sublinhar, cai por terra o segundo vector mencionado, visto que a sociedade recorrida fez prova de que, no exercício de 1994, lançou na sua contabilidade, como proveitos, a totalidade do montante das indemnizações recebidas das seguradoras por sinistros ocorridos com viaturas em contratos de ALD.
Sobra o questionado enquadramento no artº.23, do C.I.R.C.
Quanto ao enquadramento no aludido artº.23, do C.I.R.C., deve, desde logo, apelar-se a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:
1-É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/04/2010, rec.774/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/02/2008, rec.798/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/11/2009, proc.3253/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12);
2-Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/6/2011, proc.4589/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12);
3-A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/2/2010, proc.3669/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12).
No caso "sub judice", encontramo-nos perante custos resultantes da celebração de contratos de aluguer de longa duração (ALD).
Se bem que, naturalmente, sujeito ao império da autonomia da vontade privada, emergente do artº.405, do C.Civil, é habitual reportar este tipo de contrato (ALD) às normas jurídicas aplicáveis contidas no dec.lei 354/86, de 23/10, diploma relativo ao exercício da indústria de aluguer de veículos automóveis sem condutor (com as actualizações derivadas dos dec.lei 373/90, de 27/11, 44/92, de 31/3, e 77/2009, de 1/4).
Do exame do probatório (cfr.nºs.4 e 9 da factualidade provada), deve concluir-se que estão em causa custos com rescisão de contratos de ALD, por motivo de sinistro com perda total dos veículos segurados, sendo tais montantes correspondentes ao diferencial entre o valor recebido das companhias de seguros pela sociedade recorrida, a título de indemnização, e o valor das viaturas no momento do sinistro, tendo a impugnante contabilizado esse diferencial como custo, restituindo-o ao cliente.
A A. Fiscal fundamentou a correcção em análise, de não aceitação do custo em causa, singelamente, com o facto de a impugnante/recorrida ter restituído aos clientes os montantes correspondentes ao diferencial entre o valor recebido das companhias de seguros, a título de indemnização, e o valor das viaturas no momento do sinistro, parecendo, de certa forma, configurar tal operação como uma liberalidade do sujeito passivo.
Contudo, afigura-se que, no caso em apreciação, está presente o nexo causal de "indispensabilidade" que deve existir entre os custos e a obtenção dos proveitos ou ganhos.
Na verdade, a contratação dos seguros era uma condição associada à celebração dos contratos de ALD, sendo mesmo prática do mercado a devolução aos clientes de parte do valor da indemnização recebida pelas companhias de seguros em resultado de sinistros ocorridos com as viaturas objecto de tais contratos. Constituindo tal prática uma política comercial, com vista à manutenção da fonte produtiva, ainda que mediatamente, pela criação de uma boa relação com o cliente, locatário do veículo sinistrado, e pela segurança que dá aos locatários de que, se ocorrer qualquer sinistro, também parte do seu risco inerente ao contrato de locação será coberto pelo seguro.
Recorde-se, a este propósito, que, conforme vem demonstrado nos autos (cfr.nº.11 dos factos provados), são os locatários dos veículos quem efectivamente suporta, ainda que indirectamente, o custo do seguro contratado.
A entrega dos referidos montantes aos clientes locatários não constitui, assim, uma mera liberalidade, estranha ao objecto e actividade social da sociedade impugnante, antes assenta em genuína motivação empresarial, pelo que, se deve concluir, com o Tribunal "a quo", que tais custos são fiscalmente dedutíveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C. (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/6/2011, proc.4589/11).
Face ao exposto, também a correcção em causa padece de vício invalidante, neste sentido se confirmando a sentença apelada.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 19 de Fevereiro de 2015



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)