Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06654/13
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/09/2013
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRS.
JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA.
MAIS-VALIAS.
Sumário:1.Os juros indemnizatórios têm idêntica natureza dos juros compensatórios, constituindo uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extra-contratual;

2.Para que exista a favor do sujeito passivo o direito a tais juros, têm de se mostrar preenchidos os requisitos constantes no art.º 43.º, n.º1 da LGT;

3.Não tendo o sujeito passivo entregue a respectiva declaração de rendimentos, cabe à AT efectuar a correspondente liquidação oficiosa com base nos elementos de que disponha;

4.Tendo a AT tomado conhecimento da alienação do prédio através do modelo 11, remetido pelo respectivo notário, onde não era referido que o mesmo era pertença de dois titulares, a liquidação de IRS relativa às mais-valias, na falta de outro suporte probatório suficiente, apenas a tal titular deveria ser imputada;

5.Tendo tal liquidação oficiosa obedecido a tais elementos disponíveis, inexiste o erro imputável aos serviços, base do direito a tais juros.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por António ............., veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I. Visa o presente recurso reagir contra a mui douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por António ............., no segmento que concerne ao pagamento de juros indemnizatórios sobre a liquidação efectuada em sede de Imposto si o Rendimento das pessoas Singulares, doravante [IRS] para o exercício de 2006.
II. A fundamentação da sentença recorrida assenta, em síntese, no pressuposto de que a AF, e passamos a citar: (..) não podia desconhecer o facto de existir inscrição no prédio na matriz em nome dos dois titulares e da sua alienação conjunta, pelo que sempre seria de considerar, na esfera de cada um dos titulares, a tributação sobre metade do valor de alienação, no pressuposto da situação de contitularidade do bem. Ao assim não havendo procedido, considera-se que tal erro sobre os pressupostos de facto impende sobre a Adm Fiscal, pelo que será de processar juros indemnizatórios (...).
III. Destarte, salvo o devido respeito que a Douta Sentença nos merece, e que é muito, somos de opinião em que esta não perspectiva de forma correcta os factos em concurso, nem faz uma aplicação correcta do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, doravante
IV. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da divida tributária em montante superior ao legalmente devido.
V. Importa então avaliar qual o erro praticado pela AT, e se chegou a haver efectivamente qualquer erro na actuação da AT.
VI. Por consulta à Douta Sentença remetemo-nos á alínea A) dos Factos Provados, procedendo à transcrição dum trecho:
Não tendo o impte apresentado uma declaração periódica de rendimentos relativo ao ano de 2006, onde devia mencionar a venda de um imóvel sito na freguesia da V........, Amadora, inscrito na matriz sob o artº ......, fracção “I", foi em 21.02.2010, notificado por carta registada para proceder à apresentação da declaração em falta e não o tendo feito, procedeu-se à fixação dos rendimentos líquidos e efectuada a liquidação, em 06.09.2010 com base nos elementos conhecidos pela Adm Fiscal (...)".
VII. Face a esta constatação expressa, julgamos ser imediatamente perceptível que existiu um expresso incumprimento de obrigações fiscais por parte do impugnante, donde resulta imediatamente que o ónus probatório dos factos invocados e constitutivos dos direitos revertem imediatamente para a esfera jurídico tributária do impugnante de acordo com a regra geral do ónus da prova como tal prevista no artigo 74.º da LGT, sendo assim que nenhuma responsabilidade por esses factos, e derivada desses factos, pode ser assacada à AT.
VIII. Assim sendo, também se verifica expressamente que mesmo que se viesse a verificar qualquer erro na actuação da AT nunca este poderia ser gerador de juros indemnizatórios a favor do impugnante, porquanto, este erro nunca poderia ser imputável aos serviços já que resultaria directamente da actuação do contribuinte.
IX. Contudo, e embora sem conceder, ainda que se considerasse o contrário, nunca os argumentos poderiam proceder, porquanto, não se verificou qualquer erro na actuação da administração tributária, ou que pelo menos lhe fosse imputável.
X. E aqui recorremos de novo à Douta Sentença, e passamos a citar: "(...) e que a Adm Fiscal detectou através da Declaração Modelo 11, (...).
XI. Esta constatação é decisiva para que se ilibe qualquer responsabilidade do seio da AT, ou seja, a liquidação operada pela AT teve por base elementos fornecidos por terceiros, ou seja pelo competente órgão notarial, devendo, no caso de terem de ser apuradas algumas responsabilidades, ser este órgão o responsabilizado, porquanto, não forneceu a informação de forma competente, pelo que sobre a AT não impende qualquer erro sobre os pressupostos de facto já que importou elementos de entidades terceiras, às quais se mostra alheia, ou seja nunca poderia imputar essa venda a dois titulares, porquanto, a modelo 11 não o refere.
XII. Ainda a considerar o facto de que a AT se aprestou a corrigir os dados constantes da Dec. de IRS quando o impugnante deu conhecimento da sua situação de casado.
XIII. Acerca dos argumentos vertidos na Douta Sentença de que a AT deveria conhecer que a inscrição na matriz era em nome de dois titulares e da sua alienação conjunta, apresentam-se os mesmos perfeitamente desajustados, porquanto, entre a compra e a venda efectiva poderia ter decorrido um universo de figurinos possíveis, e que a AT poderia desconhecer, nomeadamente, doação, separação de bens, e etc.
XIV. Assim sendo, em face do incumprimento fiscal do impugnante, nunca poderia a AT ser responsabilizada por qualquer erro grosseiro ocorrido na liquidação oficiosa, porquanto esta se substituiu no uso de poderes vinculados nas obrigações dos contribuintes agindo em estrita obediência da lei de acordo com os elementos que lhe foram obrigatoriamente
fornecidos por terceiros, e existindo incumprimento do impugnante, esses factos são-lhe imputáveis.

Termos em que, com o mui Douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a Douta Sentença recorrida como é de Direito e Justiça.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, por não se encontrarem preenchidos os requisitos necessários para arbitrar juros indemnizatórios a favor do ora recorrido.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se não se encontram reunidos os requisitos para arbitrar juros indemnizatórios a favor do ora recorrido.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade , a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Não tendo o impte apresentado uma declaração periódica de rendimentos relativo ao ano de 2006, onde devia mencionar a venda de um imóvel sito na freguesia da V.......,
Amadora, inscrito ma matriz sob o art° ....., fracção "I", foi em 21.02.2010, notificado por carta registada para proceder à apresentação da declaração em falta e não o tendo feito, procedeu-se à fixação dos rendimentos líquidos e efectuada a liquidação, em 06.09.2010 com base nos elementos conhecidos pela Adm Fiscal, não tendo sido considerado a situação pessoal de casado reflectido nas declarações apresentadas pelo agregado familiar nos anos de 1998 a 2004 e que sustentou a liquidação de imposto nesses anos - ­cfr nota de liquidação de fls 17 e 18, certidão de fls 34 a 90 e de fls 91 a 98, dos autos e "Print Informáticos" de fls 72 a 75 e D.C. Modelo 3. De fls 77 a 82, do P. A. apenso.
B) Dá-se aqui por reproduzido a escritura de aquisição do imóvel referido supra, efectuado pelo impte e mulher, em 16.07.2001 e a escritura de venda do mesmo efectuada pelos mesmos outorgantes, em 09.05.2006, que determinou o apuramento da mais-valia ao impte.- cfr Certidão do C.N.
de Eduardo ........, de fls 22 a 25 e descrição da 1ª C.R. Predial de Amadora, de fls 28 a 30 e Certidão do C.N. de Rui ......., de fls 31 a 33, dos autos.
C) Em 18.10.2010, o impte efectuou o pagamento do imposto apurado pela Adm. Fiscal relativo ao acto tributário referido em a ). - cfr requerimento de fls 101 e certidão de fls 102 e 103, dos autos.

Factos Não Provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

A que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do CPC, se acrescenta ao probatório mais uma alínea, em ordem a dele constar a forma como a AT teve conhecimento da venda da fracção donde resultou a liquidação em causa:
D) A AT teve conhecimento da alienação da fracção autónoma em causa, através da declaração modelo 11, remetida pelo respectivo notário, onde não era mencionado o estado civil de casado do ora recorrido – cfr. doc. de fls 73 do PA apenso e informação de fls 98 do mesmo apenso.


4. Para julgar procedente a impugnação judicial e reconhecer o direito a juros indemnizatórios a favor do ora recorrido considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que não obstante a não entrega pelo mesmo da declaração de rendimentos relativa a 2006, não podia a AT, na liquidação oficiosa a que procedeu, considerar as mais valias resultantes da venda do prédio como de um único titular por o prédio se encontrar inscrito na matriz em nome dos dois titulares, pelo que nessa parte existe erro imputável à AT donde resulta o direito a tais juros a favor do contribuinte.

Para a Fazenda Pública (FP), ora recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra este entendimento que vem a esgrimir argumentos em ordem a este Tribunal exercer um juízo de censura sobre o decidido em ordem à sua revogação, pugnando que face à não apresentação da declaração periódica de rendimentos por banda do ora recorrido, o ónus probatório passava a caber-lhe, sendo irrelevante o eventual erro cometido pela AT para além de que o erro só poderá ser imputável ao órgão notarial que lhe não forneceu informação completa sobre tal venda e que a inscrição na matriz em nome dos dois titulares poderia não ser fidedigna para com ela operar a liquidação, por poder já se não encontrar actualizada.

Vejamos então.
Como se não coloca em causa no presente recurso, o ora recorrido no ano de 2006, não entregou a competente declaração de rendimentos relativo a IRS, nem mesmo depois de ser notificado para o efeito, pelo que a AT procedeu à respectiva liquidação oficiosa, nos termos do disposto no art.º 65.º, n.º2, alínea b) e 75.º, n.º1, alínea c) do CIRS, sendo que nestes casos, a liquidação tem por base os elementos que a Direcção-Geral dos Impostos disponha, devendo, sempre que possível, tomar-se em consideração os elementos constantes das declarações, ainda que entregues fora do prazo legal, o que bem se compreende tendo em conta o princípio constante no art.º 59.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) de que o procedimento de liquidação assenta, essencialmente, no método declarativo, ou seja, nas declarações entregues pelos respectivos contribuintes nos termos do disposto nos art.ºs 57.º e segs do mesmo CIRS.

Assim e desde logo do transcrito segmento normativo, ao contrário do invocado pela recorrente na matéria da sua conclusão VII, a falta de entrega de tal declaração pelo ora recorrido, não passa a impender sobre o mesmo qualquer especial ónus probatório quanto aos elementos em que assenta tal liquidação oficiosa, já que esta como se viu, deve ter por base os elementos que a Direcção-Geral dos Impostos disponha, bem como que no procedimento tributário vigora o princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, nos termos do disposto nos art.ºs 58.º da LGT e 59.º, n.º6 do CPPT, em que a AT não pode deixar de efectuar a liquidação correspondente, de acordo com os elementos probatórios que tenha ao seu dispor ou que no exercício das suas atribuições não possa deixar de ter conhecimento.

Nos termos do disposto nos art.ºs 43.º da LGT e 61.º do CPPT, os juros indemnizatórios a favor do contribuinte, apenas são devidos quando, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, se apure que houve erro imputável aos serviços, tendo-se liquidado uma dívida tributária superior à legal, sendo que tal erro é independente da prova da existência de culpa concreta de qualquer dos seus órgãos, funcionários ou agentes, ou mesmo da prova da culpa global dos serviços (1), sendo pois necessária a culpa dos serviços nessa actuação no sentido de que os mesmos não orientaram a sua actuação no sentido a que se encontravam obrigados e como podiam e deviam.

No caso, a liquidação de IRS por tais mais-valias (sendo esta apenas a parte em causa neste recurso), como resulta da matéria constante da alínea D) do probatório ora firmada, e bem se pronuncia a recorrente na matéria da sua conclusão XI, não mencionando tal declaração modelo 11, remetida, que a alienação da fracção autónoma era pertença de dois titulares, nem mesmo constando na inscrição da respectiva matriz tal contitularidade, mas apenas como seu titular único o ora recorrido – cfr. doc. de fls 76 do mesmo PA apenso - não podia a AT fazer imputar na proporção de metade a cada um deles o respectivo preço para apurar a correspondente mais-valia, em obediência ao disposto no art.º 19.º do CIRS.

Aliás, o M. Juiz do Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, na sua fundamentação, dá por assente a existência dessa inscrição matricial a favor de ambos os titulares, mas essa foi matéria que não foi dada como provada no respectivo probatório firmado nessa sentença e nem dos autos vimos qualquer prova nesse sentido.

Mas mesmo que tal matriz mostrasse tal inscrição a favor de ambos, ainda assim, tal inscrição poderia não reflectir já o seu actual real estado, podendo ter havido alterações que ainda não haviam sido inscritas, como invoca a recorrente na matéria da sua conclusão XIII, pelo que também não seria de atender ao que dela constasse para efeitos de proceder a tal liquidação como de pertença de dois titulares, em suma, não deixou a AT de proceder à liquidação em causa, de acordo com os elementos de que dispunha, o mesmo sendo de dizer que inexiste qualquer erro que lhe possa ser imputável nessa liquidação, nesta parte, pelo que inexiste a obrigação de pagar juros indemnizatórios a favor do sujeito passivo, sendo de revogar a sentença recorrida que em contrário decidiu, por errada aplicação do direito devido.


Procede assim, neste termos, a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe conceder provimento e de revogar a sentença, nesta parte, que em contrário decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida na parte sob recurso, relativa aos juros indemnizatórios.


Custas pelo recorrido, mas apenas na 1.ª Instância, na medida do decaimento.


Lisboa,9 de Julho de 2013
Eugénio Sequeira
Benjamim Barbosa
Pedro Vergueiro

(1) Cfr. neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado, 2.ª Edição, 2000, VISLIS, pág. 311/312, nota 6.