Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 04136/10 |
Secção: | CT - 2.º JUÍZO |
Data do Acordão: | 05/08/2012 |
Relator: | PEDRO VERGUEIRO |
Descritores: | OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL. COIMAS. PRESCRIÇÃO. REVERSÃO. PRESSUPOSTOS. IVA. CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL. |
Sumário: | I) A jurisprudência mais recente do Tribunal Constitucional tem sido no sentido de “não julgar inconstitucional a norma do artigo 7.º-A do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90 de 15 de Janeiro, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes pelos montantes correspondentes às coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo de contra-ordenação fiscal; II) Em todo o caso, cabe indagar da verificação do disposto no 7.º-A do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, sendo que, neste domínio, a lei exige uma análise especialmente qualificada em função do ónus que impõe à AF, o que não se compadece com o facto de o processo de execução e respectiva preparação para a ordenada reversão exibir um total alheamento em relação a esta matéria, não esboçando a AF qualquer preocupação particular neste domínio. III) O art. 5º nº 5 da Lei nº 124/96, de 10-08 não se encontra ferido de inconstitucionalidade orgânica. IV) A responsabilidade subsidiária dos gerentes é regulada pela lei em vigor na data da verificação dos factos tributários geradores dessa responsabilidade, e não pela lei em vigor na data do despacho de reversão nem ao tempo do decurso do prazo de pagamento voluntário dos tributos. V) Com referência ao art. 13º do CPT, é hoje jurisprudência pacífica que não se consagra neste preceito qualquer presunção de gerência/administração de facto com base na gerência/administração de direito. VI) Tal norma apenas estabelece uma presunção de culpa do gerente pelo não pagamento do imposto e para ilidir esta culpa o oponente terá que fazer prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento do tributo, ou seja, terá de alegar e provar factos dos quais resultem que a impossibilidade do pagamento. * O Relator Pedro Vergueiro |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul: 1. RELATÓRIO A..., inconformado veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 26-03-2010, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzida na presente instância de OPOSIÇÃO com referência à execução originariamente instaurada contra a sociedade “B..., Lda.”, e contra si revertida, por dividas de IVA e juros compensatórios, relativas aos anos de 1994 a 1999, à Segurança Social, referentes a contribuições dos meses que vão de Janeiro a Outubro de 1994, e de coimas e encargos objecto de processos de contra-ordenação, tudo no montante global de € 222.648,53, acrescido de juros. Formulou as respectivas alegações ( cfr. fls. 368-377 ) no âmbito das quais enuncia as seguintes conclusões: “(…) 1. No presente caso, as dívidas referem-se ao período de 1994 até Novembro de 1999, anos da liquidação, pelo que a citação do recorrente, como responsável subsidiário, deveria ter sido efectuada até Novembro de 2004, mas apenas ocorreu em Janeiro de 2005, ou seja para lá do prazo de 5 anos, pelo que a eventual suspensão/interrupção dos prazos de prescrição não afectam o recorrente, que delas tem de beneficiar, correndo o prazo da prescrição desde a liquidação. 2. O Tribunal a quo aplicou norma inconstitucional, ao entender que ocorreu suspensão do prazo da prescrição, entre 07/02/97 e 07/07/03, conforme decidiu já o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão do P.º 01017/09, 2.ª Secção, Relator Lúcio Barbosa, consultável em www.dgsi.pt. 3. Não tendo o Governo legislado ao abrigo da autorização legislativa e sendo inovadora a causa de suspensão prevista no N.º 5 do artigo 5.º do D.L. N.º 124/96 (e o C.P.T. não previa causas gerais de suspensão da prescrição) é de concluir pela inconstitucionalidade orgânica da norma. 4. Já antes outro Acórdão concluíra no mesmo sentido, conforme referência no acórdão citado, no caso, o Ac. STA, de 14/10/2009, Rec. 258/09. 5. Se a norma em causa é inconstitucional, o prazo prescricional continuou a decorrer e assim, tendo decorrido mais que os cinco anos previstos no N.º 3 do artigo 48.º da L.G.T., o oponente ora recorrente beneficia de tal prescrição, pelo que o Tribunal recorrido fez errada interpretação e aplicação do direito, ao julgar não prescrita a totalidade da dívida, mesmo a que tinha mais de 8 anos. 6. O Tribunal recorrido entendeu que era dever do recorrente cumprir as suas obrigações para com a protecção dos credores, nomeadamente apresentando a empresa à falência ou a uma providência de recuperação. 7. A fls. 252 a 256, encontra-se junta uma certidão do registo comercial da devedora principal onde se pode verificar que, em 27/02/1995, foi apresentado a registo uma Acção Especial de Recuperação de Empresa, e embora tal registo tenha sido recusado, tal como outro efectuado em 05/02/1996, por o Conservador ter julgado que a interposição da acção não estava sujeita a registo, até à sua aprovação pelos credores, no dia 18/02/1999 está realizado um registo definitivo da deliberação da Assembleia de Credores que aprovou o projecto de concordata. 8. Estes registos provam que o recorrente e os demais gerentes, entre 1995 e 1999 se preocuparam em se apresentar à Justiça, chamando os demais credores, e convencendo-os de que era vantajosa a celebração de uma concordata, o que foi feito e cumprido até à data de saída do recorrente. 9. Esta é a conduta que o recorrente julgou prudente e empenhada, e prova exactamente o contrário do afirmado na sentença recorrida que, ao negar tal facto, prova que não cuidou de analisar a documentação destinada a dar publicidade aos actos que lhe foi apresentada, que com o devido respeito, era sua obrigação. 10. Não foi assim verdade que a gerência tenha sido deixada em “roda livre”, pois o recorrente, apesar de ausente em Angola, esforçou-se, no que lhe foi possível, por cumprir com as suas obrigações e certamente não é culpa sua que o mercado nacional tenha sido invadido por mercadoria do Oriente, com valores infinitamente mais diminutos que a mercadoria por si comercializada há mais de 30 anos, sem qualquer problema. 11. A sentença ora posta em crise vem concluir pela sua culpa, por falta de prudência e empenho, e por isso responsável pelos pagamentos das dívidas exequendas, conclusão que não está estribada em qualquer regra do conhecimento comum. 12. O recorrente vendeu o seu património pessoal, para entregar o produto da venda à empresa, cedeu gratuitamente instalações à mesma, passou participações sociais e a gerência de facto e uma pessoa com grande curriculum em gestão de empresas, convencido de que assim poderia dedicar-se a outro projecto em Angola. 13. Reconhece que deixava toda a documentação assinada para o giro comercial, conforme foi referido no julgamento pelas testemunhas, mas isso é diferente de ter, de facto, exercido pessoalmente a gerência. 14. Gerência pessoal não pode deixar de ser aquela que se exerce por si, e não por interposta pessoa, e deixar documentação em branco, para que outra pessoa a preencha, porque o pacto social exigia duas assinaturas, não é gerência pessoal, são actos formais e não substancialmente relevantes. 15. A L.G.T. admite apenas no seu artigo 24.º, N.º 1, que a reversão ocorra apenas sobre a dívida em singelo, e não sobre os acréscimos das coimas fiscais, juros e custas, conforme entendeu o Digno Magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal Tributário, constante de fls. 341 e 342 dos autos, e por ser questão de direito, pode e deve ser objecto de escrutínio em sede de recurso. Nestes termos, e nos melhores de direito que certamente o Venerando Tribunal suprirá, deve a Oposição ser julgada procedente por prescrição da dívida exequenda, ou, em qualquer caso, por não verificados os pressupostos de reversão para o recorrente, como é de inteira JUSTIÇA!” A recorrida não apresentou contra-alegações. O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da procedência parcial do recurso Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR As questões sucitadas pelo Recorrente resumem-se, em suma, em verificar da invocada prescrição e indagar da verificação dos pressuspostos para a determinada reversão com referência ao facto de o Recorrente ter exercido a gerência da sociedade originária devedora, para além de não estar demonstrada a culpa do Recorrente na insuficiência do património da mesma sociedade para a satisfação do montante reclamado e ainda a virtualidade da reversão com referência às dívidas por coimas. 3. FUNDAMENTOS3.1 DE FACTO Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “1 - A sociedade executada originária, “B..., Lda.”, com o n.i.p.c. 500 259 275, estava matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Loures, sob o nº 01688/73.01.23, tendo como objecto social a montagem e reparação de máquinas eléctricas (cfr. cópia de certidão junta a fls. 213 a 217 dos presentes autos); 2 - O opoente, A..., com o n.i.f. 115 352 139, foi sócio e gerente da sociedade executada originária desde a data da constituição da empresa, em 1973, e até 18/9/2000, dia em que cedeu a sua quota na sociedade e renunciou às funções de gerência da mesma, durante todo este período se obrigando a sociedade com a assinatura conjunta dos gerentes (cfr. cópia de certidão junta a fls. 213 a 217 dos autos; cópia certificada da escritura de cessão de quotas e alteração do pacto social junta a fls. 6 a 11 dos presentes autos; factualidade admitida pelo oponente na p.i.); 3 - Em 16/8/1995, enquanto legal representante da sociedade executada originária, o oponente assinou a declaração de rendimentos m/22, de I.R.C. do ano de 1994, entregue junto do 1º Serviço de Finanças de Loures (cfr. documento junto a fls. 39 a 45 dos presentes autos); 4 - Em 5/8/1997, enquanto legal representante da sociedade executada originária, o oponente assinou a declaração de rendimentos m/22, de I.R.C. do ano de 1996, entregue junto do 1º Serviço de Finanças de Loures (cfr. documento junto a fls. 63 a 70 dos presentes autos); 5 - Nos anos de 1994 a 1999, o opoente exerceu funções de direcção da sociedade executada originária enquanto sócio maioritário e sendo necessária a sua assinatura para obrigar a empresa (cfr. depoimento das testemunhas arroladas pelas partes o qual se encontra gravado em cassete áudio que faz parte integrante dos presentes autos; cópia de certidão junta a fls. 213 a 217 dos autos); 6 - Era frequente o opoente assinar documentos em branco que obrigavam a sociedade executada originária, os quais deixava ao outro sócio e gerente C..., nomeadamente cheques e livranças (cfr. depoimento das testemunhas arroladas pelas partes o qual se encontra gravado em cassete áudio que faz parte integrante dos presentes autos); 7 - Em 1/9/1995, foi instaurado no 1º Serviço de Finanças de Loures o processo de execução fiscal nº 1520-95/103823.0 e apensos, tendo por objecto, além do mais, a cobrança coerciva de dívida de I.V.A. e juros compensatórios, relativas aos anos de 1994 a 1999 e no montante total de € 177.758,26, débitos de contribuições para a Segurança Social, referentes aos meses de Janeiro a Outubro de 1994 e na quantia total de € 21.244,59, e de dívidas de coimas e encargos objecto de processos de contra-ordenação tendo por matéria a falta de entrega de declaração/meio de pagamento de I.V.A. relativamente a períodos mensais dos anos de 1996, 1997, 1998 e 1999, no quantitativo total de € 23.645,68, tudo no montante global de € 222.648,53, acrescido de juros, no mesmo processo surgindo como executado originário a empresa “B..., L.da.” (cfr. documento junto a fls. 38 dos presentes autos; informação exarada a fls. 106 a 111 dos presentes autos; factualidade admitida pelo opoente na p.i.); 8 - O processo de execução fiscal identificado no nº 7 esteve com a sua tramitação suspensa ao abrigo do regime previsto no dec.lei 124/96, de 10/8, em virtude da adesão solicitada pela sociedade executada originária, entre 3/2/1997 e 7/7/2003, data em que o acordo de adesão foi revogado devido a incumprimento (cfr. certidão do processo de execução fiscal com documentos juntos a fls. 121, 122, 211 e 212 dos presentes autos; informação exarada a fls. 106 a 111 dos presentes autos); 9 - Em 29/3/2004, foi lavrado despacho fundamentador da reversão da execução identificada no nº 7, além do mais, contra o opoente A..., enquanto responsável subsidiário e devido a insuficiência de bens da sociedade executada originária, tudo ao abrigo dos artºs. 153, nº 2, al. b), do C.P.P.Tributário e 23 e 24 da L.G.Tributária, mais se ordenando a notificação do opoente com vista ao exercício do direito de audição prévia, a qual ocorreu em 13/4/2004 (cfr. documentos juntos a fls. 195 a 198 do I volume do processo executivo apenso); 10 - Em 25/4/2004, o opoente apresentou junto do 1º Serviço de Finanças de Loures o requerimento cuja cópia se encontra a fls. 199 e 200 do I volume do processo executivo apenso e através do qual exerceu o direito de audição prévia à reversão, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido; 11 - Em 6/5/2004, a A. Fiscal proferiu despacho de reversão da execução fiscal identificada no nº 7 contra o responsável subsidiário e ora opoente, Vaso Matias Lourenço, pela quantia total de € 222.648,53, acrescido de juros (cfr. documentos juntos a fls. 261 a 266 dos presentes autos; ofício junto a fls. 232 dos presentes autos); 12 - Em 26/1/2005, o oponente foi citado para a execução fiscal identificada no nº 7 e enquanto responsável subsidiário (cfr. documentos juntos a fls. 262 a 266 dos presentes autos; informação exarada a fls. 106 a 111 dos presentes autos); 13 - No dia 25/2/2005, deu entrada no T.A.F. de Sintra a oposição apresentada por A..., a qual originou os presentes autos (cfr. carimbo de entrada aposto a fls. 2 dos autos). X Dos factos, com interesse para a decisão da causa, constantes da oposição, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita, nomeadamente que não seja imputável ao opoente a diminuição do património da sociedade executada originária e enquanto no exercício de funções de gerência da mesma empresa.Factos não Provados X A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos e apensos constam, no depoimento das testemunhas arroladas pelas partes, tal como na análise dos mecanismos de admissão da factualidade por parte do oponente, enquanto espécie de prova admitida no âmbito da relação juridico-fiscal, embora de livre apreciação pelo Tribunal (cfr. artº 361 do C.Civil), tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”3.2 DE DIREITO
Motivação da Decisão de Facto Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, sendo que a primeira questão a apreciar prende-se com a questão da virtualidade da reversão com referência às dívidas por coimas. A partir daqui, e quanto ao mais, cabe tratar, desde logo, da matéria da prescrição, apontando o Recorrente que as dívidas referem-se ao período de 1994 até Novembro de 1999, anos da liquidação, pelo que a citação do recorrente, como responsável subsidiário, deveria ter sido efectuada até Novembro de 2004, mas apenas ocorreu em Janeiro de 2005, ou seja para lá do prazo de 5 anos, pelo que a eventual suspensão/interrupção dos prazos de prescrição não afectam o recorrente, que delas tem de beneficiar, correndo o prazo da prescrição desde a liquidação, verificando-se que o Tribunal a quo aplicou norma inconstitucional, ao entender que ocorreu suspensão do prazo da prescrição, entre 07/02/97 e 07/07/03, conforme decidiu já o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão do P.º 01017/09, 2.ª Secção, Relator Lúcio Barbosa, consultável em www.dgsi.pt, pois que não tendo o Governo legislado ao abrigo da autorização legislativa e sendo inovadora a causa de suspensão prevista no N.º 5 do artigo 5.º do D.L. N.º 124/96 (e o C.P.T. não previa causas gerais de suspensão da prescrição) é de concluir pela inconstitucionalidade orgânica da norma e se a norma em causa é inconstitucional, o prazo prescricional continuou a decorrer e assim, tendo decorrido mais que os cinco anos previstos no N.º 3 do artigo 48.º da L.G.T., o oponente ora recorrente beneficia de tal prescrição, pelo que o Tribunal recorrido fez errada interpretação e aplicação do direito, ao julgar não prescrita a totalidade da dívida, mesmo a que tinha mais de 8 anos. A sentença recorrida afastou a prescrição, desde logo porque o prazo de prescrição das dívidas exequendas revertidas esteve suspenso durante o período que mediou entre 03-02-1997 e 07-07-2003 ao abrigo do art. 5º nº 5 da Lei nº 124/96, de 10-08, o que significa que não decorreu o período de 5 anos previsto no art. 48º nº 3 da L.G.T. A propósito da questão decidenda, pronunciou-se recentemente o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 280/2010, aprovado em Plenário, cuja solução e fundamentos, inteiramente transponíveis para este caso, se reitera. Em tal Acórdão - proferido, aliás, no âmbito de processo em que as partes eram as mesmas - decidiu-se: “O Decreto-Lei n.º 124/96 pretendeu, como se explicita no respectivo preâmbulo, instituir um conjunto de remédios extraordinários para regularização das dívidas fiscais e à segurança social, resultantes de situações de incumprimento acumuladas, implementando dois grandes grupos de medidas: por um lado, relativamente à generalidade dos devedores foi previsto um regime geral de pagamento em prestações mensais iguais, até um máximo de 150, com redução, nos casos normais, de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa média de juros praticada na colocação da dívida pública interna; por outro lado, estabeleceu-se, em desenvolvimento do regime jurídico definido pelo artigo 59.º da Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março, e concretizando também a previsão do n.º 2 do artigo 55.º da mesma lei, em relação aos casos que envolvam processos especiais de recuperação de empresas ou contratos de consolidação financeira e reestruturação empresarial, um regime extraordinário de mobilização de activos e de recuperação de créditos. Ao caso em análise interessa o regime prestacional, a que o executado/oponente aderiu, e que se encontra regulado nos artigos 4º e seguintes do Decreto-Lei n.º 124/96 e, especialmente, no seu artigo 5º, que, sob a epígrafe «Diferimento do pagamento dos créditos», dispõe o seguinte: 1 - O diferimento do pagamento dos créditos, incluindo os créditos por juros vencidos e vincendos, assumirá a forma de pagamento em prestações mensais iguais, no máximo de 150. 2 - O número de prestações concedido para o pagamento dependerá de: a) Capacidade financeira do devedor; b) Montante da dívida, não podendo cada prestação ter valor inferior a metade do salário mínimo nacional mais elevado; c) Risco financeiro envolvido; d) Circunstâncias determinantes da origem das dívidas. 3 - O pagamento de cada prestação será efectuado até ao final do mês a que diga respeito. 4 - Quando, por motivo não imputável ao devedor, o pagamento não tenha sido efectuado no prazo previsto no número anterior, poderá ser requerida a relevação do atraso, desde que o pagamento se efectue nos primeiros cinco dias úteis do mês seguinte. 5 - O prazo de prescrição das dívidas suspende-se durante o período de pagamento em prestações. O referido diploma foi publicado pelo Governo com invocação das alíneas a) e c) do artigo 201.º da Constituição (que corresponde ao actual artigo 198.º) e no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pelo artigo 59.º da Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março. A Lei n.º 10-B/96, que aprovou o orçamento do Estado para 1996, autorizava o Governo, através do Ministro das Finanças, com a faculdade de delegação, a proceder a operações de mobilização de créditos, incluindo créditos de natureza fiscal e outros activos financeiros do Estado, em termos a definir por decreto-lei (n.º1), bem como a proceder a operações de permuta, redução e anulação de determinados activos financeiros (n.º 5). Não há em todo o texto legal qualquer referência ao regime de prescrição das dívidas fiscais e à segurança social às quais venha a ser autorizado o pagamento em prestações. Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 124/96 não invoca a existência de qualquer autorização legislativa sobre essa matéria, como seria exigível, nos termos do n.º 3 do artigo 201.º da Constituição, na redacção então vigente, se de um decreto-lei autorizado se tratasse, e, ao aludir, como fonte habilitadora, ao artigo 59º da Lei n.º 10-B/96, pretende unicamente reportar-se aos instrumentos de «mobilização de activos e recuperação de créditos», que se encontram regulamentados no Capítulo III desse diploma, e não aos chamados «regimes prestacionais», que constam do Capítulo II, em que se insere a referida norma do artigo 5º. Assim sendo, poderá dar-se como assente que não houve, no caso, autorização legislativa destinada a cobrir a aprovação da norma em causa e, por outro lado, o Governo não poderia, a pretexto do desenvolvimento de uma norma que se circunscreva às bases gerais de um regime jurídico – como seja a do artigo 59.º da Lei 10-B/96 – entrar no domínio de competência legislativa reservada. A questão que interessa seguidamente averiguar é a de saber se estamos, na verdade, perante matéria de reserva parlamentar. O artigo 165º, n.º 1, alínea i), da CRP (que corresponde, na sua primeira parte, ao artigo 168º, n.º 1, alínea i), na redacção anterior à Lei Constitucional n.º 1/97, vigente à data da publicação do Decreto-Lei n.º 124/96), integra na reserva relativa da competência da Assembleia da República a «criação de impostos e sistema fiscal»; ao passo que o artigo 103º (que, por sua vez, corresponde ao artigo 106º da Lei Fundamental, na mesma redacção), sob a epígrafe «sistema fiscal», no seu n.º 2, consigna o seguinte: «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes». Entende-se que este n.º 2, introduzindo um princípio de legalidade fiscal, traduz a regra da reserva de lei para a criação e definição dos elementos essenciais dos impostos, nela abrangendo não somente os elementos intrusivos ou agressivos do imposto (criação, incidência, taxa), mas também os seus elementos favoráveis, como os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4ª edição, Coimbra, págs. 1090-1091). Como também tem sido afirmado, a reserva de lei para a criação e definição dos elementos essenciais dos impostos, mesmo nos aspectos favoráveis aos contribuintes, justifica-se em nome dos princípios da igualdade, da justiça e da transparência fiscal. Pretende-se que o imposto, quanto aos seus principais elementos, seja desenhado na lei de forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimento regulamentar, nem para a discricionariedade administrativa (ibidem). Uma tal determinação constitucional funciona assim como uma garantia dos contribuintes, no ponto em que procura criar um quadro legal rigoroso, colocando os sujeitos passivos do imposto a coberto de uma interpretação administrativa variável e porventura menos publicitada. A justificação para a inclusão na reserva de lei dos benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes parece residir, por outro lado, na circunstância de esses serem elementos essenciais para a caracterização do sistema fiscal, o qual deverá ser objecto de uma apreciação global por parte dos representantes dos contribuintes (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, 2006, Coimbra, págs. 220-221). Aceites estas considerações gerais quanto ao âmbito e razão de ser da reserva de lei em matéria fiscal, importa ter presente que a Constituição, fora dos casos de possível interferência com outras garantias em matéria penal, processual penal ou administrativa (tal como as consagradas nos artigos 29º, 32º e 268º), não define expressamente o conteúdo da garantia dos contribuintes, nem estabelece um elenco taxativo de institutos que possam considerar-se incluídos nesse conceito, pelo que a caracterização de um determinado regime legal para efeito de incidência na reserva parlamentar constituirá sempre um problema de interpretação da lei que terá de ser analisado à luz dos critérios gerais de hermenêutica jurídica (cfr. Ana Paula Dourado, O Princípio da Legalidade Fiscal – Tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação, Coimbra, pág. 138). Partindo da ideia de que a prescrição extingue o direito de exigir o pagamento da dívida e faz nascer para o contribuinte o direito de recusar a correspondente prestação, e incide, portanto, sobre um aspecto essencial da relação jurídica tributária, consubstanciando uma garantia material ou não meramente procedimental, poderá entender-se, como vem sendo aceite pela doutrina, que integra uma garantia dos contribuintes (Benjamim Silva Rodrigues, A Prescrição no Direito Tributário, in «Problemas Fundamentais do Direito Tributário», Lisboa, 1999, págs. 261 e segs.; Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5ª edição, Coimbra, pág. 347). Nada permite concluir, porém, que a norma do artigo 5º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 124/96, aqui em análise, tenha vindo a restringir ou condicionar o regime que se encontra estabelecido, em geral, nessa matéria, e possa assim ter posto em causa a função garantística da reserva de lei fiscal. O regime de prescrição das dívidas tributárias, antes consagrado no artigo 34º do Código de Processo Tributário, encontra-se actualmente regulado, em termos gerais, nos artigos 48 e 49º da Lei Geral Tributária, incluindo no que se refere às causas interruptivas e suspensivas do respectivo prazo, e manteve plenamente a sua vigência, não obstante a publicação do Decreto-Lei n.º 124/96. Este diploma, por seu lado, teve em vista permitir a regularização de dívidas de natureza fiscal e à segurança social cujo prazo de cobrança voluntária tenha já terminado, através de medidas excepcionais de diferimento do pagamento em prestações mensais, até ao máximo de 150, implicando, como necessária decorrência, a suspensão do prazo de prescrição das dívidas durante o período de pagamento em prestações (artigo 5º, n.º 5) e a suspensão dos processos de execução fiscal em curso ou daqueles que entretanto tenham sido instaurados contra os contribuintes devedores (artigo 14º, n.º 10). Note-se, em todo o caso, que a sujeição ao regime previsto no diploma depende de apresentação de requerimento, por parte do devedor, e não é, por isso, coactivamente imposta aos interessados (artigo 3º, n.º 1), e as dívidas que tiverem sido abrangidas pelo procedimento tornam-se exigíveis, nos termos gerais da lei tributária, em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 2 do artigo 3º, e, designadamente, quando deixe de ser efectuado o pagamento integral e pontual das prestações ou seja revogada a autorização concedida pela administração fiscal. Estamos, por conseguinte, perante um regime específico de regularização de dívidas, instituído também no interesse do próprio contribuinte, que, por essa via, beneficia da possibilidade de pagamento faseado das dívidas e de redução dos juros que fossem devidos pela cobrança coerciva. Acresce que a suspensão do prazo de prescrição das dívidas durante o período de pagamento em prestações, como determina o citado artigo 5º, n.º 5, desse diploma é um pressuposto necessário do próprio regime legal assim instituído. O prazo de prescrição dos impostos periódicos foi fixado pelo artigo 48º, n.º 1, da Lei Geral Tributária em oito anos a contar do termo do ano em que ocorreu o facto tributário (o artigo 34º do CPT fixava em 10 anos o respectivo prazo prescricional, com idêntico termo inicial), e o diferimento do pagamento das dívidas fiscais, por efeito da adesão ao regime definido no Decreto-Lei n.º 124/96, pode atingir 150 prestações mensais, que corresponde a uma dilação temporal de doze anos e meio. Assim sendo, a suspensão do prazo de prescrição das dívidas durante o período de pagamento em prestações é uma condição de exequibilidade do próprio regime legal, pois que, de outro modo, a adesão dos contribuintes devedores ao plano faseado de pagamento implicaria inevitavelmente a própria extinção da dívida remanescente, caso se mantivesse em curso o prazo prescricional. Em todo este condicionalismo, qualquer contribuinte que tenha aderido ao regime de regularização de dívidas fiscais através do pagamento em 150 prestações mensais, não poderia invocar qualquer expectativa legítima relativamente à possibilidade de o prazo prescricional continuar a decorrer enquanto se mantivesse em vigor o procedimento especial de pagamento em prestações. Se a função garantística da reserva de lei fiscal, como se deixou esclarecido, visa assegurar a previsibilidade dos elementos essenciais do imposto (e da situação fiscal) e a tutela de confiança do contribuinte, torna-se claro que nenhum motivo existia para uma intervenção parlamentar, no caso vertente, quando o que estava em causa era apenas a definição de uma solução jurídica que era exigida pela lógica do sistema e que se encontrava justificada à luz dos princípios gerais em matéria tributária. De facto, a regularização de dívidas fiscais que o Decreto-Lei n.º 124/96 pretendeu regulamentar, não se enquadra na reserva de lei fiscal, tal como esta está configurada nos artigos 103º, n.º 2, e 165º, n.º 1, alínea i), da Constituição, e constitui antes competência legislativa concorrente do Governo, que lhe era conferida pelo artigo 201º, n.º 1, alínea a), da Constituição, na redacção então vigente. A suspensão do prazo de prescrição das dívidas durante o período de pagamento em prestações, tal como previsto no artigo 5º, n.º 5, desse diploma, reporta-se a um aspecto lateral desse específico regime legal, que é inerente às soluções normativas nele contidas, não introduzindo qualquer alteração no regime geral dos impostos (incluindo em matéria de prescrição), nem qualquer alteração que não fosse esperada pelos contribuintes. A referida disposição legal não se encontra, por isso, contrariamente ao sustentado no acórdão recorrido, ferida de inconstitucionalidade orgânica.” Nesta sequência, e na medida em que não colhe a proposta do Recorrente neste âmbito, importa avançar na discussão da matéria da prescrição para dizer que, por força da suspensão iniciada em 03-02-1997 e uma vez que a mesma se prolongou até 07-07-2003, tal significa que no momento em que entrou em vigor a LGT, apenas tinha decorrido do prazo prescricional o tal 1 ano 5 meses e 2 dias, ou seja, o prazo aplicável neste caso é o estipulado na LGT de oito anos, por ser inferior ao que faltaria, ainda e a partir de então, se aplicado o estipulado pelo CPT. A partir daqui, importa indagar da verificação dos pressuspostos para a determinada reversão com referência ao facto de o Recorrente ter exercido a gerência da sociedade originária devedora, para além de não estar demonstrada a culpa do Recorrente na insuficiência do património da mesma sociedade para a satisfação dos montantes reclamados. Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente com referência às dívidas de coimas e encargos objecto de processos de contra-ordenação, revogando-se a sentença recorrida nesta parte, julgando-se parcialmente procedente a presente oposição relativamente às dívidas de coimas e encargos relacionadas com os respectivos processos de contra-ordenação com a consequente extinção da execução neste domínio, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente nesta instância, na proporção do decaimento e pelo Recorrente e Recorrida, em 1ª Instância, na proporção do decaimento. Notifique-se. D.N.. Lisboa, 08 de Maio de 2012 PEDRO VERGUEIRO PEREIRA GAMEIRO JORGE CORTÊS |