Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2735/15.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/28/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:ADMOESTAÇÃO
GRAVIDADE DA INFRAÇÃO
CULPA REDUZIDA
PROPORCIONALIDADE
Sumário:I - Face ao preceituado no artigo 51.º do RGCO, subsidiariamente aplicável às contraordenações tributárias ex vi da alínea b), do artigo 3.º do RGIT, o Tribunal pode proferir uma admoestação, desde que seja reduzida a gravidade da infração e a culpa do agente o justifique.
II - A classificação como grave de uma contraordenação pelo RGIT, em ordem ao consignado no normativo 23.º, não exclui, per se, a aplicação da sanção da admoestação, na medida em que esse juízo deve ser realizado de forma casuística, convocando as circunstâncias concretas do comportamento ilícito.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO


O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente o recurso apresentado contra a decisão administrativa de aplicação da coima proferida no processo de contraordenação nº 324……….., que correu termos no Serviço de Finanças de Lisboa 2, pela prática da contraordenação prevista nos artigos 27.º, nº1 e 41.º, nº1, alínea a), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), e punida pelos normativos 114.º, n.ºs 2, 5, alínea a) e 26.º, nº4, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), julgando verificada a infração de que a Recorrente vem acusada, mas anulando a coima aplicada pela Autoridade Administrativa e aplicando em sua substituição uma admoestação.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


CONCLUSÕES:

A. O presente recurso tem por objecto a douta sentença recorrida, proferida no processo supra referenciado, que concedeu provimento parcial ao recurso interposto pela arguida, aí recorrente e, em consequência, determinou a substituição da coima aplicada por sanção de admoestação.

B. Sentença essa que, a nosso ver, e salvo o devido respeito por melhor opinião, ao proceder à substituição, padece de erro de julgamento em matéria de Direito, no que toca à correta interpretação e aplicação ao caso concreto das normas legais.

C. Foi entendido na douta sentença ora posta em crise, substituir a coima aplicada por uma sanção de admoestação, atenta a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente,

D. Salvo melhor opinião, não poderia o Tribunal considerar que escassa a gravidade da contraordenação bem como a culpa do agente, pois ao retardar essa entrega, independentemente do período temporal porque o fez, reteve em seu poder, indevidamente, algo que lhe não pertencia.

E. Acrescendo o facto de que estamos perante o Imposto sobre o Valor Acrescentado, e não um qualquer outro imposto a despender pela ora recorrida, mas sim perante os valores que esta previamente recebe dos seus clientes, com a obrigação de os entregar a quem de direito.

F. Não pode o Tribunal olvidar que a aplicação da coima, resulta única e exclusivamente do incumprimento dos prazos legalmente estipulados, por parte do contribuinte.

G. Razão pela qual, e salvo o devido respeito por melhor opinião, deverá a douta sentença ora posta em crise ser revogada, e substituída por outra que mantenha a coima aplicada à arguida, ora recorrida, o que se requer.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por Acórdão que julgue o recurso de contraordenação totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


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Notificados o DRFP e o Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP), nos termos e para os efeitos previstos no artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), aplicáveis ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi artigo 3.º, al. b), do RGIT, não emitiram qualquer pronúncia.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) junto do STA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Por decisão sumária datada de 24 de janeiro de 2022, foi declarada a incompetência em razão da hierarquia por parte do STA, tendo os autos sido remetidos a este TCAS em 17 de fevereiro de 2022, e o DMMP junto deste Tribunal emitido pronúncia no sentido da improcedência, em conformidade com o parecer prolatado pelo DMMP no STA.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

1) Em 19-06-2015, foi lavrado auto de notícia imputando-se à ora Recorrente a não entrega até 16-02-2015 de IVA no montante de € 52.172,49 respeitante ao período 2014/12T, tendo sido instaurado o processo de contraordenação (PCO) n.º 324……….. (cf. auto de notícia a págs. 3 e 4 do ficheiro a fls. 1 a 44 do SITAF);

2) Em 09-07-2015, foi proferida decisão de fixação de coima no PCO descrito em 1), constando na mesma, além do mais, o seguinte:

«[...] Descrição Sumária dos Factos
Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 52.173,50; 2. Valor da prestação tributária entregue: 52.172,49; 3. Valor da prestação tributária em falta: 0,00; 4. Data de cumprimento da obrigação: 2015-02-19; 5. Período a que respeita a infração: 2014/12T; 6. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2015-02-16, os quais se dão como provados. Número da Liquidação: L.2015.017………..
Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n°15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).
Normas Infringidas [...] Art° 27 n°1 e 41 n°1 b) CIVA - Pagamento do imposto fora do prazo (T)
Normas Punitivas [...]Art° 114 n°2, nº5 a) e 26 n°4 do RGIT - Falta entrega prest. tributária dentro prazo (T)
Período Tributação 201412T
Data Infracção 2015-02-16
Coima Fixada 15.839,56
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Art° 7º dc Dec-Lei N° 433/82, de 27/10, aplicável por força do Art° 3°do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.
Medida da Coima
Para fixação da(s) coima(s) em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o(s) seguinte(s) quadro(s) (Art°27 do RGIT):
Requisitos/Contribuintes [...]
Actos de Ocultação Não
Benefício Económico 0,00
Frequência da prática Acidental
Negligência Simples
Obrigação de não cometer infracção Não
Situação Económica e Financeira Baixa
Tempo decorrido desde a prática da infracção 3 a 6 meses.
Despacho:
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no artigo 79º do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 15.839,56 cominada no(s) Art(s)º 114º nº2, nº5 a) e 26 nº4º, do RGIT, com respeito pelos limites do Artº 26º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do Nº 2 do Dec-Lei Nº 29/98 de 11 de Fevereiro. [...]»

(cf. decisão a págs. 7 e 8 do ficheiro a fls. 1 a 44 do SITAF);

3) Em 09-07-2015, foi emitido um ofício registado em nome da Recorrente e no âmbito do PCO descrito em 1) com assunto “NOTIFICAÇÃO Artº 79º Nº2 RGIT” do qual se retira, designadamente, o seguinte:

« 1 - Fica notificado, de acordo com o estatuído no n.º 2 do art.º 79.° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) para, no prazo de 20 (vinte) dias a contar da presente notificação, efectuar o pagamento da coima aplicada no processo supra referido por despacho de 2015-07-09, do Director da Direcção de Finanças, que se anexa, no montante de 15.839,56 euros, e das custas processuais no valor de 76,50 euros ou, querendo, recorrer judicialmente contra tal decisão, conforme previsto no art.º 80.° do mesmo regime legal, vigorando, neste caso, o princípio da proibição da Reformatio in Pejus (a sanção aplicada não será agravada salvo se a situação económica e financeira do infractor tiver melhorado de forma sensível); [...]» (cf. ofício a págs. 9 do ficheiro a fls. 1 a 44 do SITAF);
4) Em 18-08-2015, deu entrada no SF a petição do presente recurso (cf. carimbo a pág. 10 do ficheiro a fls. 1 a 44 do SITAF);

5) Em 08-10-2015, deram entrada neste Tribunal os presentes autos (cf. registo do SITAF).


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Ficou, ainda, consignado na decisão recorrida que:

“Não existem outros factos, provados ou não, com interesse para a decisão da causa.”


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A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PCO apenso aos autos.

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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada: “Não existem outros factos, provados ou não, com interesse para a decisão da causa.”

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No atinente à motivação da matéria de facto, consta o seguinte:

“A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PCO apenso aos autos.”


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO




In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que concedeu parcial provimento ao recurso, julgando verificada a infração de que a Recorrente vem acusada, mas anulando a coima aplicada pela Autoridade Administrativa e aplicando em sua substituição a seguinte admoestação:

«O Tribunal lembra que o dever de pontual entrega das prestações tributárias constitui não apenas uma obrigação dos sujeitos passivos objeto de tutela sancionatória, mas dever de cidadania, devendo estes organizarem-se de modo a que fatores imprevistos não impeçam o cumprimento pontual desse dever.

O atraso, mesmo ligeiro e prontamente reparado, constituiu infração que não se extingue pelo facto de o Tribunal entender que esta admoestação se revela, no caso, suficiente para punir a infração cometida».

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 411.º, do Código de Processo Penal (CPP) ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi artigo 3.º, al. b), do RGIT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.


Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, analisar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento porquanto não se encontravam reunidos os pressupostos para aplicação da aludida admoestação, concretamente, reduzida gravidade e culpa do agente.


A Recorrente advoga, para o efeito, que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de direito no que toca à correta interpretação e aplicação ao caso concreto das normas legais, na medida em que foi sentenciada a substituição da coima aplicada por uma sanção de admoestação, atenta a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente, quando, em rigor, a infração não poderá ser apelidada de escassa gravidade e diminuta culpa do agente.


E isto porque, enfatiza que ao retardar essa entrega, independentemente do período temporal porque o fez, reteve em seu poder, indevidamente, algo que lhe não pertencia, até porque, sublinha, nos encontramos perante IVA.


Apreciando.

Atentemos, ora, no erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Comecemos por convocar o regime jurídico que releva para o caso dos autos.

De harmonia com o consignado no artigo 32.º, do RGIT a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infrator reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo.

Por força deste instituto, os limites mínimos e máximos da coima são reduzidos a metade, conforme estatuído no artigo 18.º, n.º 3, do RGCOC, sendo certo que existe a concreta possibilidade de aplicação de admoestação, nos termos do artigo 51.º do RGCO, aplicável ex vi artigo 3.º, alínea b) do RGIT, a qual implica que seja reduzida a gravidade da infração e a culpa do agente o justifique.

O Tribunal a quo entendeu reunidos os aludidos pressupostos, esteando o seu entendimento na seguinte fundamentação:

“prevê no seu artigo 51.º que quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação, sendo certo que, de acordo com a jurisprudência, também os tribunais podem aplicar a sanção da admoestação em substituição da coima, não sendo essa uma prerrogativa exclusiva das entidades administrativas (cf. neste sentido os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0800/14.4BEVIS 0560/18, de 10-10-2018, e n.º 497/18, de 12-07-2018, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Considerando que o pagamento do imposto esteve em falta durante somente três dias, que foi voluntariamente regularizado antes da extração do auto de notícia e que a falta foi praticada a título de negligência simples, a punição da arguida com uma coima, mesmo que especialmente atenuada, num valor superior a € 7.000,00, é desproporcional e desadequada.

Assim, será de punir o agente com uma pena de admoestação, na medida em que a infração foi prontamente reparada, se revelou efetivamente de reduzida gravidade e a culpa do agente é manifestamente diminuta, desta forma se satisfazendo as exigências de prevenção, nos termos do artigo 51.º do RGCO, ex vi artigo 3.º, alínea b), do RGIT (neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0371/17, de 25-10-2017, disponível em www.dgsi.pt).

E a verdade é que, contrariamente ao aduzido pela Recorrente, a decisão recorrida não merece a censura que lhe é gizada, entendendo-se que se encontram reunidos os pressupostos atinentes ao efeito.

Senão vejamos.

A Recorrente sustenta ab initio que atento o valor do imposto em causa €52.172,49, a infração é classificada de grave, não podendo, assim, beneficiar da decretada admoestação.

De facto, preceitua o artigo 23.º, nº2 do RGIT que: “são contraordenações graves as puníveis com coima cujo limite máximo seja superior a (euro) 15 000 e aquelas que, independentemente da coima aplicável, a lei expressamente qualifique como tais”, no entanto para efeitos de aplicação da sanção admonitória a qualificação da gravidade não poderá restringir-se ao aludido normativo e à moldura máxima.

Neste particular, vide o Aresto do STA prolatado no âmbito do processo nº 01154/16, datado de 24 de abril de 2019, o qual, expressamente, doutrina que:

“[a] nosso ver, o facto de uma contra-ordenação ser classificada como grave à luz do critério estabelecido pelo n.º 3 do art. 23.º do RGIT – com o único efeito de possibilitar a aplicação de sanções acessórias – não implica necessariamente que, nos casos em que não é aplicada sanção acessória, fique arredada a possibilidade de ser sancionada com uma admoestação, que essa possibilidade fique «desde logo, legalmente excluída», nas palavras da Recorrente – cfr. conclusão f). Não ignorando que o elemento literal é apenas um (e nem sequer o mais importante) dos factores a considerar quando se pretende extrair o sentido da lei (O elemento literal, constituindo ponto de partida e limite para extrair o sentido da norma (com a função de «eliminar aqueles sentidos que não tenha qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei» (BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 182 e 189), não constitui o elemento decisivo, nem sequer o mais importante, papel que está reservado à «unidade do sistema», nos termos do n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.

Na verdade, na interpretação da lei, para além do referido elemento gramatical, há ainda que atender ao elemento lógico, exigindo este, designadamente, que se considere o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma (elemento teleológico) e que se atente nas demais disposições que regulam a mesma matéria, e as que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins, designadamente a fim de perscrutar a sua natureza e o seu âmbito temporal de relevância, e atender ao lugar que aí ocupa a norma interpretanda (elemento sistemático), sendo que apenas da conjugação de todos esses elementos interpretativos surgirá o verdadeiro sentido daquela norma (cfr. BAPTISTA MACHADO, Idem, págs. 175 a 192).), também não podemos ignorar que o texto é o ponto de partida e o limite da tarefa hermenêutica (cfr. art. 9.º do Código Civil): ora “reduzida gravidade” é ainda uma gradação do que é grave. Se a intenção do legislador fosse a de que apenas as contra-ordenações leves pudessem ser sancionadas com admoestação, e já não as graves, por certo o teria dito de modo inequívoco no n.º 1 do art. 51.º do RGCO; não o fez, usando terminologia diversa, qual seja a da “reduzida gravidade”.

Por outro lado, se relativamente à dispensa da coima, prevista no art. 32.º do RGIT, o legislador não restringiu a possibilidade às contra-ordenações classificadas como leves nos termos do art. 23.º do mesmo Regime (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 4.ª edição, anotação 4 ao art. 32.º, pág. 321, que afirmam: «a não exigência também de diminuta ilicitude permite concluir que o campo de aplicação da norma não se limita às contra-ordenações de reduzida gravidade».), mal se compreenderia que tivesse estabelecido essa restrição relativamente à admoestação, que constitui ainda uma sanção (e não dispensa dela).Acresce que o critério do art. 23.º do RGIT, exclusivamente determinado em função do montante da coima, não se nos afigura ajustado quando erigido em único critério para medir a antijuricidade do comportamento e, assim, aferir da “gravidade da infracção” prevista no n.º 1 do art. 51.º do RGCO.

Mas, ainda que assim não se entenda – e concedemos que a tese que subscrevemos não é pacífica – não encontramos motivo para divergir da anterior jurisprudência deste Supremo Tribunal, em que a admoestação foi judicialmente aplicada a contra-ordenações que seriam graves à luz da classificação do art. 23.º do RGIT. Nas situações a que se referem os acórdãos indicados supra, na nota de rodapé com o n.º 3, as contra-ordenações em causa podiam também ser classificadas como graves à luz do critério do art. 23.º do RGIT e, apesar de a questão aí não ter sido objecto de decisão expressa, essa circunstância não constituiu impedimento à aplicação da admoestação.” (destaques e sublinhados nossos).

No mesmo sentido, aponta o Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 02584/15, de 19 de junho de 2019, o qual afirma que:

“O artigo 51º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), ao autorizar a aplicação de admoestação «quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique», é aplicável às infracções tributárias ex vi artigo 3º, alínea b), do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) e não se encontra legalmente excluída a possibilidade da sua aplicação a contra-ordenações que o RGIT classifica como graves ou a infracções que, por natureza, representam um grave incumprimento de deveres legais e denotam um comportamento censurável, como é o caso do retardamento da entrega do montante do IVA exigível.” (destaques e sublinhados nossos).

Destarte, face ao supra expendido ter-se-á de concluir que a classificação como grave de uma contraordenação pelo RGIT, em ordem ao consignado no normativo 23.º, não exclui, per se, a aplicação da sanção da admoestação, na medida em que esse juízo deve ser realizado de forma casuística, convocando as circunstâncias concretas do comportamento ilícito (1).

Logo, contrariamente ao expendido pela Recorrente não se afigura que o Tribunal a quo tenha incorrido no aludo erro de julgamento, não merecendo, nessa medida, a decisão recorrida a crítica que lhe é gizada.

O mesmo se diga quanto ao juízo de censura, porquanto ainda que a Recorrente não tenha, devidamente, substanciado porque motivo entende que a culpa não pode ser qualificada como reduzida, a verdade é que, in casu, não se vê como não apelidar, enquanto tal, esse juízo de censura, sendo certo que é a própria Entidade Administrativa que atesta a “negligência simples”.

Ademais, encontramo-nos perante um atraso na entrega da prestação pouco expressivo, ou seja, três dias, e um prejuízo à receita tributária, igualmente, pouco relevante-compensado, de resto, pelos juros correspondentes a três dias de atraso, note-se que a Recorrente assume, expressamente, que a dívida se encontra regularizada-, logo o comportamento é acidental (como evidenciado nos elementos inerentes à dosimetria da coima) revelador de uma reduzida gravidade da culpa.

De resto, e como bem evidenciado pelo Tribunal a quo, não se poderá ajuizar como adequada ao grau de ilicitude e culpa do agente uma coima de €15.839,56.

Ora, atendendo às circunstâncias do caso, e ponderando que a aplicação dos termos da atenuação especial da coima previstos no artigo 18.º, n.º 3 do RGIT implicam uma punição da Recorrente desproporcional e desadequada, porquanto:

-Há reconhecimento da responsabilidade (2), na medida em que atentando na sua defesa, não se vislumbra a alegação de factos que por alguma forma a desresponsabilizassem da omissão ocorrida. Note-se, de resto, que a Recorrente nada substancia nesse e para efeito -limitando-se a, genericamente, relevar no ponto 10 das suas alegações de recurso-ainda que sem qualquer transposição para as suas conclusões- tal asserção.

- A infração foi prontamente reparada, isto é, três dias após a data limite para cumprimento da obrigação;

- A obrigação tributária encontrava-se integralmente cumprida na data da instauração do processo de contraordenação, tendo, aliás, sido integralmente regularizada antes da extração do auto de notícia;

-Que a aplicação de uma coima atenuada implicaria a fixação de uma coima que cifrar-se-ia no valor de €7.919,78.

E bem assim, que não se verificam nenhuma das circunstâncias agravantes do artigo 27.º, n.º 3 do RGIT, não obstante estar em causa uma infração abstratamente punível com coima cujo limite máximo excede €15.000,00 (cfr. artigo 23.º, n.º 2).

Face ao exposto, consideram-se reunidos os requisitos previstos no artigo 51.º do RGCO para a aplicação de uma pena de admoestação, desta forma se satisfazendo as exigências de prevenção, conforme bem sentenciou o Tribunal a quo validando-se, por isso, a decisão de admoestação decretada, a qual se mantém, assim, na ordem jurídica.


***


IV. DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em:
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e manter a decisão recorrida.
Sem custas.
Registe e notifique.

Lisboa, 28 de abril de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)


___________________________
(1) Vide, neste sentido, Acórdão do TCAS, proferido no processo nº 1774/15, de 31.10.2019.
(2) João Ricardo Catarino e Nuno Victorino, Regime Geral das Infrações Tributárias, anotado, Vislis, 2002, anotação 7 ao artigo 32º, p. 192, doutrinam, nesse particular, que esse requisito poderá ser tido como evidenciado “a partir dos actos e declarações que o arguido pratique no processo e da conduta que com elas evidencie concretamente assumir”. Vide, designadamente, Acórdãos do STA, proferidos nos processos nº 085/11, 0331/08, de 26 de outubro de 2011 e 02 de julho de 2008, respetivamente