Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03022/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/06/2009
Relator:Lucas Martins
Descritores:I. IRC;
II. CUSTOS DE EXERCÍCIO;
III. INDISPENSABILIDADE
Sumário:1. A aferição da indispensabilidade de determinadas despesas incorridas, nos termos do art.º 23.º, n.º 1, do CIRC, para relevarem como custos fiscais, reporta-se a uma ponderação entre aquelas e a actividade concretamente exercida da contribuinte;
2. Preenche tal conceito de indispensabilidade o pagamento, pela impugnante e cedente, à cessionária, de valores correspondentes a indemnizações relativas a cessações de contratos de trabalho celebrados com aquela, nos termos da acordada cedência.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- «M ..., Ld.ª», com os sinais dos autos, por se não conformar com a decisão do TAF do Sintra, e que lhe julgou improcedente esta impugnação judicial que deduziu contra liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1994, dela veio interpor o presente recurso apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões;

A- A impugnante e ora recorrente procedeu, no exercício de 1994, ao pagamento de indemnizações, por cessação do contrato de trabalho, a ex-trabalhadores seus, indemnizações essas a que estava obrigada na sequência da celebração do acordo junto aos autos e incluído nos factos provados.

B- À data da celebração do acordo nem cedente, nem cessionária, nem os trabalhadores poderiam prever se ocorreriam ou não essas cessações.

C- Em 1994 torna-se necessária a efectivação destas cessações com o pagamento das obrigatórias indemnizações, pelo que a cessionária accionou o acordo, obrigando a ora recorrente a liquidar o montante a que se havia comprometido, devendo subsumir estes factos ao conceito de imprevisibilidade definido no art.º 18.º do CIRC.

D- O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram.

E- Este princípio deve, porém, conformar-se a ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.

F- As responsabilidades que a recorrente assumiu e que inevitavelmente contribuíram e foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtiva, foram imputados ao exercício de 1994, quando foram conhecidos, embora referentes a 1992, o que a lei permite, ao abrigo do invocado princípio de justiça.

G- Para que determinados custos possam ser enquadrados no art.º 23.º do CIRC é necessário que os mesmos sejam indispensáveis para realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.

H- No caso dos autos, os montantes pagos a ex-trabalhadores da impugnante, foram- -no a título de indemnização por cessação de contrato de trabalho, pelo que os montantes pagos deverão ser considerados enquadráveis na al. d) do artigo 23.º do CIRC e como tal serem considerados custos fiscais, pois os mesmos foram indispensáveis para a realização dos proveitos sujeitos a imposto e/ou para a manutenção da fonte produtora.

I- Sendo certo que as indemnizações, no montante de 15.000.000$00, tendo sido pagas em 1994 – ano em que ocorreu a efectivação da despesa -, dizem inequívoca e irrevogavelmente respeito ao ano de 1992.

J- Ora, o custo das indemnizações por rescisão do contrato de trabalho deverão ser consideradas custo no ano em que estas se mostrem devidas. Ou seja, elas deverão ser sempre consideradas como custo indispensável para a realização do proveito ou para a manutenção da fonte produtora, independentemente de o respectivo pagamento coincidir ou não com o período a que as mesmas respeitam.

K- Há pois apenas que ter em consideração o enquadramento dos mesmos no âmbito do art. 23.º do CIRC e da sua indispensabilidade, sendo irrelevante o respectivo período de pagamento – ao caso o ano de 1994, sendo também irrelevante o facto de a ora impugnante não exercer nesse ano qualquer outra actividade, para além da respeitante ao arrendamento dos imóveis de que é proprietária.

L- Outrossim, no ano de 1992, ano a que deverá ser retroagida a imputação do custo derivado do pagamento das indemnizações sub judice e em que a recorrente ainda não exerceu plenamente o conjunto das suas actividades, conformando assim a interpretação do princípio da especialização do exercício ao princípio da justiça.

- Conclui que, pela procedência do recurso, seja substituída a decisão recorrida revogada/anulada, com as legais consequências.

- Não houve contra-alegações.

- O STA, para onde o recurso foi interposto, por decisão de 2009FEV04, declarou-se hierarquicamente incompetente para conhecer do mesmo, mais declarando caber tal competência a este tribunal e secção.

- O EMMP, junto deste tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 124/125 pronunciando-se, a final, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

- A decisão recorrida, com suporte na prova documental carreada para os autos e na posição assumida pelas partes, deu, por provada, a seguinte;
- MATÉRIA DE FACTO -

A). Em 1992, a impugnante acordou com a sociedade M ..., a cedência da respectiva actividade e comercialização de máquinas e equipamentos, incluindo o pessoal que nela prestava serviço, deixando, a partir dessa data de exercer qualquer actividade – cfr. documentos a fls. 15 a 18, acordo;

B). Consta do acordo referido na alínea antecedente, o seguinte:
“(…) tomando a nosso cargo (da ora impugnante) conforme o anteriormente acordado, a responsabilidade de comparticipar em indemnizações ao pessoal com quem eventualmente venha a ser necessário negociar durante os próximos cinco anos, até ao montante de 35.000.000$00 (trinta e cinco milhões de escudos). (…)”

C). Os serviços de inspecção da Administração Fiscal, no âmbito de análise interna efectuada à declaração de rendimentos modelo 22 da Impugnante, procederam a correcções à rubrica “Outros custos extraordinários”, no montante de 15.000.000$00, respeitantes a indemnizações pagas ao pessoal, com o seguinte fundamento:
“(…) Dado que a empresa em análise se encontra sem actividade e sem pessoal (tendo como proveitos apenas as rendas recebidas pelo aluguer do seu edifício), considera-se que este custo não se torna necessário para a formação de proveitos, art.º 23.º do CIRC (…)” – cfr. documento a fls. 32;

D). Em 14 de Outubro de 1997, na sequência das correcções referidas na alínea antecedente, foi efectuada liquidação adicional à Impugnante, da qual resultou IRC a pagar no montante de € 39.427,15 (7.904.433$00) – cfr. documento a fls. 34;

E). Em 24 de Outubro de 1997 foi a Impugnante notificada das correcções efectuadas à declaração de rendimentos modelo 22 – cfr. documento a fls. 29;

F). Em 10 de Março de 1998 a Impugnante deduziu reclamação graciosa relativamente à liquidação adicional de IRC referida em d) – cfr. documento constante do processo administrativo apenso por linha;

G). Os ganhos auferidos pela Impugnante em 1994 resumem-se ao produto do arrendamento dos imóveis de que é proprietária – cfr. acordo;

I). Em 16 de Junho de 1998 deu entrada a presente Impugnação Judicial – cfr. carimbo aposto na p.i. a fls. 2.
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- Mais se deram, como não provados, quaisquer outros factos distintos dos referidos nas precedentes alíneas, enquanto relevantes à decisão de mérito a proferir à luz das possíveis soluções de direito.
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- Por se encontrarem demonstrados e se considerarem pertinentes à decisão a proferir, adita-se, a coberto do disposto no art.º 712.º/1, do CPC, por força do art.º 2.º/e, do CPPT, ao probatório, a seguinte factualidade;

J). Dos trabalhadores identificados no doc. de fls. 15 a 18, referido na antecedente al. A)., cessaram contrato de trabalho, dois membros do pessoal, em 1994DEZ31 e, um terceiro, em 1995JUN30 – cfr. docs. de fls. 44 a 49, inclusive, dos autos os quais, aqui, se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais;

K). Além dos montantes indemnizatórios mutuamente acordadas com a cessionária «M ..., Ld.ª», nos valores de Esc. 6.797.000$, 3.832.917$ e 3.249.119$ (respectivamente, € 33.903,29, 19.118,51 e 16.206,54), aqueles trabalhadores, todos eles, ficaram ainda credores das “(…) importâncias legalmente devidas em função de remuneração férias e subsídio de férias (…)” – cfr. aludidos docs. de fls. 44, 46 e 48;

L). Os trabalhadores a que se faz alusão na alínea J). que antecede vincularam-se, em tal qualidade, à impugnante, em 1981MAI13, 1970DEZ24 e 1960FEV01 – cfr. fls. 17 dos autos.
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- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -

- Compulsando as conclusões do presente recurso, enquanto balizadoras dos respectivos âmbito e objecto, constata-se que a recorrente, se bem que reportando-se também à necessidade dos custos com as indemnizações aqui em causa, pagas aos seus ex-trabalhadores, como necessários à realização dos proveitos ou ganhos ou sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (v.g., conclusão F)), parece colocar o acento tónico da sua divergência com o decidido no entendimento de que a decisão em crise teria julgado improcedente a impugnação por violação do princípio da especialização de exercícios, sustentando que, no caso, apesar das referidas indemnizações se reportarem a 1992 e terem sido pagas em 1993, se deve considerar tal procedimento como legalmente admissível, sob pena de violação do princípio de justiça – cfr. conclusões C) a E) e I) a L).

- Ora, compulsando os autos, constata-se que, quer a AF, tanto na fundamentação das correcções em causa, como aliás se dá conta no probatório (cfr. al. C). e doc. para que ela remete), como na manutenção do acto impugnado (cfr. fls. 50 e 51) como, ainda, na contestação de fls. 56 e ss., particularmente nos art.ºs 8.º a 13.º, inclusive, quer o M.ºP.º em 1.ª instância, no seu parecer de 64 e v.º, quer, finalmente, a Mm.ª juiz recorrida, na sentença aqui em crise, consideraram como razão única relevante à improcedência da pretensão da recorrente, a circunstância, no respectivo entender, de os custos referentes às aludidas indemnizações não serem indispensáveis à realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

- Ou seja, o que se tem de inferir daqui, é que a AF, não questiona o proceder da recorrente por considerar que as indemnizações em causa, cujo pagamento se não discute, a serem considerados custos fiscais, o devessem ser por referência ao exercício aqui em causa, mas apenas porque não devem merecer tal qualificação em razão de não se mostrarem indispensáveis, quer à realização dos proveitos sujeitos a imposto, quer à manutenção da fonte produtora, isto porque, no ano em questão, a recorrente já não exercia a sua actividade societária, sendo que os únicos proveitos que auferiu respeitaram ao arrendamento de imóveis; Consequentemente, não cabe, aqui, entrar em tal tipo de apreciação, mas antes e apenas, indagar de saber se, à luz da referida exigência que o art.º 23.º do CIRC, fazia da indispensabilidade dos custos aos proveitos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora, a AF podia proceder às correcções em causa, com suporte no quadro motivador a que se ancorou e transcrito no probatório.

- E a resposta que, a nosso ver, se impõe dar, a tal questão é negativa, na medida em que nos identificamos com a jurisprudência e a doutrina, quando preenche tal conceito por reporte ao interesse societário do sujeito passivo que pretende qualificar as (determinadas) despesas como custos fiscalmente relevantes.

- Em suporte desse entendimento socorremo-nos do Ac. deste Tribunal tirado no Proc. n.º 1.107/06, de 2007JUL17 e de que respigamos, por transcrição, o seguinte excerto (1) ;

«Nos termos do art. 23° nº l do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.(...).
(...).
A questão a decidir passa, portanto, pela apreciação da alegada indispensabilidade de tais custos para a realização dos proveitos sujeitos a imposto, sendo que o referido art. 23º do CIRC enuncia, exemplificativamente, nas suas diversas alíneas, várias categorias concretas de encargos dedutíveis. Porém, da necessidade de comprovação da indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, resulta claro que a lei só contempla os encargos que sejam determinantes para aquele fim.
Sem embargo da relevância assumida pela realidade juridico-economica subjacente às normas fiscais, a lei exige a comprovação da indispensabilidade do custo na obtenção dos proveitos e não apenas a comprovação da possibilidade de obtenção desses proveitos.
Mas como deve aferir-se o conceito de indispensabilidade?
Aceitando-se que estamos perante um conceito vago necessitado de preenchimento (cfr, o ac. do STA, de 23/9/98, AD 452/453, p. 1057, citado pela recorrente) e aceitando-se que não estamos, quanto a tal preenchimento, perante qualquer poder discricionário (em termos de discricionariedade técnica) por parte da AT, importa, então, atentar nos termos em que a lei enquadra tal conceito.
Ora, como se disse, o art. 23° do CIRC dispunha, na redacção à data (2) :
«1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
(...)».
Fazendo apelo ao Estudo de Tomás de Castro Tavares (Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, in CTF, nº 396, págs. 7 a 177) e confrontando as três interpretações possíveis ali enunciadas em termos da interpretação da regra constante do art. 23º do CIRC (indispensabilidade como sinónimo de absoluta necessidade, ou com o significado de conveniência, ou identificando-se com a noção de interesse societário) diremos, como aponta o autor, parecer evidente que da noção legal de custo fornecida pelo art. 23° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o art. 23° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.
A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro.»
(…)
«Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro..
«Neste sentido vai, também, o entendimento de António Moura Portugal (A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pags. 113 e sgts.), quando sustenta que «A solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário», que esta exigência da indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora se encontrava «inicialmente associada a uma condição de “razoabilidade” (artigo 26° do CCI)» e que se é certo «que a “razoabilidade” está presente em algumas disposições do CIRC, de forma expressa (23º), … deixou de ser tolerável a sua utilização como fundamento para limitar quantitativamente os encargos incorridos pelos sujeitos passivos. O problema é que o Fisco tem vindo a utilizar a indispensabilidade para precludir que determinados gastos, por si valorados como excessivos ou inapropriados, possam ser acolhidos pelo balanço fiscal. Talvez por isso se note na doutrina uma propensão para uma interpretação ampla do termo, recusando qualquer leitura do mesmo que pressuponha ou contemporize com juízos subjectivos do controlador público sobre a bondade da gestão empreendida (…).
A indispensabilidade deve assim ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal, que se não deve imiscuir, muito menos valorar as decisões empresariais do contribuinte. Só esta concepção está de acordo com os princípios de liberdade de gestão empresarial e, ao mesmo tempo, respeita interesses específicos do direito fiscal (que estão na base da limitação expressa que é feita à dedutibilidade de certos encargos).
Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que - por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas - as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata”». (1)
Para este autor, a interpretação para a indispensabilidade «deve ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária. Este, por sua vez, não deve ser sindicado pelo Fisco ou pelos tribunais, porque a isso obriga a liberdade de iniciativa económica. (…) uma interpretação da indispensabilidade em função do objecto social e da actividade desenvolvida pela sociedade. A identificação com a actividade comercial, industrial ou agrícola desenvolvida pelo sujeito passivo é critério suficiente. Se se quiser falar de “relação causal”, esta só pode ter lugar por via de uma ligação entre os custos e a actividade da empresa. Nunca entre os custos e os proveitos ou a manutenção da fonte produtora.» (negrito da nossa autoria).

- Isto mesmo para quem, como nós, se perfila na linha dos que consideram que não basta a ocorrência de toda e qualquer despesa, desde que subsumível ao tipo de actividade exercida pelo sujeito passivo, para que, necessariamente, tenha/possa ser havida como custo fiscal relevante para efeitos do artigo em questão, considerando-a como “indispensável”, sob pena de se não vislumbrar qualquer efeito e, muito menos, útil, à letra da lei que, apesar de subsequentes alterações legislativas, desde o tempo do CCIndustrial (art.º 26.º do respectivo compêndio legal) até ao exercício aqui em causa (art.º 23.º/1 do CIRC) sempre manteve o conceito de “indispensabilidade” como pressuposto legal à qualificação de determinada despesa como custo fiscal, mas que entendem que essa aferição se há-de processar numa relação entre o custo (despesa) e a actividade, concretamente, desenvolvida pelo sujeito passivo, assim tendo, de alguma forma, ínsita a necessidade de apreciação “a posteriori” da gestão empresarial; mas, reafirma-se, apenas enquanto pressuposto à referida aferição, em concreto, do custo à actividade societária e já não quanto à bondade e/ou oportunidade, particularmente económica, da realização dessa mesma despesa.

- Ou seja acompanha-se o entendimento da ilegitimidade da administração pública, rectius da administração fiscal, em emitir juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial prosseguida, na esteira do escopo societário, mas apenas quando tal juízo de valor reflicta uma pronúncia sobre a oportunidade de determinado tipo de conduta empresarial e, por maioria de razão, sobre a orientação dessa mesma conduta, enquanto conduta devida para a obtenção de ganhos.

- Isto é, acolhe-se o argumento de que a emissão de um juízo de valor sobre “(...) a bondade da gestão empreendida (...)”, por parte da AF, é ilegítimo para qualificação de uma determinado despesa enquanto custo ao abrigo do art.º 23.º/1 se e na medida em que essa aferição repousar numa ponderação de causalidade entre o custo e os proveitos.

- Ora, no caso que aqui nos ocupa, estando provada a relação laboral estabelecida entre a impugnante e os referidos trabalhadores, com inerentes deveres e obrigações legais daí decorrentes, e não se questionando que, apesar da transferência destes, no âmbito da cedência, para a cedida, a impugnante/cedente manteve as suas obrigações, decorrentes (da cessação) dos vínculos laborais com ela celebrados, até ao valor global de Esc. 35.000.000$, desde que concretizados no período de cinco anos subsequentes à cessão, é assertivo, em nosso entender, que, reportando-se as importâncias em questão ao pagamento daquele tipo de obrigações, dentro do valor e período de tempo estabelecido, se verifica o preenchimento do conceito de indispensabilidade estabelecido no aludido art.º 23.º do CIRC, pelo preenchimento do nexo de causalidade, no termos acima referidos.

- E, a ser assim, forçoso se impõe concluir que as importâncias em causa não podem ser desqualificadas, com suporte na fundamentação empregue pela AF, como custos fiscais atendíveis, o que, implica, por seu turno, que se conclua no sentido de que a decisão recorrida padece de erro de julgamento.
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- D E C I S Ã O -

- Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCASul, em conceder provimento ao recurso, assim se revogando a decisão recorrida, e em julgar procedente, por porvada, a presente impugnação judicial, nessa medida se determinando a anulação do acto tributário impugnado.
- Sem custas.

Lisboa, 6 de Outubro de 2009

(1) Cfr. ainda, os Acs. deste Tribunal subscritos, na mesma qualidade, pelo ora relator, tirados nos Porcs. n.º 1902/07 e 1691/07, respectivamente, em
(2) Redacção que, como ao que aqui nos importa, é a aplicável aos exercícios em questão – redacção dada pela Lei n.º 127-B/1997DEZ20.
(3)