Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:20011/16.3BCLSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/16/2017
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
DESTITUIÇÃO DE ÁRBITRO
Sumário:I - Nos sistemas jurídicos democráticos de matriz romano-germânica, o que enquadra a atividade económica onerosa da arbitragem jurídica voluntária é (i) o prestígio jurídico dos membros do tribunal “ad hoc”, (ii) a necessidade de rapidez ou discrição e (iii) a capacidade de pagar por essa especial rapidez ou discrição.

II - O Estado português e o Direito português da arbitragem jurídica nacional não se regem por meras diretrizes e usos privados da arbitragem internacional ou de entidades, de sociedades, de mercados e de ordens jurídicas anglo-saxónicas e de “common law”.

III - Os árbitros portugueses, na sequência da LAV de 2011, já não estão sujeitos às mesmas regras de imparcialidade e impedimentos que o Direito nacional prevê para os juizes-magistrados estaduais; tratou-se de uma alteração intencional do legislador de 2011; logo, a abordagem à imparcialidade e à independência dos árbitros indicados pelas partes nunca pode ser semelhante à que é feita em relação aos juizes magistrados do Estado; por uma impossibilidade simultaneamente legal, lógica e natural; aliás, a atual legislação relativa às garantias da imparcialidade e independência dos árbitros é reduzida e vaga;

IV – Assim, na arbitragem voluntária que envolva interesses e dinheiros públicos, apesar da acrescida necessidade de transparência decorrente do interesse público e da boa gestão de dinheiros públicos, o paradigma é o da “justiça privada”, isto é, o da “cultura da arbitragem jurídica privada”, condicionada superlativamente pelas (i) partes e (ii) “seus” árbitros; isso sem embargo de uma (iii) inerente ética “profissional” dos coárbitros designados pelas partes e (iv) da existência do árbitro-presidente que independe, à partida, da vontade das partes, mas sempre (v) no contexto de um mercado concorrencial de arbitragem jurídica sujeito sobretudo ao Direito privado;

V - É esse o paradigma legal, mesmo quando estão em causa dinheiros públicos e o interesse público; afinal, também nestes casos a arbitragem jurídica voluntária é uma atividade económica (i) privada e (ii) onerosa que, numa filosofia económica neoliberal infraconstitucional, pode permitir (iii) a obtenção de mais rendimentos privados a partir do erário público e (iv) de mais despesa pública (v) sem a transparência e responsabilização hoje inerentes ao exercício dos poderes públicos.

VI – E é no contexto desse paradigma da “justiça privada”, assente sobretudo no prestígio dos árbitros e na autojustificação da arbitragem voluntária, que se justifica que os árbitros tenham o dever de revelar todos os factos e circunstâncias relevantes que possam fazer surgir dúvidas objetivas e sérias quanto à sua independência e imparcialidade (artigo 13º da LAV de 2011).

VII - Na destituição de um árbitro, com fundamento naquelas fundadas dúvidas acerca da sua independência (realidade objetiva, assente sobretudo na indiferença financeira) e ou imparcialidade (realidade sobretudo subjetiva, que remete para um decisor respeitador do “acquis” provado no processo) – artigo 14º da LAV de 2011, o tribunal estadual fará uma reapreciação dos factos invocados pela parte ante o tribunal arbitral e que surjam como provados.

VIII - O critério decisório para aferir da violação do dever de revelação e ou da existência das “fundadas dúvidas” é um critério objetivo, supra-partes, tendo-se presente o caso concreto; deve utilizar-se uma bitola objetiva, de normalidade, de experiência e de racionalidade, no contexto de cada caso concreto; assim, a perspetiva relevante para a decisão do tribunal arbitral “ad hoc” e para a decisão do tribunal estadual deve ser, não a de um participante, mas a de um observador exterior e isento, agindo com razoabilidade e objetividade, baseado nas regras da experiência aplicáveis ao caso concreto; implica uma valoração objetiva das circunstâncias reais existentes no caso concreto e adquiridas no processo.

IX - Não é possível afirmar, objetiva ou subjetivamente, que 3 ou 4 arbitragens voluntárias com a mesma parte e o mesmo coárbitro por ela designado, em 2 ou 3 anos seguidos, implica por si ou automaticamente um perigo sério de tal árbitro ser dependente e estar do lado da parte que o designou. Há sempre que exigir outras circunstâncias para se obter alguma substância e racionalidade no juízo (leve) de censura que, legalmente, conduz à destituição.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

O MUNICÍPIO DE LISBOA intentou neste TCA Sul processo especial urgente de destituição de membro de tribunal arbitral ad hoc, ao abrigo dos artigos 14º/3, 59º/1-b) e 60º da Lei da Arbitragem Voluntária.

O tribunal arbitral “ad hoc” foi composto por:

Professor Doutor ……………… (catedrático da Universidade de Lisboa e advogado) – árbitro presidente,

Dr. Luís ……………………… (advogado na sociedade de advogados “.… ……. - ……….”) – coárbitro designado pelo réu Município de Lisboa, e

Doutor …………. (consultor da sociedade de advogados “……… & Associados”) – coárbitro designado pelos autores B…………., SA e Outros.

O tribunal arbitral foi promovido pelo MUNICIPIO (como réu) e por “PARQUE ………………………., SA”, “B…………………, ESTACIONAMENTOS, SA”, DOMINGOS …………… e MANUEL ………….. (como autores).

No âmbito daquela arbitragem voluntária, o Município deduziu incidente de recusa do coárbitro Miguel ……………, incidente que veio a ser julgado improcedente pelo tribunal arbitral em 20-10-2016.

Na sequência dessa deliberação do tribunal arbitral, vem o Município intentar o presente processo especial urgente ao abrigo do artigo 60º da Lei da Arbitragem Voluntária.

Todos os sujeitos processuais foram ouvidos.

Este TCA Sul realizou as diligências instrutórias que considerou necessárias.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS (com base em admissão por acordo e nos documentos juntos aos autos, conhecidos das partes)

1. Foi celebrado, em setembro de 2002, entre o Grupo A........ e o grupo B.......... (e os referidos representantes) um contrato-promessa de compra e venda de ações da P. M......... , S.A., por via do qual se pretendia celebrar uma parceria entre esses dois grupos com vista à realização de um projeto imobiliário no Parque M......... .

2. Por via desse contrato-promessa, ao grupo A........ tinha então sido atribuído o direito de adquirir uma participação maioritária na P. M......... , S.A., entidade proprietária dos terrenos do Parque M......... .

3. Em 3 de junho de 2005, tinha sido aprovado um ato de loteamento de iniciativa municipal dos terrenos da antiga Feira Popular, dando lugar a dois lotes - Lotes 1 e 2.

4. Subsequentemente, foi celebrado um contrato de permuta entre o Município de Lisboa e a P. M......... , S.A., em 05-07-2005, por via do qual esta recebeu o referido Lote 1 e aquele recebeu os terrenos do Parque M......... , que eram propriedade da P. M......... , S.A.

5. Logo depois, em 20-07-2005, a P. M......... , S.A., em hasta pública então promovida pelo Município de Lisboa, adquiriu a propriedade do Lote 2.

6. O ato de loteamento e os referidos negócios foram impugnados em ação popular, que, em sede de recurso jurisdicional, correu termos no Tribunal Central Administrativo Sul sob o nº 7476/11.

7. Nesse contexto, o Tribunal Central Administrativo Sul decidiu em 18-09-2014 o seguinte: (a) declarar a nulidade do referido ato de loteamento dos terrenos da Feira Popular; (b) declarar a nulidade da hasta pública e (c) declarar a nulidade do contrato de permuta.

8. As partes interpuseram recursos de revista para o Supremo Tribunal Administrativo.

9. As partes, incluindo as deste processo, acordaram na desistência desses recursos.

10. Assim, tal acórdão transitou em julgado.

11. Em 15-04-2014, o Município de Lisboa e a primeira Requerida, P. M......... - Investimentos Imobiliários (Parque M......... ), S.A., celebraram um acordo de transação judicial e compromisso arbitral com vista à resolução de um litígio relacionado com os negócios que envolveram os prédios do Parque M......... e os terrenos da Feira Popular ("Transação Judicial e Compromisso Arbitral") - cfr. Documento 1 da pet.i.

12. E acordaram na restituição de prestações que tinham sido executadas ao abrigo dos atos e contrato declarados nulos e remeteram para arbitragem o conhecimento de eventuais efeitos indemnizatórios complementares daí decorrentes (cfr. cit. Documento 1). (é a arbitragem a que se refere este processo especial, sendo partes, inter alia, Município vs. B................................, SA + Parque M......... , SA; de 2014-2016)

13. Nos termos do acordo celebrado com o Município de Lisboa, no qual as partes convencionaram a cláusula compromissória que deu origem ao presente processo, e através do qual os Demandantes desistiram dos recursos propostos contra as decisões do Tribunal Administrativo de Círculo e Tribunal Central Administrativo Sul, os terrenos da Feira Popular ficaram na propriedade do Município de Lisboa.

14. A transação foi homologada pelo tribunal em 17-06-2014.

15. Nos termos da Cláusula 11ª do Compromisso Arbitral, o processo arbitral rege-se pelas regras previstas no próprio compromisso e, sem prejuízo destas, pelas regras constantes do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, na versão então em vigor, aprovada em 2014 ("RACAC"; cfr. pp. 19-20 do cit. Documento 1).

16. O que veio a ser igualmente consignado no artigo 8º do Regulamento da Arbitragem, subscrito pelas Partes e pelo Tribunal Arbitral - cfr. Documento 2.

(1ª ARBITRAGEM, 2009, em que não participou o Doutor Miguel ................)

17. Com a invocação de que, com os negócios celebrados com o Município de Lisboa, teria sido frustrada a execução do referido contrato-promessa de compra e venda de ações, foi desencadeado em 2009 um litígio entre o grupo A........ e o grupo B................................ (onde se inclui a Parque M......... , S.A. (e os referidos representantes), no âmbito do qual aquele reclamava deste uma indemnização por incumprimento do contrato-promessa de compra e venda de ações da Parque M......... , S.A. à A........ .

18. A causa de pedir consistia no alegado incumprimento pela B................................ da promessa de venda de uma participação social na P. M......... .

19. Na arbitragem a tal propósito, entre o grupo A........ e o grupo B................................, a B................................ - Estacionamentos, S.A., e outras quatro pessoas individuais foram condenados no pagamento de uma indemnização ao grupo A........ , no montante de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros).

20. A decisão dessa arbitragem foi proferida pelos árbitros Prof. Carlos ………….., Prof. João …………. e Prof. A. …………………, sem qualquer intervenção ou conhecimento pelo Município de Lisboa. (é a arbitragem de 2009, A........ , SA vs., inter alia, B................................, SA)

(2ª ARBITRAGEM, 2014-2015; com o Doutor …………. como árbitro designado por B................................ e Outros)

21. Ocorreu depois uma segunda arbitragem entre o grupo A........ e o grupo B................................, para redução do objeto da condenação no cit. montante de 5.000.000,00 Euros, no contexto de uma clausula penal relacionada com uma alienação de ações da Parque M......... , SA.

22. A petição inicial nessa nova arbitragem, concretamente desencadeada contra “A........ Holding, SGPS, S.A.” ("Arbitragem B................................/A........ Holding II"), foi entregue pela B................................ - além de outras entidades – em 11-02-2014.

23. Nessa “Arbitragem B................................/A........ Holding II”, a segunda, o árbitro designado pelos Autores - a B................................, Domingos ……………… (e esposa) e Manuel …………… (e esposa) -, foi o Senhor Doutor MIGUEL ……….., sendo ainda árbitro o Prof. Miguel …………. e árbitro-presidente o Consº Dr. …………………….. (é a arbitragem de redução/modificação da sentença arbitral, B................................ vs. A........ , 2014-2015)

24. Ali, em 11-02-2014, tendo sido apresentada a petição inicial da B................................ (e outros), o Senhor Doutor Miguel ………… passou a ter conhecimento dos contornos desse litígio.

25. Pelo árbitro Doutor …………… foi ali emitida, em 17-03-2014, para efeitos do artigo 13º, nº 1, da LAV, uma declaração com o seguinte teor:

"pela presente, o declarante afirma, por sua honra, que não se encontra em qualquer situação que nos termos do nº 1 do artigo 13º da Lei de Arbitragem Voluntária pudesse fundar dúvida sobre a sua imparcialidade e a sua independência" (cfr. Documento 4).

26. Nessa “Arbitragem B................................/A........ Holding”, o Tribunal Arbitral decidiu em 26-03-2015, por unanimidade, julgar parcialmente procedente o pedido de modificação da sentença arbitral anterior, com fundamento na

"estabilização na ordem jurídico-administrativa da nulidade do loteamento e do contrato de permuta relativos à Feira Popular” (cfr. p. 58 do Doc. n.º 1 que acompanha o requerimento junto como Documento 13).

27. O respetivo acórdão arbitral (da segunda arbitragem cit.), ponderando os efeitos do Acordo de transação homologado pelo TCA Sul e do compromisso arbitral celebrado entre a P. M......... e o Município de Lisboa, diz:

-"José ……………….. não interveio no ato [a desistência dos recursos], salvo para manifestar a sua não oposição quer à transação judicial quer ao compromisso arbitral.

-Resulta deste quadro processual que as nulidades declaradas pelo Tribunal Central Administrativo Sul relativas ao loteamento e ao contrato de permuta se estabilizaram.

-A transação não destruiu nem inverteu o efeito destas nulidades, não sendo legítimo conceber que os factos reverteram à situação que existia anteriormente à propositura da ação administrativa especial.

-Por outro lado, as sentenças declarativas de nulidade gozam de eficácia erga omnes" (cfr. p. 58 do Doc. n.º 1 que acompanha o requerimento junto como Documento 13).

28. O Senhor Doutor Miguel ................ votou o Acórdão.

29. Há alusão, no acórdão proferido na “Arbitragem B................................/A........ Holding” (a segunda), à possível pretensão indemnizatória a formular pela B................................ (e outros) contra o Município de Lisboa - cfr. Doc. nº 1 que acompanha o requerimento de 29-03-2016, junto como Documento 13.

30. No acórdão arbitral de 26-03-2015, nessa ação modificativa de caso julgado pretérito, decidiu-se:

-Julgar a ação parcialmente procedente e reduzir o montante da pena estabelecida na cláusula penal de indemnização fixada, no anterior acórdão arbitral, Eur 5.000.000 {nos quais se incluíam os danos emergentes de € 656.386,83) para 2.000.000 (nos quais se incluem os danos emergentes de 656.366,83) acrescida de juros de mora sobre o montante de E 2.000.000, calculados às taxas que resultarem da aplicação do artigo 102º, § 3, do Código Comercial:

-Decidir que a redução da pena determinada nos termos do número anterior produz efeitos a contar de 29 de março de 2012.

-Nestes termos:

-Os Demandantes continuarão obrigados a pagar à Demandada desde 14 de julho de 2009 (data do acórdão arbitral) até 29 de março de 2012, juros sobre Eur 5.000.000, calculados às taxas que resultem da aplicação do artigo 102º, § 3 do Código Comercial;

-Os Demandantes ficarão obrigados a pagar à Demandada Eur 2.000.000 acrescidos, a contar de 29 de março de 2012, de juros sobre este montante, calculadas às taxas que resultem da aplicação do artigo 102.º, §3 do Código Comercial.

-Condenar a Demandada a restituir aos Demandantes o que deles tiver recebido ou vier a receber relativamente à efetivação da cláusula penal, no que exceder o montante da pena agora fixado e respetivos juros, acrescido de juros, à taxa legal, até efetivo pagamento.

-Julgar a ação improcedente, na parte restante.

31. Em Acórdão de aclaração de 27-05-2015, lavrado por impulsão de A........ SGPS, o Tribunal escreveu (com interesse para este caso):

-A A........ Holding, SGPS, SA" não foi parte nos processos que correram nos tribunais administrativos e envolveram B................................ - Estacionamentos SA, o Município de Lisboa e Outros".

-"Não foi igualmente parte na transação nem no compromisso arbitral (pág.2).

- "Convém lembrar que o que está em causa, na presente ação, é somente o cálculo da indemnização e da pena convencional.

(3ª ARBITRAGEM, 2014-2016, a do presente processo, com o Doutor Miguel ................ como árbitro designado por B................................ e Outros)

32. Na arbitragem a que se reporta o presente processo,

-os aqui requeridos designaram como árbitro o advogado Senhor Doutor ANTÓNIO ……………………… e

-o Município de Lisboa designou como árbitro o advogado Senhor Dr. Luís …………………………….

33. Ambos os árbitros contratados pelas partes designaram como árbitro-presidente do Tribunal Arbitral, nos termos previstos no Compromisso Arbitral, o advogado Senhor Professor Doutor ……………….. e ……………………. - cfr. cópia da ata de instalação do Tribunal Arbitral, junta como Documento 3.

34. O Tribunal Arbitral ficou constituído em 02-04-2014.

35. O processo da “Arbitragem B................................/Município de Lisboa”, a que se refere este processo, tem como pedido a condenação do Município a pagar aos autores o montante de 345.000.000,00 Euros - cfr. petição inicial da “Arbitragem B................................/A........ Holding” (Documento 5) e petição inicial da “Arbitragem B................................/Município de Lisboa” (Documento 6).

36. São as invalidades declaradas quanto aos cits. atos praticados pelo Município de Lisboa e quanto ao contrato de permuta celebrado que, neste caso, fundamentam a pretensão indemnizatória da B................................ (incluindo a P. M......... , S.A., enquanto participada desse grupo), de …………………… (e esposa) e de Manuel ……………… (e esposa) contra o Município de Lisboa e, no caso contra a A........ , fundamentaram a pretensão da B................................ e as mesmas pessoas individuais de redução da indemnização em que tinham sido condenados perante o grupo A........ .

37. Enquanto se tramitavam as arbitragens, o Município de Lisboa tomou conhecimento de que, em 28-01-2016, tinha sido proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito de ação de anulação de acórdão arbitral que tinha sido proferido em 2015.

38. Tendo tomado conhecimento da existência de Acórdão proferido na ação de anulação a que se alude, o Município de Lisboa requereu a confiança do respetivo processo (Processo nº 660/15.SYRLSB), que foi disponibilizado em 10-03-2016 (cfr. Documento 13).

39. Em 29-03-2016, conhecendo já os factos sob os nº 20 a 22, o Município pediu, na presente “3ª arbitragem”, os seguintes esclarecimentos ao tribunal arbitral:

–quais as razões para o Doutor Miguel ................ não ter revelado outras arbitragens em que participou e em que foram partes empresas do Grupo B................................;

–quais as relações e sua natureza com as empresas do Grupo B................................ e seus legais representantes ou acionistas;

–teve ou não teve conhecimento prévio, em outra arbitragem, de factos relacionadas com esta arbitragem.

40. No contexto dos esclarecimentos pedidos em 29-03-2016 pelo Município ao tribunal arbitral, comunicados com a notificação em 23-05-2016 do despacho nº 29 do tribunal arbitral de 21-05-2016, o Município de Lisboa tomou conhecimento de que o Doutor Miguel ................ afirmou que

"não desempenhou nenhuma função para o Grupo B................................ ou para sócios ou associados seus, nem recebeu, dessas entidades, qualquer benefício patrimonial ou pessoal” (cfr. n.º 10 do ponto II}.

41. Ali, o Tribunal Arbitral, tendo obtido informações por parte do Doutor Miguel ................ (vd. págs. 3-7 da Decisão de 20-10-2016 e pág. 4 da Decisão de 21 ou 23-05-2016), considerou

"satisfeito o requerimento do Demandado, perante as informações agora comunicadas" (cfr. alínea a) da decisão).

42. O Município de Lisboa apresentou no processo arbitral, em 07-06-2016, um requerimento incidental de recusa do árbitro Doutor Miguel ................, visando a respetiva destituição, nos termos e para os efeitos do artigo 14º, nº 2, da LAV - cfr. Documento 15, invocando o seguinte:

- Fê-lo em função das informações constantes do Despacho nº 29 do tribunal arbitral, de maio de 2016: que o Doutor Miguel ................ fora árbitro designado por empresas do grupo B................................ em processos contra o município da Covilhã (empresa Parques da Covilhã) e de Tomar (empresa Parques de Tomar, SA);

- O Doutor Miguel ................ não se pronunciou sobre as razões que o levaram a não revelar que foi árbitro no processo contra a A........ Holding II, nem sobre se atuou ou não como perito, pareceristas, mandatário ou consultor do Grupo B................................ e Outros, apesar de tal ter sido pedido pelo Município;

- Aquilo que o Doutor Miguel ................ declarou é equívoco;

- Também não esclareceu se teve algum conhecimento prévio sobre o presente litígio…….;

- O Município, ora Requerente, não sabia das outras participações do Doutor Miguel ................ em arbitragens envolvendo o grupo B................................;

- Na arbitragem B................................ vs. A........ Holding existiram diversos elementos comuns, de conexão e de intersecção com a arbitragem presente;

- A posição apresentada pela B................................ e Outros no processo contra a A........ é conflituante com a que foi apresentada na presente arbitragem contra o Município de Lisboa;

- O Doutor Miguel ................ devia ter revelado aqui a sua intervenção como árbitro no processo contra a A........ , porque ali se discutiam factos e provas com potencial relevância para a presente arbitragem;

- Exemplo (muito importante) disso foi o caso da necessidade, recusada aqui pela B................................ e Outros, de juntar ao presente processo de arbitragem o contrato-promessa de compra e venda de ações da Parque M......... à A........ Holding II, a que se referem os quesitos 10º-A e 10º-B dos factos controvertidos na presente arbitragem, uma vez que o Doutor Miguel ................ já conhecia tal documento antes da instrução da presente arbitragem; este tribunal arbitral determinou a junção de tal documento à presente arbitragem; tal situação tornou insustentável, aos olhos do Município, a posição de árbitro no presente litígio por parte do Doutor Miguel ................, pois ele já conhecia o documento;

- Aqueles aspetos não revelados pelo Doutor Miguel ................ tinham de ser revelados ao Município de Lisboa, incluindo o número das arbitragens.

43. Esse requerimento veio a ser indeferido, por acórdão arbitral de 20-10-2016, onde são invocadas as seguintes razões:

-Irrelevância da assimetria de informação invocada no requerimento de recusa de árbitro, pois isso "postularia a incapacidade dos restantes dois árbitros de, pelo estudo do processo, acompanharem o nível informativo básico" e implicaria presumir que o "árbitro-de-parte defende interesses parcelares";

-Não verificação de qualquer efeito de "contaminação" entre as arbitragens em causa, na medida em que o Senhor Doutor Miguel ................ não teria utilizado "(...) quaisquer conhecimentos obtidos fora do estrito âmbito do processo (…) “e que "(...) depois de ponderados todos os meandros deste processo, o problema do valor do Parque M......... surge totalmente irrelevante (…) “;

-A circunstância de o Senhor Doutor Miguel ................ ter "um perfil de árbitro sénior, muito solicitado, com provas dadas e reconhecidas pelo universo dos especialistas ligados à arbitragem", pelo que "não põe esse capital em jogo com atuações parciais" - daí resultando a improcedência das razões invocadas para a recusa;

-Que "(perante nomeações «cruzadas), não parece razoável proceder a somatórios de «nomeações>», sem atentar nas «contra-nomeações» “;

-Por fim, o Tribunal Arbitral afasta ainda a existência de violação do dever de revelação com o argumento de que "estamos em face de um árbitro com um círculo muito lato de nomeações, de excelente reputação nos meios municipais e da arbitragem e que foi objeto de duas nomeações, pelo próprio Município Demandado".

44. Foi ainda declarado ali, pelo Doutor Miguel ................, que

"não efetuei uma declaração formal de independência, por a mesma não ter sido solicitada".

45. O Tribunal Arbitral considerou ainda, no incidente de recusa cit., que "[o] prazo de 15 dias prescrito no artigo 14º/2 da LAV foi largamente ultrapassado", pois o Município de Lisboa tomara conhecimento da participação do Senhor Doutor Miguel ................ na “Arbitragem B................................/A........ Holding” antes do dia 29 de março de 2016 e apenas no dia 07-06-2016 [o Município) levantou o incidente de recusa.

46. O Tribunal Arbitral afirma que

"as informações complementares levadas aos autos pelo Despacho n.º 29, de 21-mai.-2016, são irrelevantes, em termos de recusa" e que "[a] participação na “arbitragem B................................/Holding A........ ” (de 11-02-2014 a 26-03-2015), a ser relevante, caducou há muito, para efeitos de recusa".

47. O Município de Lisboa apenas tomou conhecimento dos esclarecimentos prestados pelo Senhor Doutor Miguel ................ ao Tribunal Arbitral, por meio do Despacho n.º 29, de 21-05-2016.

48. Na “Arbitragem B................................/Município de Lisboa” (a presente), o Tribunal Arbitral condenou o Município de Lisboa por incumprimento de deveres acessórios sobre os referidos negócios, rejeitando que a decisão judicial do Tribunal Central Administrativo Sul, no sentido da invalidade desses negócios, tenha transitado em julgado.

49. Com efeito, o Tribunal Arbitral começou por considerar que

"(a] invalidade do loteamento não destrói, técnica e fatalmente, a permuta e a venda" e que, por isso, "ficariam em aberto quer a convalidação do negócio, pela efetivação, sem vícios, do loteamento inquinado, quer a conversão do mesmo negócio".

50. O Tribunal Arbitral afirma ainda:

"a permuta de 5-jul.-2005 foi invalidada pelo foro administrativo, mas sem trânsito em julgado (…) “ (cfr. p. 209); "foi intentada uma ação popular, em 21-jul-2005, na qual se pedia a declaração de nulidade das deliberações 361CMU2005 e 32/AMU2005, e a nulidade da permuta e a nulidade da deliberação 307/CMU2005, que aprovou o loteamento municipal (ponto 127), o que obteve provimento judicial (ponto 128), não transitado (...)" (cfr. p. 226); "[s]e realmente ambos os contratos tivessem sido invalidados (por declaração de nulidade ou por anulação) [...], haveria que proceder às restituições com efeitos retroativos" (cfr. p. 244 do acórdão final - Documento 17).

51. O juiz-árbitro advogado Senhor Doutor Miguel ................ votou este acórdão.

52. Na arbitragem aqui em causa, foi especificamente levado aos factos controvertidos, de acordo com os artigos 10º-A e 10º-B, o seguinte (cfr. Documento 7):

Quesito 10.º-A: em 2002, a B................................ e o Grupo A........ celebraram uma parceria que envolvia os prédios do Parque M......... , altura em que procederam à sua avaliação?

Quesito 10.º-B: essa avaliação foi de aproximadamente € 18.000.000?

(OUTRAS ARBITRAGENS em que o Doutor Miguel ................ foi árbitro)

53. O Doutor Miguel ................ foi árbitro designado pela empresa Parques de Tomar, SA, num litigio contra o município de Tomar, em processo iniciado em dez.-2009 e findo por transação em 24-05-2011;

54. Aquando da designação para a “Arbitragem B................................/Município de Lisboa” (a presente), o Senhor Doutor MIGUEL ................ desempenhava igualmente funções de árbitro designado pela Parques da Covilhã, S.A., sociedade que também integra o grupo B................................, arbitragem que se tramitou até ao dia 02-04-2015 (iniciada em 24-02-2012).

(UMA OUTRA ARBITRAGEM; Túnel do Marquês de Pombal, ano 2000, em que o Doutor Miguel ................ foi árbitro-presidente)

55. O Doutor MIGUEL ................ foi árbitro-presidente no processo arbitral referente ao Túnel do Marquês nos anos 2000.

56. O Doutor Miguel ................ não desempenhou qualquer função para as empresas do grupo B................................ ou seus sócios, nem recebeu deles qualquer benefício.

57. Desde 2009 até 20-10-2016, o Doutor Miguel ................ foi designado árbitro em mais de 27 processos de arbitragem.

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Devemos sublinhar que o nº 15 de “Os factos. Enumeração” da Decisão do tribunal arbitral de 20-10-2016, págs. 8-9, não é um facto.

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Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões que constituem o objeto deste processo.

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II.2. ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS PROVADOS

1 - INTRODUÇÃO

Exponhamos o quadro normativo mais relevante para o presente caso.

1.1.

O artigo 209º/2 da Constituição da República Portuguesa trata da admissibilidade de tribunais arbitrais. Naturalmente que, ali, os tribunais arbitrais não são os tribunais a que se refere o artigo 202º/1 da Constituição da República Portuguesa, quando diz que os tribunais administram a justiça em nome do povo.

É coerente com a natureza não jusfundamental dos tribunais arbitrais voluntários. Prova disto é ainda o disposto no artigo 39º (o julgamento segundo a equidade ou segundo o direito constituído, conforme a prévia vontade das partes) e no artigo 46º da Lei da Arbitragem Voluntária de 2011 (uma séria restrição ao heterocontrolo da justiça dos homens).

Mas é certo que os tribunais apenas estão sujeitos à lei e à Constituição da República Portuguesa (cfr. assim os artigos 203º e 204º).

Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros (artigo 1º/1 da Lei da Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei nº 63/2011).

Vejamos agora o que mais dispõe a Lei da Arbitragem Voluntária, da autoria do parlamento português:

Artigo 9º

3 - Os árbitros devem ser independentes e imparciais.

4 - Os árbitros não podem ser responsabilizados por danos decorrentes das decisões por eles proferidas, salvo nos casos em que os magistrados judiciais o possam ser.

5 - A responsabilidade dos árbitros prevista no número anterior só tem lugar perante as partes.

Artigo 13º (trata do dever ético-legal de revelação)

1 - Quem for convidado para exercer funções de árbitro deve revelar todas as circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência.

2 - O árbitro deve, durante todo o processo arbitral, revelar, sem demora, às partes e aos demais árbitros as circunstâncias referidas no número anterior que sejam supervenientes ou de que só tenha tomado conhecimento depois de aceitar o encargo.

3 - Um árbitro só pode ser recusado (pela outra parte, naturalmente) se existirem circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade ou independência ou se não possuir as qualificações que as partes convencionaram. Uma parte só pode recusar um árbitro que haja designado ou em cuja designação haja participado com fundamento numa causa de que só tenha tido conhecimento após essa designação.

Artigo 14º (Trata da recusa-destituição de árbitro e da caducidade do direito de deduzir o incidente de recusa)

1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do presente artigo, as partes podem livremente acordar sobre o processo de recusa de árbitro.

2 - Na falta de acordo, a parte que pretenda recusar um árbitro deve expor por escrito os motivos da recusa ao tribunal arbitral, no prazo de 15 dias a contar da data em que teve conhecimento da constituição daquele ou da data em que teve conhecimento das circunstâncias referidas no artigo 13.º (aqui, foi em 07-06-2016, após uma resposta do tribunal arbitral de 21-05-2016 a um pedido de esclarecimentos do Município de 29-03-2016)

Se o árbitro recusado não renunciar à função que lhe foi confiada e a parte que o designou insistir em mantê-lo, o tribunal arbitral, com participação do árbitro visado, decide sobre a recusa. (aqui, esta decisão tem a data de 20-10-2016)

3 - Se a destituição do árbitro recusado não puder ser obtida segundo o processo convencionado pelas partes ou nos termos do disposto no n.º 2 do presente artigo, a parte que recusa o árbitro pode, no prazo de 15 dias após lhe ter sido comunicada a decisão que rejeita a recusa, pedir ao tribunal estadual competente que tome uma decisão sobre a recusa, sendo aquela insuscetível de recurso.

Na pendência desse pedido, o tribunal arbitral, incluindo o árbitro recusado, pode prosseguir o processo arbitral e proferir sentença.

Artigo 60º

1 - Nos casos em que se pretenda que o tribunal estadual competente profira uma decisão ao abrigo de qualquer das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 59.º, deve o interessado indicar no seu requerimento os factos que justificam o seu pedido, nele incluindo a informação que considere relevante para o efeito.

2 - Recebido o requerimento previsto no número anterior, são notificadas as demais partes na arbitragem e, se for caso disso, o tribunal arbitral para, no prazo de 10 dias, dizerem o que se lhes ofereça sobre o conteúdo do mesmo.

3 - Antes de proferir decisão, o tribunal pode, se entender necessário, colher ou solicitar as informações convenientes para a prolação da sua decisão.

4 - Os processos previstos nos números anteriores do presente artigo revestem sempre carácter urgente, precedendo os respectivos actos qualquer outro serviço judicial não urgente.

O cotejo do quadro normativo necessário à apreciação do litígio “sub specie” não fica completo sem que se traga ainda à colação que a parte que aqui deduziu a recusa e que agora pede a destituição do coárbitro Doutor Miguel ................ é uma entidade pública administrativa em sentido estrito, vinculada ao importantíssimo artigo 266º/1 da Constituição da República Portuguesa, isto é, à prossecução do bem comum tal como primariamente definido pela Constituição e objeto de concretização pela lei.

1.2.

Na destituição por fundadas dúvidas acerca da independência (realidade objetiva, assente sobretudo na indiferença financeira) e ou imparcialidade (realidade sobretudo subjetiva, que remete para um decisor respeitador do “acquis” provado no processo) de coárbitro, o tribunal estadual faz uma reapreciação dos factos invocados pela parte ante o tribunal arbitral, que surjam como provados.

Como acabámos de verificar, o fundamento jurídico (i) para o dever de revelação a cargo do coárbitro é o mesmo (ii) para a recusa no tribunal arbitral e (iii) para a destituição pelo tribunal estadual: existência de circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a imparcialidade ou a independência do coárbitro.

E o artigo 9º/3 da Lei da Arbitragem Voluntária de 2011 exige aos árbitros o mesmo que a Constituição da República Portuguesa e a lei exigem dos magistrados juizes: independência e imparcialidade; embora seja pacífico no mundo da arbitragem voluntária que “os juizes árbitros estão mais no mundo e nos negócios do que os juizes propriamente ditos, os estaduais”.

Mais: o cit. artigo 9º/4 da Lei nº 63/2011 também protege os árbitros, quanto a responsabilidade civil, nos mesmos termos em que a Constituição da República Portuguesa e a lei (EMJ) protegem os magistrados juizes quanto a responsabilidade civil extracontratual. Certamente porque as funções e os deveres serão equiparáveis (cfr. artigo 9º do Código Civil).

Já o nº 5 do artigo 9º protege mais os árbitros do que o Estado-juiz. Este ponto é particularmente interessante para os casos em que uma das partes prossegue o interesse público e administra verbas oriundas dos impostos ou taxas cobradas aos cidadãos e empresas contribuintes, como o Município de Lisboa.

1.3.

Por outro lado, o cit. artigo 13º/1/2 prevê o “dever de revelação a cargo dos árbitros”. Trata-se de revelar às partes contratantes da arbitragem e aos outros coárbitros contratados. O cit. artigo 13º/3 prevê o correspetivo “direito de recusa de árbitro”. Pelos mesmos motivos.

Mas revelar o quê, de acordo com o artigo 13º?

Todos os factos e circunstâncias relevantes, que possam fazer surgir dúvidas objetivas e sérias quanto à independência e à imparcialidade do coárbitro; não certezas, mas dúvidas objetivas, racionais e sérias.

O critério decisório quanto às “fundadas dúvidas” é, pois, objetivo, supra-partes, tendo-se presente o caso concreto. Este TCA Sul já teve oportunidade de o afirmar anteriormente (Acórdão de 30-08-2016, Processo nº 13580/16).

Ao contrário do que se entende em algum “quase-direito” (“soft law”, nas ordens jurídicas diferentes da Europa continental) estrangeiro e em alguma doutrina portuguesa (v.g., José Miguel Judice, in DÁRIO MOURA VICENTE et al., “L.A.V. Anotada”, 2ª ed., pág. 46), não se trata de um critério subjetivo, respeitante a um juízo próprio das partes na arbitragem; naturalmente, o critério tem de ser supra-partes.

Até porque também estão em causa os juízos a fazer pelos demais coárbitros e ainda pelo tribunal estadual a que se refere o artigo 60º da Lei da Arbitragem Voluntária de 2011.

Ora, tal soma de juízos possíveis, culminável numa decisão de um tribunal estadual, aponta claramente para uma bitola objetiva, de normalidade, de experiência e de racionalidade, no contexto de cada caso concreto; não em abstrato e não subjetivo.

Pelo que só dúvidas fundadas, segundo o critério objetivo do “bom pai de família”, acerca da independência e ou da imparcialidade do árbitro podem constituir fundamento da recusa ou destituição de um juiz-árbitro. Decorrerão de uma valoração objetiva das circunstâncias reais existentes no caso concreto e adquiridas no processo (cfr. os artigos 411º e 413º do Código de Processo Civil e o artigo 342º do Código Civil (1)), na perspetiva não de um participante na arbitragem, mas sim na perspetiva de um observador exterior e imparcial, agindo com razoabilidade e objetividade, baseado nas regras da experiência aplicáveis ao caso concreto.

Esta conclusão fica confirmada, porque, inovatoriamente dirão uns, estranhamente dirão outros, a lei parece tolerar arbitragens voluntárias que envolvam interesses públicos, entidades da Administração Pública e dinheiros públicos (cuja utilização é ou deve ser fiscalizada pelo Tribunal de Contas e pela Assembleia da República).

Portanto, aqui, há ainda um tipo de juízo particular a fazer pela parte pública, o que exige ou pressupõe, de novo, um critério objetivo e comum aos vários autores dos juízos sobre as “dúvidas sérias e objetivas” (partes privadas, partes integrantes da Administração Pública, demais coárbitros e tribunal estadual previsto no artigo 60º cit.).

Portanto, justificadamente, não ficou consagrada uma tese subjetivista (que é a preferida noutros fóruns ou realidades jurídicas onde não vigoram os artigos 1º e 3º/1 do Código Civil português e os artigos 112º e 203º da Constituição da República Portuguesa).

As normas do artigo 13º da Lei da Arbitragem Voluntária de 2011 são normas um pouco diferentes das existentes no “quase-direito” de instituições privadas internacionais de arbitragem (ex.: I.B.A., UNCITRAL/Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional, I.C.C.A., C.I.Arb.), pelo que é necessária cautela, sobretudo para quem tem o dever de aplicar a Constituição da República Portuguesa e as leis do Estado português, de forma a se evitarem injustificadas comparações e “importações” acríticas de teorias e usos privados estrangeiros, “maxime”, de economias de países com “common law”.

1.4.

Ora, a arbitragem voluntária tem, à partida, as vantagens (i) de, aparentemente, ser menos morosa - para o litígio em concreto - do que a justiça estadual e (ii) de permitir às partes a escolha criteriosa da maioria das pessoas que vão resolver o litígio.

Uma das principais atrações e um dos perigos da justiça da arbitragem jurídica voluntária é, pois, o conforto e a confiança que as partes obtêm por terem uma pessoa por elas escolhida para corresolver um caso. Ao escolher o “seu” árbitro, a parte sabe quem vai codecidir (às vezes sabe como se vai decidir, com base em anteriores decisões e ou publicações jurídicas dos árbitros) e pode manter uma influência, ainda que muito indireta, ao longo do processo arbitral, como é evidente e é da natureza humana. Isto é óbvio e elementar.

Não se tratará hoje de o coárbitro contratado pela parte ser um “amigo honrado” da parte que o escolheu, mas tratar-se-á de a parte poder ter a “simpatia” do coárbitro por si escolhido (J. WAINEYMER, “Procedure and Evidence in International Arbitration”, Kluwer, 2002, págs. 255 ss), ou vice-versa, o que, note-se, é bem diferente de um “comprometimento do árbitro com a parte” (LOPES DOS REIS, “Representação Forense e Arbitragem”, 2001, pág. 161).

Mas, por isso mesmo e como em tudo, também na arbitragem mais vale prevenir do que remediar. Assim, a revelação exigida no cit. artigo 13º/1/2 da Lei da Arbitragem Voluntária de 2011 serve para as partes e os outros coárbitros determinarem se concordam com a autoavaliação ético-deontológica feita pelo coárbitro e, sendo necessário, obterem mais informação. Não se tratará, afinal, apenas da autoavaliação a fazer pelo coárbitro.

Embora seja algo paradoxal e incoerente nas consequências daí retiradas, a equiparação feita habitualmente, em alguns meios jurídicos, entre a função jurisdicional do Estado e o mercado privado da arbitragem jurídica voluntária ou contratual (pois os árbitros “andam mais no mundo dos negócios” do que os juizes estaduais…), é certo que o nosso sistema jurídico impõe que este mercado jurídico privado tenha uma ética. E não será um mínimo ético, porque a nossa Constituição da República Portuguesa e seus valores fundamentais não o permitem (cfr. artigos 1º, 2º, 13º, 202º ss e 215º ss).

Trata-se de (i) ética, (ii) de independência (sobretudo financeira) e (iii) de imparcialidade por parte de quem, por autorização ou consentimento constitucional e sociopolítico, vai dirimir litígios que, normalmente, são dirimidos pelo Estado moderno e democrático, Estado onde pontificam os princípios da legitimidade democrática, da dignidade humana, da justiça, do processo equitativo e da igualdade.

Assim, falamos de (i) ética, de (ii) independência (com indiferença financeira) e (iii) de imparcialidade, em sede de “jurisdição arbitral ou privada”, que sejam constatáveis aos olhos de qualquer pessoa média e de bom senso (incluindo o árbitro), bem como aos olhos de qualquer parte processual racional e razoável, quer dizer, aos olhos do juiz estadual.

Quer dizer, trata-se, logicamente, de uma ética, de uma independência/indiferença e de uma imparcialidade próximas, mas naturalmente diferentes ou menores do que as exigidas aos juizes dos órgãos de soberania “tribunais do Estado”. Como é notório.

Os deveres impostos pela sociedade e seu Legislador aos juizes do Estado (vd. os artigos 215º a 217º da Constituição da República Portuguesa, o E.M.J. e o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) têm razão de ser inerente (i) ao princípio do juiz natural e (ii) à separação financeira absoluta entre o juiz e as partes.

Mas isto não se verifica, pela natureza própria das coisas, no mercado privado da arbitragem jurídica voluntária, cuja origem é um contrato oneroso entre as partes e cujos decisores são maioritariamente escolhidos pelas partes interessadas, seja por causa do seu prestígio jurídico, seja por causa das suas opiniões jurídicas conhecidas do mundo jurídico.

E por isso nos parece incoerente afirmar-se que os tribunais arbitrais são verdadeiros tribunais e que os respetivos membros devem ser independentes e imparciais, para depois defender diferentes regras de responsabilidade civil extracontratual para os árbitros, bem como (ao contrário da melhor elaborada LAV anterior) diferentes ou quase nenhumas garantias claras e objetivas de tal independência e imparcialidade.

A arbitragem jurídica voluntária, permitida ou tolerada pela Constituição da República Portuguesa, é um mercado muito livre e um “negócio” especial e respeitável, necessariamente com pretensão de correção; aliás, às vezes, é um modo - como qualquer outro - único ou principal de obter rendimentos por parte de alguns profissionais liberais, sobretudo advogados.

O juiz estadual, esse, não pode, objetivamente, atuar em função da sua escolha futura para exercer a sua atividade económica liberal de fazer arbitragem jurídica, ao passo que os árbitros podem atuar, natural e licitamente – sublinhemos - em função da sua escolha futura para julgarem outros litígios (incluindo, hoje, litígios não privados, que até envolvem dinheiro dos impostos…) e, assim, serem remunerados.

Enfim, o juiz estadual não atua num “mercado de justiça privada” e a sua remuneração não depende das partes processuais ou de prestígio individual no mercado (merecido ou imerecido). Já o juiz-árbitro atua no âmbito (i) da economia capitalista de mercado - justo e livre, isto é, da lei da oferta e da procura de arbitragem jurídica, sendo (ii) pago pelas partes; inexiste, pois, o importante principio do juiz natural e uma absoluta independência-indiferença financeira do árbitro em relação às partes no contrato arbitral.

Não se ignora que um árbitro “profissional” e muito ativo (ou com muitos clientes) dependerá menos das partes do que um árbitro não profissional e pouco ativo (ou com poucos clientes). Mas o mais importante é o princípio, a máxima da absoluta independência/indiferença financeira.

Tenhamos ainda em conta que, em muitas arbitragens, estão em causa honorários de quantias extraordinariamente elevadas. Veja-se, por isso, o disposto no artigo 17º da Lei da Arbitragem Voluntária de 2011.

E daí existir um problema irresolúvel e de todos conhecido quanto à arbitragem jurídica voluntária, face aos princípios da justiça, do processo verdadeiramente equitativo e do juiz natural: é notório que, tanto a independência (com indiferença financeira), como a imparcialidade, dos árbitros-juizes escolhidos e contratados pelas partes não são, por natureza, iguais à indiferença financeira e à imparcialidade dos juizes magistrados do Estado. E, por vezes, serão menores.

Seria, por isso, ingenuidade não se levar a sério, com normalidade, tal contexto, para que (i) o legislador, (ii) as partes, (iii) o contribuinte (quando uma das partes é uma entidade pública administrativa) e (iv) a sociedade percecionem, realística e corretamente, o que é um mercado livre e justo de arbitragem jurídica voluntária, bem como a aplicação boa ou má da nova Lei da Arbitragem Voluntária de 2011.

Afinal, sem independência e imparcialidade dos árbitros pouca justificação haverá para a arbitragem. Na verdade, hoje, nos sistemas jurídicos democráticos de matriz romano-germânica, o que dá verdadeiro sentido à arbitragem voluntária é, a par da independência e da imparcialidade dos membros do tribunal “ad hoc”, o prestígio jurídico destes.

1.5.

Temos, não obstante, e com base na conduta conducente ao presente processo especial, sérias dúvidas de que a entidade pública aqui em causa tenha ponderado que é notório que, tanto a (objetiva) independência (com indiferença financeira), como a (subjetiva) imparcialidade dos árbitros escolhidos e contratados pelas partes, não são iguais à indiferença financeira e à imparcialidade dos juizes-magistrados do Estado.

Além disso, entidades públicas como os municípios e o Estado deveriam, antes de recorrerem à arbitragem voluntária, apurar os dados estatísticos sobre o destino final das arbitragens voluntárias em que uma das partes é uma entidade pública. Com efeito, tendo em conta que é evidente que a arbitragem voluntária se integra num mercado privado, contratual, competitivo e aberto, bem como que, tanto a independência com indiferença financeira, como a imparcialidade dos árbitros escolhidos e contratados pelas partes, não são iguais à indiferença financeira e à imparcialidade dos juizes magistrados do Estado, parece pouco rigorosa a gestão da coisa pública que não apure a realidade de tal mercado antes de tomar a decisão de evitar os tribunais estaduais. Até porque, naturalmente num contexto de Direito e patrimónios privados, tal mercado não publicita as suas decisões arbitrais (cf., no entanto, o novo artigo 185º-B do CPTA).

Mas, mesmo assim, não oferece dúvidas que os membros de um tribunal “ad hoc” de justiça privada devem ser e serão, na medida do possível, (i) independentes (financeiramente indiferentes às partes), (ii) isentos e (iii) imparciais, por força da Constituição da República Portuguesa, do artigo 9º da Lei da Arbitragem Voluntária de 2011 e da própria natureza daquilo que está em causa (a justiça), onde se inclui a especial dignidade, seriedade e nobreza do ato (estadual ou privado) de dirimir um litígio.

Por isso é que as leis da Europa continental contêm normas escritas e de origem democrática sobre a isenção, a independência e a imparcialidade específicas na arbitragem voluntária, no quadro de um Estado democrático de Direito. O problema é que se estabelecem poucas e vagas garantias preventivas. É o que ocorre, por exemplo, na nossa LAV de 2011, sem prejuízo da autonomia privada dos litigantes quanto à definição de outros elementos impulsionadores de isenção, independência e imparcialidade dos árbitros.

1.6.

Referimo-nos acima à Europa continental, porque, como é sabido, as ordens jurídicas anglo-saxónica e internacional (muito influenciadas pelo direito da “common law” e por formas peculiares – ora pretorianas, ora privatísticas - de criação de normas jurídicas com projeção geral e abstrata) são bem distintas e regem-se por parâmetros e tradições muito diversas das da Europa continental (herdeiras do Direito Romano e da Pandectística alemã). Exemplo disso são as diretrizes eventualmente emitidas por associações internacionais de advogados, que, obviamente aliás, nunca vinculariam o Direito público nacional ou os árbitros não advogados.

Além dessa circunstância muito relevante, mas habitualmente esquecida, é, no mínimo, insensato importar para a arbitragem interna ou nacional os usos estrangeiros surgidos no âmbito restrito do comércio internacional (vd. artigos 49º ss da LAV) ou da vida económica privada de Londres e Nova Iorque.

Já vimos a nossa lei. Mas podemos confrontar o artigo 1036º do Código de Processo Civil alemão (tradução nossa):

1 – A pessoa convidada para servir como juiz-árbitro deve revelar todas e quaisquer circunstâncias que possam dar origem a dúvidas quanto à sua imparcialidade. O juiz-árbitro tem a obrigação de revelar tais circunstâncias às partes, sem demora injustificada, também após a sua designação e enquanto decorrer o processo de arbitragem.

2 – A designação do juiz-árbitro só pode ser recusada se alguma circunstância der origem a dúvidas justificadas quanto à sua imparcialidade ou independência, ou se ele não satisfizer os pré-requisitos estabelecidos pelas partes. Uma parte pode recusar um árbitro por ela própria indicado, ou em cuja indicação participou, apenas por razões conhecidas após a designação.

Como se vê, há uma diferença relevante entre o nº 1 e o nº 2 (à semelhança de diretrizes estrangeiras), que, curiosamente, não ocorre na nossa Lei da Arbitragem Voluntária de 2011.

Já no “quase-direito” desta matéria (o chamado “soft law”, de tradição anglo-saxónica, estranho ao Direito europeu continental), integrável na figura dos usos como fonte de direito (cfr. o exigente artigo 3º do nosso Código Civil), fonte mediata que é útil em sede de interpretação jurídica das leis, é interessante verificarmos que nas meras “Diretrizes da IBA (Associação Internacional de Advogados, sediada em Londres) sobre Conflitos de Interesses na Arbitragem Internacional” de 23-10-2014 (especialmente influenciadas pela realidade londrina e norte-americana), se dispõe que, aos olhos das partes, são indícios relevantes de parcialidade e dependência do árbitro, exigindo revelação pelo próprio (The Orange List is a non-exhaustive list of specific situations that, depending on the facts of a given case, may, in the eyes of the parties, give rise to doubts as to the arbitrator’s impartiality or independence. The Orange List thus reflects situations that would fall under General Standard 3(a), with the consequence that the arbitrator has a duty to disclose such situations. In all these situations, the parties are deemed to have accepted the arbitrator if, after disclosure, no timely objection), o seguinte:

(enumeração não taxativa de situações específicas que, à luz dos factos pertinentes num determinado litígio, possam, aos olhos das partes, suscitar dúvidas justificadas quanto à imparcialidade ou independência do árbitro)

3.1 Previous services for one of the parties or other involvement in the case

3.1.1 The arbitrator has, within the past three years, served as counsel for one of the parties, or an affiliate of one of the parties, or has previously advised or been consulted by the party, or an affiliate of the party, making the appointment in an unrelated matter, but the arbitrator and the party, or the affiliate of the party, have no ongoing relationship.

3.1.2 The arbitrator has, within the past three years, served as counsel against one of the parties, or an affiliate of one of the parties, in an unrelated matter.

3.1.3 The arbitrator has, within the past three years, been appointed as arbitrator on two or more occasions by one of the parties, or an affiliate of one of the parties (igual à versão de 2004) : o árbitro foi nomeado, nos três anos anteriores, para exercer tal função em duas ou mais ocasiões, por uma das partes ou por uma associada ou afiliada de uma das partes.

3.1.4 The arbitrator’s law firm has, within the past three years, acted for or against one of the parties, or an affiliate of one of the parties, in an unrelated matter without the involvement of the arbitrator.

3.1.5 The arbitrator currently serves, or has served within the past three years, as arbitrator in another arbitration on a related issue involving one of the parties, or an affiliate of one of the parties. (igual à versão de 2004) : o árbitro atualmente atua, ou atuou nos três anos anteriores, como árbitro em outro processo arbitral em assunto relacionado, envolvendo uma das partes ou uma associada ou afiliada de uma das partes.

3.2 Current services for one of the parties

3.2.1 The arbitrator’s law firm is currently rendering services to one of the parties, or to an affiliate of one of the parties, without creating a significant commercial relationship for the law firm and without the involvement of the arbitrator.

3.2.2 A law firm or other legal organisation that shares significant fees or other revenues with the arbitrator’s law firm renders services to one of the parties, or an affiliate of one of the parties, before the Arbitral Tribunal.

3.2.3 The arbitrator or his or her firm represents a party, or an affiliate of one of the parties to the arbitration, on a regular basis, but such representation does not concern the current dispute.

3.3 Relationship between an arbitrator and another arbitrator or counsel

3.3.1 The arbitrator and another arbitrator are lawyers in the same law firm.

3.3.2 The arbitrator and another arbitrator, or the counsel for one of the parties, are members of the same barristers’ chambers.

3.3.3 The arbitrator was, within the past three years, a partner of, or otherwise affiliated with, another arbitrator or any of the counsel in the arbitration.

3.3.4 A lawyer in the arbitrator’s law firm is an arbitrator in another dispute involving the same party or parties, or an affiliate of one of the parties.

3.3.5 A close family member of the arbitrator is a partner or employee of the law firm representing one of the parties, but is not assisting with the dispute.

3.3.6 A close personal friendship exists between an arbitrator and a counsel of a party.

3.3.7 Enmity exists between an arbitrator and counsel appearing in the arbitration.

3.3.8 The arbitrator has, within the past three years, been appointed on more than three occasions by the same counsel, or the same law firm.

3.3.9 The arbitrator and another arbitrator, or counsel for one of the parties in the arbitration, currently act or have acted together within the past three years as cocounsel.

3.4 Relationship between arbitrator and party and others involved in the arbitration

3.4.1 The arbitrator’s law firm is currently acting adversely to one of the parties, or an affiliate of one of the parties.

3.4.2 The arbitrator has been associated with a party, or an affiliate of one of the parties, in a professional capacity, such as a former employee or partner.

3.4.3 A close personal friendship exists between an arbitrator and a manager or director or a member of the supervisory board of: a party; an entity that has a direct economic interest in the award to be rendered in the arbitration; or any person having a controlling influence, such as a controlling shareholder interest, on one of the parties or an affiliate of one of the parties or a witness or expert.

3.4.4 Enmity exists between an arbitrator and a manager or director or a member of the supervisory board of: a party; an entity that has a direct economic interest in the award; or any person having a controlling influence in one of the parties or an affiliate of one of the parties or a witness or expert.

3.4.5 If the arbitrator is a former judge, he or she has, within the past three years, heard a significant case involving one of the parties, or an affiliate of one of the parties.

3.5 Other circumstances

3.5.1 The arbitrator holds shares, either directly or indirectly, that by reason of number or denomination constitute a material holding in one of the parties, or an affiliate of one of the parties, this party or affiliate being publicly listed.

3.5.2 The arbitrator has publicly advocated a position on the case, whether in a published paper, or speech, or otherwise.

3.5.3 The arbitrator holds a position with the appointing authority with respect to the dispute.

3.5.4 The arbitrator is a manager, director or member of the supervisory board, or has a controlling influence on an affiliate of one of the parties, where the affiliate is not directly involved in the matters in dispute in the arbitration.

Registamos a preocupação autorreguladora da entidade privada “I.B.A.” para a arbitragem internacional, nomeadamente nos nº 3.1.3 e 3.1.5, acriticamente copiada ou importada por alguma doutrina e alguma jurisprudência da Europa continental para a arbitragem nacional.

Mas tais diretrizes privadas da arbitragem internacional não se aplicam na arbitragem nacional (cfr. A. MENEZES CORDEIRO, “Tratado da Arbitragem – Comentário à Lei nº 63/2011…”, págs. 153-156) e muito menos são fonte de direito português (cfr. os artigos 112º, 203º e 204º da Constituição da República Portuguesa e os artigos 1º/2-1ª parte e 3º/1 do Código Civil).

O Estado português e o Direito português da arbitragem nacional ou interna não se regem por diretrizes e usos privados da arbitragem internacional ou de entidades, de sociedades, de mercados e de ordens jurídicas anglo-saxónicas e de “common law”; como parece evidente e é imposto pelos princípios constitucionais da constitucionalidade e da legalidade, plasmados na Constituição da República Portuguesa, “maxime” nos seus artigos 1º, 2º, 8º, 112º e 203º. E como decorre de uma interpretação da nossa LAV de 2011 que seja feita de acordo com o artigo 9º do Código Civil.

1.7.

Essa preocupação autorreguladora também existe, “inter alia”, na Associação Portuguesa de Arbitragem.

Pode ter muitas razões de ser e muitos ou distintos objetivos, próprios de uma atividade económica privada que resolve litígios privados para obter rendimentos, mas não é fonte de direito.

Aqui, fonte de direito é, sim, o previsto na nova LAV de 2011, interpretada de acordo com, “inter alia”, os artigos 2º, 8º, 20º, 112º, 203º e 204º da Constituição da República Portuguesa e os artigos 1º/2-1ª parte, 3º/1, 9º e 10º do Código Civil.

Por outro lado, parece que as exigências deontológicas dos árbitros para efeitos de independência e imparcialidade, aqui em equação, deveriam ser especialmente relevantes quando uma das partes do processo de arbitragem tem por atribuição prosseguir o bem comum ou interesse público (cfr. o artigo 266º/1 da Constituição da República Portuguesa: “A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”).

E seriam ainda mais relevantes quando parte numa arbitragem voluntária, que está a prosseguir o interesse público, seja uma entidade maioritária ou totalmente financiada por impostos e taxas dos cidadãos (cfr. ainda os aqui pertinentes artigos 1º, 9º, 103º/1, 104º, 107º, 108º, 182º, 199º e 201º da Constituição da República Portuguesa). É o caso do Município de Lisboa ou do Estado Português.

Com efeito, uma arbitragem voluntária com pessoas jurídicas privadas, a prosseguirem os seus interesses privados, não tem as mesmas implicações, nem talvez a mesma natureza, de uma arbitragem que envolve pessoas jurídicas que estão ou pretendam estar a prosseguir o interesse público no processo de arbitragem e ou a administrar, com legalidade e transparência, verbas oriundas de impostos e taxas dos cidadãos.

Mas de tal relevância acrescida não resulta uma diferente redação (“first meaning”) ou um diferente sentido (“deep meaning”) do previsto nos cits. artigos 13º e 14º da nossa recente LAV; nem que devamos presumir que a entidade pública que, legalmente, decidiu recorrer não à justiça estadual, mas sim à justiça privada, não sabia o que estava a decidir e suas implicações jurídicas e factuais. Bens ou interesses (disponíveis) em disputa são “apenas” isso, sejam públicos, sejam privados. É o que, talvez estranhamente, resulta da Lei da Arbitragem Voluntária de 2011.

Com efeito, não temos elementos suficientes - sob a égide imperial do artigo 9º do Código Civil - para afirmar que o legislador da LAV de 2011 formulou tais disposições legais apenas para litígios entre pessoas jurídicas de direito privado, embora elas sejam tradicional e especialmente adequadas a tais litígios privados.

Portanto, concordemos ou não, o sentido dos artigos 13º e 14º da Lei da Arbitragem Voluntária de 2011 é o mesmo, quer estejam em causa apenas interesses privados, quer estejam em causa também o bem comum e ou dinheiros públicos, como aqui ocorre.

Talvez por isso é que a Lei da Arbitragem Voluntária de 2011 se basta com a expressão (ainda assim exigente) “possam suscitar fundadas dúvidas”.

O mais, neste contexto e de acordo com a atual ordem jurídico-económica infraconstitucional portuguesa (com um recente pendor neoliberal clientelar do Orçamento do Estado, à solta devido à autocontenção do legislador, à desgovernamentalização do interesse público e à vaguidade das garantias jurídicas; cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, T.G.D.A., 3ª ed., nºs 11 a 13), é um problema de (i) boa administração pública e boa governação (protegidas pelo princípio constitucional da separação de poderes), (ii) de controlo democrático do legislador ordinário e (iii) de legitimação jurídico-democrática. Não de controlo jurisdicional de legalidade ou constitucionalidade.

Mas há uma diferença nuclear e óbvia a respeitar por todos e da qual há que retirar consequências ou implicações lógicas e racionais: na arbitragem jurídica voluntária não vale o princípio do juiz legal ou natural. A maioria do colégio que vai decidir o litígio é escolhida pelos litigantes; esta escolha é um direito deles.

Por outro lado, os árbitros já não estão sujeitos às mesmas regras de imparcialidade e impedimentos que o direito prevê para os juizes-magistrados. Tratou-se de uma alteração intencional do legislador de 2011. (2)

Logo, a abordagem à imparcialidade e à independência dos árbitros indicados pelas partes nunca será igual à que é feita em relação aos juizes magistrados do Estado; por impossibilidade legal, lógica e natural. Por isso, talvez, é que a legislação relativa às garantias da imparcialidade e independência dos árbitros é tão reduzida e vaga. O paradigma é o da “justiça privada”, a “cultura do mercado privado da arbitragem jurídica”, condicionada superlativamente pelas partes e “seus” árbitros, sem embargo da existência do árbitro-presidente que independe, à partida, da vontade das partes; num mercado livre e concorrencial de arbitragem jurídica.

E é esse o paradigma, mesmo quando uma das partes está integrada na Administração Pública e quando estão em causa dinheiros públicos.

1.8.

Vejamos agora alguma jurisprudência dos nossos tribunais.

O Acórdão do STJ de 12-07-2011, Processo nº 170751/08…, foi assim sumariado:

1. Decorre da configuração constitucional dos tribunais arbitrais como verdadeiros órgãos jurisdicionais a exigência de que, na sua constituição, sejam respeitadas integralmente as notas essenciais que permitem identificar um tribunal, qualquer que seja a sua espécie ou tipo – e que são precisamente a independência e imparcialidade dos juízes – de todos os juízes – que o integram, incluindo os árbitros designados pela parte.

2. Sendo o processo arbitral , apesar de flexibilizado e desformalizado, um verdadeiro catálogo de regras adjetivas que permitem a justa composição da lide, em obediência aos princípios estruturantes da igualdade das partes e do contraditório –que constituem emanação do próprio direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais –não respeitaria as exigências do processo equitativo um procedimento que decorresse perante um órgão decisor em que algum ou alguns dos «juízes» que o integram estivessem privados das garantias essenciais da independência e imparcialidade.

3. É nula a convenção de arbitragem em que expressamente se dispõe sobre a composição do tribunal arbitral voluntário, em termos de a larga maioria dos seus membros (4 dos 5 dos árbitros aí previstos) não dar garantias adequadas de independência e imparcialidade, atenta a situação de dependência relativamente à parte que o indicou - a que está ligado por contrato de mandato e prestação de serviços - e a sua profunda ligação à matéria contratual litigiosa – cabendo aos tribunais judiciais apreciar tal vício, essencial para dirimir a exceção dilatória prevista na al. j) do art. 494º do CPC, atento o seu carácter manifesto e a impossibilidade de, nessas circunstâncias, se poder constituir o tribunal arbitral.

Citemos este importante aresto:

“Na verdade, embora a génese dos tribunais arbitrais voluntários seja perfeitamente diversa da dos tribunais estaduais – assentando essencialmente na autonomia da vontade dos litigantes, mais do que na administração institucional da justiça «em nome do povo» - o resultado da sua atividade é, em larga medida, coincidente com o exercício da função jurisdicional por qualquer tribunal, já que lhes compete, de um ponto de vista teleológico, proceder à heterorresolução de um conflito entre sujeitos privados, num plano estritamente jurídico, ou seja, visando a composição dos interesses conflituantes a pura realização do direito objetivo ou da equidade (e não a prossecução ativa de outros interesses, diferenciados da estrita atuação do ordenamento jurídico).

E, assim sendo, decorre naturalmente da configuração constitucional dos tribunais arbitrais como verdadeiros órgãos jurisdicionais, - exercendo «privadamente» a função jurisdicional - a exigência de que, na sua constituição, sejam respeitadas integralmente as notas essenciais que permitem identificar um tribunal, qualquer que seja a sua espécie ou tipo – e que são precisamente a independência e imparcialidade dos juízes –de todos os juízes – que o integram. A relevante especificidade dos tribunais arbitrais relativamente aos tribunais estaduais - já que são constituídos por vontade dos litigantes, são normalmente desprovidos de carácter permanente, por constituídos «ad hoc» para a resolução de certo litígio, não sendo os árbitros juízes de carreira, pelo que não lhes é automaticamente aplicável todo o estatuto público, funcional e garantístico, dos magistrados – não permite, porém , eliminar , quanto a eles, a nota essencial caracterizadora de qualquer «verdadeiro» órgão jurisdicional: as referidas exigências de independência e imparcialidade.

Por outro lado, sendo o processo arbitral, apesar de flexibilizado e desformalizado, um verdadeiro catálogo de regras adjetivas que permitem a justa composição da lide, em obediência aos princípios estruturantes da igualdade das partes e do contraditório – que constituem emanação do próprio direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais – é manifesto que não respeitaria as exigências do processo equitativo um procedimento que decorresse perante um órgão decisor em que algum ou alguns dos «juízes» que o integram estivessem privados das garantias essenciais da independência e imparcialidade: é que, neste caso, não estaríamos confrontados com um verdadeiro tribunal, mas antes com um mero simulacro ou aparência de órgão jurisdicional…

Isto mesmo tem sido reconhecido de forma clara pela jurisprudência constitucional, da qual se infere, como temos sustentado (O Direito Fundamental do Acesso aos Tribunais e a Reforma do Processo Civil, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, 2001, separata, pág. 739) que o princípio constitucional da plenitude e efetividade da garantia da via judiciária envolve a impossibilidade de submissão de um litígio privado a um tribunal arbitral – no caso , necessário – sem que esteja plenamente assegurada a independência e imparcialidade dos juízes que o integram.

O caso resolvido pelo Ac. nº 52/92 do TC ilustra claramente esta premissa.

Na verdade, tal aresto declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do art. 49º das Condições Gerais de Venda de Energia Elétrica em Alta Tensão (CGVEEAT), anexas ao DL 43335, de 19/11/60, na parte em que atribuía ao Secretário de Estado da Energia competência para a designação do terceiro árbitro da comissão de 3 peritos-árbitros aí prevista, considerando como preceitos constitucionais violados por tal regime os arts. 20º, nº1, e 206º da Constituição da República Portuguesa (atual art. 202º).

Após qualificar a referida «comissão de árbitros» como verdadeiro tribunal arbitral necessário, encarregado de solucionar os litígios referidos em tal preceito legal, passou o TC a analisar se o modo de designação do terceiro árbitro punha em causa as garantias de independência e imparcialidade do julgamento , constitucionalmente impostas a qualquer tribunal: ora, considerando que o Estado era o único detentor do capital da EDP, ou seja, o proprietário daquela empresa, na aceção jurídico-económica do termo, entendeu que não era possível afirmar, com segurança, que, em quaisquer circunstâncias, o Estado não teria algum interesse nas controvérsias submetidas à dita comissão arbitral.

Ora, assim sendo, - configurando-se a imparcialidade como nota essencial ao próprio conceito de tribunal – a nomeação pela Administração Central do referido árbitro não deixava inequivocamente intocadas as garantias objetivas de imparcialidade do tribunal, criando riscos de tratamento desigual das partes.

Considera-se, deste modo, que – desde logo, por imposição da própria Lei Fundamental – todos os juízes-árbitros que integram um tribunal arbitral colegial – incluindo os designados pelas partes – têm de ter adequadamente asseguradas as garantias de independência e imparcialidade na condução do processo e no julgamento do pleito. Na verdade, para além de tais características serem absolutamente essenciais à configuração de um órgão como «tribunal», estaria obviamente em sério risco a possibilidade de um juiz não isento, por dependente de uma das partes ou pessoalmente envolvido, de forma profunda, na matéria do litígio que deve resolver como terceiro/decisor cumprir e fazer cumprir o princípio da igualdade das partes e assegurar que a solução do pleito decorre segundo as regras de um processo equitativo.

E, nesta perspetiva, é evidente que a designação de algum dos árbitros pela parte não pode significar nem implicar que esse elemento do tribunal fique colocado numa situação de dependência relativamente a quem o nomeou – mas apenas e tão-somente que tal designação assenta numa relação, não de subordinação, mas de confiança da parte no árbitro : confiança nas suas qualidades pessoais, profissionais, técnicas e deontológicas que potenciem uma justa composição da lide, tendo naturalmente particular atenção à posição e pretensões da parte que o designou, mas sem perder o fundamental dever de objetividade ( que, aliás, se não for cumprido, poderá conduzir a uma descredibilização do árbitro parcial perante a «comunidade arbitral» e perante os restantes árbitros, incluído o presidente – vejam-se as considerações tecidas sobre este ponto por José Miguel Júdice, ob. cit., pág. 116)”.

Cfr. ainda o Acórdão do TRLx de 24-03-2015, Processo nº 1361/14…:

“1. Apresenta-se como tempestivo o pedido de recusa de árbitro deduzido no prazo de 15 dias após conhecimento de todos os factos que fundamentam o pedido de recusa. 2. O árbitro tem o dever de revelar todas as circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência. 3. A omissão do dever de revelação, só por si, não implica necessariamente que haja falta de independência e imparcialidade do árbitro. 4. Esses atributos têm se der aferidos perante as concretas circunstâncias do caso em apreciação. 5. A nomeação do mesmo árbitro nos 3 anos anteriores, pela mesma sociedade de advogados, em processos de arbitragem necessária no âmbito de litígios abrangidos pela Lei n.º 62/2011, em cerca de 50 arbitragens, sendo que, em 19 delas, a nomeação provém da mesma parte e/ou suas associadas, e relativa à mesma substância ativa, correspondem a circunstâncias que quer aos “olhos das partes”, que não as conhecia na sua totalidade e extensão, quer objetivamente, são suscetíveis de criarem fundadas dúvidas sobre a independência e isenção do árbitro”.

2 – AS QUESTÕES A RESOLVER

Presente o quadro normativo português posto agora em evidência, estamos em condições de responder aos problemas que nos são colocados.

2.1. SOBRE A CADUCIDADE DO DIREITO DE RECUSA DE ÁRBITRO

Importa saber, desde logo, se o pedido de esclarecimentos feito pelo Município ao tribunal arbitral em 29-03-2016 e a resposta-decisão do tribunal arbitral de 21-05-2016 são relevantes para a contagem do prazo de 15 dias previsto no artigo 14º/2 da Lei da Arbitragem Voluntária de 2011.

Isto é, se o pedido de esclarecimentos feito pelo Município ao tribunal arbitral em 29-03-2016 e a resposta-decisão do tribunal arbitral de 21-05-2016 se referem ou não a factos relevantes para o juízo que a parte recusante tem o direito de formular.

Atenta a factualidade provada, concluímos que o município tem razão, ao contrário do decidido pelo tribunal arbitral.

Com efeito, as circunstâncias para as alegadas fundadas dúvidas que o requerente invocou podem ser (ou não) e aqui são um todo. Não são circunstâncias estanques, ao contrário do que o tribunal entendeu, uma vez que o juízo leve de censura, subjacente à conclusão do requerente município de que haviam factos que podiam suscitar seriamente dúvidas justificadas acerca da imparcialidade e independência do árbitro, pode licitamente ser formulado com uma perspetiva global assente em dois momentos: quando soube da arbitragem “B................................ vs. A........ Holding” e também quando recebeu em 23-05-2016 (2ª feira) a Decisão de 21-05-2016 do tribunal arbitral (facto nº 40), a qual lhe deu a conhecer os factos provados nºs 53 e 54.

Como o incidente foi suscitado em 07-06-2016, o prazo de 15 dias, iniciado em 23-05-2016 (contado como previsto no artigo 138º do Código de Processo Civil), não se esgotou.

2.2. SOBRE OS FUNDAMENTOS PARA A DESTITUIÇÃO DO COÁRBITRO DOUTOR MIGUEL ................

Como vimos já, na Lei da Arbitragem Voluntária de 2011, os fundamentos, em sede de dependência e ou parcialidade de coárbitro, para o dever de revelação, para o direito de recusa pela contraparte e para a destituição pelo tribunal estadual são iguais (existência de circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvidas), sob a égide de um mesmo tipo de critério de razoabilidade, normalidade e bom senso.

Pelo que afirmar que o dever de revelação foi violado é afirmar que há direito de recusa e que haverá decisão jurisdicional de destituição.

Ora, na destituição por fundadas dúvidas acerca da independência e imparcialidade de árbitro, o tribunal estadual deve fazer uma reapreciação dos factos invocados pela parte ante o tribunal arbitral. Trata-se, afinal, de o tribunal estadual fiscalizar a decisão do tribunal arbitral, quanto à mesma questão e sob o mesmo critério de julgamento.

E, além das diferenças de fundo já atrás apontadas entre a jurisdição privada e a jurisdição propriamente dita (a estadual), o processo previsto nos artigos 14º/3, 59º e 60º da Lei da Arbitragem Voluntária de 2011 visa a apreciação da mesma questão por um tribunal que é totalmente distinto do órgão “ad hoc” que integra o coárbitro recusado.

O facto de o Doutor Miguel ................ ter sido indicado pelo Grupo B................................ como “seu” árbitro em outras 3 arbitragens só poderá ser sinal de dependência ou parcialidade se tal quantificação for entendida à moda americana ou transnacional privada, em que o objetivo da fixação de um limite numérico exato infundamentado terá necessariamente a ver com a autorregulação (privada) de um mercado concorrencial de arbitragem jurídica voluntária, de modo a que juristas e advogados que sejam “árbitros profissionais” possam viver da arbitragem jurídica.

Não vemos outra “racionalidade” no número limite de 2 ou de 3. Por que não 4 ou 5 arbitragens? Por que não em 4 ou 5 anos?

Não é possível afirmar, objetiva ou subjetivamente, que 3 ou 4 arbitragens com a mesma parte e o mesmo juiz-árbitro por ela designado, em 2 ou 3 ou anos seguidos, implica por si ou automaticamente um perigo sério de tal árbitro ser dependente e estar do lado da parte que o designou. Há sempre que exigir outras circunstâncias para se obter alguma substância e racionalidade no juízo leve de censura que conduz à recusa ou à destituição.

É por isso que o legislador não concretizou de todo (com listas vermelhas ou laranjas) o conceito indeterminado de “circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvidas”.

Afinal, o juízo em causa é sempre um juízo leve de censura e não uma decisão (jurisdicional) para defender uma concorrência livre e justa num mercado privado de arbitragem jurídica, eventualmente com muitos “árbitros profissionais”.

Por exemplo, e agora regressando ao caso em apreço, seria útil sabermos as profissões e o número habitual de juristas que, em Portugal, integram tribunais arbitrais voluntários, as respetivas especializações técnicas ou não, bem como conhecer as suas decisões. Mas, como as aqui partes sabem muito bem, tais informações relevantes para a questão de um (fundamentado) número limite de arbitragens “repetidas” não são públicas e talvez nem existam.

Aliás, se esta questão fosse tão decisiva e objetiva para o interesse da justiça (privada – artigo 209º/2 da Constituição da República Portuguesa) dos cidadãos e pessoas coletivas, certamente que o legislador teria sido mais concreto e exigente na redação dos cits. artigos 9º, 13º e 14º da Lei da Arbitragem Voluntária de 2011.

Pelo que, no nosso direito, o fator do número de arbitragens que ligam uma parte a um certo árbitro, como aqui é colocada pelo Município (talvez chocado com algumas decisões arbitrais tomadas neste universo da B................................), é por si irrelevante ou, pelo menos, claramente insuficiente. Tem de ser combinado com outros fatores, de modo a que o tribunal estadual possa ajuizar, sob a égide do direito efetivamente vigente no país, com ponderação racional e expressa, sobre a possibilidade de haver fundadas dúvidas sobre a imparcialidade ou a independência do coárbitro.

Trata-se, pois, não de aplicar um quase-direito estrangeiro ou um quase-direito privado português, em desfavor da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 1º/2-1ª parte, 3º/1 e 9º do Código Civil, mas sim de aplicar e concretizar:

(i) a Lei da Arbitragem Voluntária de 2011, de acordo com os artigos 9º e 10º do Código Civil;

(ii) o Código Civil, “maxime” os seus artigos 1º/2-1ª parte e 3º/1; e

(iii) o Estado de Direito e a Constituição da República Portuguesa, “maxime” os seus artigos 2º, 18º, 20º, 112º, 203º, 204º e 209º/2.

É o que passaremos a fazer. Sob a égide do critério objetivo, de razoabilidade, bom senso e normalidade atrás exposto. E não sem repetir que a autorregulação privada e de cariz transnacional (americana, inglesa ou mesmo portuguesa) não é fonte de Direito, como facilmente se conclui dos artigos 1º, 2º, 8º, 112º, 203º e 204º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 1º/2-1ª parte e 3º/1 do nosso Código Civil.

Ora, as circunstâncias (expressas em factos e ou contextualizadoras de factos) criadoras da possibilidade - séria e racional - de se suscitarem fundadas dúvidas sobre a imparcialidade ou a independência do coárbitro aqui designado pela B................................ e Outros, são, de acordo com o Município (no contexto exposto pelos factos dados a conhecer no Despacho de maio de 2016), as que passaremos agora a expor e analisar.

1º - O Doutor Miguel ................ não se pronunciou sobre as razões que o levaram a não dar conhecimento às partes e aos demais árbitros da sua participação no tribunal arbitral que dirimiu o litígio B................................ vs. A........ Holding.

Ora, este facto é, por si, irrelevante para apurar da independência e imparcialidade daquele coárbitro, nada tendo de ilegal (veremos depois a sua relevância no todo e ainda quanto à suposta violação do dever de revelação).

Se não revelou tal circunstância, é óbvio que foi porque concluiu que tal facto não poderia suscitar as fundadas dúvidas a que se refere a LAV. O aqui requerente inverteu a ordem das coisas, ao apresentar este argumento.

2º - O Doutor Miguel ................ não teria esclarecido se atuou ou não como parecerista, perito, etc., dos Autores.

Ora, independentemente da baixa relevância deste ponto, temos de sublinhar que isso não é verdade, pois que a declaração ampla que fez abrange tudo o que foi perguntado pelo Município e responde clara e negativamente; não houve, pois, qualquer resposta equívoca.

3º - É igualmente irrelevante (para apurar da independência e imparcialidade daquele coárbitro) que o visado não tenha esclarecido o município sobre algum conhecimento prévio (público e ou por ter sido juiz-árbitro noutro caso) sobre aspetos do presente litígio (meios de prova, factos), já que o tribunal arbitral, como os juizes-magistrados do Estado, só pode decidir com base naquilo (factos e provas) que está no processo.

O aqui requerente parte do princípio errado de que os demais coárbitros não poderiam adquirir o conhecimento do “seu” processo na mesma medida que o árbitro a recusar.

Além disso, tal situação não é nunca, séria e objetivamente, uma circunstância que suscite dúvidas sobre a independência e imparcialidade do coárbitro.

4º - Existiriam elementos de conexão e intersecção “relevantes” (?) entre a presente arbitragem e a arbitragem B................................ vs. A........ Holding.

Sem prejuízo do caráter conclusivo de tal asserção, trata-se de uma hipótese que, em si, não retira qualquer isenção ao coárbitro (juiz) pelo facto de também ter sido coárbitro (juiz) nessa outra arbitragem.

Quanto a estes pontos 3º e 4º, releva o tema da junção do contrato-promessa cit. (também importante na outra arbitragem cit.), pedida pelo réu Município e recusada pelos autores e, a final, decidida favoravelmente pelo tribunal arbitral integrado pelo Doutor Miguel ................. O coárbitro codecidiu, pois, contra a vontade de quem o designou, pelo que a sua posição de isenção não sai beliscada.

Por outro lado, nada tem a ver com a sua isenção o facto de tal meio de prova ter sido também meio de prova na outra arbitragem cit., pois que o tribunal arbitral, como os juizes-magistrados do Estado, só pode decidir com base naquilo (factos e provas) que está no processo.

No mais, isto é, quanto às condutas processuais das partes, havendo conexões e contradições imputáveis à parte que designou este coárbitro, é porventura um problema de má fé processual da parte, mas não diz respeito à isenção dos árbitros.

5º - Não se percebe, ou melhor, não se aceita que possa haver menor isenção deste coárbitro (ou de outro qualquer) pelo facto de a parte que o designou “juiz-árbitro” ter adotado posições conflituantes entre si nos dois processos, nas duas arbitragens. A função do árbitro nada tem a ver com a estratégia processual das partes.

Aqui, parece-nos que o Município confundiu, incorretamente, coárbitro com parte processual e ou seu advogado.

6º - Passemos agora ao todo, onde avulta o tema do “árbitro repetido” e do conhecimento extravagante de factos importantes para esta arbitragem.

Esse todo é o contexto acabado de citar, aditado de dois factos: o Doutor Miguel ................ foi coárbitro designado pelo grupo B................................ (não pela empresa B................................) na arbitragem Parques de Tomar, SA vs. Município de Tomar, iniciada em dez.-2009 e finda em maio de 2011; e foi também coárbitro designado pelo grupo B................................ (não pela empresa B................................) na arbitragem Parques da Covilhã, SA vs. Município da Covilhã, iniciada em fev.-2012 e finda em abril de 2015.

Desde logo, cabe sublinhar que não existe a mínima conexão material entre estas duas arbitragens, relativas a parques de estacionamento, e as outras duas (a presente, iniciada em abr.-2014, e, entre fev.-2014 e mar.-2015, a B................................ vs. A........ ). Pelo que, no contexto nacional, factual e jurídico, atrás explanado, relevam muito pouco para efeitos do juízo (jurídico) que cabe a este TCA fazer relativamente ao fator não autónomo “árbitro repetido”.

Portanto, temos aqui um “árbitro repetido” (isto é, designado pela mesma entidade ou sua associada em grupo empresarial) em quatro arbitragens nacionais em três anos (de abril de 2014 a abril de 2011), com um cruzamento naturalístico de situações de vida em duas das quatro, mas sem conexão substantiva entre elas:

(i) a presente arbitragem (em que a B................................ demanda o Município de Lisboa, no contexto da restituição de prestações que tinham sido executadas ao abrigo dos atos e contrato declarados nulos pelo TCA Sul e do conhecimento de eventuais efeitos indemnizatórios complementares daí decorrentes) e

(ii) a “B................................ vs. A........ Holding” (cuja decisão tem o seguinte teor: -Julgar a ação parcialmente procedente e reduzir o montante da pena estabelecida na cláusula penal de indemnização fixada, no anterior acórdão arbitral, Eur 5.000.000 {nos quais se incluíam os danos emergentes de € 656.386,83) para 2.000.000 (nos quais se incluem os danos emergentes de 656.366,83) acrescida de juros de mora sobre o montante de E 2.000.000, calculados às taxas que resultarem da aplicação do artigo 102º, § 3, do Código Comercial: -Decidir que a redução da pena determinada nos termos do número anterior produz efeitos a contar de 29 de março de 2012. -Nestes termos: -Os Demandantes continuarão obrigados a pagar à Demandada desde 14 de julho de 2009 (data do acórdão arbitral) até 29 de março de 2012, juros sobre Eur 5.000.000, calculados às taxas que resultem da aplicação do artigo 102º, § 3 do Código Comercial; -Os Demandantes ficarão obrigados a pagar à Demandada Eur 2.000.000 acrescidos, a contar de 29 de março de 2012, de juros sobre este montante, calculadas às taxas que resultem da aplicação do artigo 102.º, §3 do Código Comercial. -Condenar a Demandada a restituir aos Demandantes o que deles tiver recebido ou vier a receber relativamente à efetivação da cláusula penal, no que exceder o montante da pena agora fixado e respetivos juros, acrescido de juros, à taxa legal, até efetivo pagamento. -Julgar a ação improcedente, na parte restante).

Assim, tendo os quatro processos quatro diferentes pedidos e quatro diferentes causas de pedir, concluímos que o coárbitro Doutor Miguel ................, num juízo perscrutador conduzido com normalidade, seriedade, bom senso e objetividade, não estava sujeito à possibilidade séria de se suspeitar (fundadamente) da sua isenção nesta arbitragem pelo facto de também ser juiz-árbitro naqueloutras, especialmente na “B................................ vs. A........ Holding”.

Além disso, nenhum facto intraprocessual indicia qualquer conduta ilegal, omissiva, anormal ou incomum por parte do tribunal arbitral e seus 3 árbitros.

Acresce ainda que não há o mínimo indicio de que este coárbitro dependa financeiramente dos aqui autores. Antes pelo contrário.

Por isso, o coárbitro não tinha o dever de revelação, no início ou durante a presente arbitragem, dos factos concretos atrás enunciados. E, por isso também, este TCA Sul conclui que não existem circunstâncias que pudessem ou possam suscitar dúvidas fundadas acerca da independência e imparcialidade do coárbitro.

*

III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o pedido e, assim, em não destituir o coárbitro Doutor Miguel .................

Custas a cargo do requerente.

Lisboa, 16-02-2017


(Paulo H. Pereira Gouveia, relator)

(Nuno Coutinho)

(J. Gomes Correia)



(1)Sobre o chamado “ónus da prova”, cfr. o Acórdão deste TCA Sul de 10-03-2016, Processo nº 12843/15: “I – O Código Civil de 1966 é inspirado, quanto ao chamado ónus da prova, pela substantivista “teoria das normas”, estabelecendo por isso um regime de distribuição do ónus da prova diferente do Código Civil de Seabra e do Código de Processo Civil de 1939; para evitar a insegurança jurídica e atento à normalidade da vida, o Código Civil de 1966, na linha de Leo Rosenberg, atende à posição substantiva das partes, e não à sua posição processual, para fazer a (justa) distribuição do peso e risco da falta de prova dos factos favoráveis a cada parte; II – O ónus da prova, que não se confunde com um dever de provar, é um instituto de direito material regulado nos artigos 342º ss do Código Civil atual, que pode ser definido como a regra de julgamento da causa segundo a qual, num contexto processual onde sobressaem os princípios do inquisitório (artigo 411º do Código de Processo Civil) e da aquisição processual (artigo 413º do Código de Processo Civil), a parte (autor ou réu) que invoque a seu favor uma situação jurídica tem contra si o risco de não serem adquiridos no processo os factos positivos ou negativos que, segundo a lei material, são idóneos a fazer nascer a situação jurídica favorável invocada, ficando, assim, essa parte processual sujeita à improcedência da sua pretensão no caso de insuficiência da aquisição processual dos factos fundamentadores da situação jurídica invocada”.
(2)Que, no entanto, esqueceu de atribuir ao M.P. o poder-dever de recorrer contra certas decisões arbitrais, em defesa do interesse público e das finanças públicas, bem como em defesa da Constituição da República Portuguesa.