Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:705/22.5BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/04/2023
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA.
FUNDAMENTOS DA RECLAMAÇÃO.
Sumário:Não havendo razões para censurar o despacho do relator que decretou a extinção da instância recursória, por inutilidade superveniente da lide, não pode a reclamação para a conferência dar lugar à prolacção de Acórdão que conheça do mérito do recurso.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão
I- Relatório
O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, deduziu reclamação para a conferência, do despacho do relator de 14/02/2023, que rejeitou a arguição de nulidade, por omissão de pronúncia, deduzida contra o despacho do relator de 11/01/2023, por meio do qual foi determinada a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, com condenação em custas do recorrente. Pede a revogação do despacho questionado e a sua substituição por Acórdão que conheça do mérito do recurso jurisdicional interposto.
Invoca, em síntese, o seguinte:
«A Reclamação foi julgada procedente, anulando-se o despacho reclamado. // O IGFSS recorreu desta decisão. // Apesar do recurso apresentado, o IGFSS, I.P., por despacho de 14.10.2022, decidiu pela apensação de todos os processos e acordo em 150 prestações, dando cumprimento integral à sentença sob recurso. // Acontece que, o IGFSS apenas autorizou o referido acordo a 14.10.2022 - dando cumprimento à sentença de que recorre - por considerar que o recurso apresentado não teria efeitos suspensivos. // Pelo exposto, manifestou nos autos não concordar com a extinção da instância e solicitou que o Tribunal se pronunciasse sobre a matéria recorrida, o que não aconteceu.
Considera o recorrente que é fundamental que seja proferido acórdão sobre a matéria em discussão. // Vejamos: a Reclamante requereu, junto da Secção de Processo, a apensação dos processos de execução fiscal em curso, por forma a melhor gerir o pagamento voluntário da divida, requerendo na sequência dessa apensação, um plano único de pagamento em 150 prestações. // A Secção de Processo de Leiria indeferiu o requerido.
Considera a recorrente que, constituindo o acervo normativo jurídico-tributário um ramo próprio do direito público, o legislador previu um processo de execução fiscal primordialmente direcionado à cobrança dos créditos tributários de qualquer natureza, estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o objetivo de conseguir uma maior celeridade na cobrança dos créditos, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas.
Por outro lado, verifica-se que os vários processos de execução fiscal nos quais a E ………………… LDA é executada encontram-se suspensos (plano prestacional + isenção e/ou dispensa de prestação de garantia), pelo que também por aqui não se mostra admissível a apensação das execuções.
A eventual apensação dos processos, não incrementa a celeridade da globalidade das execuções uma vez que, ao admitir a possibilidade de um novo acordo de pagamento em 150 prestações mensais, implicaria um prolongamento da instância executiva por, pelo menos, mais 12 anos (!) >// O que motiva a apensação de processos são sobretudo razões de economia processual e não motivos relacionados com os direitos e deveres processuais das partes. // A aplicação da sentença de 1ª instância e do acórdão recorrido, aos processos de execução fiscal por dividas à Segurança Social, levaria a situações que, no limite teórico, implicariam que o executado nunca tivesse que efetuar o pagamento da 1ª prestação do acordo. (…) //
A aplicação da decisão da sentença e do acórdão daria aos executados a possibilidade de, por cada processo novo instaurado, ser requerido a apensação ao processo/acordo anterior, implicando sucessivas reformulações de acordos prestacionais. Em situações limite, levaria ao absurdo de nunca ser paga a 1ª prestação, se até à data limite de pagamento da mesma, fosse solicitado a apensação do novo processo a processo anterior já instaurado e com acordo de pagamento em prestações autorizado, com a consequente reformulação. (…) //
Foi no sentido defendido pelo IGFSS - Secção de Processo de Leiria, que decidiu o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no processo 01747/10.9BEBRG (2ª secão - Contencioso Tributário) de 23.11.2011 (…)».
X
A contraparte emitiu pronúncia, no sentido da improcedência da presente reclamação para a conferência.
Invoca que:
«Tratando-se a reclamação de um repetitivo das alegações do recurso interposto pelo mesmo e, como conclui no seu requerimento, o que pretende é ver apreciada a matéria em discussão nos autos de reclamação e não da matéria do despacho reclamado. // Confunde o recorrente reclamação para a conferência, que está limitada ao objeto e segmento decisório da decisão sumária, com o recurso da decisão, que neste caso resulta da decisão sumária de 11/01/2023 com a referência SITAF n.º 004702631, que determinou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide».
X
2.2. Enquadramento
2.2.1. A presente reclamação para a conferência é deduzida ao abrigo do disposto no artigo 652.º/3, do CPC. Nos termos do preceito, «(…) quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária».
Está em causa o despacho do relator que rejeitou a arguição de nulidade por alegada omissão de pronúncia deduzida contra o despacho do relator que decretou a extinção da instância recursória instaurada pelo recorrente com vista a revogar a sentença proferida nos autos. A sentença havia julgado procedente a reclamação judicial instaurada pela reclamada, “E ……………….. LDA.” contra o despacho de 30.06.2022, do Coordenador da Secção de Processos de Execução do IGFSS, determinado a anulação do acto impugnado.
Compulsado o teor do requerimento da reclamação em exame, verifica-se que a parte tem em vista a prolacção de Acórdão que conheça do mérito do recurso jurisdicional interposto e não a revogação/anulação do despacho eleito como objecto da reclamação.
Da jurisprudência colhem-se os ensinamentos seguintes:
i) «Não tem sustentação legal a forma de reclamar para a conferência quando o reclamante não aponta ou concretiza qualquer desacerto da decisão sumária, antes a desprezando enquanto decisão judicial fundamentada, limitando-se a requerer, única e simplesmente, que o recurso que interpôs seja apreciado em conferência». (1)
ii) «Na fase de recurso, a impugnação de despachos do Relator é feita mediante reclamação para a Conferência. // Tal reclamação deve, porém, ser fundamentada com a invocação das razões pelas quais a decisão deveria ser diversa da proferida. // Portanto, perante um despacho fundamentado do Relator proferido no âmbito das suas competências próprias, é insuficiente a mera formulação de vontade de reclamar para a Conferência, desacompanhada da impugnação dos fundamentos invocados pelo Relator» (2).
iii) «Quando, na reclamação da decisão singular prevista no artigo 652.º, n.º 3, do CPC, a reclamante não apresenta nenhum argumento novo, limitando-se a requerer que sobre a matéria recaia um acórdão, pode a Conferência manter aquela decisão singular sem necessidade de apresentar novos fundamentos ou sequer de os reproduzir» (3).
No caso em exame, o despacho do relator de 14/02/2023, sob censura, rejeitou a arguição de nulidade do despacho do relator de 11/01/2023, que determinou a extinção da instância de recurso jurisdicional instaurado contra a sentença que havia julgado procedente a reclamação judicial, por inutilidade superveniente da lide.
Na decisão contestada escreveu-se o seguinte:
«No despacho reclamado referiu-se o seguinte: // Cumpre apreciar e decidir. // A dedução da presente reclamação tem efeitos suspensivos da execução (artigo 278.º/8, do CPPT). No que respeita ao efeito associado à interposição do recurso, rege o disposto no n.º 2 do artigo 286.º do CPPT, preceito que estabelece que «[o]s recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos». Donde resulta que a parte podia ter requerido a atribuição de efeito suspensivo ao recurso por si interposto, o que não sucedeu. Mais se refere que o segmento decisório em crise (vertido na sentença), assumindo o sentido de anulação do acto reclamado, não impõe a prática de novo acto, substitutivo do acto negativo reclamado, como sucedeu com o despacho de 14/10/2022. Este último, na medida em que deferiu os três pedidos formulados pela recorrida, na execução, foi para além do que resulta do segmento decisório em crise. // Pelo que se impõe reiterar o projecto de decisão anteriormente notificado às partes, dado que não emergiu elemento novo que o contrarie. // Em consequência, determina-se a extinção da instância, com custas pelo recorrente (artigo 536.º/4, do CPC)».No parecer emitido pelo Digno Magistrado do Ministério Público, junto deste TCAS (03/02/2023) consignou-se que, // «Ora, conforme se refere e bem na decisão agora escrutinada, o IGFSS não requereu a modificação do efeito do recurso e deu o seu acordo ao plano de pagamento em prestações - matéria sobre a qual incidia o presente recurso. Ou seja, o IGFSS cumpriu a decisão do Tribunal de 1º instância, sendo que a ali Recorrente obteve, por essa via, a pretensão do seu pedido. Logo, a lide tornou-se inútil, uma vez que a parte obteve o resultado pretendido com a impugnação/recurso, tanto mais que, conforme se refere no Despacho sob escrutínio: "Mais se refere que o segmento decisório em crise (vertido na sentença), assumindo o sentido de anulação do acto reclamado, não impõe a prática de novo acto, substitutivo do acto negativo reclamado, como sucedeu com o despacho de 14/10/2022. Este último, na medida em que deferiu os três pedidos formulados pela recorrida, na execução, foi para além do que resulta do segmento decisório em crise."». // Como se refere no Acórdão deste TCAS, de 06/12/2022, P. 224/22.0 BEBJA, // «Nos termos do art.º 278.º, n.º 8, do CPPT, com a remessa para o tribunal tributário da reclamação de decisão proferida pelo OEF, a execução fiscal fica suspensa até à decisão do pleito, desde que a mesma afete a tramitação da execução. // Este efeito suspensivo é ope legis. // Estando pendente reclamação, cujo ato reclamado é um despacho que ordena a entrega de bem vendido e adjudicado, não pode o OEF, na sequência de novo requerimento do adjudicatário, ordenar tal entrega, enquanto aquela reclamação não for definitivamente decidida». // E como se refere também no Acórdão do TCAS, de 14-07-2022, P. 75/22.1 BELRA, // «(…) no caso da reclamação de atos praticados pelo órgão de execução fiscal com subida imediata é a própria lei que atribui efeito suspensivo a este meio processual (artigo 278/6 CPPT). // Ora, como já era jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, antes da alteração introduzida pela Lei nº 118/2019, de 17 de Setembro, da qual citamos a título meramente exemplificativo o Ac. STA de 2015.08.05, Proc. nº 0990/15, de cujo sumário transcrevemos: // I - Decorre da nova redacção que ao artº 278º do CPPT foi dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31/12 e bem assim que à al. n) do nº 1 do artº 97º do CPPT foi dada pela Lei 66-B/2012, que a reclamação das decisões do órgão da execução fiscal, com subida imediata, não tem efeito suspensivo da execução no seu todo. // Não obstante, tal não significa que o órgão de execução fiscal possa praticar actos de execução da decisão reclamada, pois esta fica suspensa com a reclamação com subida imediata. // Ademais esse efeito suspensivo é imprescindível para assegurar a tutela judicial efectiva dos direitos ou interesses do reclamante afectados por actos da Administração Tributária e, por isso, é também exigido pelos arts. 204, nº 1, e 268 nº 4, da CRP. // Assim, independentemente da atribuição de efeito devolutivo ou suspensivo ao presente recurso, a execução estará suspensa no que ao objeto da presente reclamação se refere, até ao transito em julgado da decisão que lhe ponha fim. // Trata-se, pois, de caso em que a atribuição de efeito devolutivo ou suspensivo, não terá efeito prático». // No caso em exame, o recorrente, em violação do efeito suspensivo da execução, associada à pendência da reclamação (artigo 278.º/6 e 8, do CPPT), praticou o acto peticionado pela reclamante/recorrida, em substituição do acto de indeferimento contestado, deixando sem objecto a presente reclamação judicial, como aliás o próprio reconhece (pontos 3 e 4, do requerimento de 25/02/2023). Pelo que se impunha determinar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, como foi decidido pela decisão sumária sob escrutínio. A mesma não enferma de qualquer erro ou vício que lhe é apontado pelo reclamante, porquanto limitou-se a decretar a extinção da lide por falta de objecto, como é devido. // Motivo porque se impõe rejeitar a presente arguição de nulidade».
Lido o teor da presente reclamação para a conferência, verifica-se que a parte não aponta qualquer razão de discordância ou de censura em relação à decisão contestada. Ao invés, solicita a prolacção de Acórdão sobre o mérito do recurso jurisdicional. A presente reclamação para a conferência é de julgar improcedente, porquanto a mesma não aduz elemento novo ou razão que permita reverter a decisão impugnada.
Termos em que se julga improcedente a presente reclamação.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a presente reclamação para a conferência.
Custas pelo reclamante, pelo mínimo legal.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires)

(2.º Adjunto – Vital Lopes)

(1)Acórdão do TRCoimbra, de 17/12/2014, P. 453/10.9GBFND.C1.
(2) Acórdão do STJ, de 25/09/2014, P. 97/13.3YFLSB.S1.
(3) Acórdão do STJ, de 14/10/2021, P. 54843/19.6YIPRT.G1-A.S1.