Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7/17.9BEPDL
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
CONTRATO PROMESSA
POSSE
MERA DETENÇÃO
Sumário:I. Os embargos de terceiro supõem a qualidade de terceiro do embargante e que a penhora em relação à qual se reage ofenda a sua posse ou qualquer outro direito incompatível com a sua realização ou o seu âmbito.

II. É possuidor quem exerce ou quem tem a possibilidade de exercer poderes de facto sobre uma coisa (corpus), com intenção de ser proprietário (animus dominii), possuidor (animus possidendi) ou de ter a coisa para si (animus sibi habendi).

III. A celebração de contrato-promessa de compra e venda, ainda que acompanhada de traditio, não comporta, per se, a aquisição da posse.

IV. É fundamental, para que se possa falar em posse e não em mera detenção, que o promitente comprador aja como se fosse titular do direito real correspondente ao domínio de facto consubstanciado no corpus.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

M..... (doravante Recorrente ou Embargante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 16.01.2020, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Ponta Delgada, na qual foram julgados improcedentes os embargos de terceiro por si deduzidos no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º 299…… e apensos, instaurados no Serviço de Finanças (SF) de Ponta Delgada, contra a sociedade E. ……- S….., Lda.

Apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1. O tribunal a quo, na douta sentença proferida julgou improcedentes os embargos de terceiro pela falta de prova de pagamento do preço das frações M e J, vertido nos contratos de promessa de compra e venda, motivo pelo qual não se pode considerar o cumprimento dos requisitos da posse em nome próprio;

2. Pelo que acresce dizer, que o tribunal a quo efetuou uma a) incorreta apreciação e valoração da prova documental e testemunhal produzida no que diz respeito ao pagamento do preço das frações e b) incorreta apreciação e valoração da prova documental e testemunhal produzida no que diz respeito à falta do requisito do animus possidendi.

3. No que diz respeito aos fatos provados elencados em 1, 2 e 3 da Douta Sentença, relativamente aos contratos de promessa de compra e venda das ditas frações, o tribunal a quo somente valorou a celebração do contrato de promessa de compra e venda, desconsiderando as clausulas 2ªs desses mesmos contratos relativas ao pagamento e respetiva quitação do preço.

4. Bem como, a igualmente vertida no contrato denominado de Comodato, em que o mesmo Tribunal a quo considerou provado no ponto 20 da Douta Sentença e justificado face toda a prova documental carreada, em que se expressa a quitação do pagamento do preço (clausula 1º, n.º 2).,

5. Em momento algum, nos presentes autos, foi impugnado nem contraditado pelas partes o pagamento e respetiva quitação do preço, plasmada na prova documental produzida, já mencionada anteriormente.

6. Ora, como estabelece o art.º 358, nº2, do C.C., “a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou quem a represente, tem força probatória plena “, o que se verifica nos presente autos (cfr. depoimento da testemunha E.....nos minutos 7:08, 10:37, 12:00 e 34:45).

7. Bastaria a apreciação e valoração da prova documental supramencionada, para que o tribunal a quo decidisse de forma a considerar o pagamento da compra das ditas frações e respetiva quitação, como provada.

8. Não fosse este o entendimento do tribunal a quo, o que manifestamente não se aceita, terá sempre que ser dado como provado, na medida em que além da prova documental já referida, terem igualmente a testemunhal, esclarecido, nomeadamente através das testemunhas E..... nos minutos 7:08, 10:37, 12:00, 22:12, 33:30 e 34:35 do seu depoimento, e J.....nos minutos 01:03:00 e 01:11:30, que a Embargante efetuou o pagamento integral do preço acordado, aquando do negócio ainda em planta das ditas frações.

9. No que concerne aos manuscritos apresentados pela embargante, o Tribunal a quo aceitou-os, considerando-os como provados no seu ponto 21 e 22 da Douta Sentença, mas dá, novamente, como não provado, o pagamento do preço acordado das frações, gerando, portanto, uma manifesta contradição do tribunal a quo.

10. Fundamentou o Tribunal a quo a não observância do pagamento do preço através dos manuscritos dados como provados, com base na não existência dos cheques ou extratos da conta bancária, acrescido do “… fato de tais cheques representarem o pagamento em escudos, num momento em que tal moeda estava já fora de circulação (sendo certo que os contrato-promessa representarem os preços em euros)” (cfr. fls. 25 da Douta Sentença).

11. Até porque, convertida a moeda antiga por euros, obtém-se igual valor de venda vertido nos contrato-promessa e efetivamente pago (cfr. fatos provados 21 e 22 da Douta Sentença).

12. In casu, verificou-se de imediato a posse antes da realização da escritura, na medida em que foi liquidado o pagamento integral mencionado no contratos-promessa conforme resulta do depoimento da testemunha E..... no minuto 18:38 e seguintes, 33:30).

13. Acresce referir que, a posse supramencionada, foi corroborada pela ora recorrida, no seu relatório de inspeção “efetuado a coberto da ordem de serviço n.º OI201…., reproduzido em 11” e junto com a PI como Doc. 11 a fls. 60 a 74 do suporte físico do processo), onde foi dado como provado que ocorreu a efetiva posse e utilização das frações – através da tradição da coisa e respetiva entrega das chaves, bem como através dos depoimentos das testemunhas, E.....no minuto 18:23, 19:00, 19:23, 24:44 e 29:15 , L..... nos minutos 40:00, 40:15, 42:00 e 42:45 e J.....no minuto 56:55).

14. A existir contradição, salvo melhor opinião, esta assenta na convicção formada pelo tribunal a quo, na medida em pese embora tenha dado como provado os documentos que expressam a quitação do preço, não tem isso em consideração para a valoração da prova, pelo que se impunha decisão oposta.

15. Pese embora existe o princípio da livre apreciação da prova, a verdade é que é inequívoco, quer por prova documental, quer por prova testemunhal produzida nos autos, que existiu, efetivamente, o pagamento integral do preço das frações e respetiva quitação, conforme já mencionado anteriormente pelos depoimentos das testemunhas e pelo constante na prova documental, razão pela qual a quitação do pagamento do preço das frações deve ser considerado como provado.

16. Ora, a conclusão vertida na douta sentença não pode ser mais errónea, uma vez que, aquando da aquisição dos referidos imóveis através dos respetivos contratos e posteriormente a posse através da tradição do bem com a respetiva entrega das chaves das frações em causa nos autos, mais concretamente as designadas pelas letras M e J sobre as mesmas não pendia nenhuma penhora.

17. Neste enquadramento, e em síntese, considerou o tribunal a quo – no entender da recorrente sem fundamento, que a Recorrente somente tem a posse precária na medida em que falta o requisito do animus possidendi.

18. Ora, pensa-se que, quanto à suposta falta de requisito, a Douta Sentença Recorrida, incorre em evidente erro de valoração e apreciação da prova produzida.

19. Na verdade, ao contrário do que se assume na Douta Sentença recorrida, mostra-se assente que a Recorrente atuou sempre com a convicção positiva de que estava a exercer um direito próprio, consciente de que o bem era seu, uma vez que o tinha pago e possuído, aliás, fato este que resulta provado na Douta Sentença no que diz respeito:

1. À celebração dos contratos de promessa de compra e venda (cfr. 1, 2 e 3 da Douta Sentença),

2. Pagamento e quitação do preço (provada através da prova documental e testemunhal já supra indicada no ponto A deste recurso),

3. Tradição do bem – nomeadamente com a entrega das respetivas chaves à Recorrente (cfr.11 da Douta Sentença, bem como prova testemunhal – E..... nos minutos 18:23, 19:00, 19:23, 24:44 e 29:15 e J..... no minuto 56:55).

4. Bem como a todos os atos sucedâneos de arrendamento, na qualidade de senhoria sobre as todas as frações, e mais concretamente as em causa (cfr. 5, 6 e 7 da Douta Sentença e prova testemunhal – L..... nos minutos 38:40, 38:50, 40,00, 40:15, 42:00, 42:45 e J..... nos minutos 58:30, 01:06:50 e 01:08:00;

5. Pagamento dos impostos devidos pelos contratos de promessa (cfr. 8, 12 e 13 da Douta Sentença;

6. Pagamento das despesas de condomínio e fornecimento de água, luz e gás (cfr. 11 da Douta Sentença; prova documental - relatório de inspeção “efetuado a coberto da ordem de serviço n.º OI201……, reproduzido em 11” e junto com a PI como Doc. 11 a fls. 60 a 74 do suporte físico do processo e testemunhal – E..... no minuto 28:44 e seguintes, J.....no minuto 01:17:12)

7. Tendo intentado ação em tribunal que correu termos no 5º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada com o n.º 2351/09.0TBPDl contra a executada – E F.....- S...., Lda., nos termos da qual pretendia a celeridade da realização da escritura dos contratos de compra e venda a que respeitam os contratos de promessa (cfr. 10 da Douta Sentença quanto à prova documental e testemunhal, nomeadamente a de J..... no minuto 01:13:08.

20. Além do que, tendo a Recorrente tomado conhecimento, através do próprio executado, precisamente por lhe reconhecer como proprietária e possuidora das referidas frações, da penhora sobre as mesmas, a ora Recorrente lançou mão do meio processual idóneo a proteger a sua posse e a manutenção da mesma contra o perigo que a subsistência da penhora sobre as referidas frações M e J poderia implicar na sua esfera jurídica e património (cfr. prova testemunha – E..... no minuto 26:30 e J..... no minuto 01:15:49 e seguintes).

21. Por último e não menos importante, o respetivo pagamento de IMT, conforme resulta do Relatório da Recorrida (“efetuado a coberto da ordem de serviço n.º OI201400305, reproduzido em 11” e junto com a PI como Doc. 11 a fls. 60 a 74 do suporte físico do processo) baseado no apuramento de fato e de direito, que igualmente pagou, conforme prova testemunhal - E..... no minuto 24:50 e J..... no minuto 01:10:26 e seguintes, 01:15:23 e 01:19:26).

22. Na situação sub iudicio a posse pacífica – art.º 1261º do Código Civil – está provada, como resulta do próprio Relatório da recorrida (cfr. fls. 60 a 74 do suporte físico do processo) “e para esse efeito não usa de qualquer violência”; assim como está demonstrada que a posse é pública, ou seja, é uma posse exercida de modo a poder ser conhecida pelos interessados, uma posse exercida à vista de toda a gente (art.º 1262º do CC) – e que a recorrente fê-lo de forma a poder ser conhecido pelos interessados, designadamente pela recorrida, tudo conforme consta da prova testemunhal, nomeadamente da testemunhal E..... no minuto 24:44 e 20:15 e seguintes,, J.....nos minutos 53:54 e 01:17:30 e seguintes e Luís Amaral no minuto 42:00, 42:45 e 44:20.

23. Com a posse das frações M e J, a Recorrente fez obras nos imóveis, para que estes se tornassem habitáveis, designadamente nas casas de banho e cozinhas, mobilou e cuidou dos imóveis como sua proprietária, conforme Prova testemunhal - L...... no minuto 41:26 e 47:50).

24. Tal tradição foi efetuada à vista de todos, pacificamente e de boa-fé e sem oposição de quem quer que seja, sendo do total conhecimento de familiares, amigos, vizinhos e recorrida, e conforme prova testemunhal já supra indicada.

25. Foi a Recorrente, que a expensas próprias, procedeu à requisição dos contadores e ligação de água e luz para as suas frações desde essa data sem qualquer interrupção ou oposição seja de quem for, conforme consta do relatório da recorrida já supramencionado.

26. É de em suma concluir, que a Recorrente tomou posse efetiva material e formal dos imóveis, e ali praticou atos materiais de uma verdadeira proprietária, agindo no seu interesse com verdadeiro animus possidendi, agindo e atuando como tal.

27. O animus exprime-se pelo poder de facto, logo, a intenção de domínio não tem de explicitar-se e muito menos por palavras.

28. O que importa é que se infira do próprio modo de atuação ou de utilização, e que aqui no caso em apreço, se mostrou inequívoca a sua vontade.

29. A tradição da coisa formalizou-se, parece evidente à aqui Recorrente, no empossamento das referidas frações por esta, com a entrega das respetivas chaves, após a conclusão dos mesmos, conforme consta dos depoimentos das testemunhas E..... no minuto 18:23, 19:00, 19:23, 24:44 e 29:15 , L..... nos minutos 40:00, 40:15, 42:00 e 42:45 e J..... no minuto 56:55).

30. Ao que acresce, a circunstância de o preço para a aquisição das frações se encontrar pago na totalidade pela Recorrente à executada – E F……, Lda.;

31. Não faz sentido, salvo melhor opinião a não vinculação do tribunal a quo à efetiva existência da tradição das frações M e J face a toda a prova documental e testemunhal produzida, razão pela qual, a decisão teria de ser manifestamente outra, ao contrário do mencionado pelo tribunal a quo na douta sentença (cfr. fls. 26).

32. Evidenciando ainda os mesmos factos que a Recorrente, na posse exclusiva do prédio desde 2009 e beneficiando das presunções (não ilididas) dos arts. 1252.º, n.º 2, e 1268.º, n.º 1, do CC, tem praticado os mais diversos atos materiais e poderes de facto constituintes do corpus como sua única dona e possuidora, atuado com animus possidendi, é de concluir que a posse em apreço reveste ainda as características de não titulada, pacífica, pública e em nome próprio.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente Recurso, reconhecendo-se o direito de posse e propriedade da recorrente, e em consequência ser ordenado o levantamento das penhoras que incidem sobre as frações M e J, com as legais consequências, fazendo-se assim,

JUSTIÇA”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

A) A sentença recorrida considerou todas as questões colocadas, e respondeu cabalmente ao peticionado, com justa fundamentação de facto e de Direito, tendo sopesado cuidadosamente os aspetos a abordar;

B) A recorrente pretende afirmar que (1) houve uma incorreta apreciação e valoração da prova documental e testemunhal produzida no que diz respeito ao pagamento do preço das frações em causa; e (2) que houve uma incorreta apreciação e valoração da prova documental e testemunhal produzida no que diz respeito à falta do requisito do animus possidendi;

C) Conforme apurou o Tribunal a quo na livre apreciação que fez da prova produzida e da atuação da recorrente, «o tribunal considera que não foi apresentado nenhum documento que confirmasse a entrega dos valores em questão à sociedade E......, Lda., apesar de ter sido dada oportunidade à embargante para proceder à junção de tais elementos e de, por iniciativa oficiosa do tribunal, se haver solicitado a colaboração de entidades terceiras para apurar tal factualidade (cfr. fls. 197 e ss. do suporte físico do processo). Ora, os documentos reproduzidos em 21) e 22) são meros manuscritos que não permitem observar a saída de valores monetários da conta bancária da embargante nem o respetivo recebimento pela sociedade E......, Lda.

O que deveria ter sido apresentado pela embargante era os cheques a que tais manuscritos aludem (isto é, o cheque n.º 703 de 7/12/2005, no valor de 20.048.200$00; o cheque n.º 248 de 4/01/2006 no valor de 20.048.200$00; e o cheque n.º 243 de 19/02/2007) ou extratos da conta bancária, de onde foram sacados tais cheques. Todavia, como se disse, tal não sucedeu»;

D) Acrescenta o Tribunal na decisão ora em crise que «Observa-se, também, uma circunstância ilógica e implausível, que consiste no facto de tais cheques representarem o pagamento em escudos, num momento em que tal moeda estava já fora de circulação (sendo certo que os contratos-promessa representaram os preços em euros)», e que «Sublinha-se que os valores alegadamente pagos (cerca de € 560.000,00) cifram um montante muito elevado e não é normal nem crível que a embargante não conservasse os elementos documentais comprovativos de tais pagamentos. Com efeito, só os meios de pagamento permitiriam verificar o valor de aquisição dos imóveis, sendo este um elemento determinante de apuramento de um futuro e eventual incremento patrimonial tributável em sede de IRS» (realce nosso);

E) Apurou ainda que «ao contrário do que é veiculado, os contratos-promessa não demonstram, de forma expressa e inequívoca, a quitação do preço. E mesmo que se admitisse esse facto, não se compreenderia então o teor das cláusulas oitavas constantes dos contratos promessa (reproduzidas em 3)), as quais previam a entrega das frações mediante a entrega de 95% dos preços acordados, cláusula que nenhum operador jurídico aceitaria incluir no contrato caso houvesse pago a totalidade do preço. Esta circunstância afigura-se contraditória e torna ainda mais duvidosa a existência do pagamento» (realce nosso);

F) Daqui resulta que a embargante, ora recorrente, não conseguiu comprovar que tenha ocorrido o pagamento das frações em causa nos autos, pelo que outra conclusão não pode ser retirada em sede de Direito senão a que o Tribunal a quo retirou, de que «dada a falta de prova do pagamento do preço, não se pode considerar que os atos de posse exercidos pela embargante (celebração dos contratos de arrendamento, na qualidade de senhoria, sobre as frações em causa nos autos – cfr. 5), 6) e 7); pagamento dos impostos devidos pela celebração dos contratos-promessa – cfr. 8), 12) e 13)); pagamento de despesas de condomínio e com o fornecimento de água, luz e gás – cfr. 11)), consubstanciem o exercício de uma posse em nome próprio.

Quer dizer, a posse exercida sobre o imóvel penhorado é meramente precária, na medida em que falta o requisito do animus possidendi, isto é, a consciência, intenção e vontade de praticar atos materiais sobre o imóvel como se do único e verdadeiro dono se tratasse (cfr. 1253.º, alínea a) do Código Civil)»;

G) Pelo que a recorrente não detém qualquer fundamento para que veja a sua posição acolhida, devendo manter-se a decisão do Tribunal a quo nos seus exatos termos, por não padecer de qualquer mácula.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas., VENERANDOS DESEMBARGADORES, doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao presente recurso, por inexistência de qualquer erro de julgamento, sendo confirmada na ordem jurídica a sentença recorrida, assim se fazendo a costumada

JUSTIÇA!”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro no julgamento da matéria de facto?

b) Há erro de julgamento, em virtude de a Recorrente ser possuidora do imóvel em causa?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1) Em 15 de fevereiro de 2007, a sociedade E......, Lda. (na qualidade de primeira outorgante e promitente vendedora) e M......(na qualidade de segunda outorgante e promitente compradora) elaboraram três escritos denominados “contrato promessa de compra e venda”, dos quais consta que os mesmos declararam prometer vender e comprar, respetivamente, livres de ónus e encargos, as frações autónomas que viessem a corresponder à habitação tipo T2 da letra C, do Bloco 2, do piso 0 (pelo preço de € 107.000,00), habitação tipo T2 da letra D, do Bloco 2, do piso 0 (pelo preço de € 107.000,00), e habitação tipo T2 da letra C, do Bloco 2, do piso 1 (pelo preço de € 112.000,00) (cfr. cláusula primeira dos documentos n.º 7, n.º 8 e n.º 9, apresentados com a petição inicial, de fls. 36 a 53 do suporte físico do processo).

2) As frações objeto dos denominados “contrato promessa de compra e venda”, indicados em 1), integravam um empreendimento imobiliário em fase de construção e incidente sobre um prédio urbano designado por “lote n.º …. (…) com a área total de 1.533,54 m2, situado na Rua do Monte, freguesia de Fajã de Baixo, a aguardar a descrição na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada”, cuja conclusão se previa para o final do primeiro trimestre de 2008 (cfr. considerandos A. e B. e clausulas terceiras dos documentos n.º 7, n.º 8 e n.º 9, apresentados com a petição inicial, de fls. 36 a 53 do suporte físico do processo).

3) As cláusulas quarta e oitava dos escritos identificados em 1) têm a seguinte redação:

“CLÁUSULA QUARTA

1. A escritura de compra e venda será outorgada após estar constituída e registada na Respectiva Conservatória do Registo Predial a propriedade horizontal das fracções autónomas a construir, e desde que a fracção objecto deste contrato esteja finalizada, em dia, hora e Cartório Notarial a indicar pela PROMITENTE VENDEDORA à PROMITENTE COMPRADORA, através de carta registada com aviso de recepção expedida com, pelo menos, dez dias de antecedência em relação à data designada.

2. No caso da escritura de compra e venda da fracção objecto deste contrato não se realizar até noventa dias após o limite da data indicada na Cláusula Terceira, ou seja, até ao final do primeiro semestre de 2008, por causa que seja imputável à PROMITENTE VENDEDORA, assistirá a PROMITENTE COMPRADORA a faculdade de resolver o presente contrato promessa, ficando nesse caso a PROMITENTE VENDEDORA obrigada à devolução de todas as quantias recebidas por conta do preço, acrescidas de juros à taxa Euribor a três meses acrescida de dois pontos percentuais, e contados desde as datas dos respectivos pagamentos até integral devolução.

3. No caso da escritura de compra e venda da fracção objecto deste contrato não se realizar até seis meses após a data indicada na Cláusula Terceira, ou seja até ao final do terceiro trimestre de dois mil e oito, por causa que seja imputável à PROMITENTE VENDEDORA, poderá esta dar à PROMITENTE COMPRADORA e ate à data designada para a outorga da escritura definitiva, a posse da fracção autónoma objecto do presente contrato, sem prejuízo da aplicação do disposto na cláusula nona.

(…)

CLÁUSULA OITAVA

1. A posse da fracção objecto do presente contrato poderá ser dada à PROMITENTE COMPRADORA após acordo expresso, por escrito, da PROMITENTE VENDEDORA, antes da celebração da escritura de compra e venda, deste que se mostre paga pela PROMITENTE COMPRADORA pelo menos 95% (noventa e cinco por cento) do preço total referido na Cláusula Segunda.

2. No caso de haver tomada de posse da fracção antes da celebração da escritura pública de compra e venda, pela PROMITENTE COMPRADORA, esta obriga-se a:

a) Pagar os encargos e despesas de condomínio após a data da entrega da fracção;

b) Assumir todas as responsabilidades e riscos decorrentes e inerentes ao uso e posse da fracção;

c) Não realizar na fracção, até à celebração da escritura objecto deste contrato, e em qualquer caso, até à emissão da licença de utilização/habitação, quaisquer obras sem prévio consentimento por escrito da PROMITENTE VENDEDORA;

d) Não destinar a fracção a fim diferente do fixado na escritura da propriedade horizontal e não dar, nem permitir, uma utilização anormal da mesma e das partes comuns;

c) Permitir o acesso à fracção para realização de quaisquer vistorias, desde que solicitadas pela PROMITENTE VENDEDORA, assumindo a responsabilidade por todos os prejuízos causados a esta ou a terceiros por qualquer atraso na vistoria.

f) Permitir o acesso à fração para a execução de eventuais obras de correcção a realizar nas fracções ou nas partes comuns, designadamente para efeitos da obtenção do alvará de licença de utilização/habitação e que sejam impostas pela Câmara Municipal de Ponta Delgada ou outra entidade competente para o efeito.

3. PROMITENTE COMPRADORA será responsável por todos os danos que emirjam do incumprimento das obrigações descritas nesta Cláusula, incluindo os que possam ser causados a terceiros

4. A PROMITENTE COMPRADORA desde já renuncia a qualquer direito de retenção da habitação e garagem objectos do presente contrato, obrigando-se a entregar os referidos locais.

5. Se o incumprimento do presente contrato for imputável à PROMITENTE COMPRADORA, perderá este todas as importâncias entregues por conta do preço, assistindo à PROMITENTE VENDEDORA o direito de as fazer suas e delas livremente dispor” (cfr. documentos n.º 7, n.º 8 e n.º 9, apresentados com a petição inicial, de fls. 36 a 53 do suporte físico do processo).

4) Em nome da sociedade E......, Lda., encontram-se registados os seguintes imóveis, com a data de aquisição de 11 de setembro de 2007:

- fração autónoma designada pela letra "I" do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal (correspondente ao ré-do-chão direito poente), destinado a habitação, sito na Rua do Monte, n.°…., Bloco …., freguesia de Fajã de Baixo do concelho de Ponta Delgada em cuja Conservatória do Registo Predial se encontra descrito sob o n.º 1…./Fajã de Baixo-BB-I, estando inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 2….-I da freguesia de Fajã de Baixo (correspondente à Habitação tipo T2 da letra …, do piso 0 indicada em 1)).

- fração autónoma designada pela letra "J" do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal (correspondente ao ré-do-chão direito nascente), destinado a habitação, sito na Rua do Monte, n.°…., Bloco …, freguesia de Fajã de Baixo do concelho de Ponta Delgada em cuja Conservatória do Registo Predial se encontra descrito sob o n.º 1…/Fajã de Baixo-…., estando inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 2….-J da freguesia de Fajã de Baixo (correspondente à habitação tipo T2 da letra …, do Bloco …, do piso 0, indicada em 1)).

- fração autónoma designada pela letra "M" do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal (correspondente ao Primeiro andar direito poente), destinado a habitação, sito na Rua do Monte, n.° ….Bloco…, freguesia de Fajã de Baixo do concelho de Ponta Delgada em cuja Conservatória do Registo Predial se encontra descrito sob o n.º 1…/Fajã de Baixo-….., estando inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 2….-M da freguesia de Fajã de Baixo (correspondente à T2 da letra …, do Bloco…, do piso 1 indicada em 1)) (cfr. documentos n.º 1, n.º 3 e n.º 4, apresentados com a petição inicial, de fls. 20, 24 e 26 do suporte físico do processo e teor do relatório de inspeção a fls. 66 do suporte físico do processo).

5) Nos anos 2010 (1 de julho), 2011 (1 de fevereiro), 2012 (6 de julho) e 2013 (30 de setembro), M…., na qualidade de senhoria, elaborou escritos denominados “contrato de arrendamento habitacional”, tendo por objeto a cedência da fração autónoma designada pela letra “I”, indicada em 4), pelo prazo de cinco anos, a troco de valores mensais de € 400,00/€ 450,00, nos termos dos doc.s n.º 14, 15, 16 e 17, apresentados com a petição inicial, de fls. 87 a 100 do suporte físico do processo.

6) Nos anos 2010 (21 de junho) e 2012 (1 de outubro) M….., na qualidade de senhoria, elaborou escritos denominados “contrato de arrendamento habitacional”, tendo por objeto a cedência da fração autónoma designada pela letra “M”, indica em 4), pelo prazo de cinco anos, a troco de valores mensais de € 400,00/€ 450,00, nos termos dos doc.s n.º 20 e 21, apresentados com a petição inicial, de fls. 110 a 118 do suporte físico do processo.

7) Nos anos 2009 (11 de dezembro) e 2016 (7 de janeiro), M......, na qualidade de senhoria, elaborou escritos denominados “contrato de arrendamento habitacional”, tendo por objeto a cedência da fração autónoma designada pela letra “J”, indicada em 4), pelo prazo de cinco anos, a troco de valores mensais de € 400,00/€ 450,00, nos termos dos doc.s n.º 18 e 19, apresentados com a petição inicial, de fls. 102 a 108 do suporte físico do processo.

8) As liquidações de imposto de selo, cobrado com fundamento em “arrendamento e subarrendamento”, por ocasião da elaboração dos escritos em 5), 6) e 7), foram efetuadas em nome de M...... (cfr. doc.s n.º 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21, apresentados com a petição inicial, de fls. 90, 93, 96, 100, 104, 108, 113, 117,a 118 do suporte físico do processo).

9) Nos escritos indicados em 5) (a partir 1 de fevereiro de 2011), 6) (em 1 de outubro de 2012) e 7) (em 7 de janeiro de 2016), o sócio-gerente da sociedade E......, Lda., prestou a declaração seguinte:

A empresa “E......, Lda”., com o contribuinte nº. 512….., constituindo-se em mora, para com a outorga da escritura de compra e venda, da fração aqui mencionada, a favor da que se intitula como proprietária, M......, dá o seu consentimento, sem reservas, para este acto” (cfr. doc.s n.º 15, 16, 17, 19 e 21, apresentados com a petição inicial, de fls. 91 a 118 do suporte físico do processo).

10) Em 5 de janeiro de 2011, foi elaborada ata de audiência de julgamento, no âmbito do processo n.º 2351/09.0TBPDL, que correu termos no 5º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, sendo autora M......e Ré a sociedade E......, Lda., nos termos da qual foi firmada uma transação com o seguinte teor:

(cfr. doc. n.º 13, apresentado com a petição inicial, de fls. 85 e 86 do suporte físico do processo).

11) Em 30 de outubro de 2014, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Ponta Delgada elaboraram um relatório de inspeção, desenvolvido a coberto da ordem de serviço n.º OI201…., pelo qual se introduziram correções de natureza aritmética à matéria coletável do exercício de 2010, de M......, com fundamento na “falta de liquidação de IMT por força de formalização e contrato promessa de aquisição com tradição e utilização do bem”, nomeadamente das frações designadas pelas letras “I” e “M” (indicadas em 4)), de acordo com o artigo 2.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a) do Código de IMT, nos termos do doc. n.º 11, apresentado com a petição inicial, de fls. 60 a 74 do suporte físico do processo.

12) Em 23 de janeiro de 2015, o Serviço de Finanças elaborou o ofício n.º 2010….., dirigido a M......, do qual consta os valores a pagar a título de IMT, devidos pela celebração dos escritos em 5) e 6) (fração autónoma “I” : € 1.070,00 e € 192,07; fração autónoma “M”: € 1.120,00 e € 201,17, respetivamente a titulo de imposto e juros compensatórios), os quais deveriam ser pagos mediante guias a solicitar no mesmo serviço, nos termos do doc. n.º 12, apresentado com a petição inicial, de fls. 81 a 84 do suporte físico do processo.

13) Em 27 de fevereiro de 2015, foram pagas importâncias relativas a IMT e imposto de selo, de acordo com guias emitidas em nome de M......, indicando como facto tributário a celebração de “contrato promessa com tradição”, indicados em 1) e objeto as frações designadas pelas letras “I”, “J” e “M”, indicadas em 4), nos termos dos doc.s n.º 17, n.º 20 e n.º 21, apresentados com a petição inicial, de fls. 101, 109 e 119 do suporte físico do processo.

14) O Serviço de Finanças de Ponta Delgada instaurou contra a sociedade E......, Lda., os processos de execução fiscal n.º 2992…… e apensos, com vista a cobrança de IMI, IRS, IRC, IVA e Coimas dos períodos de 2008 a 2015, nos termos da informação de fls. 130 e 131 do suporte físico do processo.

15) Pela apresentação n.º 35 de 02/05/2016, da Conservatória de Registo Predial de Ponta Delgada, em favor da Fazenda Nacional encontra-se registada a penhora n.º 2992……. sobre a fração autónoma designada pela letra "M" do prédio urbano indicado em 4), para garantia de pagamento de € 485.005,83, no processo de execução fiscal n.º 299…… e apensos (cfr. doc. n.º 1, apresentado com a petição inicial e informação de fls. 21 e 132 do suporte físico do processo, respetivamente).

16) Pela apresentação n.º 42 de 02/05/2016, da Conservatória de Registo Predial de Ponta Delgada, em favor da Fazenda Nacional encontra-se registada a penhora n.º 2992….. sobre a fração autónoma designada pela letra "I" do prédio urbano indicado em 4), para garantia de pagamento de € 485.005,83, no processo de execução fiscal n.º 2992…… e apensos (cfr. doc. n.º 4, apresentado com a petição inicial e informação, de fls. 27 e 132 do suporte físico do processo, respetivamente).

17) Pela apresentação n.º 37 de 02/05/2016, da Conservatória de Registo Predial de Ponta Delgada, em favor da Fazenda Nacional encontra-se registada a penhora n.º 2992…… sobre a fração autónoma designada pela letra "J" do prédio urbano indicado em 4), para garantia de pagamento de € 485.005,83, no processo de execução fiscal n.º 299…… e apensos (cfr. doc. n. 3, apresentado com a petição inicial e informação, de fls. 25 e 132 do suporte físico do processo, respetivamente).

18) Em 10 de outubro de 2016, o sócio-gerente da sociedade E......, Lda., informou M......dos atos de penhora indicados em 15), 16) e 17).

19) Em 2 de novembro de 2016, M......apresentou a petição inicial que deu origem ao presente processo n.º 7/17.9BEPDL (cfr. informação de fls. 133 do suporte físico do processo).

20) Em 16 de dezembro de 2016, foi comunicado ao Serviço de Finanças de Ponta Delgada a celebração do contrato de arrendamento firmado a 7 de janeiro do mesmo ano, sobre a fração autónoma designada pela letra “J” (nos termos indicados em 7)), tendo nesse contexto sido apresentado um escrito denominado “contrato de comodato”, com o seguinte teor:

“Contrato de Comodato

Entre:

F……., Lda., (…). neste acto representada por E…… (…) na qualidade de Sócio Gerente, adiante designado como primeiro contratante ou comodante;

M…… (…), adiante designada segunda contratante ou comodatária;

Ê estabelecido o presente CONTRATO DE COMODATO que se regulara nos termos das seguintes cláusulas.

CLAUSULA PRIMEIRA

1 - O primeiro contratante, era proprietário dos prédios urbanos, destinados a habitação inscritos nas respectivas Matrizes Prediais sob os artigos n°. 2…-fração…; artigo nº. 2…-fração…; artigo nº. 2…- fracção…; artigo nº. 2…-fração…; artigo nº. 2….-fracção…, e descritos na respectiva Conservatória Predial de Ponta Delgada, sob os números nº. 1….; 1….; 1….; 1….; 1…, respectivamente.

2 - Porem, por titulo (contrato) de Promessa de Compra e Venda, com quitação, o primeiro contratante, vendeu a segunda contratante os prédios urbanos acima descritos.

3 – Os prédios urbanos, acima mencionados estão na posse, da segunda contratante, com IMT por esta liquidado, exercendo assim o direito ao arrendamento, nos termos deste contrato.

CLAUSULA SEGUNDA

1 - Pelo presente contrato, o primeiro contratante, entrega a segunda contratante os prédios acima mencionados e identificados que fazem parte integrante do presente contrato, em regime de comodato, para seu uso, fruição a exploração, até ser comunicado a 2ª contratante, que está apto a fazer a Escritura Publica de Compra e Venda.

2 - O primeiro contratante, desde já, concede autorização à segunda contratante, para proporcionar a terceiro ou a terceiros, o uso, fruição e exploração dos prédios ou parte destes, que constituem objeto do presente contrato, de forma onerosa ou gratuita, segundo o critério que lho aprouver.

3 - No caso de haver cedência a terceira ou a terceiros, por parte da segunda contratante, quer seja gratuita quer seja onerosa, a mesma deverá ser sempre titulada por documento escrito.

CLAUSULA TERCEIRA

1 - O presente contrato de comodato, é celebrado pelo prazo de um ano, com o seu inicio a um de Janeiro de 2009, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de um ano, salvo se for cessar os seus efeitos nos termos da cláusula sexta do presente contrato.

CLAUSULA QUARTA

1 - A segunda contratante, não pagará ao primeiro contratante qualquer contrapartida monetária ou outra pela utilização, fruição e exploração dos prédios cedidos pelo presente contrato.

CLAUSULA QUINTA

1 - A segunda contratante, poderá efectuar nos prédios cedidos e/ou em partes destes, objeto deste contrato, obras de melhorias, benfeitorias ou outras quaisquer que sejam, autorizando as a terceiros, sem previa autorização expressa e por escrito do primeiro contratante.

CLAUSULA SEXTA

1 - A segunda contratante, comodatária, obriga-se a entregar os prédios na totalidade ou individualmente cedidos e objeto deste contrato, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, a contar da data em que para tal seja notificada pelo primeiro contratante, comodante, através de carta registada com aviso de receção, após ter decorrido o prazo inicial e segunda renovação descritos na cláusula terceira e desde que, este, cumpra com as disposições legais de quebra de Contrato Promessa de Compra e Venda.

CLAUSULA SÉTIMA

1 - Em tudo o mais que não esteja previsto no presente contrato, vigorarão as disposições aplicáveis, designadamente as constantes para o efeito, no Código Civil.

2 - Os contratantes convencionam como foro competente para dirimir quaisquer litígios resultantes da interpretação, aplicação, execução e cumprimento do presente contrato, o de Ponte Delgada.

3 - Qualquer alteração ao presente contrato só será válida se celebrada por escrito.

4 - Ambos os contratantes, aqui devidamente identificados, aceitam de boa-fé e comum acordo o teor deste contrato de comodato, nos termos expostos e prescindem do reconhecimento notarial das assinaturas, não podendo a qualquer tempo invocar a sua falta, declarando anda não terem causado qualquer deles culposamente tal omissão.

Por estar conforme as suas vontades e ser aceite nos termos previstos, vai o presente contrato de comodato ser assinado, em duplicado, por ambos os contratantes, valendo qualquer deles como original, ficando cada um com o seu exemplar.

Ponta Delgada, 01 de Janeiro de 2009” (cfr. teor de informação de fls. 136 do suporte físico do processo e doc.s de fls. 141 a 146 do suporte físico do processo).

21) No extrato de conta n.º 9……. do balcão de Capelas, do Banco …… (inicio 29/09/05 e termo 04/01/06), foi manuscrito o seguinte:


«Imagem no original»

(cfr. doc. de fls. 189 e 190 do suporte físico do processo).

22) No extrato de conta n.º 9….. do balcão de Capelas, do Banco ……. (inicio 30/11/06 e termo 27/02/07), foi manuscrito o seguinte:


«Imagem no original»

(cfr. doc. de fls. 191 e 192 do suporte físico do processo).

23) Em 9 de janeiro de 2017, transitou em julgado a sentença proferida no âmbito do processo n.º 708/13.0TBPDL-B, que correu termos no 2º Juízo Central Civil e Criminal de Ponta Delgada da Comarca dos Açores, sendo embargante M......e embargado o Banco ……., S.A., tendo tal ação sido julgada improcedente, com fundamento na circunstância de a primeira não poder opor a sua posse contra o titular de hipoteca voluntária constituída sobre a totalidade do prédio, com registo anterior ao início da sua posse, porquanto a hipoteca prevalece sobre o direito de posse, nos termos e com os fundamentos do doc. de fls. 213 a 219 verso do suporte físico do processo.

24) Em 11 de abril de 2017, no âmbito do processo n.º 1213/14.3TBPDL, que correu termos no juízo local cível de Ponta Delgada da Comarca dos Açores, instaurado pelo exequente Condomínio Rua do Monte, executada a sociedade E......, Lda., e credora reclamante/cessionária M......, foi elaborado um “título de transmissão” pelo qual havia sido adjudicada a esta última a fração autónoma designada pela letra “I”, identificada em 4), nos termos seguintes:


“(texto integral no original; imagem)”

(cfr. fls. 174 a 178 do suporte físico do processo).

25) O escrito denominado “contrato de comodato”, indicado em 20), foi elaborado e apresentado por exigência do Serviço de Finanças de Ponta Delgada, no contexto da declaração dos contratos de arrendamento sobre as frações identificadas em 4)”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Da instrução da causa não resultou demonstrado que, como contrapartida da celebração dos acordos indicados em 1), M......entregou à sociedade E......, Lda., as quantias indicadas nos mesmos escritos, nomeadamente € 107.000,00 pela fração autónoma designada pela letra "I"; € 107.000,00 pela fração autónoma designada pela letra "…."; e € 112.000,00 pela fração autónoma designada pela letra "….", do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua do Monte, n.° …., Bloco B, freguesia de Fajã de Baixo do concelho de Ponta Delgada”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O tribunal fundou a sua convicção com base nos documentos juntos ao suporte físico do processo, nos termos indicados, e ainda nos depoimentos das testemunhas inquiridas, nos termos da ata de fls. 169 e 170 do suporte físico do processo.

Apoiou-se o tribunal na informação elaborada pelo Serviço de Finanças de Ponta Delgada, de fls. 129 a 138 do suporte físico do processo, que remete para documentação que se encontra apensa aos autos, sendo que o respetivo teor não foi expressamente contraditado pela embargante.

A matéria em 18), respeitante à data de conhecimento da constituição das penhoras pela embargante, resulta do alegado no ponto 25º da petição inicial e na informação aludida (cfr. pág. 6 da mesma, a fls. 134 do suporte físico do processo).

Quanto à matéria em 20), o tribunal limitou-se a reproduzir o teor da mesma informação aludida (cfr. pág. 8, de fls. 136 do suporte físico do processo).

A este respeito, relevou-se muito sério e credível o depoimento de J..... (contabilista certificado há cerca de 20 anos) que afirmou ser administrador dos bens da embargante, nomeadamente responsável pelo tratamento dos aspetos burocráticos/legais dos arrendamentos das frações em causa nos autos (a testemunha L....., arrendatário da fração autónoma indicada em 6), desde 1 de outubro de 2012, corroborou que sempre tratou de tais assuntos diretamente com J……).

Confrontado com os documentos n.ºs 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21, apresentados com a petição inicial, J.....explicou o motivo pelo qual foi apresentado no Serviço de Finanças de Ponta Delgada o escrito reproduzido em 20).

Esclareceu a testemunha em causa que, inicialmente, os contratos de arrendamento celebrados em nome da embargante (na qualidade de senhoria) foram comunicados sem que tivesse sido levantado qualquer reparo ou objeção da parte da administração tributária.

Adiantou a testemunha que, a certa altura, o Serviço de Finanças de Ponta Delgada impôs que os contratos de arrendamento que iam sendo declarados ostentassem a declaração reproduzida em 9), no sentido de a sociedade E......, Lda., conceder autorização expressa a tais atos. E que, ulteriormente, o Serviço de Finanças de Ponta Delgada acabou exigindo a apresentação do escrito denominado “contrato de comodato” (“evolução” que os documentos juntos aos autos permitem confirmar).

Ora, o tribunal ficou convencido que as declarações reproduzidas em 9) e o escrito denominado “contrato de comodato” (cfr. 20)) foram impostos ou exigidos pela própria administração tributária/Serviço de Finanças de Ponta Delgada, por forma a assegurar a “correta” declaração fiscal dos contratos de arrendamento.

Assim o indicia o teor da informação reproduzida!

Acresce que, segundo decorre da experiência comum de vida e é consabido por qualquer contribuinte normal ou médio, os sistemas de liquidação e cobrança de impostos estão configurados para funcionar em integração com as bases de dados dos registos (seja ele o registo predial ou automóvel, por exemplo). E que, amiúde, as desconformidades na indicação/inserção de um determinado elemento de identificação gera, a nível informático, incompatibilidades ou erros de difícil resolução (note-se que as frações objeto de arrendamento não constam em nome da embargante no competente Registo Predial - cfr. 4)).

A menos que tivesse sido exigido pelo serviço de finanças em referência (pelos motivos expostos), não se compreenderia como poderia a mesma entidade ter acesso/conhecimento de um escrito (contrato de comodato) que não lhe era dirigido e cujo teor era potencialmente desfavorável à embargante, que se arrogava já possuidora em nome próprio das frações arrendadas (relembre-se a existência do litígio que opunha a embargante ao credor hipotecário, no processo n.º 708/13.0TBPDL-B, aludido em 23)).

O facto de o escrito denominado “contrato de comodato” indicar a data de “1 de janeiro de 2009” não altera o entendimento do tribunal, posto que o mesmo não possui força probatória plena (trata-se de um mero documento particular, cuja fidedignidade quanto à data de elaboração não está assegurada).

Quanto à matéria de facto não provada, o tribunal considera que não foi apresentado nenhum documento que confirmasse a entrega dos valores em questão à sociedade E......, Lda., apesar de ter sido dada oportunidade à embargante para proceder à junção de tais elementos e de, por iniciativa oficiosa do tribunal, se haver solicitado a colaboração de entidades terceiras para apurar tal factualidade (cfr. fls. 197 e ss. do suporte físico do processo).

Ora, os documentos reproduzidos em 21) e 22) são meros manuscritos que não permitem observar a saída de valores monetários da conta bancária da embargante nem o respetivo recebimento pela sociedade E......, Lda..

O que deveria ter sido apresentado pela embargante era os cheques a que tais manuscritos aludem (isto é, o cheque n.º 703 de 7/12/2005, no valor de 20.048.200$00; o cheque n.º 248 de 4/01/2006 no valor de 20.048.200$00; e o cheque n.º 243 de 19/02/2007) ou extratos da conta bancária, de onde foram sacados tais cheques. Todavia, como se disse, tal não sucedeu.

Observa-se, também, uma circunstância ilógica e implausível, que consiste no facto de tais cheques representarem o pagamento em escudos, num momento em que tal moeda estava já fora de circulação (sendo certo que os contratos-promessa representaram os preços em euros).

Sublinha-se que os valores alegadamente pagos (cerca de € 560.000,00) cifram um montante muito elevado e não é normal nem crível que a embargante não conservasse os elementos documentais comprovativos de tais pagamentos. Com efeito, só os meios de pagamento permitiriam verificar o valor de aquisição dos imóveis, sendo este um elemento determinante de apuramento de um futuro e eventual incremento patrimonial tributável em sede de IRS. Quer dizer, qualquer contribuinte normal ou médio sabe que uma eventual transmissão de bens imóveis pode estar sujeita ao pagamento de mais-valias pelo que, enquanto elemento documental determinante da quantificação de uma futura/eventual/hipotética mais-valia, não faz qualquer sentido a não preservação dos competentes elementos comprovativos, sendo consabido que a administração tributária efetua o controlo deste tipo de operações e que, amiúde, solicita a exibição dos mesmos.

Acresce que, ao contrário do que é veiculado, os contratos-promessa não demonstram, de forma expressa e inequívoca, a quitação do preço. E mesmo que se admitisse esse facto, não se compreenderia então o teor das cláusulas oitavas constantes dos contratos-promessa (reproduzidas em 3)), as quais previam a entrega das frações mediante a entrega de 95% dos preços no âmbito das correções introduzidas – cfr. 13).

Do relatório de inspeção mencionado alude-se, apenas, à existência nos contratos-promessa de “quitação dos montantes”.

O fundamento legal das correções introduzidas não se prende com a existência de pagamento das frações assenta, antes, na compreensão legal segundo a qual a existência de contratos-promessa promessas de aquisição e alienação acompanhadas da tradição dos bens (foram compilados indícios que apontam para existência de tradição das frações, pese embora tal conclusão não vincule este tribunal), revestem as características económicas que justificam o seu enquadramento no âmbito da incidência do imposto e que a falta de tributação deste tipo de negócios/instrumentos potenciaria a evasão ou a fraude fiscal (de acordo com o preâmbulo do Código de IMT, é esta a razão de ser do artigo 2.º, n.º 2, alínea a) do mesmo diploma).

Por último, considera-se estranho o pagamento efetuado nos termos documentados em 24), posto que a atitude de qualquer credor normal seria a de tentar encontrar forma de recuperar o “investimento” alegadamente pago (isto é, os alegados € 107.000,00), ao invés de despender novamente uma quantia avultada (€ 79.333,73), para ficar com a mesma fração autónoma em causa nos autos (designada pela letra “I”).

Mais uma vez, esta circunstância aponta para a falta de pagamento no preço ajustado no contrato-promessa.

Em face do exposto, vai a matéria de facto dada como provada e não provada nos termos aludidos”.

II.D. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Considera a Recorrente que o Tribunal recorrido errou o seu julgamento de facto. Assim, em seu entender, da prova documental e testemunhal produzida resultou provado que:

a) O preço das frações foi integralmente pago com a celebração dos contratos promessa;

b) A Recorrente fez obras nos imóveis, para que estes se tornassem habitáveis, designadamente nas casas de banho e cozinhas, mobilou e cuidou dos imóveis como sua proprietária;

c) Houve entrega das respetivas chaves, após a conclusão das obras;

d) Tomou conhecimento, através do próprio executado, precisamente por a reconhecer como proprietária e possuidora das referidas frações, da penhora sobre as mesmas.

Sublinhe-se que, ao longo das alegações, é ainda feita referência a diversa factualidade, com indicação de meios de prova, mas igualmente com indicação do ponto da decisão da matéria de facto provada à mesma respeitante, não se tratando, nessa parte, de qualquer impugnação da referida decisão.

Vejamos.

Atento o disposto no art.º 640.º do CPC ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão(1).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados(2).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que a Recorrente cumpriu com os ónus a seu cargo, ainda que a formulação dos factos considerados provados tenha, por vezes, afirmações conclusivas, que infra serão desconsideradas.

Refira-se ainda que nem todos os factos alegados pelas partes, mesmo que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Feito este introito, cumpre apreciar o requerido:

¾ Facto a aditar supra identificado sob a alínea a):

Considera a Recorrente que deve ser dado como provado que o preço constante dos contratos promessa foi pago aquando da sua celebração – implicando, necessariamente, a eliminação do facto não provado de sentido oposto.

Sustenta a sua posição no seguinte:

a) As cláusulas 2ªs dos contratos-promessa de compra e venda (CPCV) expressamente se referem ao pagamento e respetiva quitação do preço;

b) No contrato de comodato mencionado em 20. expressa-se igualmente a quitação do pagamento do preço;

c) Tal falta de pagamento nunca foi contraditada pelas partes;

d) Do depoimento de E.....resulta igualmente provado o pagamento e, bem assim, do depoimento de J......;

e) São também de relevar os documentos mencionados nos pontos 21 e 22 do probatório.

Vejamos então.

Adiante-se, desde já, que não se considera que o pagamento não seja controvertido. Desde logo, da contestação resulta globalmente posta em causa a factualidade alegada, sendo certo que, in casu, a falta de contestação não implica a confissão dos factos articulados na petição inicial e a não impugnação especificada fica sujeita à livre apreciação do julgador [cfr. art.º 110.º, n.ºs 6 e 7, ex vi art.º 211.º, n.º 1, ex vi art.º 167.º, todos do CPPT – v., a este respeito, o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.02.2015 (Processo: 05336/12)]. Assim, não pode deixar de se extrair consequências da não aceitação global dos factos.

In casu, efetivamente, do teor dos documentos juntos pela Recorrente com a petição, designados de contratos promessa de compra e venda, concretamente das suas cláusulas 2.ªs, consta a afirmação de que a aí designada promitente vendedora dava “a correspondente quitação”.

No entanto, adiante-se, consideramos que tal cláusula, per se, não é suficiente para se poder considerar provado que foi entregue o preço acordado no momento da celebração dos CPCV, valendo idêntico raciocínio para o teor do contrato de comodato mencionado em 20) do probatório.

Antes de mais, refira-se que estamos perante um documento particular, atenta a definição constante do n.º 2 do art.º 363.º do Código Civil. Não se trata igualmente de documento particular autenticado, dado que os seus signatários prescindiram do reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e da certificação previstas no n.º 3 do art.º 410.º do Código Civil (cfr. cláusula décima sexta).

Como documentos particulares que são, e no que toca à sua eficácia perante terceiros, que é aquela que aqui é pertinente, fica sujeito à livre apreciação do julgador.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.11.2011 (Processo: 322-D/1999.E1.S2):

“[A] eficácia probatória de um documento particular diz apenas respeito à materialidade das declarações e não também à exactidão das mesmas (…).

O documento particular faz prova plena quanto aos factos compreendidos nas declarações atribuídas ao seu autor, na medida em que contrárias aos interesses dos declarantes – art. 376, nº2, do C.C.

Nessa medida, o documento pode ser invocado, como prova plena, pelo declaratário contra o declarante.

Em relação a terceiros, (…) tal declaração não tem eficácia plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal ( Vaz Serra, R.L.J. Ano 114-287; Ac. S.T.J. de 22-6-82, Bol. 318-415)” [veja-se igualmente, v.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.09.2020 (Processo: 2453/11.2TBEVR-C.E.1.S1) e os Acórdãos deste TCAS, de 16.10.2014 (Processo: 07685/14) e de 20.02.2020 (Processo: 45/09.5BESNT)].

Portanto, estando nós perante a eficácia de documentos particulares perante terceiros (a FP), não decorre dali qualquer prova plena.

Idêntico raciocínio vale quanto à alegada confissão extrajudicial. Com efeito, nos termos do n.º 2 do art.º 358.º do Código Civil, “[a] confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”. Sucede, porém, que não estamos aqui perante um litígio entre apenas a Recorrente e a E......, Lda, mas sim perante um litígio que abarca a exequente, entidade terceira, e, por isso, alheia a essas declarações.

Não se pode, por esse motivo, deixar de considerar que os documentos em causa corporizam meios de prova sujeito à livre apreciação do julgador.

Estando, pois, tais documentos, enquanto meios de prova, sujeitos à livre apreciação do julgador, repetimos que tais cláusulas segundas dos CPCV não demonstram, per se, a efetividade do pagamento, demonstração essa que também não se pode considerar alcançada face à prova testemunhal produzida.

Com efeito, a testemunha J….. (contabilista certificado, que presta serviços à Recorrente e respetiva família há várias décadas, designadamente em termos de gestão de contratos de arrendamento) revelou não ter conhecimento direto de facto ou factos reveladores da efetividade do pagamento, limitando-se a afirmar que a Embargante lhe dissera ter pago todo o preço. Por outro lado, é certo que a testemunha E……, então gerente da executada, afirmou ter sido pago o valor na altura da celebração dos CPCV. No entanto, fê-lo de forma absolutamente conclusiva, sem consubstanciar como e de que forma tal pagamento foi efetivado. Aliás, a atentar no alegado pela Recorrente, a mesma teria pago o preço através de três cheques, com datas que vão de 2005 a 2007, datas essas umas anteriores à data aposta nos CPCV e outra posterior, o que não encontrou correspondência com o afirmado pela testemunha, que foi no sentido de que foi tudo pago com os CPCV. Assim, o depoimento em causa não se revelou convincente.

A este respeito, adere-se ao entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 26.04.2006 (Processo: 00468/04), no qual se refere:

“[N]ão basta a mera junção aos autos de um documento particular subscrito pelo Embargante e pelo Executado e a mulher deste, nem a prova testemunhal, para que se dê como provado que foi efectuado o pagamento (…)

Para a prova desses factos, (…) exigiam-se outros meios de prova mais seguros, como por exemplo, os documentos relativos aos meios de pagamento utilizados…”.

Posto isto, cumpre aferir se, atenta a demais prova produzida, se consegue concluir no sentido propugnado pela Recorrente.

Desde já se adiante que não.

Com efeito, em termos de meios de pagamento, nada foi junto aos autos, não obstante as diligências empreendidas pelo Tribunal a quo, mesmo oficiosamente, diligências essas infrutíferas (cfr. ponto II.C).

Por outro lado, ao contrário do que refere a Recorrente, não podem ser valorados nos termos pretendidos os documentos mencionados em 21) e 22) do probatório.

Sublinhamos, antes de mais, que nada há de contraditório entre estes dois factos e o facto não provado: o Tribunal a quo considerou provada a existência destes documentos, mas não lhes reconheceu força probatória suficiente para demonstrar a emissão dos cheques.

Compulsados os referidos documentos, os mesmos respeitam às cadernetas pessoais da Embargante, das quais constam registos manuscritos, um datado de 2005, outro de 2006 e um terceiro de 19.02.2007 (4 dias após a data aposta nos CPCV).

Não se trata de documentos de origem externa e os mesmos objetivamente não provam se não o preenchimento da caderneta.

É ainda, naturalmente, de sublinhar a estranheza de os valores ali escritos o serem em escudos e não em euros (valores, aliás, que não são sequer iguais aos constantes dos CPCV, considerando o valor de conversão oficial, ainda que sejam próximos), quando, na data aposta nos CPCV, há muito (desde 2002) o euro era a única moeda em circulação em Portugal. Aliás, nos mencionados CPCV os valores indicados estavam em euros.

Pelos motivos já referidos, este elemento documental não tem a força probatória que a Recorrente lhe confere.

Acrescentemos que o pagamento do IMT efetuado pela Recorrente em 2015 [cfr. facto 13)] também não se considera suficiente para prova do pagamento do preço. Veja-se que este pagamento de IMT foi feito apenas na sequência de ação inspetiva, realizada vários anos após a data aposta nos CPCV, ação inspetiva no âmbito da qual a AT liquidou tal imposto com base no teor dos contratos, mas sem que dessa ação inspetiva resulte mais do que a mera leitura dos CPCV e a circunstância de terem sido coligidos alguns elementos quanto à traditio [veja-se que o Código do IMT tem um conceito próprio de transmissão, que se afasta, por vezes, do conceito civilístico, abarcando algumas situações de CPCV acompanhadas de tradição – cfr. art.º 2.º, n.º 2, al. a), do CIMT]. Portanto, não resulta daí demonstrado o efetivo pagamento do preço.

Face ao exposto, indefere-se o requerido nesta parte.

¾ Facto a aditar supra identificado sob a alínea b):

Considera ainda a Recorrente que, da prova testemunhal produzida, resulta provado que fez obras nos imóveis, para que estes se tornassem habitáveis, designadamente nas casas de banho e cozinhas, mobilou e cuidou dos imóveis como sua proprietária.

Para além da asserção conclusiva (“como sua proprietária”), a desconsiderar, desde já se refira que tal não resulta provado.

Com efeito, do depoimento de L....., arrendatário da fração M, apenas resultou que, qualquer problema que haja com o imóvel de que é arrendatário, é reportado a J….., na qualidade de representante da embargante para esse tipo de questão. Nada foi dito em termos de obras e de mobiliário.

Como tal, indefere-se o requerido.

¾ Facto a aditar supra identificado sob a alínea c):

Considera ainda a Recorrente que ficou provado que lhe foram entregues as chaves das frações.

Quanto à questão da entrega das chaves, refira-se que se trata da única parcela não conclusiva e factual constante da conclusão 29, pelo que apenas iremos analisar o alegado neste conspecto.

Assim, de facto ficou provado que as chaves das frações foram entregues à Recorrente na altura da conclusão das obras, o que, aliás, estava previsto nos CPCV. Por outro lado, a circunstância de a Recorrente ter arrendado as referidas frações sustenta tal conclusão. Ademais, a prova testemunhal produzida, concretamente os depoimentos de E….. e J……, vão no mesmo sentido.

Face ao exposto, é de aditar o seguinte facto provado:

26) Em data não concretamente apurada, mas entre 2009 e 2010, foram entregues pela Sociedade E...... à Embargante as chaves das frações mencionadas em 4).

¾ Facto a aditar supra identificado sob a alínea d):

Considera também a Recorrente que ficou provado que tomou conhecimento, através do próprio executado, precisamente por a reconhecer como proprietária e possuidora das referidas frações, da penhora sobre as mesmas.

Como se verifica pela análise do alegado, a expressão “reconhecer como proprietária e possuidora das referidas frações” comporta uma conclusão de direito, que não pode ser considerada.

Quanto ao mais, ficou efetivamente provado, pelo depoimento das testemunhas E…. e J…., que o primeiro informou a Recorrente da existência das mencionadas penhoras.

Face ao exposto, é de aditar o seguinte facto:

27) A Recorrente teve conhecimento das penhoras mencionadas em 15), 16) e 17), através de E…...

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, uma vez que, em seu entender, da prova produzida, resultou demonstrada a sua posse, prevalecendo sobre a penhora efetuada pela administração tributária (AT).

Vejamos.

Nos termos do art.º 237.º do CPPT:

“1 - Quando o arresto, a penhora ou qualquer outro ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro”.

O incidente de embargos de terceiro tem, pois, ínsita uma função preventiva ou repressiva (dependendo se a diligência ordenada já foi ou não realizada), visando acautelar direitos de terceiros e tutelar os seus interesses em situações em que tais direitos sejam ameaçados, na sequência de penhora ou apreensão(3).

Os embargos de terceiro supõem a qualidade de terceiro do embargante e que a penhora em relação à qual se reage ofenda a sua posse ou qualquer outro direito incompatível com a sua realização ou o seu âmbito.

O CPPT não nos faculta qualquer noção de terceiro, para efeitos de embargos, pelo que é de recorrer ao disposto no n.º 1 do art.º 342.º do CPC, nos termos do qual:

“Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.

Assim, de uma leitura conjunta do art.º 237.º, n.º 1, do CPPT, com o mencionado art.º 342.º, n.º 1, do CPC, resulta que, no âmbito da execução fiscal, será terceiro, para efeitos de embargos de terceiros, quem não tenha a posição de parte no processo de execução fiscal, o que se afere, designadamente, quer porque a execução não foi, ab initio, contra ele instaurada, quer porque a própria diligência de ofensa da posse ou direito não é contra si dirigida. Ou seja, está aqui subjacente um conceito material de terceiro, porquanto este não será o destinatário dos efeitos jurídicos nem da diligência nem da execução.

Por outro lado, como referido, os embargos de terceiro supõem que a penhora ofenda a sua posse (cfr. art.º 1285.º do Código Civil) ou qualquer outro direito incompatível com a sua realização ou o seu âmbito.

Quanto ao conceito de posse, o mesmo decorre do disposto no art.º 1251.º do Código Civil, consubstanciando-se no exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real (e não de um direito pessoal), comportando, num sistema subjetivista como o nosso(4), dois elementos fundamentais:

a) O corpus, o elemento empírico, que consiste na prática de poderes de facto, que se aferirão de acordo com a própria afetação concreta do bem; e

b) O animus, ou seja, a intenção de agir como beneficiário do direito, o elemento psicológico.

Logo, é possuidor quem exerce ou quem tem a possibilidade de exercer poderes de facto sobre uma coisa (corpus), com intenção de ser proprietário (animus dominii), possuidor (animus possidendi) ou de ter a coisa para si (animus sibi habendi)(5).

Caso estejamos perante o exercício de um poder de facto sobre a coisa, mas desprovido do animus nos termos mencionados, estaremos perante uma mera detenção.

Como referido no art.º 1253.º do Código Civil:

“São havidos como detentores ou possuidores precários:

a) Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito”.

Para que o terceiro possa ser reconhecido como possuidor, para efeitos dos embargos de terceiro, deve invocar e provar os elementos constitutivos da sua posse, isto é, corpus e animus, devendo ainda invocar o modo de aquisição dessa mesma posse.

No tocante à determinação de outros direitos incompatíveis com a realização ou o âmbito de penhora ou qualquer ato de apreensão, como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre(6), tal “… faz-se considerando a função e a finalidade concreta da diligência (…). // Assim, são incompatíveis com a penhora (…) o direito de propriedade e os demais direitos reais menores de gozo que, considerada a extensão da penhora, viriam a extinguir-se com a venda executiva (art. 824.º, nº2 CC), bem como, quando a penhora incida sobre um direito, a titularidade deste de que um terceiro se arrogue; mas não o são os direitos reais de gozo que a subsequente venda não extingue, os direitos reais de aquisição e de garantia que, como normalmente acontece, encontrem satisfação no esquema da ação executiva, nem os direitos pessoais de gozo e de aquisição, que são inoponíveis ao exequente ou, no caso especial do arrendamento, perduram para além da venda executiva”.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, não sendo a Recorrente titular de nenhum direito real incompatível com a realização ou o âmbito da penhora, do que se trata é de aferir se a mesma é possuidora do imóvel em causa.

Como resulta da factualidade assente, foram penhoradas, em 2016, no âmbito do PEF n.º 2992201101081713 e apensos, as frações M e J, mencionadas em 4) do probatório [cfr. factos 15) e 17)].

Por outro lado, resulta provado que foram celebrados CPCV relativos a essas mesmas frações, entre a executada e a ora Recorrente, em 2007. Não ficou, no entanto, provado, ao contrário do alegado, que o preço tenha sido totalmente pago pela Recorrente.

Ficou ainda provado que, concluídas as obras, as chaves das frações em causa foram entregues à Recorrente e que foram celebrados diversos contratos de arrendamento, nos quais a Embargante surge na posição de “senhoria” [cfr. factos 6) e 7)], tendo pago o imposto de selo respetivo [cfr. facto 8)].

Ficou ademais provado que em alguns desses contratos foi aposta pela executada a menção de que “[a] empresa “E......, Lda”., com o contribuinte nº. 512…., constituindo-se em mora, para com a outorga da escritura de compra e venda, da fração aqui mencionada, a favor da que se intitula como proprietária, M......, dá o seu consentimento, sem reservas, para este acto”.

Ficou também provado que, após ação inspetiva desencadeada pela AT, a Recorrente pagou IMT, liquidado considerando o valor declarado nos já mencionados CPCV.

Em regra, a penhora de coisa, que tenha sido objeto de contrato-promessa de compra e venda anterior, não constitui, per se, um ato ofensivo da posse, desde logo porque a celebração de tal contrato não comporta, por si mesma, a aquisição da posse.

Concretizemos.

O contrato-promessa consiste na “… convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato…” (cfr. n.º 1 do art.º 410.º do Código Civil).

Como referido por Antunes Varela(7), “[o] contrato-promessa cria a obrigação de contratar, ou mais concretamente, a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido”.

Normalmente o contrato-promessa tem apenas eficácia inter partes, podendo, no entanto, ser dotado de eficácia real, produzindo, nesse caso, efeitos relativamente a terceiros (cfr. art.º 413.º do Código Civil), o que não é ora discutido.

Como já referimos, com a celebração de um contrato-promessa não decorre, inexoravelmente, que o promitente comprador seja o possuidor da coisa prometida, mesmo que haja traditio, sendo que, em regra, nestes casos, o promitente comprador é apenas titular de um direito pessoal de gozo.

Portanto, ao contrário do que conclui a Recorrente, a demonstração da traditio não é suficiente em sede de embargos de terceiro.

Efetivamente, como mencionado supra, inerente ao conceito de posse está não só o corpus, mas o animus, ou seja, é fundamental, para que se possa falar em posse e não em mera detenção, que a atuação seja de tal forma que o promitente comprador aja como se fosse titular do direito real correspondente ao domínio de facto consubstanciado no corpus.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.06.2015 (Processo: 0765/14):

“Podendo verificar-se inversão do título de posse quando o promitente-comprador que com a tradição da coisa, exerce a posse em nome do promitente-vendedor, passe contra este a exercer a posse em nome próprio, praticando actos possessórios que constituam manifestações do elemento objectivo (corpus) e subjectivo (animus) da posse, o certo é que a inversão do título de posse não decorre da mera tradição do bem, ainda que esta seja uma das condições para que esta possa ter lugar”.

Conclui-se, pois, que a traditio não equivale à posse.

Pode, no entanto, haver situações em que, na sequência da celebração de contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, se preencham efetivamente todos os requisitos da posse.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.02.2010 (Processo: 01117/09):

“Por norma, o promitente-comprador, uma vez obtida a traditio do bem, apenas frui um direito de gozo, autorizado pelo promitente-vendedor e mediante tolerância deste, daí resultando que, nessa perspectiva, seja um mero detentor precário (artigo 1253.º do Código Civil), posto que não age com animus possidendi, praticando apenas meros actos materiais dessa posse (corpus).

De facto, como sustentam Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. III, 2.ª edição pag. 6 e Antunes Varela, na RLJ, Ano 124, pag. 124:

“O contrato-promessa, só por si, não é susceptível de transferir a posse ao promitente-comprador. Se este obtém a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o corpus possessório, mas não adquire o animus possidendi, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor precário.

São concebíveis, todavia, situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse. Suponha-se, por exemplo, que havendo sido paga já a totalidade do preço ou que, não tendo as partes o propósito de realizar o contrato definitivo, (a fim de v.g., evitar o pagamento da sisa ou precludir o exercício de um direito de preferência), a coisa é entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade.
Tais actos não são realizados em nome do promitente-vendedor, mas sim em nome próprio, com a intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real. O promitente-comprador actua, aqui, uti dominus, não havendo, por conseguinte, qualquer razão para lhe negar o acesso aos meios de tutela da posse”.

Questão que aquele último autor retoma na RLJ, a fls. 128, nos seguintes termos:
“...O promitente-comprador investido prematuramente no gozo da coisa, que lhe é concedido na pura expectativa da futura celebração do contrato prometido, não é possuidor dela, precisamente porque, sabendo ele, como ninguém, que a coisa pertence ainda ao promitente-vendedor e só lhe pertencerá a ele depois de realizado o contrato translativo prometido, não pode agir seriamente com a intenção de um titular da propriedade ou de qualquer outro direito real sobre a coisa”.

Significa isto que a posse conferida pela traditio da coisa para o promitente-comprador será, em regra, meramente precária, sem excluir, contudo, que face ao probatório se possa concluir ter actuado de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade e, dessa forma, configurada uma verdadeira situação possessória”.

Assim, há que aferir, casuisticamente, se a atuação evidencia atos próprios de possuidor ou apenas de mero detentor.

A jurisprudência tem considerado, por exemplo, refletir a existência de verdadeira posse, na sequência de celebração de contrato-promessa, o facto de ter sido pago integralmente o preço e haver comportamentos (a aferir casuisticamente) que refletem que o promitente comprador se comporta como verdadeiro titular do direito de propriedade(8).

Portanto, pode suceder que, na sequência da celebração de contrato-promessa, se verifique a transmissão da posse, desde que estejam reunidos os já mencionados dois elementos deste instituto.

Ora, desde já se refira que, tal como decorre da sentença proferida em 1.ª instância, não se pode concluir, atenta a factualidade assente, que estejamos perante uma situação de aquisição da posse.

Desde logo, não ficou provado o pagamento do preço, como já se referiu supra.

Por outro lado, sendo certo que ficou provada a traditio [e, como manifestação dessa traditio, a celebração de contratos de arrendamento (diversas vezes com aposição de autorização por parte da executada, que revela, independentemente da motivação subjacente, que a Embargante não agia como proprietária, evidenciando que sabia necessitar da declaração da proprietária dos imóveis) e, bem assim, o pagamento dos impostos respeitantes a estes contratos ou o suporte das despesas de condomínio (como é referido no relatório mencionado em 11) do probatório)], não se considera que estejamos fora do quadro da mera detenção.

Este quadro não se configura se não como uma situação de atuação da Recorrente por mera tolerância do promitente-vendedor, não refletindo mais do que uma mera detenção das frações o objeto dos contratos (veja-se que os CPCV permitem essa utilização pela Recorrente, como resulta da cláusula oitava, que igualmente consagra a obrigação de assunção das despesas de condomínio).

Nada nos autos, pois, permite concluir, com a segurança exigível, pela verificação do animus.

Sublinhe-se, finalmente, que a Recorrente tem conhecimento da existência de outros ónus sobre os prédios (designadamente hipoteca), sem a extinção dos quais os contratos prometidos não podem ser celebrados [cfr. transação homologada no âmbito dos autos 2351/09.0TBPDL – facto 10)], o que revela justamente a ausência de animus, ainda que o corpus se verifique.

Como tal, ao contrário do que refere a Recorrente, não estamos perante uma situação de posse.

Assim, a mesma carece de razão.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 30 de setembro de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Tânia Meireles da Cunha

-------------------------------------------------------------------------------------
(1)Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
(2)V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
(3)Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, Embargos de Terceiro na Acção Executiva, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pp. 13 e seguintes.
(4)Cfr. Manuel Henrique Mesquita, Direitos Reais, policop., Coimbra, pp. 66 e 67.
(5)Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, ob. cit., p. 71.
(6)José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol 1.º, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2014, p. 663.
(7)Das obrigações em geral, Vol. I, 9.ª Ed., Almedina, Coimbra, 1996, p. 318.
(8)Cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.10.2010 (Processo: 0453/10) e os Acórdãos deste TCAS, de 22.10.2015 (Processo: 08884/15) e de 19.05.2016 (Processo: 09492/16).