Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:108/12.0BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:11/05/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:EXCEPÇÃO DA LITISPENDÊNCIA.
ÂMBITO MATERIAL.
Sumário:1. A excepção da litispendência pode ser oponível na relação entre acção administrativa e acção para reconhecimento de um direito em matéria tributária, desde que se verifique a ocorrência da tripla identidade - sujeitos, causa de pedir e pedido.
2. Pode haver identidade de pedido se, em ambas as ações, tiver em causa a mesma pretensão material.
3. A excepção da litispendência deve ser deduzida na acção instaurada em segundo lugar.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão



I- Relatório

F.........., K......... e N........., melhor identificados nos autos, vieram intentar, contra o Ministério das Finanças, acção administrativa especial, com vista à anulação dos despachos de indeferimento do pedido de inscrição dos autores no registo de contribuintes como “Residentes não habituais” para o ano de 2009, bem como tendo em vista a condenação da entidade demandada na prática do acto de inscrição dos autores no registo de contribuintes como “Residentes não habituais” para o ano de 2009.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença datada de 20 de Dezembro de 2018, julgou procedente a acção, determinando a anulação da decisão de indeferimento do pedido de inscrição dos AA. no registo dos contribuintes da D.G.I. na qualidade de residentes não habituais, sendo determinado a sua inscrição enquanto tal e reportado ao ano de 2009.

A entidade demandada interpôs recurso jurisdicional contra a sentença.

A recorrente alega nos termos seguintes:

«i) Visa a presente recurso reagir contra a douta sentença proferida no processo em epígrafe, o qual considerou procedente a acção administrativa e anulou a decisão de indeferimento do pedido de inscrição dos As. na qualidade de residentes não habituais, determinando a sua inscrição enquanto tal, reportada ao ano de 2009.

ii) A sentença recorrida confirmou o valor da causa em €5.000,00, com fundamento no disposto no n.º 2 do Art.º 97-A do CPPT, todavia estamos perante uma acção administrativa especial a qual foi interposta em 2012 sendo que à data da propositura da acção e em matéria das alçadas e para efeitos de recurso dispunha o Art.º 6.º do ETAF, no seu n.º 2 que «[a] alçada dos tribunais tributários corresponde a um quarto da que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1ª instância».

iii) A alçada dos tribunais judiciais de 1ª instância corresponde a €5.000.000 nos termos do Art.º 24.º n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, de onde resulta que a alçada dos tribunais tributários  corresponde  a €1.250.000, e nesse desiderato, tendo o tribunal a quo, determinado como valor da causa € 5.000,00, e sendo a alçada do tribunal tributário para efeitos de recurso de € 1.250,00, a sentença é passível de recurso.

iv) Caso assim não se entenda a Recorrente impugna  o  valor  determinado  na sentença no valor de€ 5.000,00,  entendendo ainda  assim  que estamos  perante um  acto  de valor  indeterminado – reconhecimento dos  Recorridos como residentes não habituais, sendo-lhe por esse facto aplicável as regras consignadas no n.º 2 do Art.º 34.º do CPTA, pelo que, o valor da acção – em caso de não se relevar a aplicação do Art.º 6.º do ETAF à data dos factos - deveria ter sido determinado em € 30.000,01, por observância do disposto no Art.º 34.º do CPTA.

v) Assim, o valor da causa não poderá corresponder ao valor determinado em face das prerrogativas consignadas no n.º 2 do Art.º 97-A do CPPT, com o limite máximo de € 5.000,00, mas determinado em face do disposto no n.º 1 do Art.º 34.º do CPTA, em face de estarmos perante um acto indeterminado, em caso de não lhe ser aplicável o Art.º 6 .º do ETAF.

vi) Refira-se ainda que a sentença ao omitir plenamente a enunciação e discriminação dos factos, bem como quais os factos provados e não provados é nula por violação do disposto no Art. 615.º nº. 1, al. b), do CPC.

vii) Tal fundamentação consiste, como se percebe, na indicação dos meios de prova que foram considerados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, por forma a serem exteriorizadas as razões pelas quais se decidiu num certo sentido e não noutro qualquer.

viii) Nos termos do disposto no Art.º 615.º, nº. 1, al. b), do CPC, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, sendo que para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.

ix) No caso vertente a sentença é totalmente omissa na especificação dos factos que justificam a decisão, pelo que a sentença padece da nulidade consubstanciada na não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.

x) Entende ainda a Recorrente que a douta sentença ao não julgar verificada a excepção de litispendência, litispendência labora em manifesto de julgamento por errónea interpretação e aplicação de facto e de direito.

xi) Com efeito, os Recorridos no âmbito do pedido formulado na presente acção administrativa pugnavam pela anulação dos despachos de indeferimento como residentes não habituais, bem como a condenação da Recorrente a deferir a inscrição no registo de contribuintes como Residentes Não Habituais para o ano de 2009.

xii) Acontece que, os Recorridos haviam apresentado em 14.11.2011, no Tribunal recorrido uma Acção para o Reconhecimento de Direito em Matéria Tributária nos termos do Art.º 145.º do CPPT, (1ªUnidade Orgânica sob o Proc. n.º 1346/11.8BESNT), cujo pedido contendia que sejam reconhecidos os direitos dos Recorridos à inscrição como Residentes Não Habituais no Registo de Contribuintes da Direcção Geral dos Impostos, com efeitos desde o ano de 2009, e que, a tributação dos respectivos rendimentos de acordo com tal estatuto, desde o ano de 2009, e pelo período de 10 anos, enquanto se mantiverem os pressupostos de aplicação do “Regime Fiscal dos Residentes Não Habituais (v.d. doc. n.º 1 junto com a contestação).

xiii) Ora, à revelia do entendimento firmado na sentença e do confronto entre os pedidos formulados na presente acção administrativa especial e os pedidos formulados na Acção para o Reconhecimento de Direito em Matéria Tributária, ressalta que ambos visam a anulação dos aludidos despachos e a consequente inscrição dos Recorridos como residentes não habituais para o ano de 2009, e tributação dos rendimentos para esse ano e seguintes de acordo com o estatuto dos Residentes Não habituais.

xiv) Ou seja, e no que concerne concretamente ao ano de 2009, pese embora no âmbito da acção para reconhecimento de um direito em matéria tributária os Recorridos tenham alargado o pedido a partir de 2009 e por um período de 10 anos, existe identidade dos pedidos formulados em ambas as acções interpostas na medida em que a concessão do estatuto como residente não habitual vigoraria por um período de 10 anos.

xv) Pelo que, em ambas as acções os efeitos são idênticos, pois enquanto na acção administrativa os Recorridos pedem a inscrição como Residentes Não Habituais no Registo de Contribuintes, com efeitos desde o ano de 2009, o qual de acordo com a lei vigorará por um período de 10, com os consequentes benefícios em sede de tributação fiscal na Acção para o Reconhecimento de Direito em Matéria Tributária, os Recorridos limitam-se a estatuir na acção aquilo que o regime legal - Estatuto dos Residentes não Habituais, já consagra.

xvi) Ora, in casu é incontroverso que em ambas as acções interpostas, as partes são as mesmas bem como o pedido e a causa de pedir, sendo apenas diferente a natureza e finalidade dos meios processuais utilizados e em confronto.

xvii) Neste desiderato, a sentença ao julgar não verificada a excepção de litispendência labora em manifesto de julgamento por errónea interpretação e aplicação de facto e de direito.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a douta sentença ser nula por não especificação entre os fundamentos e a decisão ou revogada por errada interpretação e aplicação do ao julgar não verificada a excepção de litispendência, com todas as legais consequências.»

X

      Os recorridos F........., K........., E N........., contra-alegaram, expendendo conforme segue:

« A. A sentença dos Autos não padece da nulidade plasmada no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC por não se verificar uma falta absoluta dos fundamentos de facto e de direito da sua decisão.

B. O Tribunal a quo   fixou os factos relevantes à apreciação do pedido na parte que não foi objecto de confissão pela AT, tendo feito uma adequada apreciação de direito.

C. Ante o exposto, e sem necessidade de demoradas considerações adicionais, deve a nulidade invocada pela AT ser considerada improcedente.

D. Por outro lado, entre a acção para o reconhecimento de um direito em matéria tributária [v. artigo 145.º do CPPT], apresentada pelos Recorridos, a qual corre termos sob o n.º 1346/11.8 BESNT, e a presente acção não se verifica uma qualquer situação de litispendência.

E. A referida acção para reconhecimento de um direito tem um objecto díspar daquele que subjaz ao processo em apreço, sendo fundadas as relevantes acções em diplomas diferentes (CPTA versus CPPT), não implicando, na expressão da lei, a repetição de uma causa – cfr. artigo 497.º do CPC (actual 580.º), aplicável ex vi  o artigo 2.º, alínea e), do CPPT e artigo 1.º do CPTA.

F. A dimensão anulatória da presente acção integra o objecto dos Autos e não pode ser ignorada, consubstanciando o pressuposto da condenação à prática dos actos devidos que se pretende a final, para além de ser uma das suas consequências directas.

G. Na acção para o reconhecimento de um direito que corre termos sob o n.º 1346/11.8 BESNT, a dimensão anulatória que constatámos estar subjacente à presente acção de condenação à prática do acto devido não encontra consagração directa, destinando-se aquela acção ao reconhecimento da existência de um direito em matéria tributária, com efeitos prolongados no tempo.

H. Inexiste entre a acção administrativa especial em causa e o processo dos Autos, identidade de pedidos, requisito essencial à verificação de uma situação de litispendência

– cfr. artigo 498.º, n.º 3, do CPC (actual 581.º) –, posto que, se num processo se analisa a legalidade e validade de determinados actos e se retira da mesma consequências no que concerne o deferimento da pretensão anteriormente negada, no outro processo pretende- se o reconhecimento de um direito em matéria tributária, cujo benefício se prolonga um período alargado de tempo.

I. O facto de o legislador ter consagrado uma acção específica que permite aos contribuintes definir o conteúdo de certas relações jurídicas semelhantes tanto para o passado, como para o futuro (acção para reconhecimento de um direito), não impõe que os contribuintes fiquem impedidos de sujeitar a sindicância judicial outros actos que directamente lhes digam respeito e que indefiram liminarmente uma pretensão por si formulada, sob pena de violação do direito ao acesso à justiça e a uma tutela judicial efectiva.

J. Ainda que o pedido deduzido na acção para reconhecimento de um direito fosse improcedente, sempre caberia apreciar os vícios próprios dos despachos de indeferimento em crise.

K. Em suma, salvo o devido respeito, bem andou o Tribunal a quo quando julgou não se verificar qualquer situação de litispendência.

L. Sem embargo do que se veio de concluir, e recuperando o que se expôs na pronúncia apresentada às excepções invocadas pela AT, requer-se, como anteriormente já se fez, ao abrigo da jurisprudência firmada pelo STA, que, ainda que não se conclua pela não verificação de uma situação de litispendência (o que, apenas por dever de patrocínio, se admite), se determine a suspensão da instância (ao abrigo do artigo 279.º do CPC, actual 272.º) até ao trânsito em julgado da decisão proferida na acção de reconhecimento de um direito em matéria tributária que se pronuncie sobre os pedidos e/ou fundamentos aí plasmados ou recuse a apreciação de algum deles, sendo que apenas quanto aos que foram objecto de um juízo de mérito se poderá considerar, eventualmente, verificado um caso de litispendência, cabendo in casu a apreciação dos restantes.

M. Apenas esta solução respeita o princípio do direito à tutela judicial efectiva, plasmado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que se requer a V. Exas. que se dignem negar provimento ao presente recurso jurisdicional interposto pela AT, mantendo-se inalterada a sentença recorrida que julgou não verificada qualquer situação de litispendência e procedente a acção dos Autos, com  a necessária anulação dos actos impugnados e com a condenação da AT à inscrição dos Recorridos como 'Residentes Não Habituais' em 2009...».

A recorrente veio em requerimento autónomo, após notificação do despacho de 19.03.2019, que supriu as nulidades assacadas à sentença, restringir o recurso em face do suprimento da nulidade, mantendo a sua subida para a apreciação das questões remanescentes.

X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, foi regularmente notificado.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X

II- Fundamentação.

2.1. De facto:

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
A) Os AA. eram s.p de imposto em IRS no ano de 2009 enquanto residentes em território português, não tendo sido tributados enquanto tal em sede de IRS nos cinco anos anteriores. -cfr autos de Rec. Hier. apenso aos autos.


X

Por meio de despacho de 19.03.2019, o tribunal aditou os elementos seguintes:

«Alegada nulidade da sentença por falta de indicação dos factos provados e não provados e da falta de motivação da decisão de facto:

Compulsados os termos daquela decisão de que se recorre, verifica-se que efectivamente este Tribunal não indicou quais os factos que não se provaram e das razões que motivaram a matéria de facto dada como provada, embora indicasse de onde resultavam os factos considerados provados, pelo que procede-se ao suprimento da mesma, ao abrigo do disposto no nº 2, do artº 617º, do CPC, dela passando a constar o seguinte:


X

Factos Não Provados

Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.


X

Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.


X

O presente despacho passa a fazer parte integrante daquele segmento da decisão».

X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
B) Em 14.11.2011, F.........., K......... e N........., intentaram, contra a DGCI acção para reconhecimento do direito em matéria tributária, nos termos da qual requerem: i) a inscrição como “Residentes não habituais” no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos, com efeitos desde 2009 e, ii) a consequente tributação dos respectivos rendimentos de acordo com tal estatuto, desde o ano de 2009 e pelo período de dez anos», a qual corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob o n.º 1346/11.8BESNT - sitaf e doc. 1 junto com a contestação.
C) O réu foi citado para os termos da acção referida na alínea anterior em 08.02.2012 – sitaf.
D) O réu foi citado em 26.01.2012 para os termos da presente acção – fls. 97.

X

2.2. Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erros de julgamento da sentença, quanto aos itens seguintes:

(i) quanto à determinação do valor da causa;

(ii) quanto à procedência da excepção de litispendência.

2.2.2. A sentença anulou a decisão de indeferimento do pedido de inscrição dos autores, como residentes não habituais, determinando a sua inscrição enquanto tal e reportada ao ano de 2009. Para assim proceder, considerou que: «(…) Os AA. eram s.p de imposto em IRS no ano de 2009 enquanto residentes em território português, não tendo sido tributados enquanto tal em sede de IRS nos cinco anos anteriores. – cfr autos de Rec. Hier. apenso aos autos. // Nesses termos nada obstaculiza que este Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1, do artº 71º do CPTA, imponha “de jure” a inscrição dos interessados na qualidade de “Residentes Não Habituais”, no ano de 2009».

2.2.3. No que respeita ao erro de julgamento quanto ao valor da causa, a recorrente censura a sentença recorrida por a mesma ter determinado como valor da causa o montante de €5.000,00. Vejamos.

Nos termos do artigo 6.º do ETAF[1],

«1 - Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal têm alçada. (…) // 3 - A alçada dos tribunais administrativos de círculo e dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância».

Por seu turno, determina o artigo 24.º/1, da Lei n.º 3/99, de 03.01, (versão vigente à data), que «[e]m matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de (euro) 30 000 e a dos tribunais de 1.ª instância é de (euro) 5000».

«Consideram-se de valor indeterminável os processos respeitantes a bens imateriais e a normas emitidas ou omitidas no exercício da função administrativa, incluindo planos urbanísticos e de ordenamento do território. // Quando o valor da causa seja indeterminável, considera-se superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo»[2].

Nos presentes autos, estão em causa os despachos que indeferiram os pedidos dos autores de reconhecimento como residentes não habituais para efeitos de aplicação do Código Fiscal do Investimento (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23/09). «Com o DL n.º 249/2009, de 23.09, o Governo aprovou o Código Fiscal do Investimento, por via do qual procedeu à criação de diversos benefícios fiscais para as empresas e redução de taxas de imposto sobre o rendimento de pessoas singulares, regulamentando, assim, benefícios fiscais contratuais, condicionados e temporários, susceptíveis de concessão e estabelecendo o estatuto do investidor no caso de residente não habitual em território português, alterando, ainda, entre outras disposições legais, as normas dos artigos 72º, n.º 6 e 81º, n.º 4. // Também por vontade expressa do legislador, tais instrumentos de atracção internacional do investimento, criando condições mais competitivas à economia nacional, foram editados para permitir que já nesse mesmo ano de 2009, desde o dia 01.01.2009, as empresas e as pessoas singulares que ficassem abrangidas pelas suas previsões, pudessem beneficiar das condições mais favoráveis criadas por tal diploma, cfr. artigo 9º.»[3].

De onde se impõe concluir que a pretensão anulatória in judicio não assume um valor determinado, dado que tem em vista a aplicação aos autores de um estatuto fiscal específico (o estatuto de residente não habitual em território português), pelo que se trata de acção administrativa de valor indeterminado (artigo 34.º, n.os 1 e 2, do CPTA). Em face do exposto, impõe-se rectificar a determinação do valor da causa inscrita na sentença, passando a constar que o valor da causa nos autos é superior à alçada do Tribunal Central Administrativo (artigo 34.º/1 e 2, do CPTA).

Termos em que se procederá no dispositivo.

2.2.4. No que respeita ao erro de julgamento quanto à alegada excepção da litispendência, por referência à acção de reconhecimento do direito em matéria tributária, que corre termos no Tribunal Tributário sob o n.º 1346/11.8BESNT, a recorrente invoca que existe no caso litispendência, dado que, em ambas as acções em cotejo, o pedido inclui o reconhecimento aos autores do estatuto de residente não habitual por referência ao ano de 2009.

A sentença recorrida rejeitou a presente asserção, considerando que não existe identidade dos pedidos formulados em cada uma das acções em presença.

Apreciação. A excepção dilatória da litispendência tem na sua base a ideia da proibição da repetição e da proibição de contradição entre decisões judiciais. «As excepões da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença, há lugar à excepção do caso julgado» (artigo 580.º/1, do CPC). «Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior» (artigo 580.º/2, do CPC). «A litispendência deve ser deduzida na acção proposta em segundo lugar» (artigo 582.º/1, do CPC).

«Além de um objectivo de economia processual, [a excepção da litispendência] visa evitar que a causa seja julgada mais do que uma vez, o que brigaria com a força do caso julgado»[4]. «A litispendência – que, materializando-se na repetição de uma causa pendente, constitui excepção dilatória, que tem por objectivo evitar que o tribunal contradiga ou reproduza uma decisão anterior – só ocorrerá se, cumulativamente, nas acções em confronto, intervierem as mesmas partes, sob a mesma qualidade jurídica, pretendendo obter, nessas acções, o mesmo efeito jurídico e esse efeito jurídico tiver por causa o mesmo facto jurídico»[5].

«[R]epete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, pedido e à causa de pedir» - artigo 581.º/1, do CPC. «Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica» (artigo 581.º/2, do CPC). «Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico» (artigo 581.º/3, do CPC). E existe «identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico» (artigo 581.º/4, do CPC).
No caso em apreço, verifica-se que em ambas as acções se dirime a questão de saber se é devido aos autores o reconhecimento do estatuto de residente não habitual, no ano de 2009, ainda que na acção de reconhecimento do direito, tal pedido se protrai pelo período de dez anos, pelo que se afigura existir identidade do pedido, no que se reporta ao ano de 2009. O mesmo se diga em relação às partes e em relação à causa de pedir, dado que está em causa a invocação do preenchimento dos pressupostos por parte dos autores para que lhes seja reconhecido o almejado estatuto. No que respeita ao pedido relativo ao ano de 2009, verifica-se a ocorrência da tripla identidade – sujeitos, causa de pedir e pedido – o que determinaria a preclusão da competência para dirimir o litígio sob escrutínio, por ocorrer o preenchimento do pressuposto da excepção dilatória da litispendência.

Sucede, porém, que a excepção da litispendência em exame deve ser deduzida na acção instaurada em segundo lugar (artigo 582.º/1, do CPC). «Considera-se proposta em segundo lugar a ação para a qual o réu foi citado posteriormente» (artigo 582.º/2, do CPC). No caso, a acção que corre termos no Tribunal Tributário sob o n.º 1346/11.8BESNT corresponde à acção instaurada em segundo lugar (V. alíneas C) e D), do probatório). Pelo que a excepção da litispendência em apreço não é oponível nos presentes autos, não assumindo, nesta sede, o efeito preclusivo que a recorrente lhe pretende assacar.

Ao decidir no sentido referido, a sentença recorrida deve ser confirmada, ainda que com a presente fundamentação.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul no seguinte:
a) Fixar o valor da causa em €30,000,01.
b) Negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta)



 (2.ª Adjunta)


_________________


[1] Lei n.º 13/2002, de 19.02, com alterações posteriores, versão vigente à data da instauração da acção.
[2] Artigo 34.º/1 e 2, do CPTA.

[3] Acórdão do STA, de 08.03.2017, P. 0221/16

[4] J. Lebre de Freitas et aliud, CPC, anotado, VOL. II, 2008, p. 345.
[5] Acórdão do STA, de 08/03/2017, P. 01449/16.