Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2245/17.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/28/2019
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário:Inexiste contradição de julgados se as soluções encontradas em ambos os casos – no sentido da verificação/não verificação da prescrição – resultaram do diverso circunstancialismo de facto trazido a cada um dos processos. No caso, a divergência das soluções propugnadas nos dois acórdãos tem a ver unicamente com os casos concretos e com as suas especificidades, apesar de em ambos os casos se ter feito idêntica aplicação do disposto no nº3 do artigo 48º da LGT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

*

M......., notificada do despacho proferido, em 30/09/19, pela ora Relatora, o qual julgou findo o recurso por oposição de acórdãos, interposto nos termos previstos no artigo 284º, do CPPT, e com ele discordando, veio deduzir reclamação ao abrigo do artigo 643º do CPC, a qual foi convolada em reclamação para a conferência (cfr. despacho de 21/10/19).

Em discordância com o decidido alega, em síntese, que se verifica efectivamente a oposição de acórdãos, tal como defendido, e que, assim sendo, deve ser revogado o despacho proferido pela Relatora que assim não entendeu.

É o seguinte o teor do quadro conclusivo formulado na reclamação:

“1-Vem a presente reclamação interposta do douto despacho de indeferimento do recurso que considerou, no caso vertente, não se verificar oposição de acórdãos;

2-Na verdade e como consta do despacho de que se reclama é expressamente citada a norma vertida no artº 48 nº1 da LGT que estatui «A obrigação de pagamento das dívidas tributárias prescreve no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário”;

3-Igualmente naquele despacho é tomado em consideração que a norma vertida no seu nº 3 “A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efetuada após o 5º ano posterior ao da liquidação.”;

4-Ora é neste sentido que a reclamante apresentou e demonstrou a existência de oposição de Acórdãos;

5-Contudo foi entendido no douto despacho em apreço que nos dois Acórdãos em causa se estava perante circunstancialismos diferentes que, assim, levava tomadas de posição diversas;

6-E não perante verdadeiras oposições de Acórdãos;

7- É, pois, patente que e salvo o devido respeito por melhor opinião existe clara contradição na decisão ora reclamada;

8- Com efeito no decorrer da justificação de indeferimento menciona-se naquele despacho que ambos os acórdãos desconsideram, com fundamento na norma vertida no nº 3 do artigo 48º da LGT, o efeito interruptivo da citação do devedor originário;

9- Ora e ao contrário do que resulta do douto despacho reclamado em ambos os Acórdãos é apreciada inequivocamente a mesma questão de Direito a saber a prescrição das dívidas do devedor subsidiário e as causas e prazos da sua interrupção;

10- E sendo que, nesse tocante, a apreciação, em ambos os Acórdãos, é da mesma matéria factual ou seja é apreciada em ambos quando ocorre a interrupção da prescrição face ao devedor subsidiário;

11- Não entende, pois, a reclamante a razão pela qual naquele douto despacho se afirma “De resto, como parece cristalino, ambos os acórdãos interpretam coincidentemente a norma contida no artigo 48º, nº3 da LGT”

12- Para mais adiante dizer que todavia tratava-se de “circunstancialismos diversos “;

13- Como se referiu o facto em apreço em ambos é rigorosamente o mesmo: a causa e prazo de interrupção da prescrição perante o devedor subsidiário;

14-É que a oposição de Acórdãos não tem de resultar de eventual diverso factualismos mas outrossim de diversa interpretação jurídica da mesma questão de direito perante um facto (a interrupção da prescrição) rigorosamente idêntico;

15-Pelo exposto entende a reclamante que o douto despacho proferido mal andou ao interpretar e aplicar ao caso vertente a não oposição jurídica entre os Acórdãos;

16-O que constitui, manifestamente, fundamento para a presente reclamação devendo os autos prosseguirem para ser proferido Acórdão sobre o pedido.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. muito doutamente suprirão, deve ser revogada a decisão reclamada e ordenado o prosseguimento do recurso como é de inteira Justiça”.


*

Notificada a parte contrária, a mesma nada disse.

*

A Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência da reclamação apresentada.

*

Vêm, agora, os autos à conferência para decisão.

*

O instituto da reclamação para a conferência, actualmente previsto no artigo 652º, nº 3, do CPC, fundamenta a sua existência no carácter de Tribunal colectivo que revestem os Tribunais Superiores, nos quais a regra é a decisão judicial demandar a intervenção de três juízes, os quais constituem a conferência, e o mínimo de dois votos conformes.

Sempre que a parte se sinta prejudicada por um despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode dele reclamar para a conferência. O que se visa com a reclamação é, afinal, a substituição do órgão excepcional (o relator) pelo órgão normal (a conferência como tribunal colectivo) para proferir determinada decisão.

A reclamação é também admissível de despacho proferido no exercício de poder discricionário, o qual tem a ver com matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador (cfr. artigo 152º, nº 4, do CPC).

No âmbito do processo judicial tributário, a jurisprudência e a doutrina defendem a possibilidade de utilização do instituto da reclamação para a conferência da decisão do relator que considere findo o recurso por oposição de julgados, exarado ao abrigo do artigo 284º, nº 5, do CPPT (cfr. acórdão do TCA Sul -2ª.Secção, 13/11/2012, proc. nº 4990/11; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª. edição, IV Volume, 2011, pág.480).

A admissão do recurso por oposição de acórdãos depende da satisfação dos seguintes requisitos (cfr. acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 16 de Dezembro de 2010, processo n.º 173/10):

- existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;

- a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo;

- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;

- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.


*

Feito este enquadramento, centremos a nossa atenção no caso concreto.

No despacho reclamado, proferido pela ora Relatora, que julgou findo recurso por oposição de acórdãos, deduzido ao abrigo do artigo 284º, do CPPT, concluiu-se nos seguintes termos:

“Como está bem de ver, as soluções encontradas em ambos os casos – no sentido da verificação/não verificação da prescrição – resultaram, assim,, do diverso circunstancialismo de facto trazido a cada um dos processos. Dito de outra forma: a divergência das soluções propugnadas nos dois acórdãos tem a ver unicamente com os casos concretos e com as suas especificidades, apesar de em ambos os casos se ter feito idêntica aplicação do disposto no nº3 do artigo 48º da LGT.

Em suma, não há qualquer contradição mas, antes, circunstancialismos diferentes, a reclamarem tomadas de posição diversas. ”.

E, na verdade, assim é.

Vejamos as razões para assim entendermos, lançando mão, desde já, daquilo que escrevemos no despacho reclamado.

Assim:

“(…)

Abstraindo, desde já, dos demais requisitos que se têm de ter por verificados para efeitos de se considerar existir oposição de acórdãos, podemos adiantar que inexiste oposição entre ambos os identificados arestos, sem prejuízo de se ter em consideração que, em ambos os casos, se aferiu da prescrição de dívidas relativamente a um responsável subsidiário.

Vejamos,

Refere a Recorrente que o acórdão recorrido “à revelia da jurisprudência citada (…) julga não verificada a dita prescrição porquanto, uma vez que a interrupção do prazo da prescrição verificada com a citação da devedora principal não produziu efeitos quanto à aqui recorrente (por ter sido citada para além dos cinco anos decorridos da liquidação), a interrupção da prescrição, quanto ao recorrente, só se verifica com a sua citação para a execução como «causa interruptiva própria e singular do prazo de prescrição»;

No acórdão fundamento evidenciou-se que, tal como decorre expresso na conclusão 9 que: “A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança. Acontece que qualquer causa interruptiva ocorrida em relação ao devedor originário não produz efeito relativamente ao responsável subsidiário se a citação da reversão não ocorrer no 5° ano posterior à liquidação ou, no caso em apreço à autoliquidação. E o que decorre do art. 48°, n°3 da LGT “a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5º ano posterior ao da liquidação”;


*


Daquilo que ficou transcrito, resulta, desde logo, que, não obstante estar em causa em ambos os acórdãos a contagem do prazo de prescrição de dívidas relativamente a responsável subsidiário (embora, num caso, dívidas de impostos; no outro, dívidas de valores respeitantes à segurança social), a diferente solução encontrada nos dois acórdãos resulta, indubitavelmente, do diferente circunstancialismo de facto que subjaz aos mesmos.

De resto, como parece cristalino, ambos os acórdãos interpretaram coincidentemente a norma contida no artigo 48º, nº3 da LGT.

Na verdade, num caso – no acórdão recorrido - o Tribunal considerou que, “a citação do responsável subsidiário verificou-se mais de 5 anos após a liquidação do imposto, mas menos de 8 anos após a ocorrência de tal liquidação (cfr. artigo 48º, nº1), pelo que ocorreu dentro do prazo de prescrição legalmente previsto” e, como tal, “a citação da recorrida – leia-se, da responsável subsidiária – tem relevância própria como facto interruptivo da prescrição, tendo inutilizado para a prescrição o prazo decorrido até à sua verificação”.

No acórdão fundamento, deixou-se expresso que “resultando apurado que o Oponente, na qualidade de responsável subsidiário, foi citado em 06/03/14, impõe-se concluir que a sua citação se verificou decorridos mais de cinco anos sobre a liquidação das dívidas, pelo que o facto interruptivo que ocorreu com a citação do devedor originário não produz qualquer efeito relativamente ao devedor subsidiário, aqui Recorrido”.

Portanto, ambos os acórdãos desconsideraram, com fundamento no nº 3 do artigo 48º da LGT o efeito interruptivo da citação do devedor originário.

Sucede que, no acórdão recorrido, a citação do responsável subsidiário verificou-se ainda no decurso do prazo de oito anos de prescrição e, como tal, tal facto assumiu relevância interruptiva própria e autónoma.

Já no acórdão fundamento, tal não se verificou, porquanto o primeiro facto com relevância interruptiva da prescrição (a notificação do aí Oponente para o exercício do direito de audição prévia) ocorreu quando o prazo prescricional já se havia completado.

Como está bem de ver, as soluções encontradas em ambos os casos – no sentido da verificação/não verificação da prescrição – resultaram, assim, do diverso circunstancialismo de facto trazido a cada um dos processos. Dito de outra forma: a divergência das soluções propugnadas nos dois acórdãos tem a ver unicamente com os casos concretos e com as suas especificidades, apesar de em ambos os casos se ter feito idêntica aplicação do disposto no nº3 do artigo 48º da LGT.

Em suma, não há qualquer contradição mas, antes, circunstancialismos diferentes, a reclamarem tomadas de posição diversas.

Justifica-se, pois, a aplicação do disposto no artigo 284º, nº5 do CPPT, considerando-se o recurso findo quanto à apontada oposição.

Face a tudo o que ficou dito, não se verificando a oposição de julgados, considera-se findo o presente recurso (artigo 284º, nº5 do CPPT)”.


*

Ora, o acabado de expor mantém-se inteiramente válido, razão pela qual logo adiantámos que não assiste razão à Recorrente, ora Reclamante, ou seja, não se justifica, com base no alegado, alterar o despacho reclamado.

É que, comparados ambos os acórdãos, descortina-se efectivamente um circunstancialismo distinto que motiva as diferentes soluções jurídicas encontradas.

Saliente-se - e repetindo - que ambos os acórdãos desconsideraram, com fundamento no nº 3 do artigo 48º da LGT, o efeito interruptivo da citação do devedor originário. Porém, no acórdão recorrido, a citação do responsável subsidiário verificou-se ainda no decurso do prazo de oito anos de prescrição e, como tal, tal facto assumiu relevância interruptiva própria e autónoma. Contrariamente, no acórdão-fundamento tal não se verificou. Aqui, com efeito, o primeiro facto com relevância interruptiva da prescrição (a notificação do aí Oponente para o exercício do direito de audição prévia) ocorreu quando o prazo prescricional já se havia completado.

Portanto, é apodítico que a um diverso quadro factual correspondeu uma diferente solução jurídica, ainda que no âmbito do mesmo quadro normativo.

A nenhum título se pode considerar existir oposição de acórdãos.

Assim sendo, daquilo que fica exposto, e à falta de novos argumentos que já não tivéssemos anteriormente ponderado (aquando da prolação do despacho ora reclamado), resulta que inexiste oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento.

As diferentes soluções – ao nível prescrição da dívida relativamente a um responsável subsidiário - decorrem, isso sim, da verificação de um circunstancialismo diverso em ambos os processos, sem que daí se retire qualquer contradição nas abordagens.

Termos em que se conclui, como no despacho reclamado, pela inexistência da invocada oposição de julgados, indeferindo-se, em consequência, a reclamação.


*

Decidindo,

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a presente reclamação para a conferência, confirmando-se o despacho reclamado.

Condena-se a Reclamante pelo presente incidente, fixando-se a taxa de justiça devida em duas (2) UC.

Lisboa, 28 de Novembro de 2019.


(Catarina Almeida e Sousa)

(Lurdes Toscano)

(Jorge Cortez)