Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1930/19.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/21/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:ASILO;
PEDIDO INFUNDADO.
Sumário:I. O n.º 1 do artigo 3º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Diretivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro, tal como no 1º parágrafo da Secção A, do art.º 1.º da Convenção de Genebra, referente ao estatuto dos refugiados, prevê quanto aos requisitos para a concessão do direito de asilo que o requerente: (i) seja estrangeiro ou apátrida; (ii) seja objeto de perseguição em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana e (iii) se sinta gravemente ameaçado em consequência da atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual pelos motivos referidos no ponto anterior.

II. Não se extraindo das declarações da requerente do pedido de asilo que a mesmo seja objeto de perseguição ou que se sinta gravemente ameaçada, não foram alegados factos que permitam fundar o pedido de asilo, à luz do n.º 1 do art.º 3º da Lei n.º 27/2008.

III. Do mesmo modo, quanto ao disposto no n.º 2 do art.º 3º da citada Lei, por não se mostrar alegado que a Requerente possua o fundado receio de ser perseguida em virtude da raça, da religião, da nacionalidade, de opiniões políticas ou de integração em certo grupo social e que não possa ou não queira voltar, em virtude desse receio, ao Estado da sua nacionalidade ou residência.

IV. Das declarações prestadas pela Requerente não se pode retirar que a mesmo tenha sido ameaçada ou receie ser perseguida, para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias, ao abrigo do artigo 7º da Lei n.º 27/2008.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

S………………., nacional da República Democrática do Congo, devidamente identificada nos autos de ação administrativa urgente instaurada contra o Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 19/11/2019, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a ação improcedente, absolvendo a Entidade Demandada do pedido de impugnação da decisão que recusou o pedido de asilo e de proteção subsidiária, por o pedido ser infundado, devendo ser proferida nova decisão, nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, de proteção subsidiária e, em consequência, a autorização de residência por razões humanitárias, realizando as diligências probatórias que entender necessárias.


*

Formula a Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“I. O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença que decidiu julgar improcedente a acção administrativa para impugnação da decisão proferida, pela Excelentíssima Senhora Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, datada de 27/09/2019, que não admitiu o pedido de protecção internacional formulado pela aí Requerente, ora Recorrente, por o considerar infundado, absolvendo assim a Entidade Demandada - Ministério da Administração Interna - do pedido.

II. A sentença veio então concluir que:

As declarações da requerente não se mostram credíveis porquanto o seu relato é completamente genérico, sem qualquer pormenor que permita criar a convicção de que viver efectivamente algum tipo de perseguição ou ameaça.

Além do que as suas declarações são contraditórias relativamente à criança que a acompanha. Primeiro disse ser sua mãe e, mais tarde, veio dizer ser sua avó.

Todavia, da matéria de facto provada resulta que a criança não tem qualquer parentesco com a requerente, o que é bem demonstrativo da sua falta de credibilidade.

Acresce que, já no aeroporto de Lisboa, apenas pediu asilo depois de lhe ter sido recusada a entrada em território nacional (por não ter documentos válidos).

A requerente ao não solicitar imediatamente asilo em Portugal revelou uma postura que não é própria de quem necessita de protecção internacional.

Da análise das declarações da requerente resulta um quadro de alguém que sai do seu país motivado por razões económicas.

O que denota que a requerente tenha apresentado pedido de protecção internacional com o propósito de tentar obter melhores condições de vida.

Não se verificam, pelos motivos expostos, a violação do princípio do “non refoulement” consagrado no artigo 33º, nº 1, da Convenção de Genebra de 1951, conjugado com os preceitos do artigo 3º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Trata-se, portanto, de um pedido de protecção internacional inadmissível por infundado (cfr. artigo 19º, nº 1, alínea e), da Lei nº 27/2008).

III. Para a decisão de dar como provados os factos aí constantes, serviram os elementos expressamente indicados em cada um dos pontos do probatório, ou seja, e basilarmente, o Processo Administrativo apenso aos autos.

IV. O Tribunal a quo considerou então essencial, na sua fundamentação e para formular posteriormente a decisão:

- Que a ora Recorrente alega ter deixado o seu país de origem por causa de um evento relacionado com o seu marido que trabalhava nas finanças, de onde terá desaparecido dinheiro. Na sequência do qual um grupo de militares vestidos à civil terá levado o seu marido e voltado à sua casa à procura do dinheiro. Pensa que o marido foi morto e tem medo que a matem também.

- Que, sendo certo, que a natureza pública dos direitos invocados e a feição universalista que assumem, centrada na pessoa humana, podem permitir que nos processos em que está em causa o direito de asilo, se mitigue o ónus probatório que recai sobre o requerente do asilo, atendendo às especiais condições e circunstâncias em que os pedidos são formulados. A razão de ser do princípio da mitigação do ónus probatório reside no facto de, em grande parte dos casos, dificilmente ser possível a um refugiado provar todos os factos relativos ao seu caso.

- Que as declarações da Recorrente não se mostram credíveis porquanto o seu relato é completamente genérico, sem qualquer pormenor que permita criar a convicção de que viver efectivamente algum tipo de perseguição ou ameaça.

- Que as declarações da Recorrente são contraditórias relativamente à criança que a acompanha. Primeiro, por ter dito que era mãe da criança e, mais tarde, disse ser sua avó. Porém, da matéria de facto provada resulta que a criança não tem qualquer parentesco com a requerente, o que será demonstrativo da sua falta de credibilidade.

- Que, a Recorrente apenas no aeroporto de Lisboa, pediu asilo depois de lhe ter sido recusada a entrada em território nacional.

V. Mas, o douto Tribunal recorrido, ao manter e confirmar na íntegra a decisão do Director Nacional Adjunto do SEF, devidamente impugnada, cometeu erro de julgamento violando preceitos legais com os quais se deveria conformar, nomeadamente o disposto nos Artigos 2.º, n.º 1, al. n), iii) e al. v), 3.º, 5.º, 6.º e 7.º da Lei n.º 27/2008 de 30.06, os artigos 33.º da Convenção de Genebra e 14.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, e o n.º 2 do artigo n.º 8 da Constituição da República portuguesa.

VI. O Recorrente declarou desde logo e peremptoriamente que tinha fugido da RDC, por causa do seu marido. Porquanto, o seu falecido marido, na altura do antigo Senhor Presidente Kabila, e antes das eleições, renunciou ao seu trabalho, que era nas finanças, por ter havido o desaparecimento de dinheiro daquele serviço, e ele não queria vir a ser relacionado com o referido desaparecimento e então, decidiu não trabalhar mais naquele serviço.

VII. Foi ainda peremptória ao afirmar que caso regressasse ao seu país, seria morta pelas mesmas pessoas que mataram o seu marido.

VIII. O SEF, veio também dizer que as declarações do requerente, nos pontos fulcrais para a apreciação dos seus fundamentos e nos quais baseia o seu pedido, o seu relato foi apresentado de forma subjectiva, realizado sem qualquer detalhe, e, sobretudo, sem qualquer coerência, face aos factos que apresenta como fundamento do pedido de protecção internacional e para concluir tal estriba-se fundamentalmente em que a requerente, ora Recorrente, referiu ter saído de Kinshasa a conselho de amigos do seu falecido marido, pois o grupo que matou o seu marido iriam regressar para a matar.

IX. Pois assentando nestes factos, que dizem indubitavelmente respeito à pessoa da então requerente, avaliando-os pelos padrões de um homem médio e não em termos meramente subjectivos, foi errónea a conclusão, já que sob aqueles padrões normais, não podia ter-se considerado estranho, e, mormente, apto então a condicionar a decisão, que alguém que, acompanhado do seu neto, menor, inusitadamente, tome conhecimento de uma situação gravíssima, como saber que é perseguido até à morte por algo que desconhece, procure rumar até a um local, também seguro, e aí recomeçar uma vida nova longe do terror, temor que é o medo de perder a vida do seu neto e a sua própria vida.

X. Na Informação do GAR é basicamente dito que o relato do requerente fora efectuado sem o detalhe e o envolvimento emocional expectável quando associado à vivência de factos da natureza dos descritos, e que fosse assim passível, esse “envolvimento”, de revelar uma relação entre o risco de a sua vida, e a do seu neto, sofrer ofensa grave e a sua permanência na Europa e consequente pedido de protecção internacional.

XI. Foi feito pois uso de um critério puramente subjectivo para averiguar da credibilidade das declarações prestadas, quando estas são coerentes e plausíveis quando, e é isso tão-só que demanda o Manual do ACNUR, analisadas face à generalidade dos factos conhecidos.

XII. Ora, o fundamento racional e legal para o pedido existe, não competindo ao examinador efectuar juízos de prognose quanto ao estado de espírito, calma, distanciamento ou outros, exceptuando se demonstrasse que o estava a efectuar no âmbito de competências técnicas reconhecidas para o efeito, o que não foi o caso.

XIII. É na conjugação dos conceitos de actos de perseguição e ofensa grave (artºs. 5º e 7º Lei 27/2008) com a concreta realidade factual vigente no País de origem do estrangeiro (artºs. 3º nº 1 e 7º nº 1 Lei 27/2008), que assenta o juízo conclusivo sobre a coerência, credibilidade e suficiência do relato de factos pessoais carreados para o procedimento pelo requerente do pedido de asilo/protecção subsidiária, em ordem a demonstrar a impossibilidade de regressar ao país de origem alegada, o que, não tendo sido feito, optando-se antes por uma valorização subjectiva relativa à forma como o então requerente se apresentou a relatar os factos, importou assim na violação desses preceitos.

XIV. Efectivamente a lei atribui ao requerente o ónus da prova dos factos que alega no tocante aos pedidos de asilo ou, subsidiariamente, de autorização de residência por protecção subsidiária, e para tanto, exige-se-lhe um relato coerente, credível e suficientemente justificador do sentimento de impossibilidade de regressar ao seu país de origem, o que os factos apurados permitem concluir existir, contrariamente ao assim entendido, por erro de julgamento, desde logo pela coerência da narração e credibilidade dos motivos que são apresentados como justificativos da medida de protecção.

XV. Isto porque o requerente após narrar aos examinadores o que aconteceu, mais relatou então com todo o rigor o que viria a despoletar a sua perseguição pela polícia, e assim o que causara medo na Recorrente.

XVI. O examinador não podia ter considerado que o relato da então requerente não era credível se, e como demanda o manual de procedimentos do ACNUR no ponto 204, tivesse analisado tal (relato) face à generalidade dos factos conhecidos.

XVII. A então autora, não podia ter feito tábua rasa de todo o sucedido, e na sua petição alegou, todas as razões bastantes para provar todo o medo e pavor de regressar ao país de origem.

XVIII. Aplicando-se pois devidamente o disposto no artº 18º nº 4 c) Lei 27/2008, só podia ter-se concluído pela existência de informação disponível, que abona(va) em favor da credibilidade e consistência dos factos relatados pela Recorrente.

XIX. O Tribunal a quo ao não considerar, na douta sentença, e sem motivo algum, a precisa informação vertida na PI, e PA, que demonstram bem a violência que a Recorrente, agora, face à perseguição que lhe virá a ser movida, receia em absoluto, errou no julgamento violando assim, e pelo menos, o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, als. n), iii) e v) da Lei n.º 27/2008, bem como o princípio de direito de asilo internacional o “princípio de não repulsão ou non-refoulement”, consagrado no artigo 33.º da Convenção de Genebra.

XX. O receio de perseguição, atenta a exigência legal da respectiva razoabilidade, implica que o mesmo se não reduza a uma mera condição subjectiva (estado de espírito da Recorrente), devendo antes de facto fundar-se numa situação ou realidade fáctica de carácter objectivo, normalmente (em termos de homem médio) geradora de tal receio.

XXI. Pois alguém que, como a Recorrente, e que sabe que a polícia começou a procurá-la precisamente por ter desaparecido dinheiro do local de trabalho do seu falecido marido, sabe que logo que regresse ao país de origem será feita prisioneira, com grande probabilidade de vir a ser morta.

XXII. Ora a Recorrente, que é procurada pela polícia/ grupo de militares que matou o seu marido e receia ali regressar sob pena de poder sofrer ofensa grave, ou mesmo a morte.

XXIII. A Recorrente, enquanto nacional da RDC, não pode pois voltar ao seu país de origem atendendo quer à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifica, quer por correr um risco de sofrer ofensa grave na acepção do artigo 7º Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, alterada pela Lei N.º 26/14, de 5 de Maio, (pena de morte ou execução, tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante, ameaça grave contra a vida ou a integridade física resultante de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos).

XXIV. A Recorrente demonstrou, claramente, com fundamento, o seu receio de perseguição por parte das autoridades policiais e também militares, em virtude do já acima referido, e melhor alegado na PI apresentada, bem como nas declarações prestadas à Entidade Recorrida, actos assim previstos na al. a) do n.° 2 do art.° 5.° da Lei n.° 27/2008.

XXV. No entanto, considera a Informação nº 1689/GAR/2019 que "...afigura-se que o presente caso não é elegível para protecção subsidiária, por incorrer na alínea e) do n° l, do artigo 19°, da Lei n" 27/2008 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei n° 26/2014 de 05.05. ".

XXVI. Ora o pedido de protecção internacional é infundado quando se verifique que "Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para protecção subsidiária".

XXVII. Pois, a A., pelo contrário, apresentou um relato credível, fundamentando sim claramente o seu receio de perseguição por parte do grupo militar, e polícia, por quem está a ser procurada apenas porque aquelas pessoas, erradamente, acreditam que a Recorrente sabe onde estará um dinheiro desaparecido, no entanto, sem que tal corresponda à verdade, existindo desse modo evidente risco de vir a sofrer uma ofensa grave, caso seja forçado a retornar à República Democrática do Congo.”.

Pede que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada, anulando-se o ato administrativo impugnado, ordenando-se o deferimento do pedido de asilo requerido pela Autora ou, subsidiariamente, a autorização de residência por proteção subsidiária.


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O Recorrido não contra-alegou o recurso, nada tendo dito ou requerido.

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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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O processo vai sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, indo à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, em violação dos artigos 2.º, n.º 1, alíneas n), iii) e v), 3.º, 5.º, 6.º e 7.º da Lei n.º 27/2008, artigos 33.º da Convenção de Genebra e 14.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o artigo 8.º, n.º 2 da CRP.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:

“A) A requerente apresentou-se no Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa em 18/9/2019 proveniente de Casablanca, Marrocos, acompanhada de um menor, ambos com passaportes do Senegal, fraudulentes, cfr. p.a., apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

B) Foi recusada a entrada em território nacional à requerente pelo facto de não apresentar documento de viagem válido e reconhecido para entrar em território nacional, cfr. p.a., apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

C) A requerente apresentou pedido de protecção internacional às autoridades portuguesas, cfr. p.a., apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

D) A requerente prestou declarações ao SEF, acompanhada de intérprete, sem a presença do seu advogado, cfr. p.a., apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

E) Em 27/9/2019, o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF elaborou a Informação nº 1689/GAR/19, cfr. p.a., apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na qual consta, designadamente, o seguinte:


«imagens no original»


F) Na mesma data, a Directora Nacional do SEF proferiu decisão onde consta designadamente o seguinte, cfr. p.a. apenso aos autos:


«imagem no original»


G) Foram efectuados testes de ADN à requerente, cujos resultados demonstram não existir qualquer relação de parentesco entre a requerente e o menor que a acompanha, cfr. exame pericial constante do p.a., em apenso aos autos.

H) O Dr. J……………….., mandatário da requerente, à data, foi informado, em 23/9/2019, de que a requerente iria ser ouvida em declarações no âmbito do seu pedido de protecção internacional no dia 25/9/2019, cfr. p.a., apenso aos autos

I) Em 2/10/2019 foi nomeado um patrono oficioso à requerente, cfr. doc. junto ao r.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

Motivação da matéria de facto

O tribunal assentou a sua convicção nos documentos juntos aos autos e no processo administrativo em apenso, conforme referido em cada alínea do probatório.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional.

Erro de julgamento de direito, em violação dos artigos 2.º, n.º 1, alíneas n), iii) e v), 3.º, 5.º, 6.º e 7.º da Lei n.º 27/2008, artigos 33.º da Convenção de Genebra e 14.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o artigo 8.º, n.º 2 da CRP

Vem a Autora a juízo interpor recurso da sentença recorrida, dirigindo o erro de julgamento, por violação dos artigos 2.º, n.º 1, alíneas n), iii) e v), 3.º, 5.º, 6.º e 7.º da Lei n.º 27/2008, artigos 33.º da Convenção de Genebra e 14.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o artigo 8.º, n.º 2 da CRP.

Sustenta que a Recorrente declarou logo e de forma perentória que tinha fugido do seu país de origem por causa do seu marido e foi ainda perentória a afirmar que caso regressasse ao seu país seria morta pelas mesmas pessoas que mataram o seu marido.

Entender ser errónea a apreciação das declarações da Autora pelo SEF, tendo sido feito uso de um critério puramente subjetivo para averiguar a credibilidade das declarações prestadas, antes sendo as mesmas coerentes e plausíveis.

Alega que não cabe ao examinador efetuar juízos de prognose quanto ao estado de espírito, calma, distanciamento ou outros, excetuando se demonstrasse estar a efetuar tais juízos no âmbito de competências técnicas reconhecidas para o efeito, o que não foi o caso.

A lei atribui ao requerente o ónus da prova dos factos que alega no tocante aos pedidos de asilo e de proteção subsidiária, sendo exigível um relato coerente, credível e suficientemente justificados do sentimento de impossibilidade de regressar ao seu país de origem, o que, entende a Recorrente, os factos apurados permitem concluir existir, por existir coerência na narração e credibilidade dos motivos.

Por isso, entende a Recorrente que a Entidade Demandada não podia fazer tábua rasa de toda as declarações da requerente, tendo sido alegadas razões bastantes para provar todo o medo e pavor de regressar ao seu país de origem e que demonstram a violência da perseguição que irá ser movida.

Invoca que não pode voltar ao seu país de origem, atendendo quer à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifica, quer por ocorrer um risco de sofrer ofensa grave na aceção do artigo 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06.

Vejamos.

A ora Recorrente vem imputar o erro de julgamento de direito à sentença recorrida, conformando-se com o julgamento da matéria de facto, pelo que, será com base nos factos concretamente apurados na sentença recorrida que procederá à análise das questões invocadas no presente recurso.

Nos termos dos factos demonstrados em juízo, a ora Recorrente apresentou-se no Posto de Fronteira do aeroporto de Lisboa, acompanhada de um menor, proveniente de Casablanca, Marrocos, com passaportes do Senegal.

Foi recusada a entrada em território nacional por não apresentar documento de viagem válido e reconhecido para entrar em território nacional, tendo sido apresentado pedido de proteção internacional às autoridades portuguesas.

Prestadas declarações perante as autoridades nacionais, a requerente afirmou que a criança que viajava consigo é seu neto, tendo a sua filha falecido ao dar à luz e o pai da criança não o conhecer.

No entendo, como decorre do teor da alínea E) do julgamento da matéria de facto, extrai-se que a requerente começou por afirmar perante as autoridades do aeroporto que a criança era seu filho e que a gravidez era um milagre divino, porque fora mãe em idade avançada, porque tomou chás especiais para esse efeito.

Justificou a Requerente essas suas afirmações com uma crise de tensão alta, que caiu e que teve perda de memória, pelo que, naquele momento estava com perda de memória e não reconhecia nada.

Alegou que depois já no centro teve outra crise e que respondia outra coisa que não tinha nada a ver com as perguntas.

Quando chegaram os médicos já havia recuperado a memória.

Sobre a sua história de vida, informou ter nascido e sempre vivido em Kinshasa e que queria ir ter com a sua filha, a França, mas não sabe onde ela vive.

As pessoas que a ajudaram a vir para Portugal disseram que primeiro iria procurar ajuda em Portugal e depois mais tarde poderia ir ter com a sua filha, embora não tenha contacto com a sua filha.

Sobre o percurso realizado até chegar a Portugal, alegou a Requerente que saiu do seu país de origem um mês depois de o seu marido morrer, no final de 2018 e foi para o Senegal de avião com o seu neto, onde ficou até vir para Portugal.

Os passaportes senegaleses foram arranjados pelas pessoas que a ajudaram.

Sobre as razões que a levaram a sair do seu país de origem, alegou a Requerente que saiu da República Democrática do Congo por causa do seu marido, pois ele trabalhava nas Finanças, mas renunciou ao trabalho pois houve desaparecimento de dinheiro e depois de já ter renunciado, um grupo de militares vestidos à civil foram a casa prender o seu marido, tendo-o levado e nunca mais o viu.

Uns dias depois voltaram a sua casa para ver se encontravam o dinheiro que tinha desaparecido e depois foram embora.

Dias depois, uns amigos do marido disseram à Requerente para fugir porque a polícia iria voltar para a matar, por pensar que tinha o dinheiro.

Nesse dia, a Requerente alega ter saído de casa ter ido para casa de um colega do marido em Kinshasa, sendo ele quem arranjou a passagem para sair e ir para o Senegal.

Mais alegou a Requerente não existir qualquer outro motivo para ter saído do seu país.

Sobre os motivos do receio para regressar ao seu país, alegou a Requerente que irá ser morta pelas pessoas que mataram o seu marido, tendo sabido da morte pelos colegas do seu marido.

Questionada se tentou saber junto da Policia ou do Tribunal sobre o seu marido, a requerente respondeu que foi a muitas esquadras em Kinshasa e também à prisão de Makala, mas não estava lá.

Sendo esse o relato factual prestado pela Requerente, foram apreciadas as declarações da Requerente em termos que consideraram infundado o pedido de proteção apresentado, decisão que foi mantida pela sentença recorrida.

Em face do relato factual apresentado pela Requerente de proteção internacional, que é mantido na presente ação, não existem elementos para considerar fundada a pretensão de concessão de proteção internacional, quer a respeito do pedido de asilo, quer no que concerne ao pedido de proteção subsidiária, de autorização de residência por razões humanitárias.

Não tem fundamento o erro de julgamento de direito imputado contra a sentença recorrida, tendo a mesma procedido a uma correta apreciação dos factos e à sua respetiva subsunção nos normativos de direito aplicáveis.

A versão dos factos apresentada pela Requerente não é de molde a permitir fundar o perigo de vida, nem o risco de perseguição, que ponham em causa a vida ou a integridade física da Requerente de proteção internacional.

Além de o relato se mostrar insuficiente, por não ser apresentado um qualquer risco sério ou real de que a Requerente tenha saído do seu país por se sentir ameaçada, também não se apresenta suficiente o relato acerca do receio em regressar ao seu país de origem.

A Requerente limita-se a invocar que certos homens foram a sua casa, nunca tendo alegado que a tenham ameaçado, nem ter alegado que a tenham perseguido.

Por isso, em nenhum momento a Requerente afirmou perante as autoridades nacionais factos que visem demonstrar os pressupostos da proteção internacional, nos termos previstos no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 da lei n.º 27/2008, de 30/06, de que seja vítima de perseguição ou gravemente ameaçada de perseguição por motivos descritos na lei e, nem ainda, pelo receio de perseguição não possa voltar ao Estado da sua nacionalidade ou residência habitual.

Do mesmo modo, no tocante ao disposto no artigo 7.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 27/2008, de 30/06, por em nenhum momento a Requerente alegar uma situação passível de ser caracterizada como de violação sistemática dos direitos humanos ou de correr o risco de ofensa grave, impossibilitando o seu regresso ao país de origem, por nada alegar nesse sentido.

Nem para a cidade em que se encontrava a residir ou sequer para uma outra qualquer região do país, sendo que nenhuns factos são afirmados pela Requerente que conduzam a que se encontre impedida de regressar, por em nenhuma circunstância ter alegado ter sido perseguida ou ameaçada.

Neste sentido não se verifica apenas a falta de credibilidade do relato factual apresentado pela Requerente, como o que decorre da discrepância entre as declarações prestadas no aeroporto e durante a entrevista realizada, mas também não serem alegados suficientes que permitam fundar o risco de perseguição ou de ameaça, que impeçam a Requerente de regressar ao seu país e justificando a proteção internacional requerida.

A que acresce a factualidade resultante do teor da alínea G) do julgamento da matéria de facto, que atesta que efetuados testes de ADN, os resultados permitem demonstrar não existir qualquer relação de parentesco entre a Requerente e o menor que a acompanha.

No caso, não se trata apenas de o relato da Requerente de proteção internacional ser inverosímil ou não credível de modo a sustentar as pretensões deduzidas, mas antes não ser apresentado qualquer relato que permita extrair quaisquer factos atinentes ao risco de não querer regressar ao país de origem.

Não existe nenhuma ameaça pessoal alegada e muito menos suficientemente concretizada de facto, que permita sustentar o receito pessoal e nem ainda, que essa ameaça seja dirigida contra a pessoa da Autora.

O julgamento a que procedeu o Tribunal a quo afigura-se correto, quer em face do teor das declarações da Requerente do pedido de asilo, quer nos termos em que vem a juízo, não se sendo de subsumir as circunstâncias de facto apuradas à tutela do direito de asilo, por não se encontrar concretizada qualquer situação de perseguição ou de ameaça de perseguição da pessoa da Autora do ponto de vista objetivo.

A Autora não produziu declarações que permitam extrair que vá ser perseguida caso regresse ao seu país de origem e, nem ainda, que esteja impossibilitada de regressar.

Assim, não é possível extrair das próprias declarações da interessada qualquer ato ou situação individual e pessoal concretizado de perseguição em que a sua vida tenha sido efetivamente ameaçada, não se encontrando violadas as disposições dos artigos 3.º e 7.º da Lei de Asilo, invocadas pela Recorrente no presente recurso.

Por isso motivo, mostra-se corretamente enquadrado o pedido de proteção da Requerente no disposto no artigo 19.º, n.º 1, e) da Lei de Asilo.

Assim, a interpretação e aplicação do direito aos factos apurados – com especial relevo para o teor das declarações prestadas –, nos exatos termos analisados, traduz um julgamento que não se apresenta contrário aos artigos 33.º da Convenção de Genebra e 14.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o artigo 8.º, n.º 2 da CRP, de resto meramente invocados pela Recorrente.

Tal como decidido no Acórdão deste TCAS n.º 10920/14, de 20/03/2014: “Prevê o nº 1, do artº 3º da Lei nº 27/2008, de 30/06, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Directivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro, tal como no 1º parágrafo da Secção A, do artº 1º da Convenção de Genebra, referente ao estatuto dos refugiados, os requisitos para a concessão do direito de asilo, a saber, que o requerente: (i) seja estrangeiro ou apátrida; (ii) seja objecto de perseguição em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana e (iii) se sinta gravemente ameaçado em consequência da actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual pelos motivos referidos no ponto anterior.”.

Tais requisitos não se verificam no caso concreto, nos termos em que o revelam a matéria de facto dada por assente, baseada nas declarações da Requerente.

Assim, nenhuma razão assiste à ora Recorrente, devendo ser julgadas improcedentes todas as conclusões do recurso.


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Termos em que, nos termos e com as razões antecedentes, será de negar provimento ao recurso, não assistindo razão à Recorrente quanto aos fundamentos do recurso em análise, mantendo-se a sentença recorrida.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O n.º 1 do artigo 3º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Diretivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro, tal como no 1º parágrafo da Secção A, do art.º 1.º da Convenção de Genebra, referente ao estatuto dos refugiados, prevê quanto aos requisitos para a concessão do direito de asilo que o requerente: (i) seja estrangeiro ou apátrida; (ii) seja objeto de perseguição em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana e (iii) se sinta gravemente ameaçado em consequência da atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual pelos motivos referidos no ponto anterior.

II. Não se extraindo das declarações da requerente do pedido de asilo que a mesmo seja objeto de perseguição ou que se sinta gravemente ameaçada, não foram alegados factos que permitam fundar o pedido de asilo, à luz do n.º 1 do art.º 3º da Lei n.º 27/2008.

III. Do mesmo modo, quanto ao disposto no n.º 2 do art.º 3º da citada Lei, por não se mostrar alegado que a Requerente possua o fundado receio de ser perseguida em virtude da raça, da religião, da nacionalidade, de opiniões políticas ou de integração em certo grupo social e que não possa ou não queira voltar, em virtude desse receio, ao Estado da sua nacionalidade ou residência.

IV. Das declarações prestadas pela Requerente não se pode retirar que a mesmo tenha sido ameaçada ou receie ser perseguida, para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias, ao abrigo do artigo 7º da Lei n.º 27/2008.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida.

Sem custas – artigo 84º da Lei n.º 27/2008, de 30/06.

Registe e Notifique.

(Ana Celeste Carvalho - Relatora)



(Carlos Araújo)



(Ana Pinhol)