Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:132/18.9BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:RCO;
VIA CTT;
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO.
Sumário:I. A presunção constante do n.º 10 do art.º 39.º do CPPT é uma presunção iuris tantum, como decorre, desde logo, do disposto no n.º 11 do mesmo art.º 39.º.

II. Sendo uma presunção ilidível, por esta via se alcança o equilíbrio e respeito pelos direitos dos notificados, assegurando-se o respeito pelos seus direitos de defesa.
III. Como tal, o regime em causa não atenta contra a presunção de inocência do arguido nem contra o seu direito de defesa.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

S..... - S......, Lda. (doravante Recorrente) veio apresentar recurso da decisão proferida a 07.09.2018, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, na qual foi rejeitado liminarmente o recurso por si apresentado da decisão de aplicação de coima, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Montijo, no processo de contraordenação (PCO) a que foi atribuído, na fase administrativa, o n.º 219…...

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“a) Como constitui jurisprudência dominante, não existe um verdadeiro ónus da prova em processo de contraordenação, vigorando o princípio da investigação, também designado de princípio da verdade material e se os factos resultam provados, pouco importa quem desenvolveu a atividade probatória, o importante é a situação de certeza (Neste sentido, vide, entre muitos outros, o Acórdão da Relação de Évora de 4 de Abril de 2013, tirado no Recurso nº 2121/11.5TBABF.E1).

b) Caberá sempre, tomar em conta o princípio da presunção de inocência aplicável ao processo de contraordenação (nºs 2 e 10 do art.º 32º da CRP).

c) De facto, as garantias próprias do processo penal têm vindo a ser paulativamente adquiridas pelo processo contraordenacional e pelo direito sancionatório em geral, o que é comprovado pelo art.º 32, nº10 da CRP (Neste sentido, vide, entre outros o Acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Fevereiro de 2011, tirado no Recurso nº 3501/06.3TFLSB.L1).

d) Em face da inexistência de ónus da prova em processo de contraordenação, da presunção de inocência de que a recorrente beneficia e da ausência de prova da data em que a gerência da mesma acedeu à sua caixa postal do Via CTT, tomando conhecimento do teor da decisão de aplicação de coima na origem dos presentes autos,

e) Não deveria o recurso ter sido liminarmente rejeitado, por extemporaneidade.

f) Assim, a douta Sentença recorrida preconizou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, padecendo de erro de julgamento.

g) Em processo tributário as notificações efetuadas para o domicílio fiscal eletrónico consideram-se efetuadas no quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas no sistema de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas, associado à morada única digital ou na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar (nº 10 do art.º 39º do CPPT).

h) Trata-se assim de uma presunção de notificação estabelecida naquela norma, porquanto na sua interpretação literal se o contribuinte não aceder à sua caixa postal eletrónica, o prazo de reação inicia-se e termina sem que de tal notificação tenha efetivo conhecimento.

i) Tal interpretação afigura-se contrária aos mais elementares direitos de audiência e defesa do arguido, constitucionalmente consagrados em sede de processo de contraordenação (nº 10 do art.º 32º da CRP).

j) Às notificações no processo de contraordenação aplicam-se as disposições correspondentes do CPPT (nº 2 do art.º 70º do RGIT).

k) Tal remissão resulta da Lei nº 15 de 2001, de 5 de Junho que aprovou o RGIT e foi mantida na última redação dada ao preceito pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro de 2012, que determinou a última alteração à redação da mesma disposição legal.

l) Disposição legal anterior à redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 93/2017 de 1 de Janeiro, que estabeleceu a atual redação do nº 10 do art.º 39º do CPPT. E,

m) Anterior à redação dada ao art.º 38º do CPPT, que introduziu a possibilidade de as notificações previstas na mesma norma serem efetuadas por transmissão eletrónica de dados.

n) Pelo que se entende inconstitucional, por violação do preceituado no nº 10 do art.º 32º da CRP, o nº 10 do art.º 39º do CPPT, conjugado com o nº 2 do art.º 70º do RGIT, na interpretação segundo a qual fique precludido o direito de defesa do arguido, em sede de decisão de aplicação de coima em processo de contraordenação, por não aceder à sua caixa postal eletrónica, inconstitucionalidade que para os devidos efeitos, ora se invoca.

o) Inconstitucionalidade que para os devidos efeitos, se invocou no recurso de contraordenação apresentado, rejeitado liminarmente por extemporaneidade na Sentença ora recorrida, e ora se invoca perante V. Exas.

p) Caberia assim, aplicar, ao contrário do entendido na douta Sentença recorrida, o nº 1 do art.º 38º do CPPT, norma segundo a qual as notificações sempre que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes são obrigatoriamente efetuadas por carta registada com aviso de receção.

q) Pelo, por todo o exposto, o recurso de contraordenação foi tempestivo, tanto mais que a ora recorrente não foi ainda, sequer notificada por carta registada com aviso de receção.

r) Assim, também pelo ora exposto a douta Sentença recorrida, ao considerar não existir a inconstitucionalidade alegada, rejeitando liminarmente por extemporaneidade, o recurso de contraordenação apresentado, preconizou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, padecendo de erro de julgamento”.

Notificados a Fazenda Pública e o Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos e para os efeitos previstos nos art.ºs 411.º, n.º 6, e 413.º, n.º 1, ambos do CPP, aplicáveis ex vi art.º 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art.º 3.º, al. b), do RGIT, não foram apresentadas respostas.

O IMMP neste TCAS pronunciou-se, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Há erro de julgamento, na medida em que uma interpretação conforme a Constituição da República Portuguesa (CRP) implica que o recurso seja considerado tempestivo?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em 17-10-2017, o Chefe do Serviço de Finanças do Montijo proferiu decisão no processo de contraordenação n.º 21….., tendo aplicado à Recorrente a coima de € 9.344,50 pela prática de infrações previstas na al. a) do n.º 1 do art.º 5.º da Lei n.º 25/2006, de 30 de junho. (Cfr. fls. 4 a 7 dos autos)

B) Em 27-10-2017, foi emitido e assinado no Sistema de Contraordenações (SCO) da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) o seguinte ofício de notificação dirigido à Recorrente:


“(texto integral no original; imagem)”

(Cfr. fls. 8 dos autos)

C) Em 28-10-2017, o ofício referido em B) foi entregue na caixa postal eletrónica do ViaCTT da Recorrente. (Cfr. fls. 9 e 10 dos autos)

D) O recurso em apreço foi enviado ao Serviço de Finanças do Montijo, por carta registada, em 29-01-2018. (Cfr. fls. 19 dos autos)”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na decisão recorrida:

“Não foi demonstrado, por falta de prova, que a gerência da Recorrente só tomou conhecimento da notificação referida em B) em 29-12-2017, por só então ter acedido à sua caixa postal eletrónica. (Art.º 4.º da petição de recurso)”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente ter o Tribunal a quo errado no seu julgamento, porquanto a interpretação segundo a qual a notificação se presume feita nos termos consignados no art.º 39.º, n.º 10, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), é contrária aos mais elementares direitos de audiência e defesa do arguido, constitucionalmente consagrados em sede de processo de contraordenação, entendendo que deveria ser aplicado o disposto no art.º 38.º, n.º 1, do CPPT.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 80.º, n.º 1, do RGIT:

“1 - As decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objeto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contraordenação”.

A este respeito, cumpre atentar no disposto no art.º 70.º, n.º 2, do mesmo diploma, que remete para o disposto no CPPT, em matéria de notificações.

Assim, há que considerar o constante do art.º 38.º do CPPT.

Para melhor compreensão deste regime, cumpre atentar, antes de mais, no disposto no art.º 19.º da Lei Geral Tributária.

Com efeito, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, alterou a redação do n.º 2 deste art.º 19.º, por forma a integrar no domicílio fiscal a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de caixa postal eletrónica. Como referido no Relatório do Orçamento do Estado para 2012, esta medida reflete a intenção de “simplificação e incremento do recurso às novas tecnologias de informação no procedimento tributário, nomeadamente nas relações da autoridade tributária com os contribuintes e na administração e cobrança dos impostos”.

A redação deste normativo foi, entretanto, objeto de alteração, através do DL n.º 93/2017, de 1 de agosto, que passou a contemplar o conceito de domicílio fiscal eletrónico, nos seguintes termos: “[o] domicílio fiscal integra ainda o domicílio fiscal eletrónico, que inclui o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, bem como a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital e no serviço público de caixa postal eletrónica”. Por seu turno, o n.º 10 do mesmo art.º 19.º consagra a obrigatoriedade de caixa postal eletrónica para, entre outros, os sujeitos passivos de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas com sede ou direção efetiva em território português.

O serviço público de caixa postal eletrónica passou a constar das bases gerais da concessão do serviço postal universal em 2006, com a alteração efetuada a tais bases, aprovadas pelo DL n.º 448/99, de 4 de novembro, pelo DL n.º 112/2006, de 09 de junho (cfr. o seu art.º 1.º).

Como referido no preâmbulo deste diploma, “[o] presente decreto-lei vem, pois, alterar as bases da concessão do serviço postal universal e prever o cometimento à entidade concessionária de um novo serviço público, a caixa postal electrónica, com valor legal no domínio da comunicação entre o Estado, incluindo os tribunais, os serviços e organismos que integram a administração directa, indirecta ou autónoma do Estado e as entidades administrativas independentes, por um lado, e os cidadãos e as empresas, por outro, designadamente no campo dos procedimentos administrativos e dos processos judiciais, reservando e impondo à concessionária a concepção, construção, implementação e aplicação do sistema em termos que assegurem os objectivos e padrões inerentes ao serviço público em causa”.

Em consonância, pois, com este quadro, foram alterados os art.ºs 38.º e 39.º do CPPT, aplicáveis in casu, por força do disposto no art.º 70.º, n.º 2, do RGIT.

Nos termos do art.º 38.º do CPPT:

“1 - As notificações são efetuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de receção, sempre que tenham por objeto atos ou decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em atos ou diligências.

(…) 3 - As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correções à matéria tributável que tenha sido objeto de notificação para efeitos do direito de audição, são efetuadas por carta registada.

(…) 5 - As notificações serão pessoais nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário.

6 - Às notificações pessoais aplicam-se as regras sobre a citação pessoal.

(…) 9 - As notificações referidas no presente artigo, bem como as efetuadas nos processos de execução fiscal, podem ser efetuadas por transmissão eletrónica de dados, através do serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital ou da caixa postal eletrónica, equivalendo ambas à remessa por via postal registada ou por via postal registada com aviso de receção.

(…) 11 - Quando se refiram a atos praticados por meios eletrónicos pelo dirigente máximo do serviço, as notificações efetuadas por transmissão eletrónica de dados são autenticadas com assinatura eletrónica avançada certificada nos termos previstos pelo Sistema de Certificação Eletrónica do Estado - Infra-Estrutura de Chaves Públicas.

12 - A administração fiscal disponibiliza no seu serviço na Internet os documentos eletrónicos de notificação e citação a cada sujeito passivo.

13 - As notificações por transmissão eletrónica de dados previstas no n.º 9 podem conter apenas um resumo da fundamentação dos atos notificados, desde que remetam expressamente para uma fundamentação completa disponível a cada sujeito passivo na área reservada do Portal das Finanças” (sublinhado nosso).

Por seu turno, o art.º 39.º do CPPT, na redação então em vigor, dispunha que:

“1 - As notificações efetuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

2 - A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efetiva da receção.

3 - Havendo aviso de receção, a notificação considera-se efetuada na data em que ele for assinado e tem-se por efetuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.

4 - O distribuidor do serviço postal procederá à notificação das pessoas referidas no número anterior por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial.

5 - Em caso de o aviso de receção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efetuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de receção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.

6 - No caso da recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

7 - Quando a notificação for efetuada por telefax ou via Internet, presume-se que foi feita na data de emissão, servindo de prova, respetivamente, a cópia do aviso de onde conste a menção de que a mensagem foi enviada com sucesso, bem como a data, hora e número de telefax do recetor ou o extrato da mensagem efetuado pelo funcionário, o qual será incluído no processo.

8 - A presunção referida no número anterior poderá ser ilidida por informação do operador sobre o conteúdo e data da emissão.

(…) 10 - As notificações efetuadas para o domicílio fiscal eletrónico consideram-se efetuadas no quinto dia posterior ao registo de disponibilização daquelas no sistema de suporte ao serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital ou na caixa postal eletrónica da pessoa a notificar.

11 - A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando, por facto que não lhe seja imputável, a notificação ocorrer em data posterior à presumida e nos casos em que se comprove que o contribuinte comunicou a alteração daquela nos termos do artigo 43.º

12 - O ato de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do ato e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data.

13 - O presente artigo não prejudica a aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária”.

Esta redação do art.º 39.º foi-lhe dada pelo DL n.º 93/2017, de 01 de agosto, em vigor a partir de 1 de julho do mesmo ano (cfr. o art.º 21.º, n.º 1, do referido diploma).

É ainda de considerar o disposto no art.º 41.º, n.º 1, do CPPT, nos termos do qual “[a]s pessoas coletivas e sociedades são citadas ou notificadas na sua caixa postal eletrónica ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem”.

Como referido, considera a Recorrente que a interpretação segundo a qual a notificação se presume feita nos termos consignados no art.º 39.º, n.º 10, do CPPT, é contrária aos mais elementares direitos de audiência e defesa do arguido, constitucionalmente consagrados em sede de processo de contraordenação, entendendo que deveria ser aplicado o disposto no art.º 38.º, n.º 1, do CPPT.

Nos termos do art.º 32.º da CRP:

“2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.

(…) 10. Nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”.

Com efeito, como refere a Recorrente, em matéria contraordenacional a nossa Lei Fundamental expressamente prevê que sejam assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.

A questão que se coloca é a de saber se a presunção de notificação prevista no art.º 39.º, n.º 10, do CPPT, posterga tal direito com assento na CRP.

Desde já se refira que se entende que a resposta é negativa.

In casu, não é controvertido que a notificação da decisão foi remetida para a caixa postal eletrónica da Recorrente, que, aliás, a junta com a sua petição de recurso. Portanto, não está em causa a efetiva expedição da notificação.

Está apenas em causa a presunção constante do n.º 10 do art.º 39.º do CPPT, já mencionado supra.

Ora, cumpre sublinhar que a referida presunção é uma presunção iuris tantum, como decorre, desde logo, do disposto no n.º 11 do mesmo art.º 39.º, no qual se faz expressa menção aos termos em que tal presunção de notificação pode ser ilidida.

Logo, sendo uma presunção ilidível, por esta via se alcança o equilíbrio e respeito pelos direitos dos notificados, assegurando-se o respeito pelos seus direitos de defesa.

Sublinhe-se, a este propósito, que foi considerado não provado que a gerência da Recorrente só tomou conhecimento da notificação 29.12.2017, por só então ter acedido à sua caixa postal eletrónica, o que não foi posto em causa. Aliás, como referido, o ónus de ilidir a presunção é, nos termos já mencionados, do ora Recorrente.

Aliás, é pertinente a este propósito sublinhar que o regime das notificações efetuadas via correio postal, registado e/ou com aviso de receção, também ele contém presunções de notificação.

Assim, atento o disposto no art.º 39.º, n.º 1, do CPPT, as notificações efetuadas por carta registada presumem-se efetuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando tal dia não seja útil(1). Tal presunção é ilidível, nos termos consignados no n.º 2 do mesmo art.º 39.º.

Já no que respeita às notificações efetuadas via correio postal registado com aviso de receção, encontramos também diversas presunções. Desde logo, atentando no n.º 3 do art.º 39.º, a notificação presume-se efetuada na pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro presente no seu domicílio. Da mesma forma, nos casos previstos no n.º 5 do art.º 39.º está prevista uma presunção de notificação, no caso de a carta não ter sido recebida ou levantada. Todas estas presunções são ilidíveis.

O regime atinente à notificação efetuada por telefax ou via Internet contém igualmente uma presunção (art.º 39.º, n.º 7), no sentido de se presumir feita na data de emissão, presunção essa igualmente ilidível (cfr. art.º 39.º, n.º 8).

Deste quadro descritivo resulta que as formas de notificação a que nos referimos, sejam via eletrónica, sejam postais ou por telefax, têm previstas, no seu regime, presunções, opção que o legislador seguiu por forma a determinar, de objetivamente, o momento em que se considera, com grande probabilidade, o destinatário das comunicações notificado. No entanto, repetimos, porque se trata de presunções iuris tantum, e reflexo, aliás, da salvaguarda dos direitos dos notificandos, todas elas admitem afastamento, mediante prova em contrário.

Ora, considerando este contexto, não se vislumbra de que forma a notificação, através do Via CTT, e a presunção de notificação, prevista no n.º 10 do art.º 39.º do CPPT, atentam contra os direitos de defesa da Recorrente.

Como refere o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 439/2012, de 26 de setembro, “não são inconstitucionais as normas que prevejam a possibilidade de citação ou notificação de atos processuais por via postal simples e que presumam o seu conhecimento pelo destinatário, desde que tais presunções sejam rodeadas das cautelas necessárias a garantir a possibilidade de conhecimento efetivo do ato por um destinatário normalmente diligente, ou seja, desde que o sistema ofereça suficientes garantias de assegurar que o ato de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário, em termos de ele poder eficazmente exercer os seus direitos de defesa”.

Ora, o acesso à caixa postal do Via CTT de forma sistemática é uma obrigação que cabe a todos aqueles que através dela sejam notificados, da mesma forma que o é o acesso à caixa postal física tradicional. Aliás, trata-se de um acesso mais simplificado, na medida em que o envio via correio registado, com ou sem aviso de receção, na ausência do destinatário, implica a emissão de um aviso por parte do distribuidor e o ulterior levantamento da comunicação na loja desse mesmo distribuidor, ao passo que o acesso ao Via CTT é imediato.

Da mesma forma que uma notificação via correio postal registado que não seja reclamada pelo destinatário se presume efetuada, a notificação eletrónica presume-se efetuada no quinto dia ulterior ao seu envio, presunção ilidível, se se demonstrar que a notificação ocorreu em momento ulterior por facto não imputável ao notificando. Ou seja, o legislador estabeleceu um prazo, o de cinco dias, no qual, segundo padrões de razoabilidade, concluiu que o notificando deveria aceder à Via CTT, presunção essa que pode ser ilidida, sendo certo que nada foi referido pela Recorrente a este propósito, decorrendo das suas alegações que o seu entendimento é o de que o momento a considerar é o do acesso à Via CTT, ainda que muito tempo depois e por motivo exclusivamente da sua responsabilidade (sendo que, como referido, foi considerado não provado que a gerência da Recorrente só tomou conhecimento da notificação 29.12.2017, por só então ter acedido à sua caixa postal eletrónica).

Não se vislumbra, pois, de que forma o regime em causa atenta contra a presunção de inocência do arguido e contra o seu direito de defesa, na medida em que a notificação é feita por uma via à qual o notificando aderiu e que, como tal, em relação à qual deveria ter o cuidado de aceder, como se acede a uma caixa postal física. Reiteramos que nunca foi invocada qualquer circunstância de notificação tardia por motivo não imputável à Recorrida, que se limita a referir que acedeu em momento ulterior ao do 5.º dia previsto na lei (o que, aliás, resultou não provado).

O respeito pelo direito de defesa do arguido está, pois, salvaguardado com um regime que prevê um prazo razoável para efeitos de presunção de notificação (5 dias) e que prevê a possibilidade de tal presunção ser ilidida, não podendo ser a negligência da Recorrente confundível com a preterição de tais direitos.

Em suma: atento o regime em vigor, é de atender, ao nível das contraordenações aplicadas no âmbito do RGIT, ao regime de notificações previsto no CPPT, no qual se inclui a notificação eletrónica, a par das notificações postais. O art.º 39.º do CPPT permite à administração tributária utilizar qualquer das formas de notificação previstas, fazendo equivaler a notificação à remessa por via postal registada ou por via postal registada com aviso de receção. É ainda de sublinhar que tem sido entendimento do Supremo Tribunal Administrativo que as notificações das decisões de aplicação de coima se bastam com carta registada, por não se tratar de situação enquadrável no n.º 1 do art.º 39.º do CPPT. O regime das notificações eletrónicas contém uma presunção, à semelhança do que sucede com as notificações postais, presunção essa ilidível. Como tal, não se vislumbra que um regime como o vigente atente contra o art.º 32.º, n.ºs 2 e 10, da CRP, não existindo igualmente nem fundamento legal nem justificação do ponto de vista da segurança jurídica que exija que a notificação de tais decisões seja feita ao abrigo do art.º 39.º, n.º 1, do CPPT.

Em suma, não assiste razão à Recorrente, mantendo-se a decisão recorrida.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida;

b) Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 31 de outubro de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Flora)

(Patrícia Manuel Pires)


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(1) Cfr., a título ilustrativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 18.11.2015 (Processo: 0754/14), de 18.06.2013 (Processo: 0595/13) e de 12.04.2012 (Processo: 0331/11), onde, aliás, se considera que as decisões de aplicação de coima às quais seja aplicado o RGIT, quando notificadas via correio postal, devem sê-lo por correio registado simples (ou seja, sem aviso de receção).