Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13662/16
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:02/16/2017
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:NACIONALIDADE
NATURALIZAÇÃO
MARGEM DE LIVRE DECISÃO ADMINISTRATIVA
Sumário:I- O Ministro da Justiça pode conceder a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa desde o nascimento.

II- O Ministro da Justiça tem, no caso previsto no artigo 6º, nº 6, da Lei da Nacionalidade, uma (grande) margem de livre decisão administrativa, a qual, como se sabe, é limitada sempre pelo seguinte: (i) precedência de lei, (ii) interesse público, (iii) fim lícito, (iv) eventuais vinculações legais específicas, (v) todos os princípios constitucionais da atividade administrativa e (vi) racionalidade ou falta de erros grosseiros
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

ELSA …………………… intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ação administrativa especial contra

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA.

O pedido formulado foi o seguinte:

- Anulação do despacho da Ministra da Justiça que indeferiu o pedido de concessão de nacionalidade portuguesa por naturalização efetuado pela A. nos termos do nº 6 do Art.° 6° da Lei nº 37/81, de 3 de outubro, na redação da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de abril.

Por sentença de 03-11-2015, o referido tribunal veio a prolatar decisão, onde absolveu o réu do pedido.

*

Inconformada com tal decisão, a autora interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

A.

A presente reclamação é interposta como manifestação da insatisfação e não concordância, por parte da ora Reclamante, perante a sentença que julgou improcedente a presente ação administrativa especial.

B.

A Reclamante formulou pedido de nacionalidade por naturalização, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 6 da Lei da Nacionalidade.

C.

O juiz relator secundou a decisão de indeferimento da Exma. Ministra da Justiça.

D. Entendeu assim que enquanto que nos casos previstos na n.º 1 do Art.º 6º da Lei da Nacionalidade, estamos perante o exercício de um poder vinculado, desde que cumulativamente verificados os requisitos aí elencados, nos casos previstos no n.º 6 do Art.º 6º da Lei da Nacionalidade, a lei utiliza a formulação “pode conceder”. Pelo que, a norma não vincula o órgão competente à atribuição da nacionalidade, antes lhe confere uma (ampla) margem de discricionariedade na apreciação dos pressupostos da concessão da nacionalidade por naturalização.

E.

Que a Reclamante apesar de ter nascido em Angola em 1970, quando este território ainda era português, perdeu a nacionalidade portuguesa aquando da independência de Angola em 11 de novembro de 1975, por não reunir os requisitos exigidos pelo Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de junho e nos termos do art.º 4.º deste diploma.

F.

Bem como que apesar da Reclamante ter nascido em 1970, apenas foi registada em 1977, após a independência de Angola, pelo que perdeu, nos termos do Art.º 4º do Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de junho, a nacionalidade portuguesa.

G. Alegou ainda que o Art.º 14.º da Lei da Nacionalidade estabelece que “Só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade.” e que no caso em apreço, ainda que a Reclamante tivesse sido registada ainda durante a sua menoridade, nada constava quanto ao estabelecimento da sua filiação paterna, pois o registo de nascimento foi lavrado por declarações da sua mãe, Balbina ……………, sem a intervenção do Roque ……………………, que a Reclamante identifica como seu pai.

H.

Por outro lado, alega ainda que à data do seu nascimento, Balbina ……………. e Roque ………….. ainda não haviam contraído matrimónio, o que viria a acontecer em 26 de junho de 1971 e ainda ao facto de Roque ……………. não ter participado no ato de registo da Reclamante, e bem ainda que dos autos não consta qualquer documento pelo qual Roque de Jesus Sequeira reconheça a paternidade da mesma, não se encontrando provado que a esta seja descendente de cidadão nacional.

I. Conclui ainda que não constava evidência nos autos que alguma vez a Reclamante tenha residido habitualmente em Portugal, que não constava nos autos quaisquer outros elementos relevantes de ligação a Portugal que não sejam a sua ligação familiar aos seus irmãos, cidadãos nacionais portugueses, naturais de Angola, bem como que o tribunal não vislumbrou qualquer erro na subsunção da situação fáctica às normas de direito aplicáveis, que conduzisse a que a decisão da Ministra da Justiça padecesse de uma notória falta de consideração de qualquer elemento que seja essencialmente relevante que justificasse a derrogação do requisito exigido pelas alínea b) do n.º 1 do Art.º 6 da Lei da Nacionalidade, e, consequentemente, a atribuição da nacionalidade portuguesa por naturalização nos termos do n.º 6 do mesmo artigo.

J.

A Reclamante, salvo o devido respeito, não poderia estar mais em desacordo com a fundamentação em que se ancorou o juiz relator.

K. Contrariamente ao alegado, a Reclamante entende preencher todos os requisitos legalmente estabelecidos para a aquisição da nacionalidade por naturalização, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 6 da Lei da Nacionalidade, bem como ter feito prova suficiente da sua efetiva ligação à comunidade portuguesa. Veja-se,

L.

A Reclamante é maior.

M.

Não tem qualquer condenação criminal.

N.

É filha e neta de cidadão nacional.

O. Efetivamente, nasceu em Angola em 23 de novembro de 1970, em território, então, português, pelo que, a Autora teve, inegavelmente, nacionalidade portuguesa durante um período de aproximadamente 5 (cinco) anos.

P. Apesar de só ter sido registada no ano de 1977, pela sua mãe, Balbina …………………, ainda na sua menoridade, à data já os seus pais já haviam contraído matrimónio.

Q. Ainda que a Autora não tenha certidão de nascimento lavrada antes da independência de Angola, a verdade é que tem uma certidão de nascimento lavrada na sua menoridade.

R. Acresce que é oriunda de um país de ascendência portuguesa (PALOP), in casu, Angola.

S. Tendo formado a sua personalidade quando Angola ainda tinha fortemente enrizadas as tradições e costumes portugueses.

T.

Ora, é facto notório e, por isso, de conhecimento público, que a língua oficial da Angola é a língua portuguesa.

U.

A Reclamante sempre frequentou o ensino escolar lecionado em Português.

V. Sendo que diariamente fala e escreve em português.

W. Contactando ainda com frequência com cidadãos portugueses com quem fala única e exclusivamente em português.

X. Sendo assim manifesto o domínio da língua portuguesa.

Y.

Aliás, sendo filha de cidadão nacional, foram-lhe incutidos hábitos relacionados com a cultura portuguesa.

Z. Ademais, é conhecedora da geografia portuguesa, história de Portugal, interessa-se pelos usos, costumes e pela sociedade portuguesa.

AA.

A Reclamante conhece ainda os símbolos nacionais, designadamente, a Bandeira Nacional e A Portuguesa, bem como os monumentos mais emblemáticos.

BB. Conhecendo e sendo apreciadora da gastronomia tipicamente portuguesa.

CC.

A Reclamante tem um forte sentimento de pertença à Comunidade Portuguesa.

DD.

Até porque os seus familiares mais próximos, inclusivamente a sua filha, são portugueses.

EE. Resultando, pois, à saciedade que a Reclamante tem um forte sentimento de pertença perene à comunidade portuguesa.

FF. Sendo ainda de referir que a Reclamante padece de vários problemas de saúde, nomeadamente, a hepatite C, bem como sofre de algumas limitações por ser cega de um olho e surda.

GG. Contudo, a sua inserção na comunidade portuguesa só será plena caso lhe seja concedida a nacionalidade que tanto almeja.

HH. Dispõe o artigo 6.º n.º 6 da Lei da Nacionalidade que: «O Governo pode conceder a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional.»

II.

Na verdade, não resulta da lei qualquer limitação à concessão da dispensa do requisito constante na alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, em virtude do estabelecimento da filiação na maioridade.

JJ.

A Lei da Nacionalidade não dispõe de qualquer exigência, na naturalização, relativamente ao estabelecimento da filiação na menoridade quanto à ascendência portuguesa, tão-somente refere que «O Governo pode conceder a naturalização com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 (…) aos que forem havidos como descendentes de português (…)» e

KK.

Bem assim, o Regulamento da Nacionalidade, no seu artigo 24.º n.º 1 quando apenas refere que «O Governo pode conceder a nacionalidade portuguesa (…) aos que forem havidos como descendentes de portugueses (…)».

LL. Como resulta – e bem, a nosso ver – da sentença proferida, a 22 de Novembro de 2008, no âmbito do processo n.º 709/08.0BESNT, que correu termos junto da 1.ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra: «A lei não distingue, sendo certo que a interpretação conferida pela Administração traduz-se numa interpretação restritiva da lei, já que pelo menos quanto ao elemento literal da norma jurídica basta que sejam descendentes de portugueses – (…) – para poder ser concedida a naturalização.»

MM.

De facto, a epígrafe do artigo é «Casos especiais em que pode ser concedida a naturalização».

NN.

Mas este regime excecional pretende, justamente, beneficiar e salvaguardar a possibilidade dos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado português ou à comunidade nacional, requererem a nacionalidade portuguesa por naturalização, com base nesses mesmos fundamentos.

OO.

Se, in casu, não se aplica a mencionada disposição, então em que situação se aplicará?!

PP.

Por outro lado, as decisões ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 6 da Lei da nacionalidade devem ser tomadas à luz do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, que dispõe no seu n.º 1 que «todos os cidadãos (…) são iguais perante a lei».

QQ.

Por conseguinte, a Reclamante só pode concluir que se trata de uma decisão violadora das normas legais, nomeadamente do princípio da igualdade. Sendo que,

RR.

O Princípio da Igualdade impõe a proibição do arbítrio que é «um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como principio negativo de controlo: nem aquilo que é fundamentalmente igual deve ser tratado arbitrariamente como desigual, nem aquilo que é essencialmente desigual deve ser arbitrariamente tratado como igual. Nesta perspetiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes», in J. J. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, «Anotação ao Artigo 13.º», in Constituição da República Portuguesa anotada, vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 339.

SS. Mais, à aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização não se podem aplicar os critérios de atribuição rígidos do regime de atribuição da nacionalidade, por se tratar, precisamente, de uma nacionalidade não originária.

TT.

Além disso, a Reclamante apresentou provas de efetiva de ligação à comunidade portuguesa.

UU.

Ora, segundo o Acórdão do Tribunal Central Administrativo de Sul, de 19/11/2009, «O requisito da ligação efetiva à comunidade nacional pressupõe a existência de uma ligação, cultural, sociológica e familiar à comunidade portuguesa (…)».

VV.

Sem dúvida, que se vem fixando Jurisprudência no sentido de que “a prova da ligação à comunidade nacional há-de ser feita em função de factos relacionados com diversos fatores: o domicílio, a língua, a família, a cultura, as relações de amizade, a integração sócio-económica-profissional, etc., de sorte a convencer da existência de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa”, in Coletânea de Jurisprudência – Acórdãos do S.T.J. – Ano VI, Tomo I – 1998, Acórdão de 22 de Janeiro de 1998, Pág. 25 e 26.

WW.

O que, in casu, se verifica e se encontra provado.

*

O recorrido contra-alegou.

A.

A reclamante está " em desacordo com a fundamentação em que se ancorou o juiz relator” porque "entende preencher todos os requisitos legalmente estabelecidos para a aquisição da nacionalidade por naturalização, ao abrigo do artigo 6. º, nº 6 da Lei da Nacionalidade, bem como ter feito bem prova suficiente da sua efetiva e especial ligação à comunidade portuguesa, da sua descendência de cidadão nacional e do facto de já ter ido nacionalidade portuguesa".

B.

A decisão reclamada não padece de qualquer vício, não assistindo razão à reclamante pois o Tribunal fez uma correta interpretação e aplicação do direito.

C.

O recurso ao artigo 6, n.º 6, da Lei da Nacionalidade não concede um direito subjetivo à aquisição da nacionalidade por naturalização, não bastando dizer que se verificam os necessários requisitos legais, contrariamente ao n.º 1 do mesmo preceito legal.

D.

Está em causa um poder discricionário da Administração (de dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n 1), podendo, ou não, ser concedida a naturalização, quando se encontram provados os pressupostos do pedido, nos termos dos artigos 6º, n.º 6, da LN e 24º do RLN, em função das particularidades que, no caso concreto, sejam demonstradas.

E.

A reclamante confunde "pressupostos" do pedido com "requisitos legalmente estabelecidos para a aquisição da nacionalidade por naturalização" (cfr. ponto 5 da reclamação).

F.

O regime especial de naturalização, mais favorável, é reservado para situações de exceção.

G. Sendo que, a situação da reclamante nada tem de excecional, pelo que não justifica a derrogação dos princípios básicos legalmente exigidos para que seja concedida a naturalização, contidos no n.º 1 do artigo 6 da LN e do artigo 19.º do RLN, maxime, a residência legal no território português pelo período mínimo de seis anos.

H.

A situação da requerente, tal como foi apresentada - invoca ser filha de progenitor português, mas não comprova a existência de reconhecimento paterno; teve anteriormente a nacionalidade portuguesa, mas durante o curto período de, aproximadamente, 5 anos, tendo perdido esta nacionalidade há já quase 4 décadas; tem atualmente residência habitual no Reino Unido - não demonstra qualquer especialidade suscetível de uma particular ponderação, não podendo, de modo algum, justificar que, por Sua Excelência a Ministra da Justiça e no uso deste poder não vinculado, lhe seja concedida a nacionalidade portuguesa, por naturalização.

I.

A reclamante afirma que "não resulta da lei qualquer limitação à concessão da dispensa do requisito constante na alínea b) do n. 1 do artigo 6. da Lei da Nacional idade, em virtude do estabelecimento da filiação na maior idade”, e que "a Lei da Nacionalidade [e o Regulamento da Nacionalidade] não dispõe de qualquer exigência, na naturalização, relativamente ao estabelecimento da filiação na menoridade quanto à ascendência portuguesa, tão-somente refere que Governo pode conceder a naturalização com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n. 1 (...) aos que forem havidos como descendentes de português (...)," (cf. pontos 33 a 35 da reclamação).

J.

No caso da reclamante, a relação de filiação invocada não se encontra regularmente estabelecida, face à lei portuguesa, lei aplicável nos termos do artigo 56.º, n.º 1, do Código Civil, e não o foi na menoridade da reclamante, nem após, na maioridade, pelo que não se compreende tal invocação.

K.

Como bem conclui na douta sentença, "não se encontra provado que a mesma seja descendente de cidadão nacional”.

L. Alega, ainda, embora sem concretizar (como lhe competia), que o ato impugnado viola o princípio da igualdade (artigo 13 da CRP), e que "à aquisição da nacional idade portuguesa por naturalização não se podem aplicar os critérios de atribuição rígidos do regime de atribuição da nacionalidade, por se tratar, precisamente, de uma nacionalidade não originária" (cfr. pontos 41 a 43 da reclamação).

M.

Não se vislumbra, nem a reclamante demonstra, porém, de que modo pode ter ocorrido a violação do princípio da igualdade, sendo que o alegado no ponto 43 demonstra que a mesma não compreendeu o alcance excecional da norma em causa.

N. Sendo certo que no exercício pela Administração deste poder discricionário existem sempre elementos vinculados, sendo a sua atuação regida pelos princípios da justiça, da imparcialidade, da igualdade e da proporcionalidade, princípios fundamentais de toda a atuação administrativa, com consagração constitucional (artigo 266°, n. 2, da CRP), elementos e princípios esses que não foram, de forma alguma, desrespeitados, nem a reclamante o demonstra.

O.

Por último, alega a reclamante ter uma efetiva ligação a Portugal, mas o certo é que nunca aqui teve residência, antes residindo em Inglaterra desde 1999. O facto de ter familiares (irmãos/filha) portugueses também não consubstancia, só por si, uma circunstância de especial relevo, nos termos do n.º 6 do artigo 6º da LN, sendo que os mesmos vivem também em Inglaterra.

P.

De facto, a situação da reclamante nada tem de excecional, pelo que não justifica que possa beneficiar do regime especial de naturalização, mais favorável, que se encontra previsto neste n.º 6 do artigo 6.º da LN, e que, por isso mesmo, deve ser reservado para situações de exceção, pelo que a douta sentença considerou, e bem, não existir "qualquer erro na subsunção fáctica às normas de direito aplicáveis" , nem "uma notória falta de consideração de qualquer elemento que seja essencialmente relevante que justificasse a (...) atribuição da nacionalidade por naturalização" .

*

O digno magistrado do M.P. junto deste tribunal foi notificado para se pronunciar em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como previsto no nº 1 do art. 146º.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

*

Consideramos as três dimensões do Direito como ciência do conhecimento prático - por referência à ação humana e ao “dever-ser” inerente às normas jurídicas -, quais sejam, (i) a dimensão factual social - que influencia muito e continuamente o direito legislado através das janelas de um “sistema jurídico” estável (: uma ordem teleológica e axiológica, aberta, de princípios jurídicos gerais, encimada pela Constituição material), (ii) a dimensão ética e seus princípios práticos - que influenciam o direito objetivo também e apenas através das janelas do sistema jurídico - e, a jusante, (iii) a dimensão normativa e seus princípios prático-jurídicos.

*

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cabe, ainda, sublinhar que os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cfr. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou declare nula, deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, reunidos que se mostrem no caso os pressupostos e condições legalmente exigidos.

As questões a resolver neste recurso são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS

O tribunal “a quo” deu como provada a seguinte matéria de facto (sem se referir a “factos relevantes não provados”):

1.

No dia 27 de maio de 2010 a A. entregou requerimento dirigido ao Ex. º Senhor Ministro da Justiça, com o seguinte teor: “Elsa ……………, solteira, Filha de Roque …………… e Balbina ………………, natural de Angola, residente em 25 …………….. London NW 9 5 Gt. Que requer ao Sr. Ministro da Justiça, que lhe conceda a nacionalidade Portuguesa. por naturalização, nos termos do artigo 6º, nº 6, parte final da lei 37/81, de 3 de Outubro, e que seja lavrado o respetivo registo de aquisição de nacionalidade Portuguesa, com os seguintes fundamentos: É maior em face da lei Portuguesa; Reside em Londres, porque é deficiente onde se encontra em tratamentos; O requerente residiu em Angola, Portugal e Londres; Conhece perfeitamente a Língua Portuguesa; Seus irmãos e família são todos Portugueses; Não foi condenado, com trânsito em Julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segunda a lei Portuguesa. Solicita a dispensa do requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artº 6º da lei da nacionalidade pelo seguinte motivo. Foi Portuguesa até à Independência de Angola, tendo perdido nos termos do art.º 4º do Decreto-Lei n.º 375-A/75, de 24 de junho, por não se encontrar abrangido pelo disposto nos artº 1º e 2º do referido Decreto-Lei. Que se encontra integrada na comunidade portuguesa, tem bom relacionamento com colegas e amigos portugueses.” (cfr. fls. 1 do Processo Instrutor);

2.

Em anexo ao requerimento mencionado no ponto anterior a A. entregou Certidão de Nascimento, da qual consta, como data de nascimento, o dia 23 de novembro de 1970, bem como, como que a A. é filha legítima de Roque ………………. e Balbina …………………., e ainda que o assento de nascimento foi lavrado com base nas declarações feitas pela mãe (cfr. fls. 51 do Processo Instrutor);

3.

Em anexo ao requerimento referido no ponto 1 consta assento de nascimento n.º 364-A lavrado pela Conservatória dos Registos Centrais relativamente a Roque …………….., nascido a 23 de abril de 1919, em Luanda, Angola, filho de ………………, natural de Santa Maria, Tavira, e de Sofia de ……………, natural de São Vicente, Cabo Verde. (cfr. fls. 52 do Processo Instrutor);

4.

Em anexo ao requerimento referido no ponto 1 consta assento de casamento n.º 452-B lavrado pela Conservatória dos Registos Centrais relativamente a casamento celebrado em 26 de junho de 1971 entre Roque ………………… e Balbina …………... (cfr. fls. 53 do processo instrutor);

5.

Em anexo ao requerimento referido no ponto 1 consta tradução certificada de documento emitido pelo Departamento de Registo Criminal da Polícia Metropolitana de Londres, no qual pode ler-se: “De acordo com a informação contida no seu pedido de informação, não existem informações a seu respeito ao Computador da Polícia Nacional” (cfr. fls. 7 do Processo Instrutor);

6.

Em anexo ao requerimento referido no ponto 1 consta Certificado de Registo Criminal emitido pelo Departamento de Identificação Criminal do Ministério da Justiça da República de Angola, no qual pode ler-se: “Certifico que dos boletins existentes neste sector nada consta a respeito de Elsa …………………....”

7.

No dia 25 de outubro de 2010 foi emitido, pela Conservatória dos Registos Centrais da Direção Nacional da Administração da Justiça, Certificado de Registo Criminal relativo a Elsa ………………….., e do qual pode ler-se que “NADA CONSTA ACERCA DA PESSOA ACIMA IDENTIFICADA”

8.

No dia 17 de Novembro de 2011 foi elaborada informação na Conservatória do Registos Centrais, que mereceu parecer de concordância em 09/02/2012, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e da qual se destacam os seguintes excertos: “Informação (art.º27 n.º 10 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/09, de 14 de Dezembro) Matéria de Facto: Elsa …………………., nascida aos 23 de Novembro de 1970, em Luanda, Angola, de nacionalidade angolana, requereu que lhe fosse concedida a nacionalidade portuguesa, por naturalização, nos termos previstos no art.º 6 n.º 6 da Lei 37/81, de 3 de Outubro, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril (LN). Fundamenta o seu pedido no facto de ter tido a nacionalidade portuguesa e ser descendente de português. (...) Prova dos factos (...) 5. Analisando o pedido formulado, verifica-se que a requerente nasceu em Angola, em 23 de novembro de 1970, tendo o respetivo registo de nascimento sido lavrado só no ano de 1977 – ou seja, já após a independência daquele território – e mediante declaração, apenas, de sua mãe, a qual tinha contraído casamento com o pai da requerente, mas em data posterior à do nascimento desta. Assim, não obstante, do referido registo estrangeiro de nascimento constar a menção da filiação paterna da registada, certo é, porém, que essa relação de filiação não se encontra estabelecida, face à lei portuguesa, que é a lei aplicável, por força do disposto no artigo 56º n.º 1 do Código Civil, preceito que determina que à constituição de filiação é aplicável a lei pessoal do progenitor, à data do estabelecimento da relação. Ora, não sendo os pais da requerente casados, entre si, ao tempo do nascimento da filha, a filiação paterna só se poderia considerar regularmente estabelecida caso o pai tivesse tido intervenção no ato de registo de nascimento – cfr n.º 1 do art. 145º do Código do Registo Civil de 1967, então vigente – ou a tivesse perfilhado por qualquer das demais formas previstas no artigo 1830º do Código Civil, vigente à data, ou no atual art.º 1853º do mesmo diploma.” (cfr. fls. 56 a fls. 58 do Processo Instrutor

9.

Mais se destaca da informação referida no ponto anterior o seguinte excerto: “8. Por outro lado, quanto facto de ter tido já a nacionalidade portuguesa, nacionalidade esta que não conservou, por a ter perdido, à data da independência de Angola (...) por força do disposto no art.º 4º do citado Decreto-Lei n.º 308-A/75 de 24 de junho, entendemos que tal não pode ser merecedor de especial relevância para o fim em vista, atendendo a que, no fundo, não deixa de ser uma circunstância comum a todas as pessoas que nasceram nas ex-colónias portuguesas. (...). Assim sendo, parece-nos não existirem motivos suficientes para que possamos qualificar a situação em que se encontra a requerente como sendo credora de uma particular ponderação, suscetível de titular esta forma de aquisição de nacionalidade, que não constitui, ao contrário de muitas das outras previstas no atual artigo 6º da LN, um direito que os interessados possam fazer valer perante o Estado Português. Com efeito, o art.º 6º n.º 6 da LN visa permitir a Sua Excelência o Ministro da Justiça, nos casos que o possam justificar especialmente, conceder a nacionalidade portuguesa com derrogação de alguns requisitos essenciais que o legislador consagrou para que fosse reconhecido um direito subjetivo à naturalização (...) Entendemos pois, que o caso em apreço, por não se reconduzir a nenhuma hipótese que reclame uma especial ponderação, não serve de fundamento a uma atuação que se situe fora dos parâmetros legais atinentes atualmente à obtenção de um direito subjetivo à naturalização, em especial a residência legal no território português por, pelo menos, seis anos (...), requisito este que, obviamente, a requerente não reúne, porquanto tem residência habitual em Inglaterra.”

10.

No dia 23/12/2011 deu entrada na Conservatória dos Registos Centrais requerimento enviado pela A., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual se destaca o seguinte excerto: “Elsa ................ (...) tendo sido notificada do teor do projeto de decisão de indeferimento que recaiu sobre o pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização, vem (...) expor e requerer o seguinte: (...) Ainda que a requerente não tenha certidão de nascimento lavrado antes da independência de Angola (...), a verdade é que tem uma certidão de nascimento (...) lavrada na sua menoridade. Portanto, a solução passaria por organizar processo de inscrição tardia de nascimento. Processo esse já organizado e que correu termos sob o número 9894/94, mas que foi – erradamente – arquivado, com o falso pretexto da requerente não ter comprovado ter sido reconhecida pelo progenitor.”

11.

No dia 16/04/2012 foi elaborada Nota Interna pela Adjunta da Chefe de Gabinete da Ministra da Justiça, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e da qual se destaca o seguinte excerto: “...a menção à filiação paterna apenas consta do registo de nascimento estrangeiro. Todavia, considerando o que refere o artigo 56º, n.º 1, Código Civil Português, à constituição da filiação é aplicável a lei pessoal do progenitor à data do estabelecimento da relação, pelo que, sendo o progenitor nacional português, a situação deveria estar regularizada à face da lei portuguesa, o isso não se verifica. Assim sendo, não se comprovou a existência de reconhecimento paterno, seja mediante perfilhação ou decisão judicial em ação de investigação, pelo que não foi possível considerar- se provado que a requerente seja filha de nacional português. A requerente nasceu em território então português, tendo, por esse facto, tido já a nacionalidade portuguesa, que perdeu, após a independência de Angola, por força do art. 4º do Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de junho. A invocação deste último aspeto e o facto de a requerente ser oriunda de um país de ascendência portuguesa, não permitem afirmar que pertence especificamente a uma comunidade de ascendência portuguesa, mas antes que é natural de um país que esteve sobre administração portuguesa. Da análise de todos os elementos, resulta que a requerente é residente no Reino Unido, anteriormente teve a nacionalidade portuguesa, durante um curto período (aproximadamente 5 anos) (...) invoca ser filha de nacional português mas não comprova a existência de reconhecimento paterno, ou seja, todos estes factos são pouco relevantes para evidenciar a efetiva ligação a Portugal.(...) Não obstante tratar-se de um poder discricionário de Sua Excelência a Ministra da Justiça, sou de parecer que não estão reunidos os requisitos exigidos para concessão de nacionalidade portuguesa, por naturalização, a Elsa ………………………….” (cfr. fls. 100 a 101 do Processo Instrutor)

12.

No dia 23 de Abril de 2012 foi proferido pela Ministra da Justiça despacho no âmbito do processo n.º 572/2012 – Concessão de Nacionalidade Portuguesa por Naturalização – Elsa ………………………, com o seguinte teor: “Ao abrigo do disposto no n.º 11 do artigoº 27º do Regulamento da Nacionalidade, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro, e com base nos fundamentos aduzidos no parecer emitido pela Conservatória dos Registos Centrais, de 9 de fevereiro de 2012, e na Nota Interna da Adjunta deste Gabinete, de 16 de abril de 2012, indefiro o pedido de nacionalidade por naturalização, à nacional angolana Elsa …………………….” (cfr. fls. 102 do Processo Instrutor).

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II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Aqui chegados, há, pois, condições para se compreender esta apelação e para, num dos momentos da verdade do Estado de Direito (o do controlo jurisdicional), ter presentes, “inter alia”, os seguintes princípios jurídicos fundamentais: (i) juridicidade e legalidade da administração pública, ao serviço do bem comum; (ii) igualdade de tratamento material axiológico de todas as pessoas humanas; (iii) certeza e segurança jurídicas (em vez do casuísmo judicial inerente ao “common law” (1)); e (iv) tutela jurisdicional efetiva dos direitos das pessoas.

Em consequência, este tribunal utiliza uma doutrina da aplicação prática do direito (ou método jurídico (2)) adequada à garantia efetiva, previsível e transparente dos direitos e interesses legítimos das pessoas, através de um processo decisório orientado apenas (i) à concretização da Constituição material e (ii) ao controlo racional de coerência dos nexos da sistematicidade jurídica que precedam a resolução do caso.

Com efeito, a resolução de litígios através de um tribunal, num Estado democrático e social de Direito como o nosso, implica: (i) um rigoroso respeito pelas normas materialmente constitucionais inseridas nos artigos 9º e 10º do Código Civil, na busca do pensamento legislativo da fonte de direito dentro do sistema jurídico atual e com respeito pela máxima constitucional da sujeição dos juizes às leis e aos artigos 111º e 112º da Constituição da República Portuguesa (cf. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, págs. 23-29 e Parte II; e JOSÉ LAMEGO, Elementos de Metodologia Jurídica, 2016, págs. 11-36, 71-108 e 259-292); (ii) e, nos casos “difíceis” e excecionais em que tal for lícito ao juiz, implica ainda a metodologia racional-justificativa consistente no sopesamento ou ponderação de bens, interesses e valores eventualmente colidentes na situação concreta, sob a égide da máxima metódica da proporcionalidade, mas sempre sem prejuízo, quer dos cits. quatro princípios jurídicos fundamentais, quer do princípio constitucional da sujeição da atividade jurisdicional às leis (artigos 2º, 13º, 20º e 202º ss da Constituição da República Portuguesa e artigos 8º ss do Código Civil). Afinal, “a decisão jurisdicional é continuação do processo de criação jurídica” (H. KELSEN), mas não é momento inicial criador; nela, o tribunal procede a várias operações consecutivas relativas à correção externa e à correção interna da sua decisão: a obtenção racional - e de acordo com a lei - da premissa menor da sentença, isto é, da factualidade relevante; a interpretação jurídica científica das fontes de direito, de acordo com os artigos 9º e 10º do Código Civil e a CRP, para obtenção da premissa maior; e, finalmente, a escolha da solução que, no estrito espectro das possibilidades reveladas direito objetivo aplicável, seja aceitável de um ponto de vista racional e possa valer para casos análogos (cf. artigos 2º, 13º e 202º ss da Constituição da República Portuguesa e artigos 8º ss do Código Civil).

Ora, o presente recurso de apelação coloca as seguintes questões:

A decisão recorrida desrespeitou os artigos 6º/6 da Lei da Nacionalidade e 13º da Constituição da República Portuguesa (princípio da igualdade)?

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Vejamos.

A autora-recorrente quer, ao abrigo do artigo 6º/6 da Lei da Nacionalidade, ser cidadã portuguesa por naturalização especial, além de ser cidadã angolana, porque: é filha de cidadão estrangeiro com nacionalidade portuguesa (o que não está provado); tendo nascido em Angola em 1970, perdeu a cidadania portuguesa por força do artigo 4º do Decreto-Lei nº 308-A/75, tendo a nacionalidade angolana.

Dispõe a Lei da Nacionalidade:

Artigo 6º

1 - O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:

a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;

b) Residirem legalmente no território português há pelo menos seis anos;

c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa;

d) Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.

2 - O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos menores, nascidos no território português, filhos de estrangeiros, desde que preencham os requisitos das alíneas c) e d) do número anterior e desde que, no momento do pedido, se verifique uma das seguintes condições:

a) Um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos cinco anos;

b) O menor aqui tenha concluído o 1.º ciclo do ensino básico.

3 - O Governo concede a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que tenham tido a nacionalidade portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido outra nacionalidade.

4 - O Governo concede a naturalização, com dispensa do requisito previsto na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente do 2.º grau da linha recta da nacionalidade portuguesa e que não tenha perdido esta nacionalidade.

5 - O Governo pode conceder a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea b) do n.º 1, a indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, que aqui tenham permanecido habitualmente nos 10 anos imediatamente anteriores ao pedido.

6 - O Governo pode conceder a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1,

-aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa,

- aos que forem havidos como descendentes de portugueses,

- aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e

- aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional.

Ora, atenta a factualidade provada, é manifesto que não se verificam os requisitos previstos nas 2ª a 4ª hipóteses referidas neste nº 6 do artigo 6º da Lei da Nacionalidade.

Pelo que é certo que a Ministra da Justiça estaria a agir ilegalmente caso decidisse positivamente o requerimento da recorrente (que vive no estrangeiro) com referência a tais três previsões legais (sendo ainda certo que a 2ª hipótese se referirá a portugueses com cidadania nacional originária). Com efeito, a margem de livre decisão administrativa (limitada sempre pelo interesse público, pela precedência de lei, pelo fim lícito, pelas eventuais vinculações legais, por todos os princípios constitucionais e pela racionalidade ou falta de erros grosseiros), onde se inclui a margem de livre apreciação e a chamada discricionariedade, depende sempre de autorização legal, de estar concedida por lei; e só pode ser exercida dentro da moldura legal, já que não se trata de arbítrio, nem de pura e completa discricionariedade.

E aqui, com os factos provados, não se preencheram, de todo, tais previsões legais.

Quanto ao facto de a recorrente, angolana, ter tido a nacionalidade portuguesa durante os seus primeiros 5 anos de vida e depois a ter perdido por causa da independência daquele país em 1975 (cf. o artigo 4º do Decreto-Lei nº 308-A/75), não é facto nem suficiente, nem injuntivo para o Estado português lhe conceder a cidadania por naturalização ad hoc; com efeito, a recorrente partilha tal requisito com vários milhões de angolanos, como se sabe, sendo, por isso (cf. artigo 9º do Código Civil), de entender que, neste caso (quanto aos ex-portugueses das ex-colónias), o Direito português exige algo mais para a concessão da naturalização, nomeadamente ter deixado de ser português em idade adulta e ter profundas ou, pelo menos, especiais ligações atuais à comunidade nacional. O que aqui não de provou.

Mas, seja como for, a margem de livre decisão do Governo é aqui tão grande que muito dificilmente um tribunal poderá intervir licitamente.

Finalmente quanto à alegada violação, pelo Tribunal Administrativo de Círculo (e pelo R.), do princípio da igualdade, também aqui a recorrente não tem razão. Aliás, a alegação é muito vaga, pelo que nem mereceria análise.

Mas não se vê onde está a desigualdade de tratamento, nem quaisquer concretos parâmetros comparativos aferidores. A lei aplicada não viola tal princípio constitucional e a decisão administrativa aqui em causa limitou-se a “obedecer” à lei, dentro da moldura vinculativa da mesma e sem discriminar a recorrente, que, note-se, não é titular de qualquer direito subjetivo à luz do artigo 6º/6 da Lei da Nacionalidade.

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III. DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes deste Tribunal Central Administrativo Sul em, negando provimento ao recurso, julgá-lo improcedente.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 16-02-2017


(Paulo Pereira Gouveia - relator)

(Nuno Coutinho)

(J. Gomes Correia)

(1) “Incentivado” pela dispensa de fundamentação das decisões judiciais da 1ª instância e dos júris (cf. JOSÉ LAMEGO, Elementos de Metodologia Jurídica, 2016, pág. 169).
(2) Ou método concretizador da Ciência do Direito, o método da disciplina que, em termos empíricos ou de “quids” a posteriori, conhece e expõe o direito vigente, depurando a linguagem jurídica, complementando-a e ordenando-a (N. BOBBIO, “Scienza del Diritto e Analisi del Linguaggio” (1950), in: Uberto Scarpelii (ed.), Diritto e Analisi del Linguaggio, Milao, 1979, págs. 287-324); a C. do Direito trata, pois, da determinação do significado das fontes e também da enunciação de proposições e teorias para resolver casos; não trata da descrição e sistematização das normas jurídicas e dos conceitos jurídicos fundamentais em termos estruturais-formais ou de “quids” a priori.