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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:687/18.8BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DE DESPACHO DE INDEFERIMENTO LIMINAR É SEMPRE ADMISSÍVEL RECURSO PARA O T.C.A. COMPETENTE.
QUESTÕES NOVAS.
NATUREZA TAXATIVA DOS FUNDAMENTOS DE OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO FISCAL. ARTº.204, Nº.1, DO C.P.P.T.
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO PROCESSUAL.
DESTRINÇA ENTRE O PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL E A OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO FISCAL.
ERRO NA FORMA DO PROCESSO. NULIDADE PROCESSUAL DE CONHECIMENTO OFICIOSO.
PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL.
PRESSUPOSTOS DA CONVOLAÇÃO DA FORMA DE PROCESSO.
Sumário:1. No caso “sub judice”, estamos perante recurso sempre admissível para o T.C.A. competente, não olhando ao valor da causa e à sucumbência, nos termos do artº.629, nº.3, al.c), do C.P.Civil, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T., visto que o objecto da apelação se consubstancia em despacho de indeferimento liminar de p.i. de oposição a execução fiscal.
2. O direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.
3. A oposição a execução fiscal é espécie processual onde os fundamentos admissíveis definidos na lei se encontram consagrados no artº.204, nº.1, do C.P.P.Tributário (cfr. artº.286, do anterior C.P.Tributário), preceito que consagra uma enumeração legal taxativa dado utilizar a expressão “...a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos...”. Tal regime de fundamentação da oposição a execução fiscal, o qual já se encontrava consagrado nos artºs.84 e 86, do Código das Execuções Fiscais de 1913, visa, em princípio, evitar o protelamento excessivo da cobrança coerciva dos créditos do Estado. O legislador teve, por isso, a preocupação de limitar as possibilidades de defesa em processo de execução fiscal aos casos de flagrante injustiça.
4. O sujeito cujo direito foi alegadamente violado, pretendendo a respectiva reparação, está obrigado a escolher o tipo de acção que a lei especificamente prevê para obter a satisfação do seu pedido, sob pena de, se o não fizer, o Tribunal nem sequer tomar conhecimento da sua pretensão. Não está, assim, na disponibilidade do administrado a escolha arbitrária do tipo de acção a que pode recorrer na defesa dos seus direitos, visto que a lei, em cada caso, consagra qual o meio processual próprio para atingir aquela finalidade, o qual deve ser seguido. Nestes termos, compete ao demandante analisar a situação que se lhe apresenta e, perante ela, recorrer, dentro do prazo legal, ao meio processual que a lei disponibilizou para obter o reconhecimento do direito ou interesse em questão (cfr.artº.97, nº.2, da L.G.T.).
5. Sem perder de vista que o legislador organizou meios processuais para que o contribuinte possa restabelecer a situação jurídica de direito material, tal como efectivamente resulta da lei, devemos, no entanto, ter igualmente presente a linha de separação entre as duas vias paralelas de reacção ao acto tributário e que são a impugnação e a oposição. Assim, enquanto o processo de impugnação visa a apreciação da correspondência do acto tributário com a lei no momento em que o mesmo foi praticado, o processo de oposição respeita aos fundamentos supervenientes que podem tornar ilegítima ou injusta a execução devido a falta de correspondência com a situação material subjacente no momento em que se adoptam as providências executivas. Por outras palavras, o processo de impugnação judicial, tendo por função apreciar a ilegalidade do acto tributário, visa a declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado ou a sua anulação, com fundamento em qualquer vício que afecte a validade do mesmo acto (cfr.artº.99, do C.P.P.Tributário). Por sua vez o processo de oposição, tendo por efeito paralisar a eficácia do acto tributário corporizado no título executivo, visa a extinção ou suspensão da respectiva execução, com base em fundamentos supervenientes ou de ordem formal ou processual (cfr.artº.204, do C.P.P.Tributário).
6. O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.193 e 196, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.595, nº.1, al.a), do C.P.Civil) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.200, nº.2, do C.P.Civil) e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.198, nº.1, do C.P.Civil), sendo que, a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte.
7. No processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr.artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.).
8. A análise da propriedade do meio processual empregue pela parte e da sua consequente e eventual admissibilidade legal, deve ser efectuada levando em atenção o princípio da economia processual que enforma todo o direito adjectivo (cfr.artº.130, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P. Tributário).
9. A possibilidade de convolação da forma de processo pressupõe que todo o processo passe a seguir a tramitação adequada, sendo que o pedido formulado no final do articulado inicial constitui um dos elementos que se deve adequar à nova forma processual a seguir. Por outro lado, a manifesta extemporaneidade do articulado em exame também constitui óbice à convolação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
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F……, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto despacho de indeferimento liminar proferido pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Loulé, exarado a fls.27 e 28 do processo físico, através do qual rejeitou liminarmente o articulado inicial, em virtude de manifesta improcedência, tudo no âmbito da presente instância de oposição, intentada pelo recorrente, na qualidade de executado, visando a execução fiscal nº......-2018/......, a qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Tavira, propondo-se a cobrança coerciva de dívida de I.R.S., do ano de 2017 e no montante de € 7967,41.
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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.30 a 32-verso do processo físico) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Ao presente caso é aplicável o n.º 11 da Lei n.º 82-E/2014 de 31 de dezembro, igualmente a oposição à execução fiscal é na nossa jurisprudência e doutrina, um meio processual adequado para defesa dos direitos dos sujeitos passivos perante a administração tributária;
2-Pese embora a alínea h) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT prevê como oposição à execução a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, a verdade é que se verifica a exceção dos casos de vício qualificável como nulidade nos termos dos artigos 133.º e 134.º do CPA;
3-E relembre-se que o fundamento de oposição do oponente assentou precisamente nesta nulidade;
4-Nesta sequência, considera-se que face a este vicio estamos perante ilegalidades em concreto do próprio ato, as quais podem ser fundamento de oposição à execução fiscal;
5-Na verdade, o direito de recorrer contenciosamente contra quaisquer atos administrativos, que independentemente da forma que assumam, lesem direitos ou interesses legalmente protegidos em contra a sua razão de ser no art.º 268.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa sendo que a garantia jurisdicional assume uma natureza semelhante à natureza originária dos “direitos, liberdades e garantias”;
6-Por outro lado, verifica-se que o Tribunal a quo entendeu ter havido erro na forma do processo, pois que, entendeu estar assegurado meio judicial de impugnação da liquidação no presente caso nos termos da alínea h) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, todavia, a verdade é que sendo a alegada nulidade de conhecimento oficioso, implica necessariamente a sanação do vicio consubstanciado na convolação para a forma de processo correta, importando apenas a anulação dos atos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estreitamente necessários para que o processo se aproxime da forma prevista na lei;
7-Pelo que, deve ser retificada a nota demonstrativa da liquidação de IRS tendo em conta esta realidade, pois que o regime previsto no n.º 4 do art.º 11.º daquela lei, determina que se aplica às alienações de imóveis ocorridos entre 2015 a 2020 nos quais os contratos de mútuo tenham sido celebrados até finais de 2014. O que é o caso nos presentes autos;
8-Portanto o que se verifica no presente processo é um caso de vicio qualificável como nulidade nos termos dos artigos 133.º e 134.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA);
9-Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado total provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a douta sentença recorrida. Fazendo-se, assim, a habitual e necessária JUSTIÇA!
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.46 a 48 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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Visando a decisão do presente recurso, este Tribunal considera provada a seguinte matéria de facto:
1-Em 26/05/2018, a Fazenda Pública estruturou uma liquidação de I.R.S., relativa ao ano de 2017, no montante total de € 7.967,41, da qual surge como sujeito passivo F….., com o n.i.f. 101……, tendo fixado o termo final do prazo de pagamento voluntário no pretérito dia 31/08/2018 (cfr.documento junto a fls.8 do processo físico);
2-Em 7/09/2018, a A. Fiscal instaurou o processo de execução fiscal nº…..-2018/…., o qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Tavira, propondo-se a cobrança coerciva da liquidação identificada no nº.1 (cfr.cópia do processo de execução apenso; informação exarada a fls.19 e 20 do processo físico);
3-Em 15/09/2018, o executado F….. foi citado no âmbito do processo de execução fiscal identificado no nº.2 (cfr.documento junto a fls.5 do processo físico; informação exarada a fls.19 e 20 do processo físico);
4-Em 15/10/2018, deu entrada no Serviço de Finanças de Tavira o articulado inicial dos presentes autos (cfr.data de entrada aposta a fls.2 do processo físico);
5-A p.i. identificada no nº.4, que o ora recorrente titula como oposição à execução fiscal, apresenta os seguintes fundamentos:
a) Que a dívida exequenda se reporta a uma situação de mais-valias incidentes sobre a venda de um imóvel que era habitação própria e permanente do opoente;
b) Que a tributação sobre tal venda se encontra excluída no presente momento, dado que decorre o prazo legal para reinvestimento do preço recebido na aquisição de outra habitação própria e permanente;
c) Que o imposto a que se refere a presente execução é inexistente, o que configura fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.a), do C.P.P.T.;
d) Termina pedindo que se julgue a oposição procedente e, em consequência, se anule a dívida exequenda e se corrija a nota de liquidação de I.R.S. (cfr.conteúdo da p.i. junta a fls.3 e verso do processo físico).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto provada, no teor dos documentos e informação oficial identificados em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, o despacho recorrido decidiu, em síntese, rejeitar liminarmente o articulado inicial, em virtude da manifesta improcedência da oposição.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Alega, em síntese, o recorrente que é aplicável ao caso presente o artº.11, nº.4, da Lei 82-E/2014, de 31/12. Que estamos perante ilegalidades em concreto do próprio acto, as quais podem ser fundamento de oposição à execução fiscal nos termos do artº.204, nº.1, al.h), do C.P.P.T. Que estamos perante vício qualificável como nulidade nos termos dos artºs.133 e 134, do C.P.A. Que a sanação do vício se pode verificar com a convolação para a forma de processo correcta (cfr.conclusões 1 a 8 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar, supomos, um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Apuremos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Recorde-se que estamos perante recurso sempre admissível para o T.C.A. competente, não olhando ao valor da causa e à sucumbência, nos termos do artº.629, nº.3, al.c), do C.P.Civil, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T., visto que o objecto da apelação se consubstancia em despacho de indeferimento liminar de p.i. de oposição a execução fiscal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/01/2018, proc.338/17.8BESNT; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/05/2018, proc.1746/17.0BELRS).
Defende o apelante, além do mais, que a A. Fiscal violou o regime previsto no artº.11, nº.4, da Lei 82-E/2014, de 31/12 (normativo que consagra um regime especial aplicável às mais-valias imobiliárias, em sede de diploma que reforma a tributação das pessoas singulares).
A questão sob apreciação não foi invocada no articulado inicial da presente oposição a execução em 1ª. Instância. Na verdade, não se alcança do exame do articulado inicial (cfr.fls.3 e verso dos presentes autos) que a matéria vertida nas conclusões que se deixaram expostas (a invocada violação do regime previsto no artº.11, nº.4, da Lei 82-E/2014, de 31/12) haja sido alegada em 1ª. Instância, pelo que não poderia ser objecto de conhecimento e correcção pelo Tribunal “a quo”, surgindo nesta sede de recurso pela primeira vez suscitada. Igualmente, não sendo matéria de conhecimento oficioso.
É que o direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal “ad quem” deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal “a quo”, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal “ad quem” as preclusões ocorridas no Tribunal “a quo”. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/1992, rec.13331; ac.S.T.J., 25/2/1993, proc.83552; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/8/2012, proc.5857/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 9/7/2013, proc.6817/13). Não vale, contudo, também entre nós, em toda a sua pureza, o modelo de recurso de reponderação. Além de outras excepções (v.g.as partes podem acordar, em 2ª. Instância, a alteração ou ampliação do pedido - cfr.artº.264, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), o Tribunal “ad quem” pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g.excepções dilatórias, atento o disposto no artº.578, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), quer à relação material controvertida (v.g.prescrição e duplicação de colecta - cfr.artº.175, do C.P.P. Tributário). No que respeita à matéria de direito, são os Tribunais de recurso inteiramente livres quanto à determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso ajuizado, devendo, mesmo, tomar em consideração as modificações da lei sobrevindas após o julgamento ocorrido na instância inferior, caso elas abranjam a relação jurídica litigiosa (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.92 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.153 e seg.; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, AAFDL, 1982, pág.174).
Concluindo, o recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema suscitado nas conclusões apelatórias em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que dele se não conhece.
Mais aduz o apelante que não concorda com o Tribunal “a quo”, quando não pondera que o alegado vício de que padece o articulado inicial se pode sanar com a convolação para a forma de processo correcta.
A oposição a execução fiscal é espécie processual onde os fundamentos admissíveis definidos na lei se encontram consagrados no artº.204, nº.1, do C.P.P.Tributário (cfr.artº.286, do anterior C.P.Tributário), preceito que consagra uma enumeração legal taxativa dado utilizar a expressão “...a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos...”. Tal regime de fundamentação da oposição a execução fiscal, o qual já se encontrava consagrado nos artºs.84 e 86, do Código das Execuções Fiscais de 1913, visa, em princípio, evitar o protelamento excessivo da cobrança coerciva dos créditos do Estado. O legislador teve, por isso, a preocupação de limitar as possibilidades de defesa em processo de execução fiscal aos casos de flagrante injustiça (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/3/95, rec.18898, Ap.D.R., 31/7/97, pág.781 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/12/2012, proc.5989/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/2/2014, proc.7256/13; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.Edição, Almedina, 1996, pág.449; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.441 e seg.).
O sujeito cujo direito foi alegadamente violado, pretendendo a respectiva reparação, está obrigado a escolher o tipo de acção que a lei especificamente prevê para obter a satisfação do seu pedido, sob pena de, se o não fizer, o Tribunal nem sequer tomar conhecimento da sua pretensão. Não está, assim, na disponibilidade do administrado a escolha arbitrária do tipo de acção a que pode recorrer na defesa dos seus direitos, visto que a lei, em cada caso, consagra qual o meio processual próprio para atingir aquela finalidade, o qual deve ser seguido. Nestes termos, compete ao demandante analisar a situação que se lhe apresenta e, perante ela, recorrer, dentro do prazo legal, ao meio processual que a lei disponibilizou para obter o reconhecimento do direito ou interesse em questão (cfr.artº.97, nº.2, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/3/2013, proc.6415/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6914/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7103/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/02/2019, proc.204/15.1BELSB).
Sem perder de vista que o legislador organizou meios processuais para que o contribuinte possa restabelecer a situação jurídica de direito material, tal como efectivamente resulta da lei, devemos, no entanto, ter igualmente presente a linha de separação entre as duas vias paralelas de reacção ao acto tributário e que são a impugnação e a oposição. Assim, enquanto o processo de impugnação visa a apreciação da correspondência do acto tributário com a lei no momento em que o mesmo foi praticado, o processo de oposição respeita aos fundamentos supervenientes que podem tornar ilegítima ou injusta a execução devido a falta de correspondência com a situação material subjacente no momento em que se adoptam as providências executivas (cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.586 e seg.). Por outras palavras, o processo de impugnação judicial, tendo por função apreciar a ilegalidade do acto tributário, visa a declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado ou a sua anulação, com fundamento em qualquer vício que afecte a validade do mesmo acto (cfr.artº.99, do C.P.P.Tributário). Por sua vez o processo de oposição, tendo por efeito paralisar a eficácia do acto tributário corporizado no título executivo, visa a extinção ou suspensão da respectiva execução, com base em fundamentos supervenientes ou de ordem formal ou processual (cfr.artº.204, do C.P.P.Tributário).
O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.193 e 196, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.595, nº.1, al.a), do C.P.Civil) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.200, nº.2, do C.P.Civil) e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.198, nº.1, do C.P.Civil), sendo que, a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para o qual apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/3/2013, proc.6415/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6862/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7310/14; José Lebre de Freitas e Outros, C.P.Civil anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1999, pág.344).
No processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr.artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 29/2/2012, rec.441/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/6/2012, proc.4704/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7103/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7310/14; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.88 e seg.).
Releve-se que a análise da propriedade do meio processual empregue pela parte e da sua consequente e eventual admissibilidade legal, deve ser efectuada levando em atenção o princípio da economia processual que enforma todo o direito adjectivo (cfr.artº.130, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P. Tributário).
Por último, sempre se dirá que não pode ordenar-se a convolação da forma de processo, quando o articulado inicial em causa não possa ser aproveitado para outro meio processual, por se verificar algum obstáculo a que esse meio possa ser tramitado, nomeadamente, a intempestividade da petição face às regras aplicáveis ao meio processual adequado, tal como a inadequação do pedido formulado no articulado em causa (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.502 e seg.).
“In casu”, contrariamente ao que decidiu o Tribunal “a quo”, deve relevar-se o erro na forma do processo, dado que o articulado inicial do presente processo questiona a legalidade da liquidação de I.R.S. que consubstancia a dívida exequenda objecto do processo de execução fiscal nº….-2018/….., o qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Tavira (cfr.nºs.4 e 5 do probatório supra exarado).
Mais, de acordo com a factualidade provada (cfr.nº.5 do probatório), o pedido formulado pelo opoente no final do articulado inicial é adequado à forma de processo de impugnação. E recorde-se que o objecto material do processo de impugnação é o acto de liquidação, acto tributário em sentido estrito (cfr.artºs.5 e 89, do C.P.C.Impostos; artºs.120 e 123, do C.P.Tributário; artºs.99 e 102, do C.P.P.Tributário; artº.62, nº.1, al.a), do E.T.A.F.), dado ser esse o acto administrativo do qual resulta, com carácter definitivo e executório, a declaração do direito do Estado a um determinado quantitativo pecuniário (cfr.artºs.2 e 3, do C.P.C.Impostos; artº.18, do C.P.Tributário; artº.60, do C.P.P.Tributário).
Por último, sublinhe-se que o aproveitamento do articulado inicial para a forma de processo de impugnação se revela tempestivo (sem questionar se nos encontramos perante vício qualificável como nulidade), visto que o termo final do prazo de pagamento voluntário da liquidação que constitui a dívida exequenda ocorreu no pretérito dia 31/08/2018 (cfr.nº.1 do probatório), sendo que a p.i. deu entrada no Serviço de Finanças de Tavira em 15/10/2018, portanto, dentro do prazo consagrado no artº.102, nº.1, al.a), do C.P.P.T.
Assim sendo, “in casu”, há que concluir que se verifica a nulidade de erro na forma de processo com possibilidades de convolação, a qual obvia à rejeição liminar da petição inicial, devido a manifesta improcedência da oposição.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de direito que se consubstancia na violação do regime previsto nos artºs.102, nº.1, al.a), e 209, nº.1, al.c), do C.P.P.T., ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO;
2-REVOGAR O DESPACHO RECORRIDO E ORDENAR A BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL DE 1ª. INSTÂNCIA, para que convole os presentes autos para a forma processual de impugnação, mais se devendo conhecer dos seus fundamentos, se nenhuma outra excepção ou questão prévia a tal obstar.
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Sem custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 14 de Março de 2019



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Vital Lopes - 2º. Adjunto)