Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:207/10.2BEPDL
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:CONTRIBUIÇÕES SEGURANÇA SOCIAL
LIQUIDAÇÕES OFICIOSAS
AUTOLIQUIDAÇÕES
INEXIGIBILIDADE
Sumário:I- As contribuições para a Segurança Social resultantes da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte (autoliquidação), representando uma homologação implícita pela Administração decorrente da aceitação do pagamento do imposto, a lei permite a extração de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento, sem que haja um ato administrativo ou tributário prévio definidor da obrigação.

II-Resultando o apuramento das contribuições para a Segurança Social de ação inspetiva (liquidações oficiosas), e constando do probatório que existiu todo um procedimento administrativo de averiguações, com inerente elaboração de projeto de relatório, audição prévia, e relatório definitivo que culminou no ato de apuramento final da quantia a pagar, o qual foi notificado à Recorrente mediante carta registada com aviso de receção, com os respetivos mapas de apuramento das quantias em dívida, ter-se-á de entender que o mesmo corporiza o ato de liquidação.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I-RELATÓRIO

M....., LDA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta de Delgada, que julgou improcedente a oposição deduzida no âmbito do processo de execução fiscal nº ..... e apensos, respeitante a cobrança coerciva de cotizações e contribuições, de junho de 2007 a junho de 2009 e janeiro, fevereiro e março de 2010, cuja quantia exequenda ascende a €34.125,61.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

a)              Como resulta do probatório fixado as contribuições alegadamente em dívida e imputadas à Recorrente resultaram de uma acção de inspecção de que foi alvo, ou seja, foram liquidações oficiosas efectuadas pelos Serviços, não se estando, assim, perante uma situação de auto-liquidação.

b)              Pois que a situação regra de as contribuições resultarem de mapas de apuramento elaborados pelo próprio contribuinte não é a que ocorre aqui, na presente situação estamos perante uma hetero-liquidação sendo que assim tem vindo a ser entendido, com enorme lucidez na distinção feita, pela Jurisprudência supra citada.

c)               Assim sendo, como o é, não se afigura correcto dizer-se que por ser uma situação de auto-liquidação não faria sentido falar-se em falta de notificação à Recorrente das contribuições questionadas e não se decidiu bem porque, como supra realçado, não se está perante uma situação de auto - liquidação.

d)              E deste modo não se dispensaria tal notificação das liquidações atinentes às contribuições.

e)              Por outro lado, e como já ficou dito, o caso em apreço tem características específicas porque não está em causa uma situação de auto- liquidação mas sim uma liquidação oficiosa de contribuições para a Segurança Social.

f)               É assim manifesto que mesmo que se tratasse da denominada auto - liquidação, que não se trata, ainda assim não se dispensaria a intervenção do Centro de Prestações Pecuniárias da Horta, em sede de realização das liquidações devidas no domínio do uso dos seus poderes inspectivo se daí se partir para a notificação da liquidação das mesmas à Recorrente.

g)              Ora não ocorreu qualquer notificação à Recorrente para efectuar o pagamento das contribuições concernentes aos períodos em causa pelo que, sem a existência das mesmas, tem de se ter a pretensão tributária do Centro de Prestações Pecuniárias da Horta como inexigível, e muito menos ocorreu a sua notificação por carta registada (e ainda que se admita que não tinha de haver aviso de recepção) como é exigido pelo artigo 38° n° 1 do CPPT uma vez que as liquidações em causa seriam susceptíveis de alterar a situação da Recorrente.

h)              E assim, bem ao contrário do decido pela Douta Sentença, deverão os actos de liquidação de contribuições, como tal assumidos pelo Centro de Prestações Pecuniárias da Horta, ser declarados como inexigíveis face à Recorrente e insusceptíveis de produzir quaisquer efeitos.

i) Pois que não só tal inexigibilidade é fundamento de oposição como também é fundamento da procedência da mesma.

j) Ao assim não ter entendido violou a sentença o artigo 38° do CPPT, pelo que deve a mesma ser revogada e substituída por outra que dê provimento à pretensão da Recorrente.

Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a Douta Sentença e substituída a mesma por uma decisão que dê provimento à pretensão da Recorrente com a inerente declaração de inexigibilidade dos actos de liquidação de contribuições, tudo o mais com as consequências legais.”


***

A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. A Recorrente é executada nos processos de execução da segurança social n.º ..... e apensos, referente à falta de pagamento de Contribuições e Cotizações à Segurança Social de Junho/2007 a Junho/2009 e Janeiro, Fevereiro e Março de 2010.

2. Alega a Recorrente: “ que o relatório de inspeção e entrega oficiosa de mapas de apuramento permitiam ao Centro de Prestações Pecuniárias da Horta e extração de certidão de dívida e instauração imediata da execução sem que, previamente tivesse que ocorrer notificação da liquidação das contribuições à aqui Recorrente.”

3. Ora salvo o devido respeito, não é exatamente o que se encontra explanado na douta sentença.

4. Aliás, decorre do próprio acórdão de 28 de março de 2012 do Supremo Tribunal Administrativo citado na douta sentença recorrida que, ao contrário do que acontece com a Autoridade Tributária, a Segurança Social não está subordinada qualquer procedimento tributário próprio para a liquidação de tributos, nem é imposta por lei a notificação de qualquer acto antes da citação em processo fiscal.

5. Isto, porque as contribuições e cotizações para segurança social, mesmo comparadas a tributos, tem especificidades próprias inerentes à sua natureza.

6. Sendo uma delas a autoliquidação da obrigação contributiva, pois, é o contribuinte que entrega as folhas de remuneração, faz o cálculo e paga atempadamente a contribuição junto dos serviços da segurança social, sem para tal ser notificado.

7. Ao contrário do que a Recorrente pretende, a entrega oficiosa de declarações de remuneração apenas ocorre depois de intentado o competente processo de fiscalização e apurados os factos concretos, havendo a audiência prévia do contribuinte em que este pode apresentar a sua defesa, é de seguida notificado do projecto de relatório e ainda relatório final do qual pode sempre recorrer.

8. E apenas passados todos estas etapas não havendo pagamento voluntário é que se pode avançar para a entrega oficiosa das DRs (Declarações de Remunerações), que vão dar origem à emissão de certidões de dívida.

9. E nesta medida a entrega oficiosa das Declarações de Remunerações, no âmbito do processo de averiguação pode configurar ela própria um ato de liquidação, pois consubstancia o valor em divida.

10. Há, pois, um ato praticado pelo Centro de Prestações Pecuniárias da Horta, declarativo de uma obrigação de pagamento da quantia referente às contribuições em dívida, que a Recorrente não pode deixar de conhecer.

11. Porém o Recorrente, foi citado conforme disposto no n.º 2, do art. 191º do CPPT, através de aviso postal registado com aviso de receção que foi assinado em 12-07-2010. (conforme documentado nos autos de execução).

12. As contribuições em dívida à Segurança Social de Janeiro a Março de 2010 resultam da entrega voluntária de Declarações de Remunerações pela própria Recorrente, ou seja, em autoliquidação, não sendo, portanto, é exigível qualquer notificação para liquidação das contribuições do período de Janeiro a Março de 2010.

13. Muito embora, a Recorrente tenha impugnado a dívida de Janeiro a Março de 2010 requereu, simultaneamente, o pedido para pagamento em prestações da mesma (requerimento a fl. 67 dos autos), pelo que se contraria ao quando alega não conhecer o valor em divida.

14. A Recorrente invoca, ainda, que a inexigibilidade da dívida exequenda, como consequência da falta de notificação das liquidações.

15. Todavia, foi a mesma notificada por ofício postal registado de 18-05-2010 (com aviso de receção) pelo que não pode invocar a falta de notificação da liquidação subjacente à dívida exequenda.

16. A Recorrente ficou ciente dos seus direitos processuais, nomeadamente dos prazos para apresentar reclamação, recurso hierárquico ou impugnação contenciosa, referidos no último parágrafo da notificação e penúltimo parágrafo Relatório Final.

17. Tanto assim é, que apresentou recurso hierárquico da decisão final e anexa como documento 1 da petição da oposição, a referida notificação, logo o ato de liquidação é válido e eficaz.

18. É o próprio contribuinte que está legalmente obrigado a aplicar as percentagens legais às remunerações que paga aos seus trabalhadores (que ele é que conhece e declara).

19. Pelo que, tendo na sua posse os recibos de vencimento e balancetes que apontam para o pagamento de quantias a título de subsídio de risco, sabia e deveria ter incluído estes valores nas declarações de remunerações e efetuado o pagamento à Segurança Social, não se podendo sequer concluir pelo seu desconhecimento.

20. Assim, sempre se dirá que a liquidação das contribuições não é da responsabilidade da Segurança Social, tal ónus recai sobre as entidades empregadoras (autoliquidação), limitando-se a Segurança Social, numa fase posterior a confirmar as liquidações efetuadas.

21. A Recorrente não pode alegar a falta de notificação quando os autos demonstram o contrário.

Nestes termos e nos mais de direito, deve manter-se a sentença recorrida nos seus precisos termos, devendo a execução ser remetida ao órgão fiscal e só assim se fazendo  JUSTIÇA!.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a seguinte factualidade:

“Com relevância para a decisão a proferir dos presentes autos, julgo provados os seguintes factos:

1) Em 27 de julho de 2009, a sociedade M....., Lda., foi objeto de uma ação conjunta de inspeção efetuada pela Inspeção de Trabalho e Segurança Social (por confissão).

2) Em 3 de maio de 2010, o Centro de Prestações Pecuniárias da Segurança Social da Horta elaborou o relatório final de inspeção do processo de averiguação n.º ....., referenciado em 1), nos termos do qual se quantificaram as cotizações e contribuições devidas pela M....., Lda., nos períodos de 2007, 2008 e 2009, e de acordo com as diferenças salariais e diferenças nos pagamentos do subsídio de risco aos respetivos trabalhadores (cfr. fls. 139 e 145 do suporte físico do processo).

3) Em 6 de maio de 2010, a Diretora do Centro de Prestações Pecuniárias da Segurança Social da Horta aprovou o relatório final de inspeção do processo de averiguação n.º ....., referenciado em 2) (cfr. fls. 139 do suporte físico do processo).

4) Em dezanove de maio de 2010, a oponente teve conhecimento do ofício n.º ....., de 18 de maio de 2010, pelo qual lhe foi comunicado que teria de pagar € 30.017,02, "correspondentes a diferenças salariais apuradas no decurso de ação de inspeção conjunta com a Inspeção de trabalho", nos termos que resultavam do relatório em 2) (por confissão).

5) O ofício n.º ....., tem o seguinte teor:

"Assunto: Notificação de decisão final

Por despacho da Exma. Sra. Directora do Centro de Prestações Pecuniárias da Horta de 06 de maio de 2010, e no seguimento do ofício enviado a Vossa Exª, em relação ao facto de não ter sido considerada procedente a Vossa pretensão, relativamente á repetição da notificação, em referência ao processo mencionado em epígrafe, o Projecto de Relatório foi convertido em Relatório Final, cuja cópia se anexa, dando-se entrada oficiosa dos apuramentos anteriormente enviados, e criado o respetivo processo de dívida.

Mais se notifica de que dispõe do prazo de 15 dias para apresentar reclamação e três meses para propor recurso hierárquico de acordo com o Código de Procedimento Administrativo, sem prejuízo de impugnação judicial nos termos e nos prazos legais

Em anexo: Cópia do relatório final Cópia dos Apuramentos."

(cfr. doc. n.º 1 junto à petição inicial, a fls. 33 do suporte físico do processo, e fls. 132 verso do suporte físico do processo).

6) O escrito denominado “Cópia dos Apuramentos”, que se alude 5), foi elaborado pelo Centro de Prestações Pecuniárias, da Segurança Social da Horta, e reporta-se a diferenças salariais de trabalhadores da sociedade M....., Lda., respeitante aos anos de 2007, 2008 e 2009, o qual quantifica tais diferenças nos termos constantes de fls. 133 a 135 verso do suporte físico do processo.

7) Em 8 de julho de 2010, o Instituto de Gestão de Regimes de Segurança Social, I.P., emitiu a certidão de dívida n.º ....., referente a cotizações devidas pela sociedade M....., Lda., e respeitantes aos períodos de junho a dezembro de 2007, janeiro a dezembro de 2008, janeiro a junho de 2009 e janeiro a março de 2010, no valor global de € 10.693,62 (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).

8) Em 8 de julho de 2010, o Instituto de Gestão de Regimes de Segurança Social, I.P., emitiu a certidão de dívida n.º ....., referente a contribuições devidas pela sociedade M....., Lda., e respeitantes aos períodos de junho a dezembro de 2007, janeiro a dezembro de 2008, janeiro a junho de 2009 e janeiro a março de 2010, no valor global de € 23.431,99 (cfr. fls. 2 do processo administrativo).

9) Em 9 de julho de 2010, o Instituto de Gestão de Regimes de Segurança Social, I.P., instaurou contra a sociedade M....., Lda., os processos de execução n.º ....., referente à certidão de dívida n.º ....., e n.º ....., referente à certidão de dívida n.º ..... (cfr. fls. 1 do processo administrativo e fls. não numeradas do processo administrativo).

10) Em 12 de julho de 2010 sociedade M....., Lda., teve conhecimento dos atos de instauração do processo de execução n.ºs .....e n.º ..... (cfr. informação de fls. 2 do suporte físico do processo).

11) Em 17 de agosto de 2010, tendo por objeto o ato referenciado em 2), a sociedade M....., Lda., enviou um requerimento designado de “recurso hierárquico”, dirigido ao Sr. Presidente do Conselho Diretivo do I.S.S. (cfr. doc. n.º 3 junto à petição inicial, a fls. 48 e 49 do suporte físico do processo).

12) Em 20 de setembro de 2010, a oponente apresentou a presente oposição no Centro de Prestações Pecuniárias da Horta, a qual foi recebida em 22 de setembro de 2010 (cfr. fls. 3 e 57 do suporte físico do processo).

13) O pedido formulado na petição inicial referenciada em 12), a qual está reproduzida a fls. 14 a 30 do suporte físico do processo, é o seguinte: “PEDIDO: Em face do que vem alegado, deverá a presente oposição ser julgada procedente, determinando-se, em consequência, a extinção da execução.”

14) O Presidente do Conselho de Administração do Instituto de Gestão de Regimes de Segurança Social indeferiu o recurso hierárquico referenciado em 11), nos termos do ofício n.º ....., de 25 de outubro de 2010 (cfr. fls. 113 verso e 116 do suporte físico do processo).

15) A dívida de proveniente das contribuições e cotizações de janeiro, fevereiro e março de 2010, referenciadas em 8), 9), 10) e 11), resulta da entrega das declarações de remuneração entregues voluntariamente pela sociedade M....., Lda. (cfr. informação de fls. 4 do suporte físico do processo).


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada: “Inexistem factos não provados com relevo para a decisão a proferir.”

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A motivação da matéria de facto, fundou-se no seguinte: “[n]os documentos juntos ao suporte físico do processo e no processo administrativo. Quanto à matéria em 1), o Tribunal teve em consideração o alegado pelo oponente no ponto 11º e 29º da petição inicial, respetivamente.

Relativamente à matéria em 2), a mesma assoma do alegado em 8º da petição inicial, sendo corroborado pelo talão de aviso de receção postal constante de fls. 132 do suporte físico do processo. “


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal no âmbito do processo de execução fiscal nº .....e apensos, respeitante a cobrança coerciva de cotizações e contribuições, dos anos de 2007 a 2010, cuja quantia exequenda ascende ao valor global de €34.125,61.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Face ao exposto e atentas as conclusões das alegações do recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito ao decidir que não se verifica a falta de notificação das liquidações subjacentes ao processo de cobrança coerciva em contenda.

Vejamos, então.

A Recorrente defende que, resulta do probatório que as contribuições alegadamente em dívida resultaram de uma ação de inspeção de que foi alvo, ou seja, foram liquidações oficiosas efetuadas pelos Serviços, inexistindo, assim, uma situação de autoliquidação, e por assim ser não faz sentido evidenciar-se que não pode falar-se em falta de notificação das contribuições questionadas.

Advoga, para o efeito, que não ocorreu qualquer notificação à Recorrente para efetuar o pagamento das contribuições concernentes aos períodos em causa pelo que, os atos de liquidação em causa têm de ser declarados inexigíveis.

Dissente a Recorrida contra-alegando, para o efeito, que a Segurança Social não está subordinada a qualquer procedimento tributário próprio para a liquidação de tributos, nem é imposta por lei a notificação de qualquer ato antes da citação em processo fiscal.

Relevando, neste particular, que a entrega oficiosa das Declarações de Remunerações, no âmbito do processo de averiguação configura ela própria um ato de liquidação, pois consubstancia o valor em dívida, sendo que a mesma foi notificada por ofício postal registado, com aviso de receção, datado de 18  de maio de 2010, porquanto não pode invocar a falta de notificação da liquidação subjacente à dívida exequenda.

Acresce que as contribuições em dívida à Segurança Social de janeiro a março de 2010 resultam da entrega voluntária de Declarações de Remunerações pela própria Recorrente, ou seja, de autoliquidação, não sendo, portanto, exigível qualquer notificação para a liquidação das contribuições do período de janeiro a março de 2010.

O Tribunal a quo esteou o seu entendimento enunciando a seguinte fundamentação jurídica:

Começa por convocar o Aresto do STA, proferido n.º 0947/11, datado de 28 de março de 2012, relevando que “[n]a quantificação das quotizações e contribuições em dívida à Segurança Social não há propriamente um verdadeiro ato de liquidação desses tributos.”

Mais evidenciando que “[a] oponente teve conhecimento do relatório final de inspeção do processo de averiguação n.º ....., efetuado pelo Centro de Prestações Pecuniárias da Segurança Social da Horta. Compulsado o teor do relatório de inspeção, verifica-se que as cotizações e contribuições devidas pela oponente, nos períodos de 2007, 2008 e 2009, estão perfeitamente quantificadas.

Neste sentido, não se compreende a alegação da oponente, segundo a qual não teve conhecimento do ato de quantificação/liquidação dos tributos exigidos.

A falta de conhecimento de tal facto é desmentida, visto que em 17 de agosto de 2010, apresentou um recurso hierárquico contra o ato que a considerou devedora das contribuições cotizações, objeto de cobrança (cfr. 11) da fundamentação de facto).

Acresce que, o relatório de inspeção e a entrega oficiosa dos mapas de apuramento referenciado em 6), permitem a extração das certidões de dívida e a exigência da mesma à oponente.”

Mais adensa quanto às concretas dívidas atinentes aos meses de janeiro a março de 2010, que “[a] dívida de proveniente das contribuições e cotizações de janeiro, fevereiro de março de 2010, resulta da entrega das declarações de remuneração entregues voluntariamente pela oponente (cfr. 15).

Pelo que, também em relação a esta dívida, a exequente estava habilitada a extrair certidão de dívida e dispensada de notificar a oponente de qualquer ato de liquidação prévio.”

Vejamos então.

Ab initio, importa ter presente a natureza das dívidas visadas, e bem assim as suas concretas especificidades em termos de liquidação, mormente, liquidação oficiosa e/ou autoliquidação, convocando, para o efeito, o Aresto do STA, proferido em Plenário no âmbito do processo nº 01481/13, de 26 de fevereiro de 2014, que trata, exaustivamente, a questão e que se transcreve na parte que para os autos releva:

“[a]s contribuições para a Segurança Social são consideradas como impostos, ou pelo menos como equiparadas a impostos (Neste sentido, e sobre a natureza das contribuições para a Segurança Social vide , Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, pags. 662 e segs., Nazaré da Costa Cabral, Contribuições para a Segurança Social - Natureza de Regime e de Técnicas e Perspectivas de Evolução num Contexto de Incerteza, Cadernos do IDEFF, nº 12, ed. Almedina, J.J.Teixeira Ribeiro, anotações ao Acórdão de 24 de Janeiro de 1996, revista de Legislação e Jurisprudência, 1 de Junho de 1996, Ano 129º, nº 3863, e Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, vol. I, ed. Rei dos Livros, pag. 322.).

Como refere Casalta Nabais (ob. citada, pag. 663) trata-se de uma acepção que vem sendo admitida um pouco por toda a parte e que, no nosso regime jurídico, tem manifestações importantes traduzidas no seguinte : «1) na integração das contribuições para a segurança social no nível de fiscalidade ou carga fiscal, nomeadamente para efeitos da sua comparação internacional ; 2) na equiparação das contribuições para a segurança social aos impostos, ao menos para efeitos jurídico-constitucionais, que o mesmo é dizer em sede da constituição fiscal ; 3) na aplicação às contribuições para a segurança social das normas do procedimento e processo tributários e do regime das infracções tributárias (v. o art. 1 .º do CPPT e os arts. 1 .º, n.º 1, al. d) e 106.º e 107 .º do RGIT)”

Também a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem considerado as contribuições para a Segurança Social como impostos, desde a Constituição de 1976, e como tal sujeitas ao princípio da legalidade tributária (cfr., entre outros, os Acórdãos n ºs 183/96 e 621/99, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 23/05/1996 e 23/02/2000).

E no mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência desta secção, de que destacamos, para além dos arestos citados no acórdão fundamento, os Acórdãos de 16.06.1999, recurso 23889 e de 23.05.2007, recurso 63/07, ambos in www.dgsi.pt.

Temos pois por seguro que, em temos doutrinais e jurisprudenciais, as contribuições para a Segurança Social são consideradas, à luz do actual quadro legislativo, como impostos (pese embora com algumas peculiaridades).

Por outro lado, e como já ficou dito, o caso em apreço tem características específicas porque não está em causa uma situação de autoliquidação mas sim uma liquidação oficiosa de contribuições para a Segurança Social.

Por norma as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação.

Verifica-se nestes casos, como refere Casalta Nabais, (Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, 2010, pag. 664) reportando-se à liquidação e cobrança da Taxa Social Única, «uma autoliquidação relativamente às contribuições das entidades patronais, e uma liquidação por terceiro (liquidação em substituição) no concernente às contribuições dos trabalhadores, já que estas são objecto de retenção na fonte a título definitivo pelas entidades patronais»

Nestas situações, que têm assim um carácter de autoliquidação, a jurisprudência desta secção vem entendendo que não será aplicável o regime previsto no artº 45º da Lei Geral Tributária, o que se justifica porque «o acto da entidade emitente do respectivo título executivo (certidão de dívida) não pode ser formalmente definido como acto de liquidação, desde logo porque não está subordinado a qualquer procedimento próprio para liquidação de tributos, nem é imposta por lei a notificação de qualquer acto antes da citação em processo de execução] fiscal» - cf., neste sentido, os já citados acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14.06.2012, recurso 443/12, de 23 de Setembro de 2009, recurso n.º 436/09, e de - de 30 de Maio de 2012, recurso n.º 104/12, todos in www.dgsi.pt.

Mas nem sempre será assim.

Casos há, como o dos presentes autos, em que a liquidação é oficiosa e resulta da iniciativa da Administração em suprimento das obrigações dos contribuintes.

Com efeito o artº 33º do decreto-lei nº 8-B/2002, sob a epígrafe «suprimento oficioso das obrigações dos contribuintes» dispõe o seguinte:

«1 — Nos casos em que as entidades obrigadas a promover a respectiva inscrição como contribuinte ou a apresentar a declaração de remunerações não cumpram tais obrigações, a inscrição e a declaração de remunerações são efectuadas oficiosamente ou por solicitação de terceiro que prove ter interesse no cumprimento daquelas obrigações.

2 — A inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam são efectuados oficiosamente, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção.”

Vistos os considerandos de direito que relevam para a presente lide, regressemos ao caso sub judice.

Como se constata do acervo fático-não impugnado-, in casu, foi realizada uma ação conjunta de inspeção efetuada pela Inspeção de Trabalho e Segurança Social, tendo nessa sequência, o Centro de Prestações Pecuniárias da Segurança Social da Horta elaborado o relatório final de inspeção, dele constando expressamente o seguinte:

“2-Face ao exposto, estes Serviços de Inspecção concluíram que deverão ser objecto de apuramento os descontos não efectuados sobre as importâncias pagas a título de subsídio de risco e por outro lado sobre as diferenças de valores detectadas e também pelos valores indicados que não tinham sido objecto de incidência, relativamente à remuneração base.

3-Deve ser realçado o facto constatado, que alguns trabalhadores afirmaram que não assinavam recibos de vencimento e registos de ponto e os mesmos posteriormente apareceram devidamente assinados, incorrendo assim  os mesmos numa situação de falsas declarações.

Mais se informa que os apuramentos são elaborados no âmbito do Decreto Regulamentar Regional nº 23/2003/A, de 10 de Julho-Conteúdo  funcional Mapas I; II; e III, Decreto-Lei nº 8-B/2002 de 15 de Janeiro, aplicado à Região Autónoma dos Açores pelo Decreto Legislativo Regional nº 42/2002/A, de 23 de Dezembro, designadamente do seu artigo 33º(…)”.

Mais resultando assente que, a Diretora do Centro de Prestações Pecuniárias da Segurança Social da Horta aprovou o relatório final de inspeção do processo de averiguação n.º ....., tendo a 19 de maio de 2010, a ora Recorrente sido notificada do ofício n.º ....., mediante carta registada com aviso de receção-conforme, aliás, resulta, expressamente, do probatório e, expressamente, reconhecido pela Oponente no seu articulado inicial- pelo qual lhe foi comunicado que teria de pagar € 30.017,02, "correspondentes a diferenças salariais apuradas no decurso de ação de inspeção conjunta com a Inspeção de trabalho", porquanto o direito de audição não tinha havia sido deferido, e nessa conformidade o projeto de Relatório ter-se-ia convertido em relatório final.

Dimanando, igualmente, provado que juntamente com esse ofício foi remetido o competente relatório final e os documentos intitulados de “cópias dos Apuramentos”.

Promanando, em concreto, quanto à dívida concernente aos meses de janeiro a março de 2010, que a mesma resulta da entrega, voluntária, das declarações de remuneração por parte da Recorrente.

Ora, face ao recorte fático supra expendido e não impugnado, resulta evidente que as dívidas referentes aos anos de 2007 a 2009 coadunam-se com liquidações oficiosas, enquanto as dívidas respeitantes aos meses de janeiro a março de 2010 respeitam a autoliquidações.

Razão pela qual se impõe uma análise diferenciada e casuística.

Começando pelas dívidas respeitantes aos meses de janeiro a março de 2010, por as mesmas dimanarem de autoliquidação e coadunando-se estas com “[u]ma homologação implícita pela Administração decorrente da aceitação do pagamento do imposto[1]”, não carecem, natural e necessariamente, de qualquer notificação de um ato prévio de liquidação.

Como expendido no Aresto do STA, proferido no processo nº 0443/12, de 14 de junho de 2012:

“Nessas situações, com carácter de autoliquidação, apenas poderá configurar-se o acto de extracção da certidão confirmativa da existência da dívida como «acto de liquidação» para os efeitos previstos na alínea h) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT (Nos termos do art. 204.º, n.º 1, alínea h), do CPPT, é fundamento de oposição à execução fiscal «Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação».). Na verdade, nesses casos, não pode o contribuinte reclamar graciosamente nem impugnar judicialmente, sendo que apenas poderá questionar a legalidade do acto tributário em sede de oposição à execução fiscal (Neste sentido, o seguinte acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:)de 7 de Dezembro de 2004, proferido no processo com o n.º 749/04, publicado no Apêndice ao Diário da República de 6 de Julho de 2005 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2004/32240.pdf), págs. 1808 a 1812, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d14b5ab43579fc9780256f70005b8d00?OpenDocument..
Nessas situações, também
não é configurável a caducidade do direito à liquidação, não sendo aplicável o regime previsto no art. 45.º da LGT, o que bem se compreende porque «o acto da entidade emitente do respectivo título executivo (certidão de dívida) não pode ser formalmente definido como acto de liquidação, desde logo porque não está subordinado a qualquer procedimento próprio para liquidação de tributos, nem é imposta por lei a notificação de qualquer acto antes da citação em processo [de execução] fiscal» (Neste sentido, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 23 de Setembro de 2009, proferido no processo com o n.º 436/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Novembro de 2009 (
http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32230.pdf), págs. 1360 a 1363, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2b343993a31b023e80257640003c5daf?OpenDocument;
- de 30 de Maio de 2012, proferido no processo com o n.º 104/12, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/08f3ee604c9d250c80257a150054ee84?OpenDocument..” (destaques e sublinhados nossos).

Ora, face ao supra expendido, tendo as aludidas dívidas exequendas sido apuradas mediante entrega, voluntária, das declarações à Segurança Social, nas quais, como visto, inexiste ato administrativo ou tributário prévio definidor da obrigação, não assiste razão à Recorrente, improcedendo, nessa medida, a oposição à execução fiscal instaurada com fundamento na inexigibilidade por falta de notificação da liquidação previamente à instauração da execução fiscal, confirmando-se, nessa medida, a manutenção das aludidas dívidas exequendas como decidido pelo Tribunal a quo.

Atentemos, ora, nas remanescentes dívidas, como visto, respeitantes a liquidações oficiosas e respeitantes aos períodos de 2007 a 2009.

Do acervo probatório, e aliás, expressamente, reconhecido pela Recorrente na sua p.i., existiu todo um procedimento administrativo de averiguações, com inerente elaboração de projeto de relatório, audição prévia, e relatório final que culminou no ato de apuramento final da quantia de €30.017,02, o qual foi notificado à Recorrente mediante carta registada com aviso de receção, mediante ofício nº ....., datado de 18 de maio de 2010, e que integrava os respetivos mapas de apuramento das quantias em dívida.

Ora, tendo tal ato materializado a quantia de que era devedora e a pagar, e sendo acompanhado do respetivo relatório definitivo e respetivos mapas de apuramento, entende-se que corporiza o ato de liquidação.

Aliás, atentando no articulado inicial, é a Recorrente que expressamente reconhece, designadamente, no seu artigo 8.º que: “A ora Oponente foi notificada em 19 de Maio de 2010, por carta registada com aviso de recepção, de que por despacho (…) terá a pagar à Segurança Social €30.017,02 (…) correspondentes a diferenças salariais apuradas no decurso de acção de inspecção conjunta (…)”, tendo, inclusive e nessa sequência, reagido mediante interposição do competente recurso hierárquico.

Neste particular, convoque-se, designadamente, o Aresto do TCA Norte, proferido no processo nº 00470/10, de 06 de junho de 2019, o qual doutrina, designadamente, que: “[o] acto de liquidação é o acto tributário que determina o quantum da obrigação tributária, atento o teor do Relatório Final, bem como do despacho que o sancionou, dúvidas não subsistem que a quantificação da obrigação contributiva resulta do acto final da acção inspectiva, porquanto, foi naquele acto que se determinou que a Impugnante é devedora à Segurança Social do montante de € 113.375,47.”

No mesmo sentido, vide o recente Aresto deste Tribunal prolatado no processo nº 98/17, de 15 de abril de 2021 que, neste concreto particular, decidiu que: “[i]mpõe-se relevar como data da notificação das liquidações exequendas à entidade contribuinte/ empregadora (oponente e ora recorrida) a de 06/10/2011, que corresponde à comunicação que lhe foi feita pela segurança social do apuramento do montante de € 3.789.646,34 de contribuições em falta.”

Face ao supra aludido, e sem necessidade de outros considerandos, a sentença recorrida, que assim o decidiu, não merece censura.

Destarte, não se mostrando violadas quaisquer das disposições legais citadas pela Recorrente, improcede, na íntegra, o recurso sendo de manter a decisão recorrida.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 29 de abril de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires


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[1] Conforme evidenciado no já citado Aresto do Pleno e bem assim, entre outros, no Acórdão do STA, proferido no processo nº 0220/14, de 28.05.2014.