Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11880/15
Secção:CA
Data do Acordão:04/07/2016
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:ACORDOS-QUADRO.
CONCURSO LIMITADO POR PRÉVIA QUALIFICAÇÃO
Sumário:I – A decisão final de não qualificação da Recorrente nos lotes a que não apresentou candidatura não se lhe dirige e, desse modo, ocorre ilegitimidade parcial activa.

II – Não existe fundamento para ampliação do pedido porquanto a Recorrente se limitou a repetir, mas de forma dissimulada, um pedido condenatório formulado na petição inicial, contudo, à revelia do disposto nos artigos 102º nº 4 e 63º do CPTA.

III – Pretendendo a entidade recorrida colocar à disposição das entidades integrantes do Sistema Nacional de Compras Públicas as melhores empresas com as melhores propostas, esse objectivo poderia ser preferencialmente alcançado através de acordos-quadro, por concurso limitado por prévia qualificação ( em lugar do concurso público).

IV – Na opção entre essas duas modalidades – concurso público e concurso limitado por prévia qualificação – o legislador do Código dos Contratos Públicos não quis estabelecer qualquer hierarquia ou condicionamento das entidades adjudicantes na escolha de qualquer uma delas, permitindo-lhes enveredar por aquela que lhes parecer mais conveniente – cfr. artigo 164º nº 1 al. d) do CCP.

V – A subdivisão dos contratos públicos em lotes facilita claramente o acesso das PME [aos contratos públicos], tanto quantitativamente (a dimensão dos lotes pode corresponder melhor à capacidade produtiva da PME), como qualitativamente ( o conteúdo dos lotes pode ajustar-se melhor ao sector especializado da PME).

VI – A contratação pública é dominada pela tipicidade e formalidade, tendo esta por finalidade a prossecução do princípio da transparência, de molde a colocar em pé de igualdade todos os concorrentes, garantindo efectiva concorrência e imparcialidade no tratamento que pela entidade adjudicante é dispensado a cada um.

VII – Nos negócios formais, embora continue a valer a teoria da impressão do destinatário, exige-se que o sentido objectivo da declaração correspondente à impressão do destinatário, esteja expresso, ainda que imperfeitamente, nos próprios termos da declaração formalizada, sendo inoperante se lá não estiver minimamente reflectido.

VIII – Atendendo ao modo como foi gizado o presente Concurso, não é a mesma coisa uma empresa ter capacidade técnica para assegurar um contrato em que o factor humano é o garante da prestação de serviços ou em que o factor preponderante é o factor tecnológico (alarmes) ou até, no limite, um contrato que abarca estas duas vertentes.

IX – As declarações apresentadas pela Recorrente, por referirem várias regiões ao mesmo tempo, impossibilitam o júri do concurso de aferir o cumprimento do valor mínimo obrigatório de € 100.000,00 a que respeita o respectivo lote, até porque o próprio modelo III da Declaração anexo, referido no probatório, que reporta ao artigo 8º do Programa do Concurso, fala em “região” e não “ num conjunto de regiões”.

X – Não colhe a ideia da Recorrente de que o júri do concurso deveria ter usado de poderes inquisitórios que suprissem a insuficiência probatória dos documentos por ela oferecidos, porque uma tal actuação do júri ofenderia uma fundamental regra do concurso – a de que a prova documental era da responsabilidade de cada candidato e tinha de ser realizada num certo tempo – e atentaria contra o basilar princípio da estabilidade das candidaturas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:S., S.A., com sinais nos autos, inconformada com o Acórdão do TAF de Sintra, de 20 de Outubro de 2014, que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual por si intentada relativa ao concurso público internacional denominado “ Concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo-quadro para a prestação de serviços de vigilância e de segurança”, aberto por anúncio publicado no Jornal Oficial da União Europeia, de 16 de Novembro de 2013, com o nº 2013/S223-388456, e no Diário da República nº 222, parte L, de 15 de Novembro de 2013, dele recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões (sintetizadas):


I. Na pendência do prazo de recurso, concretamente no dia 19 de Novembro de 2014, foi a S. notificada da prática do acto da adjudicação no concurso em causa na presente acção, acto que se consubstancia na deliberação do Conselho Directivo da ESPAP de 14 de Novembro de 2014 que aprovou o relatório final do júri (cf. documentos n.ºs 1 e 2 que, ao abrigo do disposto no artigo 425º do CPC, se juntam e dão por reproduzidos), acto que pode (e deve) ser levado ao conhecimento do presente tribunal pois as decisões judiciais devem corresponder à realidade existente no momento em que são proferidas (cf. artigos 611º e 663º n.º 2 do CPC).

II. O tribunal a quo olhou para o presente processo como se tratasse simplesmente da exclusão de um candidato por apresentação de documentos alegadamente desconformes com o exigido pelo programa do concurso.

III. Mas, a questão decidenda não é esta: o que a Autora invocou foi a ilegalidade de um requisito designado de capacidade técnica (não o sendo) – concretamente, o requisito “experiência2 definido no Art.º 8.º do Programa – e, para o caso de o tribunal assim não o entender, invocou que as declarações por si apresentadas para efeitos de aferição de tal requisito não sofrem de irregularidade alguma.

IV. O Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento ao decidir pela ilegitimidade activa do Recorrente no que respeita aos lotes relativamente aos quais não apresentou candidatura e, assim, violou o disposto nos Art.ºs 9º n.º 1 e 55º n.º 1 al. a) do CPTA e no artigo 1º n.º 3 das Directivas “meios contenciosos”.

Isto porque
V. A S. tem o direito de participar no concurso para a celebração de acordo quadro, tendo esse direito sido lesado através da fixação de um requisito de qualificação ilegal que impediu a sua participação plena em todos os lotes a concurso.

VI. A S. beneficia da desaplicação de tal requisito pois, com essa desaplicação, a S. não verá impedido o seu acesso ao mercado público de serviços de segurança privada nos próximos quatro anos por via da celebração do acordo quadro objecto do concurso ajuizado, acedendo, pois, a esse mercado em toda a sua dimensão e podendo participar plenamente em novo concurso para a celebração de acordo quadro que, para o efeito, será lançado.

VII. E é, precisamente, aqui que reside a legitimidade da Autora no que respeita a todos os lotes do concurso, mesmo aqueles a que, por força do requisito ilegal, não se candidatou (cf. neste sentido Ana Gouveia Martins, “A tutela cautelar no contencioso administrativo (em especial nos procedimentos de formação de contratos)”, pág. 363).

VIII. Porque relevantes para a decisão sobre a ampliação do pedido, devem ser aditados à matéria de facto provada os factos articulados no requerimento de 1 de Julho de 2014, a saber:
- No dia 16 de Junho de 2014, a S. foi notificada pela ESPAP, via plataforma electrónica, do teor da resolução fundamentada (provada pelo documento n.º 1 junto com o identificado requerimento)
- A S. apresentou a sua proposta, quer para os lotes em que havia sido admitida quer para os lotes em que havia sido excluída (provado pelo documento n.º 2 junto com o identificado requerimento)
- No dia 18 de Junho de 2014, foram disponibilizadas na plataforma electrónica as propostas apresentadas pelos concorrentes (provado pelos documentos n.ºs 3 a 13 juntos com o identificado requerimento).

IX. Sendo a mesma e única a causa de pedir dos pedidos iniciais e do pedido aditado, verifica-se a conexão objectiva exigida pelo Art.º 4º n.º 1 al. a) do CPTA para a sua cumulação, sendo a mesma, consequentemente, legalmente admissível.

X. Ao não entender assim, violou o Acórdão recorrido, e de forma ostensiva, as disposições dos Art.ºs 4º n.º 1 al. a) , 47º n.º 1 e 63º n.º 1 do CPTA.

XI. O denominado requisito “experiência”, tal como definido no artigo 8º do programa, não constitui requisito de capacidade técnica pois não se atém a situações, qualidades ou características subsumíveis no Art.º 165º n.º 1 do CCP, antes dizendo respeito ao volume de negócios dos candidatos e, como tal, não é admissível enquanto tal.

XII. Em segundo lugar, o denominado requisito “experiência” viola o Art.º 165º do CCP e o princípio da proporcionalidade porque é desadequado e injustificado face ao objecto do acordo quadro a celebrar, gerando discriminação entre candidatos.

XIII. Em terceiro lugar, denominado requisito “experiência” viola o princiio da concorrência restringindo ilegalmente o universo dos candidatos a concurso, violação que resulta evidente do resultado da “qualificação”.

XIV. Em quarto lugar, o requisito denominado “experiência” viola o principio da igualdade, favorecendo os candidatos que cobram um preço mais alto pelos serviços prestados em detrimento dos que, pelso mesmos serviços, cobram um preço mais baixo.

XV. A ilegalidade apontada foi pura e simplesmente ignorada pelo tribunal a quo, violando o Acórdão recorrido o Art.º 165º n.º 1 e 5 do CCP e os princípios da concorrência, da igualdade e da proporcionalidade.

Caso assim se não entenda ( o que só por cautela de patrocínio se admite),

XVI. O Júri excluiu a candidatura da S., não por ter concluído do ponto de vista substancial que a S. não possuía capacidade técnica para executar o acordo quadro, mas por causa das expressões utilizadas pelos clientes da S. na redacção das declarações para definir a prestação de serviços (no caso dos lotes 18 a 22 e 25) e para indicar o respectivo valor (no caso dos lotes 8, 10 a 14 e 24);
XVII. Violou, por isso, o júri, o Art.º 178º n.º 2 do CCP, nos termos do qual a aferição do preenchimento dos requisitos mínimos de capacidade técnica faz-se pela “avaliação dos elementos constantes dos documentos destinados à qualificação dos candidatos” e não, como o Júri fez, através da análise da linguagem utilizada pelos clientes da S. nas declarações que emitiram.

XVIII. A exclusão da candidatura da S. não tem apoio nas regras concursais, constituindo uma verdadeira surpresa, sendo, pois, violadora do princípio da transparência.

XIX. O Júri ignorou os princípios da concorrência, do favor do procedimento, dos concorrentes e das propostas, do inquisitório, da eficiência, da igualdade, da legalidade do procedimento e da proporcionalidade da exclusão da S., limitando-se a declarar verificada uma alegada irregularidade, sem cuidar de aferir, como impõem os citados princípios, se a mesma podia ou não ter sido sanada, violando, pois, tais princípios e ainda o principio da transparência.

XX. Resulta de todo o exposto, que o presente recurso deverá ser julgado procedente e, em consequência, revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro que: anule o concurso (e, consequentemente toos os actos praticados no seu âmbito e ao seu abrigo); caso entenda que a ilegalidade do requisito não determina a anulação do concurso in totum, então que condene a ESPAP a desaplicar o requisito ilegal, extraindo daí todas as consequências em termos concursais; caso conclua pela legalidade do requisito, que, ainda assim, anule a deliberação da exclusão da candidatura da S. nos lotes 8, 10 a 14, 18 a 22, 24 e 25 com as necessárias consequências em termos concursais, designadamente, que condene a ESPAP a admitir as candidaturas e as propostas da S. nos identificados lotes, procedendo à respectiva avaliação e ordenação”.

*
A entidade demandada – Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública I.P.- e a contra – interessada P. S.A., contra – alegaram pugnando pela manutenção do decidido.
*

Sem vistos vem o processo submetido à conferência para julgamento.

*

A matéria de facto pertinente é a constante do Acórdão recorrido, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663º nº 6 do Cód. Proc. Civil.

*

Tudo visto cumpre decidir.

Veio o presente recurso jurisdicional interposto do Acórdão do TAF de Sintra que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual intentada pela ora Recorrente relativa ao concurso público internacional denominado “ Concurso limitado por prévia qualificação para a celebração de acordo-quadro para a prestação de serviços de vigilância e de segurança”, aberto por anúncio publicado no Jornal Oficial da União Europeia, de 16 de Novembro de 2013, com o nº 2013/S223-388456, e no Diário da República nº 222, parte L, de 15 de Novembro de 2013.

Em síntese, o Acórdão a quo apreciou as diversas questões suscitadas a saber:
a) Interpretou a posição processual assumida pela ora Recorrente, identificando como sendo o seu principal interesse o da qualificação das suas candidaturas aos lotes em que, tendo apresentado candidatura, não foram qualificadas e como interesse subsidiário o da anulação do concurso por invocada ilegalidade do requisito de experiência profissional estatuído no artigo 8º do Programa do Concurso (doravante designado PC);
b) Julgou procedente a excepção da ilegitimidade parcial activa (falta de interesse em agir) para peticionar a anulação do procedimento relativamente aos lotes a que não se candidatou;
c) Julgou o requerimento de ampliação do pedido, concluindo pela sua improcedência ao considerar que o pedido aditado mais não era do que a repetição de um dos pedidos formulados na petição inicial;
d) Julgou o mérito da causa, concluindo pela improcedência de todos os vícios invocados, quer os apontados ao PC, quer os apontados à deliberação impugnada.

Inconformada, a ora Recorrente delimitou o objecto do recurso nos seguintes termos:
a) Insuficiência da matéria de facto, pretendendo a ampliação dos factos identificados no ponto IV das suas alegações.
b) Erro de julgamento:
i) ao decidir pela ilegitimidade activa da Recorrente relativamente aos lotes a que não apresentou candidatura, violou o Tribunal a quo os artigos 9º nº 1, 55º nº 1 al. a) do CPTA, e artigo 1º nº 3 da Directiva “Meios Contenciosos”;
ii) ao não admitir a ampliação do pedido, violou o Tribunal a quo os artigos 4º nº 1 al. a), 47º nº 1 e 63º nº 1 do CPTA;
iii) ao não decidir pela invalidade do requisito de experiência constante do artigo 8º do PC, violou o Tribunal a quo o artigo 165º do CCP e os princípios da igualdade, da concorrência e da proporcionalidade;
iv) ao não decidir pela invalidade da deliberação de não qualificação das candidaturas apresentadas pela Recorrente, violou o Tribunal a quo o anexo III do PC, o artigo 178º nº 2 do CCP e os princípios da transparência, da concorrência , do favor do procedimento, do inquisitório, da eficiência, da igualdade, da legalidade e da proporcionalidade.

Analisemos então, em separado, as diversas questões suscitadas pela aqui Recorrente.
I – Da ilegitimidade parcial activa da ora Recorrente S.

Nos termos dos artigos 1º nº 3, 8º, 9º, 11º al. d) do Anexo III do PC, o procedimento em causa foi dividido em lotes, seja para efeitos de qualificação, seja para efeitos de adjudicação ( cfr. nº 2 e 4 da factualidade dada como assente).
Importa sublinhar que as peças do procedimento não estabeleceram qualquer conexão necessária entre os lotes, que se mantêm, assim, independentes entre si.
A ora Recorrente não apresentou efectivamente propostas a todos os lotes submetidos a concurso pretendendo contudo impugnar norma do PC relativamente a todos esses lotes.
Com efeito, apresentou candidaturas nos lotes 2 a 6, 8 a 14, 18 a 22, 24 e 25. Inversamente, não apresentou candidatura aos lotes 1, 7, 15 a 17 e 23 (cfr. nº 4 da factualidade dada como assente).
Veio no entanto a ora Recorrente questionar o entendimento do Tribunal a quo sobre a legitimidade para deduzir pretensões relativamente a lotes em que não apresentou proposta.
Sustenta a propósito que o Tribunal a quo não atendeu à relação material controvertida, tal como configurada na petição inicial, apenas tendo atendido a um pedido e a uma causa de pedir (anulação da deliberação na parte em que não qualificou a S. em lotes a que esta apresentou candidatura), ou seja o Tribunal a quo não fez menção às invocadas invalidades do PC e à alegação de que ela teria legitimidade para impugnar actos de formação do contato dos que tenham interesse em nele participar.
Refira-se de antemão que os termos em que a Recorrente coloca a questão não se afigura correcta.
Com efeito, como justificou o Tribunal a quo, sendo apenas destinatários da deliberação impugnada quanto aos lotes 1, 7, 15 a 17 e 23 ( a que a S. não presentou candidatura) os candidatos que a eles apresentaram candidatura, não o tendo feito a S., ela não é parte na relação material controvertida.
Como se afirmou no Acórdão deste TCAS de 26 de Setembro de 2013 in Proc. nº 10300/13, disponível em www.dgsi.pt : “ Não se aceita que o interesse pessoal e directo coincida com qualquer tutela abstracta da legalidade”.
Por conseguinte, a S. é destituída do interesse directo e pessoal na dedução do pedido relativamente aos lotes a que não apresentou candidatura, faltando-lhe legitimidade para formular em juízo a respectiva condenação da ESPAP na qualificação de tais lotes.

Para além do referido, importa ainda discutir se um concorrente que não apresentou proposta ( no caso, candidatura) pode, posteriormente, vir a impugnar o acto de adjudicação ( no caso, de não qualificação) - que não se lhe dirige e que não lhe aplica nenhuma das disposições das peças do procedimento – com fundamento em alegadas invalidades cometidas nas peças do procedimento , que não impugnou no prazo de um mês, nos termos previstos nos artigos 100º nº 2 e 101º do CPTA.
Desde já afirmamos peremptoriamente que a resposta é negativa.
Com efeito, o meio processual de contencioso pré-contratual consubstancia um meio processual único e obrigatório, não opcional relativamente aos demais meios processuais previstos no CPTA - cfr. a propósito o Acórdão do STA de 12 de Dezembro de 2006, in Proc. nº 0528/06, disponível em www.dgsi.pt.
Por outro lado, da norma contida no artigo 100º nº 2 do CPTA resulta que são susceptíveis de impugnação directa – à semelhança do que sucede com os actos administrativos – os documentos conformadores dos procedimentos pré-contratuais indicados no artigo 100º nº 1 do CPTA.
Assim, no caso de um sujeito pretender impugnar os documentos conformadores do procedimento (vg do programa ou do caderno de encargos), deverá socorrer-se do meio processual urgente das impugnações urgentes de contencioso pré-contratual.
A não impugnação dos actos mencionados no artigo 100º nº 2 , no prazo referido no artigo 101º, não implica a respectiva convalidação. As invalidades que padeçam ficam latentes até à decisão final do procedimento (seja a última decisão no procedimento, seja a decisão que põe termo à participação de um interessado no procedimento).
Proferida essa decisão final, está ao alcance do concorrente/candidato preterido ou excluído proceder à respectiva impugnação, assacando-lhe, não apenas vícios próprios de que padeça, mas também aqueles resultantes de actos jurídicos inválidos praticados anteriormente mas que nele se reflictam.
Aliás, só assim se compreenderá a aplicabilidade aos procedimentos pré-contratuais de impugnação unitária – cfr. artigo 51º nº 3 do CPTA -, considerando os interesses em presença na consagração do regime do processo de contencioso pré-contratual e atendendo ao “(…) fim claramente prioritário da instituição de um processo urgente de contencioso pré-contratual (…) sobretudo na satisfação de dois perfis interrelacionados – do interesse público: o interesse na estabilização rápida dos procedimentos pré-contratuais e o interesse no inicio da execução dos contratos”- PEDRO GONÇALVES , AVALIAÇÃO DO REGIME JURIDICO DO CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL URGENTE, in CJA nº 62, 2007, pag. 5 a 7. Na verdade, considerar admissível, aquando da impugnação da decisão final, a impugnação das disposições contidas nas peças do procedimento que não foram tidas em consideração nessa decisão final e que nela não se reflictam seria, a dois tempos: (i) permitir que, afinal, não obstante o conteúdo dos artigos 100º nº 2 e 101º do CPTA, o interessado pudesse impugnar directamente as peças do procedimento para além do prazo de um mês ali fixado, contrariando disposição expressa; (ii) impedir que se estabilizasse a relação pré-contratual, contrariando a ratio da imposição de um prazo para impugnação directa de disposições contidas nas peças do procedimento.
Destarte, a possibilidade de serem assacadas invalidades das disposições contidas nas peças do procedimento aquando da impugnação da decisão final está consignada aos casos em que a decisão final aplique ou tenha como pressuposta a aplicação de uma disposição das peças do procedimento que seja inválida. Este entendimento está estabilizado na jurisprudência do STA e deste TCAS – cfr., entre outros, Acórdãos do STA de 4/11/2010 in Proc. nº 0795/10 , de 20/12/2011 in Proc. nº 0800/11 e Acórdãos deste TCAS de 17/2/2011 in Proc. nº 6985/10 e de 27/10/2011 in Proc. nº 7952/11, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

No caso, como vimos, a decisão final de não qualificação da S. nos lotes a que não apresentou candidatura não lhe é dirigida e, desse modo, não procede à aplicação de nenhuma disposição do PC, vg. do requisito de experiência previsto no respectivo artigo 8º.
Por conseguinte, essa disposição – artigo 8º do PC – tornou-se inimpugnável relativamente a lotes a que a ora Recorrente S. não apresentou candidatura.
E nessa medida ocorre ilegitimidade parcial da S.. Caso esta pretendesse garantir o direito a participar no procedimento relativamente a tais lotes, ou impugnava directamente essa disposição do PC no prazo legalmente previsto ou apresentava a sua candidatura a esses mesmos lotes e, caso viesse a ser excluída, impugnava a deliberação que assim decidisse com fundamento na invalidade do critério de experiência fixado no artigo 8º do PC.
Certo é que a ora Recorrente S. não impugnou directamente as peças do procedimento nem apresentou candidaturas.
Isto mesmo foi entendido pelo Tribunal a quo quando concluiu que “ a A. não tem interesse em demandar por ser exterior à relação jurídica na parte que respeita aos lotes aos quais não concorreu” e por essa razão “é parte ilegítima em relação aos lotes a que não concorreu e, portanto, em que nenhuma decisão do Réu, consequentemente, a pode prejudicar”, não merecendo pois tal juízo qualquer reparo.
Termos em que, de acordo com os fundamentos expostos, improcedem as conclusões II a VII da alegação da Recorrente.

II – Da ampliação do pedido e da matéria de facto

Alega a ora Recorrente que a matéria de facto seleccionada é “manifestamente insuficiente”, devendo ser aditados os factos elencados nas conclusões VIII a X e alegados no requerimento de ampliação do pedido.
A propósito de ampliação do pedido o Acórdão a quo afirmou:
“ Este pedido não diz respeito ao contrato nem a actos surgidos no decurso do procedimento e da propositura da acção, mas, pelo contrário, cuida de uma situação já pré-existente e que a A. bem conhecia desde o inicio”. Procedendo à análise dos pedidos formulados na petição inicial concluiu o Acórdão recorrido que “ a A. vem repetir um pedido condenatório já formulado na P.I., agora dissimulado, dilatoriamente, de ampliação do pedido”.
Vejamos o que se nos oferece dizer.
Como indicado, na petição inicial a Autora S. peticionou, a título principal, que fosse “anulada a deliberação de exclusão da candidatura da S. nos lotes 8, 10 a 14, 18 a 22, 24 e 25 (…) e , consequentemente, ser a ESPAP condenada a admitir a candidatura da S. e, consequentemente, a emitir convite para a S. apresentar proposta para os identificados lotes”.
Sucede, contudo, que o pedido pretendido aditar já se encontra contido no pedido inicialmente formulado, na medida em que foi a própria A. que peticionou logo na petição inicial a condenação da ESPAP a convidar a S. a apresentar proposta para os identificados lotes, do que seria consequente a análise das propostas e, se fosse o caso, a sua admissão, avaliação e ordenação.
A esta luz, novamente, a consideração da factualidade alegada naquele requerimento de “ampliação” do pedido nunca poderia ter sido apreciada, tão pouco dada como assente, pelo Tribunal a quo , não o podendo igualmente ser nesta sede.
Vejamos no entanto por que razão o pedido de aditamento pretendido nunca poderia proceder.
Desde logo porque a admissão, avaliação e ordenação das propostas depende do prévio exercício de competências legalmente atribuídas ao júri do concurso, a que o Tribunal não se pode substituir.
Com efeito, nos termos do artigo 69º nº 1 al. b) do CCP é atribuída ao júri do concurso, além do mais, a competência para apreciar as propostas.
Tal competência desdobra-se, por sua vez noutras: a análise das propostas, a avaliação das propostas, a ordenação das propostas.
Na verdade, “ (i) primeiro examinam-se ou analisam-se todos os documentos que as constituem e tudo o que eles revelam ou contêm não apenas quanto aos respectivos atributos termos e condições, mas também no que respeita à documentação e informação que a lei e o programa ou convite, consoante os casos, exijam dever integrá-las ou acompanhá-las – operação a que se dá o nome de análise das propostas; (ii) seguidamente, confrontam-se os resultados da análise feita, primeiro com os parâmetros (…) de que, segundo a lei e as peças do procedimento, depende o acesso de concorrentes e a admissão de propostas, para propor ou não a sua exclusão do procedimento (tarefa que, em certa medida, ainda é imputável ao conceito de análise das propostas); (iii) as propostas cuja exclusão não se propôs são, depois, objecto de uma avaliação de mérito (…) – operação a que o legislador deu o nome de avaliação das propostas ; (iv) finalmente, apurados os resultados a aplicação dos critérios, factores e coeficientes de ponderação aos atributos das propostas, procede-se à sua ordenação em função da pontuação que obtiveram” – cfr. MÁRIO E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA in CONCURSOS E OUTROS PROCEDIMENTOS DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA, Almedina, 2011, págs. 917 e 918.
Desta distinção resulta linearmente que apenas se avaliam as propostas que, na sequência da respectiva análise, sejam admitidas.
A não se admitir que o pedido pretendido aditar se inclui num dos pedidos inicialmente formulados, então deve concluir-se que esse pedido (pretendido aditar) não se prende com a condenação da ESPAP (rectius júri do concurso) para análise das propostas apresentadas pela ora Recorrente aos lotes em que não foi qualificada, peticionando-se antes que o Tribunal condene a ESPAP a admitir, avaliar e ordenar as propostas apresentadas, ou seja, que sem mais, o júri do concurso independentemente do que a fase de análise ditasse, fique vinculado a admiti-las, avaliá-las e ordená-las.
Ora, tais pedidos não podem proceder, não estando na disponibilidade do Tribunal substituir-se ao júri do concurso no exercício da competência de análise das propostas que, aliás, nem sequer conhece porquanto não foram trazidas aos autos pela ora Recorrente.
Em resumo: (i) o júri do concurso não exerceu qualquer das suas competências de análise das propostas apresentadas pela aqui Recorrente que permita concluir pela sua admissão; (ii) não está na disponibilidade do Tribunal substituir-se à Administração em tal análise, de modo a permitir a condenação da ESPAP na admissão, avaliação e ordenação de tais propostas; (iii) em todo o caso, inexistem elementos nos autos que pudessem impor à ESPAP a admissão de propostas, e tão pouco a sua avaliação e a sua ordenação.
Termos em que, de acordo com os fundamentos expostos, improcedem as conclusões VIII a X da alegação da Recorrente.

III – Quanto ao mérito do decidido pelo Tribunal a quo. Do alegado erro de julgamento quanto às invocadas invalidades do procedimento

1 – Da alegada invalidade do requisito experiência definido no artigo 8º do PC

Nas conclusões XI e XII da sua alegação a Recorrente conclui que o requisito da experiência definido no artigo 8º do PC é inválido por violar o artigo 165º nº 1 e 5 do CCP e os princípios da igualdade, da concorrência e da proporcionalidade, alegando para o efeito o seguinte:
a) O requisito de experiência fixado no PC não é adequado, é discriminatório e não é proporcional;
b) A exigência de um preço como demonstrativo da experiência não revela capacidade técnica ou experiência curricular, beneficiando unicamente candidatos que praticam preços mais altos;
c) A exigência da experiência numa determinada região só teria sentido se os serviços a prestar diferissem em cada região;
d) Essa exigência favorece, sem razão plausível, candidatos com experiência em determinada região em detrimento de outros;
e) Um candidato que tenha experiência para prestar serviços em todo o território nacional teria, necessariamente, experiência para prestar serviços numa determinada região;
f) Carece de sentido que o valor ad experiência se afira por referência a um único cliente.

Como referido em I, o procedimento foi dividido em lotes. De um lado os lotes dividem-se funcionalmente, consoante o objecto das prestações incluídas em cada lote ( cfr. artigos 1º nº 3 do PC e 2º nº 2 do Caderno de Encargos):
a) lote 1- serviços de consultoria para a realização de estudos e planos de segurança;
b) lotes 2 a 9 – serviços de vigilância e segurança humana;
c) lotes 10 a 17 – serviços de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes;
Para além desta divisão os lotes 2 a 25 dividem-se em regiões ( cfr. artigos 1º nº 3 do PC e 2º nº 2 do Caderno de Encargos):
a) Região Norte – lotes 2, 10 e 18;
b) Região Centro – lotes 3, 11 e 19;
c) Região de Lisboa e Vale do Tejo – lotes 4, 12 e 20;
d) Região do Alentejo – lotes 5, 13 e 21;
e) Região do Algarve – lotes 6, 14 e 22;
f) Região Autónoma dos Açores – lotes 7, 15 e 23;
g) Região Autónoma da Madeira – lotes 8, 16 e 24;
h) Todo o Território Nacional – lotes 9, 17 e 25.

Mediante acordos – quadro, a ESPAP, em vez de optar por um concurso público, preferiu lançar mão de um procedimento de um concurso limitado por prévia qualificação (sobre a opção entre um e outro procedimento ver MÁRIO E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA in “ CONCURSOS E OUTROS PROCEDIMENTOS DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA”, Almedina, 2011, pag. 187).
Para a finalidade pretendida, para além dos requisitos de capacidade financeira, que não estão em causa nos presentes autos, a ESPAP fixou ainda os requisitos de capacidade técnica que deveriam ser cumpridos.
E na medida em que o procedimento foi configurado por lotes, com vista à celebração de acordos – quadro, igualmente por lotes ( ou de tantos acordos – quadro, quantos os lotes – cfr. artigo 73º nº 2 do CCP e artigos 1º nº 3 do PC e 2º nº 2 do Caderno de Encargos), também os requisitos de capacidade técnica foram configurados para serem apresentados e cumpridos por lote (cfr. artigo 8º do PC).
Os critérios adoptados para a demonstração da capacidade técnica estão previsos no artigo 165º nº 1 als. a) e b) do CCP, bem como no artigo 48º da Directiva nº 2004/18/CE, do Parlamento e do Conselho Europeu, de 31 de Março.
Assim, no tocante a cada um dos lotes regionais a ESPAP definiu como requisito de aptidão técnica a demonstração de uma experiência na prestação de serviços similares a uma entidade, no ano de 2012, no valor de € 100.000,00 (cfr. artigo 8º al. b) do PC).
Já para cada um dos lotes nacionais o requisito foi mais exigente, requerendo-se a demonstração de uma experiência na prestação de serviços similares a uma entidade, no ano de 2012, no valor de € 500.000,00 (cfr. artigo 8º al. c) do PC).
Por conseguinte, estando aqui em causa o modelo “qualificação simples” (cfr. artigo 7º do PC), não existe qualquer limite para o número de candidatos a selecionar, pelo que todos aqueles que cumpram os requisitos de capacidade técnica são qualificados e, necessariamente, convidados a apresentar proposta (cfr. artigo 179º nº 1 do CCP).
O propósito inerente foi o de garantir as melhores propostas em obediência ao principio da concorrência no sentido de assegurar a abertura do procedimento pré-contratual a todos quantos estejam interessados em contratar ( para maiores desenvolvimentos cfr. MÁRIO E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA in “ CONCURSOS E OUTROS PROCEDIMENTOS DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA”, Almedina, 2011, pag. 185).
Destarte, a optar pelo modelo de tramitação de um concurso limitado por prévia qualificação, os objectivos pretendidos pela ESPAP foram:
(i) Permitir o acesso ao acordo-quadro de empresas de dimensão mais reduzida, com especial vocação para a prestação de serviços regionais ( promoção de competitividade),
(ii) Garantir, ao mesmo tempo, que as empresas tenham uma experiência mínima na prestação de serviços locais, isto é, que tenham uma certa implantação em determinada região ( eficiência operacional), por forma a assegurar maior concorrência com reflexo na formação dos preços (criação de poupanças para o sector público),
(iii) Permitir, através da existência de lotes nacionais, que as entidades adquirentes com presença geográfica em todo ou grande parte do território nacional contratem a prestação de serviços de forma agregada.
Do mesmo modo, pretendeu promover a igualdade entre as empresas no acesso ao mercado, tendo em conta a identidade substancial entre diversas situações, o que implica, por um lado, que não se trate desigualmente o que deve ser igual (sentido negativo)e, por outro lado, que se trate de forma igual o que deve ser igual (sentido positivo) – cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDDRÉ SALGADO DE MATOS in DIREITO ADMINISTRATIVO GERAL – INTRODUÇÃO E PRINCIPIOS FUNDAMENTAIS , Tomo I, 2004, pag. 218.
No caso em apreço, a configuração do procedimento (divisão por lotes funcionais e geográficos exigindo a comprovação de requisitos de capacidade técnica relativamente a cada um deles) justifica-se precisamente pelos princípios da igualdade e da concorrência, sem perder de vista a conformação pelo interesse público posto a cargo pela ESPAP, sem que daí resulte qualquer invalidade.
De resto, trata-se de uma opção que está em sintonia com as orientações acolhidas pela Comissão Europeia. Com efeito, “ a subdivisão dos contratos públicos em lotes, facilita claramente o acesso das PME [aos contratos públicos], tanto quantitativamente (a dimensão dos lotes pode corresponder melhor à capacidade produtiva da PME) como qualitativamente ( o conteúdo dos lotes pode ajustar-se melhor ao sector especializado da PME). Além disso, ao ampliar as possibilidades de participação das PME, a subdivisão dos contratos em lotes, desde que seja adequada e viável atendendo às obras, aos fornecimentos e aos serviços a que dizem respeito, aumenta a concorrência, sendo, portanto, vantajosa para as entidades adjudicantes “( Cfr. Documento de Trabalho dos Serviços da Comissão, de 25 de Junho de 2008, Sec. (2008) 2193, relativo ao Código Europeu de boas práticas para facilitar o acesso das PME aos contratos públicos).
E no caso da celebração de um Acordo-quadro, essa opção é ainda mais fundamentada: “ Os processos de adjudicação de contratos públicos dão às entidades adjudicantes a possibilidade de celebrar um acordo-quadro com vários operadores económicos e de organizar “mini - concursos” abertos às partes no acordo-quadro à medida que as necessidades da entidade adjudicante vão efectivamente surgindo. Contrariamente aos concursos tradicionais, nos quais a entidade adjudicante solicita o fornecimento da totalidade dos bens para determinado período por um único fornecedor, o que pode favorecer as empresas maiores, o acordo-quadro pode dar às PME a possibilidade de concorrer em relação a contratos que estão em condições de executar (…) De qualquer modo, as entidades adjudicantes devem, sobretudo assegurando-se da proporcionalidade dos critérios de selecção, zelar por que as PME não sejam dissuadidas de participar, sabendo-se que estão muitas vezes convencidas de que a dimensão de um acordo-quadro as impede de participar e que o processo de apresentação de propostas é, nesse caso, mais complexo e demorado” ( Cfr. ibidem Documento final).
Finalmente, esta actuação está em linha com a recente Directiva 2014/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2014 (cfr. considerando 78: “ Os contratos públicos deverão ser adaptados às necessidades das PME. As autoridades adjudicantes deverão ser incentivadas a aplicar o código de boas páticas constante do documento de trabalho dos Serviços da Comissão, de 25 de Junho de 2008, intitulado “Código Europeu de Boas Práticas para facilitar o acesso das PME aos contratos públicos” que fornece directrizes sobre a aplicação do enquadramento dos contratos públicos de uma forma que facilita a participação das PME. Para esse efeito, e para aumentar a concorrência, as autoridades adjudicantes deverão, nomeadamente, serem incentivadas a dividir em lotes os contratos de grande dimensão. Esta divisão poderá ser feita numa base quantitativa, adaptando melhor a dimensão dos contratos individuais à capacidade das PME, ou numa base qualitativa, em função dos diferentes sectores comerciais e de especializações envolvidos, adaptando mais estreitamente o conteúdo dos contratos individuais aos sectores especializados de PME e/ou em função das diferentes fases subsequentes do projecto.
A dimensão e o objecto dos lotes deverão ser determinados livremente pela autoridade adjudicante que, de acordo com as regras aplicáveis em matéria de cálculo do valor estimado dos contratos públicos, deverá também ser autorizada a adjudicar alguns dos lotes sem aplicar os procedimentos da presente directiva.
A autoridade adjudicante deverá ter por obrigação considerar se convém dividir contratos em lotes, sem deixar de poder decidir livremente e de forma autónoma, com base em qualquer motivo que considere pertinente, e sem estar sujeita a controlo administrativo ou judicial. Sempre que a autoridade adjudicante decida que não convém dividir o contrato em lotes, o relatório individual ou os documentos do concurso deverão conter uma indicação das principais razões para a sua escolha.
A autoridade adjudicante poderá, nomeadamente, considerar que essa divisão é susceptível de restringir a concorrência ou de tornar a execução do contrato excessivamente onerosa ou tecnicamente difícil, ou que a necessidade de coordenar os diferentes adjudicatários dos lotes poderá comprometer seriamente a correcta execução do contrato.
Os Estados – Membros deverão ser livres de ir mais além nos seus esforços de facilitar a participação das PME no mercado dos contratos públicos, alargando o âmbito da obrigação de ponderar se convém dividir os contratos em lotes mais pequenos, exigindo que as autoridades adjudicantes justifiquem a sua decisão de não dividir os contratos em lotes, ou tornando a divisão em lotes obrigatória em determinadas condições. Para o mesmo efeito, os Estados-Membros deverão também ser livres de prover mecanismos de pagamento directo aos subcontratantes.”
Em conclusão, a opção da ESPAP em operar a divisão em lotes regionais e funcionais não padece de qualquer invalidade, sequer à luz dos princípios da igualdade e da concorrência, que são promovidos precisamente em função dessa divisão.

Aqui chegados, importa aferir se o valor da experiência exigido, constante do artigo 8º als. b) e c) do PC, é manifestamente desproporcional, como sustenta a Recorrente S..
Atente-se, concretamente nos lotes 2 a 8 e 18 a 24, em que é exigida uma experiência revelada pela prestação de serviços, em 2012 a , pelo menos, um cliente.
Conforme recomendou, igualmente em 2012, a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) - recomendação dirigida às empresas de segurança privada e aos seus clientes -, o valor do trabalho relacionado com uma portaria 24 horas/TDA, atendendo às normas legais aplicáveis e ao acordo colectivo de trabalho em vigor, é superior a € 6019,98. Este é, aliás, o valor resultante apenas de direitos com trabalhadores e outros custos inerentes ao trabalho, acrescidos de custos de estrutura e do lucro da empresa de segurança (cfr. docs. nº 1 a 3 juntos com a oposição cautelar).
É, pois, seguro que o valor mínimo (ainda que não houvesse custos de estrutura ou lucro) era naquele montante, ou seja, multiplicado esse valor por 14 meses, é superior a € 80.000,00. Assim, por um lado, exigir uma experiência demonstrada a partir do contrato celebrado com um cliente releva, efectivamente, uma experiência por parte de um candidato. Por outro lado, o valor da experiência exigido para os lotes regionais corresponde apenas a que os candidatos tivessem unicamente prestado serviço em mais do que uma portaria. Tal seria suficiente para evidenciar a experiência exigida pelo artigo 8º do PC.
Destarte, concluímos que não houve favorecimento de qualquer candidato na definição de lotes regionais na medida em que foram objectivamente fixados.
De igual modo, também não ocorre qualquer invalidade na definição do requisito da experiência quanto aos lotes nacionais.
Aí, a experiência relevante foi valorativamente mais exigente porquanto nesses lotes está em causa a possibilidade de uma entidade adquirente, ao abrigo do acordo-quadro, adquirir agregadamente serviços para todas as suas instalações em todo o território nacional.
Exigiu-se, por conseguinte, a demonstração de uma experiência que revelasse, por parte dos candidatos, uma capacidade de organização para prestar serviços, pelo menos, em seis portarias, o que, necessariamente, corresponde a um mínimo exigível perante um lote destinado à protecção de serviços num âmbito territorial mais alargado.
Improcedem pois os vícios assacados pela Recorrente S. às normas do concurso ínsitas no artigo 8º do PC .

No tocante à conformidade com o disposto no artigo 165º do CCP, a validade do requisito de experiência definido encontra-se plenamente justificado. Como referimos, a demonstração da experiência curricular depende da apresentação de declarações relativas a contratos anteriormente celebrados, com indicação do respectivo preço.
É de notar que a principal fatia dos custos mínimos com a prestação dos serviços em causa se encontra tabelada ( e, igualmente, o número máximo de horas de prestação de trabalho por trabalhador). Na medida em que a principal fatia dos custos mínimos a incorrer na prestação dos serviços em causa se encontra tabelada, a exigência de demonstração da prestação de serviços num determinado montante é, efectivamente, o meio próprio para aferir da experiência passada dos candidatos. Quanto ao montante do valor exigido para a prestação de serviços, conforme referido supra, ela é apta a demonstrar um requisito mínimo de experiência exigível.

Concluímos do exposto que não existe qualquer invalidade do requisito de experiência exigido (artigo 8º do PC), pelo que improcedem necessariamente as conclusões XI e XII da alegação da Recorrente.

2 – Da alegada invalidade do resultado da qualificação

Na conclusão XIII da sua alegação a Recorrente S. sustenta que o resultado a que conduziu a qualificação viola o princípio da concorrência por total frustração dos objectivos consignados no artigo 26º do PC (cfr. pag. 16 das alegações) e designadamente:
a) Por haver lotes que ficaram sem nenhum candidato qualificado;
b) Por haver lotes que ficaram apenas com um candidato qualificado;
c) Que como o recurso aos acordos-quadro não pode ter lugar de forma abusiva, de forma a impedir, restringir ou falsear a concorrência, o seu resultado também não pode conduzir a esse resultado;
d) Que, destinando-se o acordo-quadro a ser celebrado com dez ou quinze empresas (consoante os lotes – cfr. pag. 3 das alegações), a qualificação de um número inferior de candidatos não alcançaria a finalidade pretendida.

Como adiantamos supra, está aqui em causa um concurso limitado por prévia qualificação, dividida em lotes independentes.
O Código dos Contratos Públicos estabelece que quando o número de candidatos que cumpre os requisitos de qualificação for inferior a cinco, são qualificados todos os candidatos que os preencham ( cfr. artigo 181º nº 4). Ou seja, mesmo que haja quatro, três, dois ou um candidatos qualificados, a qualificação tem lugar com o número de candidatos que preenchem aqueles requisitos.
A solução não é diversa no direito comunitário, já que resulta do artigo 44º nº 3 da Directiva nº 2004/18/CE que : “ As entidades adjudicantes convidarão um número de candidatos pelo menos igual ao número mínimo pré-definido. Quando o número de candidatos que satisfazem os critérios de selecção e os níveis mínimos for inferior ao número mínimo, a entidade adjudicante pode prosseguir o processo convidando o ou os candidatos com as capacidades exigidas”.
Nos modelos simples de qualificação – o modelo adoptado no procedimento em causa – não há um número mínimo ou máximo para a qualificação: são qualificados todos quantos cumpram os requisitos de capacidade fixados ( cfr. artigo 179º nº 1 do CCP e artigos 7º e 16º do PC).
Relativamente aos concursos limitados por prévia qualificação a questão não se altera por estar em causa um procedimento dirigido à celebração de acordo-quadro.
Com efeito, o Código dos Contratos Públicos não estabelece qualquer limitação quanto ao número de adjudicatários nos procedimentos pré-contratuais relativos a acordos-quadro. O que estabelece é que um procedimento destinado à celebração de um acordo-quadro só poderá prever nas respectivas peças que o acordo-quadro unicamente será celebrado com uma entidade se todas as prestações objeto do contrato estiverem previstas no respectivo caderno de encargos (artigo 252º nº 1 al. a) do CCP). É, contudo, diverso daquilo que a Recorrente afirma, ou seja, destinando-se um acordo-quadro a ser celebrado com mais do que uma entidade, se essa entidade se vê sozinha no acordo-quadro (vg. porque todas as demais propostas foram excluídas ou porque foi o único a apresentar proposta), não pode haver lugar à adjudicação.
Assim, em primeiro lugar, o procedimento em causa nos autos, ao contrário do que sustenta a Recorrente S. (cfr. pag. 3 das alegações), não se destina à celebração de acordos-quadro com dez ou quinze empresas, consoante os lotes.
Com efeito, o que afirma o artigo 26º do PC é algo diverso: “ 1 – Serão adjudicados para o lote 1 as melhores propostas que demonstrem cumprir, cumulativamente, as condições técnicas, os níveis de serviço e as demais condições das prestações de serviços constantes do caderno de encargos e do procedimento.
2 – Serão adjudicadas, para os restantes lotes, as 15 melhores propostas que demonstrem cumprir, cumulativamente, as condições técnicas, os níveis de serviço e as demais condições das prestações de serviços constantes do caderno de encargos e do procedimento” (cfr. nº 5 da factualidade dada como assente no Acórdão recorrido).
Está, pois, aqui em causa um número máximo de adjudicações e não um número fixo ou mínimo, sendo por isso falaciosa a afirmação da Recorrente de que o objectivo da ESPAP vertido no procedimento eram 10 ou 15 adjudicações.
Em, segundo lugar, como referido no artigo 73º nº 2 do CCP, quando o procedimento pré-contratual seja dividido em lotes a sua conclusão é efectuada em função desses mesmos lotes. Equivale por dizer que as decisões de adjudicação e as subsequentes celebrações de acordos-quadro terão lugar por lote.
Nesta perspectiva, e em terceiro lugar, a conclusão de que não existem candidatos qualificados para os lotes 14 a 16 não tem por que implicar a revogação da decisão de contratar relativamente à totalidade do acordo-quadro ou a realização de um juízo de invalidade quanto às peças do procedimento. Para tais lotes chega-se tão só à conclusão de não adjudicação com fundamento no artigo 79º nº 1 al. b) do CCP.
De igual modo, uma decisão relativa aos lotes 10 a 13 apenas poderia afectar estes mesmos lotes e não os demais.
Em quarto lugar, e quanto aos demais lotes em que houve mais do que um candidato qualificado (lotes 1 a 9 e 17 a 25), no presente procedimento o caderno de encargos do acordo-quadro define os aspectos mais relevantes dos contratos a celebrar (cfr. os artigos 25º, 26º e 27º do caderno de encargos do acordo-quadro).
Acresce que os próprios artigos 251º e 253º nº 5 in fine do CCP admitem que um acordo-quadro, ainda que aberto ao abrigo do artigo 252º nº 1 al. b), possam ser celebrados com menos do que três concorrentes.
Com efeito, este artigo 252º nº 1 al. b) do CCP é expresso em afirmar que, mesmo quando o acordo-quadro é lançado para ser celebrado com várias entidades, não obstante deverem “ser adjudicadas, pelo menos, as propostas ordenadas nos três primeiros lugares”, apenas assim acontecerá “salvo quando o numero de candidatos qualificados, ou de propostas apresentadas e não excluídas, seja inferior”.
É, pois, evidente a inexistência de fundamento para que no procedimento em apreço se conclua pela ocorrência de qualquer invalidade do resultado que foi ditado pela própria concorrência.
Em quinto lugar, no caso em apreço não é eliminado um dos passos da concorrência (os ditos call –of) para os quais existirá sempre mais que um concorrente.
Na verdade, esta concorrência existirá seja nos três casos em que apenas foram qualificados dois candidatos (lotes 17, 23 e 24 - sendo de mencionar que a S. não apresentou candidatura aos lotes 17 e 23), seja nos demais lotes em que foram qualificados mais do que dois candidatos.
Em qualquer circunstância, as entidades obrigadas a recorrer à celebração de contratos ao abrigo do acordo-quadro a celebrar não estão vinculadas aos preços máximos que aí forem previstos, estando ao seu alcance prever preços – base que sejam inferiores aqueles, e que sejam mais adequados à economia e eficiência das despesas a realizar nessas aquisições.
Com efeito, num dito call-of, se o único adjudicatário apresentar um preço contratual superior ao preço-base fixado pela entidade adjudicante, adequado às suas necessidades e recursos financeiros, a entidade adjudicante, dentro da liberdade que dispõe, poderá adquirir fora do acordo-quadro e o procedimento ficará sem adjudicatário.
Dito isto, seja nos casos em que houve um ou mais candidatos qualificados, fica salvaguardada a concorrência pretendida a jusante do acordo-quadro.
Em sexto lugar, no presente procedimento não está em causa um mercado criado por lei cujos únicos clientes sejam oriundos da Administração Pública em sentido amplo, pelo que, independentemente do número de adjudicatários em cada um dos lotes previstos no acordo-quadro, nunca será criada uma situação de monopólio de mercado por parte de qualquer dessas empresas adjudicatárias. Na verdade, todas as empresas de segurança, ainda que não sejam adjudicatárias em nenhum lote, poderão continuar a prestar os seus serviços a clientes privados ou a entidades não vinculadas ao acordo-quadro da mesma forma como o vinham prestando até ao presente.
Assim, também por esta via, não existe dano para a concorrência do mercado.
Em sétimo lugar, e por último, no presente procedimento não se coloca qualquer questão relativa ao preço das propostas a apresentar.

Em face do que ficou exposto, não ocorre a alegada violação do princípio da concorrência, pelo que improcede a conclusão XIII da alegação da concorrente.

3 – Da alegada invalidade da decisão de exclusão das candidaturas da Recorrente S.

Nas demais conclusões da sua alegação – XIV a XIX – a ora Recorrente conclui que a decisão de não qualificação das suas candidaturas a determinados lotes é inválida por se limitar a uma averiguação formal.
Para tanto alega que:
a) A exclusão da sua candidatura exigiria que a ESPAP, mais do que atentar ao conteúdo dos documentos apresentados no procedimento, deveria ter-se certificado quanto à verificação material do motivo que determinou a exclusão;
b) O júri do concurso excluiu as candidaturas da Recorrente S., por razões formais, por, em seu entender, a redacção não ser exactamente igual à designação dos lote;
c) Tendo o júri do concurso entendido que as declarações de experiência continham irregularidades ou deficiências, deveria ter procurado saná-las, solicitando esclarecimentos, como o imporiam os princípios da concorrência, do favor do procedimento e do inquisitório;
d) O pedido de esclarecimentos é um poder-dever quando ocorram dúvidas, contradições ou falta de clareza que, em seu entender, seria o que estaria em causa ( e não alterar ou completar as declarações apresentadas);
e) As declarações apresentadas aos lotes 18 a 22 e 25, apesar de apenas referirem “ Serviços de Vigilância e Segurança” incluem a totalidade dos serviços combinados a que aqueles lotes se destinam, o que é revelado precisamente pela falta de indicação da palavra “humana”, pelo que a candidatura nunca poderia ter sido excluída;
f) Quanto às declarações apresentadas aos lotes 8, 10 a 14 e 24, o júri do concurso deveria ter solicitado à S. que esclarecesse o valor relevante para cada região;
g) A exclusão da S. viola a concorrência, já que destinando-se o acordo-quadro a vigorar por um período de quatro anos, durante o qual o mercado está restringido aos cocontratantes do acordo-quadro, a exclusão da sua candidatura, por razões de forma, é injustificada e injusta.

Vejamos.
Do Anexo III ao Programa do Concurso (PC) consta uma minuta de declaração a emitir pelos clientes dos candidatos em que esse conta da experiência do candidato no ano de 2012 – cfr. nº 5 da factualidade dada como assente.
Assim, de acordo com o disposto no PC, pretendia-se que cada candidato juntasse, pelo menos, uma declaração emitida por um cliente, em que este viesse identificar a região em que os serviços foram prestados e discriminasse os principais serviços e qual o respectivo valor.

Quanto ao modo de cumprimento do requisito de experiência para aferição da capacidade técnica, é pertinente atentar nos esclarecimentos solicitados por interessados e prestados pela ESPAP no decurso do procedimento.
Pretendia-se, designadamente, saber se as declarações relativas aos lotes funcionalmente adstritos a serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central e monitorização de alarmes seriam suficientes para demonstrar a experiência nos lotes funcionalmente adstritos apenas a serviços de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes, tendo a ESPAP respondido peremptoriamente: “ Não” – cfr. nº 11 da factualidade dada como assente.
Foi igualmente colocada a seguinte questão: A declaração anexo III – modelo de declaração para comprovar prestação de serviços a clientes - tem de ser igual ao vosso modelo ou pode ser emitida em modelo com informação equivalente, onde se mencione o montante e a morada do cliente? – cfr. questão 19 do documento de resposta aos pedidos de esclarecimento integrante no processo administrativo. A resposta dada no procedimento foi: “ Terá que ser entregue documento de acordo com o modelo de declaração contido no anexo III ao programa do concurso” – cfr. nº 11 da factualidade dada como assente.

Neste contexto, importa, em primeiro lugar, aferir qual o conteúdo das declarações apresentadas pela S. aos lotes a que se candidatou, sendo possível verificar que esta apresentou a mesma declaração:
a) para os lotes 3 e 19;
b) para os lotes 4 e 20;
c) para os lotes 5 e 21;
d) para os lotes 6 e 22;
e) para os lotes 10 a 14;
f) para os lotes 8, 24 e 25;

Isto, não obstante os lotes em questão terem conteúdos funcionais distintos, ou seja, dirigirem-se a prestações contratuais de diferente conteúdo:
a) os lotes 3, 4, 5 e 6 destinados a “serviços de vigilância e segurança humana”;
b) os lotes 19, 20, 21, 22, 24 e 25 destinados a “serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes”.
Em segundo lugar, relativamente aos lotes 10 a 14 e 24, pese embora as declarações apresentadas pela S. se referirem em conjunto a quatro regiões, elas foram apresentadas para cada lote regional como sendo esse o conteúdo da declaração.

Como referido em III - 1, o procedimento previu a celebração de acordos-quadro para os seguintes objectos:
a) lotes 2 a 9 (regionais e nacional) - serviços de vigilância e segurança humana;
b)lotes 10 a 17 (regionais e nacional) - serviços de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes;
c) lotes 18 a 25 (regionais e nacional) - serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes.
Para os lotes 2 a 6, 8 e 9 a S. apresentou declarações de clientes que afirmaram ( a redacção é fundamentalmente idêntica em todas): “A empresa S. S.A. (…) foi no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2012 e a data actual responsável pelas seguintes prestações de serviços na (s) região(ões) (…) a) prestação de serviços de vigilância e segurança, tendo facturado no período de 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2012 o montante de (…) não incluindo IVA.”
Para os lotes 10 a 14 apresentou uma única declaração que afirmava que a S. tinha prestado serviços à G. nas regiões Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo e Algarve com o seguinte objecto: “ Prestação de serviços de ligação à central de recepção e monitorização de alarmes (…)”
Para os lotes 18 a 22, 24 e 25 a S. apresentou declarações de clientes que afirmaram : “ A empresa S. S.A. (…) foi no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2012 e a data actual responsável pelas seguintes prestações de serviços na (s) região(ões) (…) a) prestação de serviços de vigilância e segurança, tendo facturado no período de 1 de Janeiro de 2012 e 31 de Dezembro de 2012 o montante de (…) não incluindo IVA.”
Perante estas declarações, cujo conteúdo (quanto à definição do objecto do serviço prestado) é exactamente igual àquele das declarações apresentadas para os lotes cujo objecto era apenas a vigilância e segurança humana, a ESPAP interpretou-as como referindo-se a serviços de vigilância e segurança. A reforçar esta interpretação, constatou o júri que nos documentos apresentados para os lotes 10 a 14 utilizou ipsis verbis a terminologia adoptada nas peças do procedimento para definir o respectivo objecto, pelo que era este o resultado interpretativo que se impunha ao júri do concurso e à ESPAP desde logo face ao dispositivo do artigo 236º do Código Civil, atendendo o “ comportamento do declarante”, ao respeitar ipsis verbis a designação dada pelo procedimento aos lotes 10 a 14, ao apenas omitir o termo “humanas” nas declarações relativas aos serviços de vigilância e segurança e ao apresentar declarações com a mesma redacção para os lotes 2 a 9 e para os lotes 18 a 25.
Por conseguinte, é manifesto que a referência a “ serviços de vigilância e segurança” só poderia designar “ serviços de vigilância e segurança humana” e não “ serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes”.
Como tal, não havia que solicitar qualquer esclarecimento à S..
Em todo o caso, o júri do concurso não teve quaisquer dúvidas sobre o conteúdo das declarações apresentadas pela S. quanto aos lotes 2 a 6, 8 e 9 de um lado, e 18 a 22, 24 e 25, de outro: todas as declarações descrevem serviços que apenas correspondem ao objecto dos lotes 2 a 9.
Deste modo, face às regras definidas no PC a S. nunca poderia ter sido qualificada nos lotes 18 a 22, 24 e 25.
É, aliás, este o único sentido que decorre das regras legais da interpretação a que o júri do concurso estava adstrito.
Mencione-se o conteúdo do artigo 238º do Código Civil quanto à interpretação dos negócios formais: “ Vale quanto a eles, dum modo geral, o sentido objectivo correspondente à impressão do destinatário, mas é preciso que tal sentido encontre nos próprios termos da declaração formalizada (documento) uma qualquer expressão, embora imperfeita, sendo inoperante se lá não estiver reflectido, nem mesmo segundo os usos de linguagem próprios do Autor da declaração. A consequência parece ser a nulidade do negócio, em sede interpretativa” – cfr. MANUEL DE ANDRADE, TEORIA GERAL DA RELAÇÃO JURIDICA, Volume II, Coimbra, 1987, pag. 315. Ver ainda o Acórdão do STA de 22 de Março de 2011, in Proc. nº 01042/10 e Acórdão deste TCAS de 7/03/2013 in Proc. nº 9093/12, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Não prevalece aqui, para efeitos de interpretação das declarações apresentadas aos lotes de serviços combinados, a vontade real do declarante, desde logo, porque o declarante não é a S. mas os seus clientes. Por outro lado, porque a vontade do declarante só poderá valer se, sendo conhecida, a isso não se opusessem as razões determinantes da forma do negócio: “ Assim, por exemplo, parece haver obstáculo insuperável, quando essas razões forem, predominantemente, razões de certeza e de segurança e quando estejam em causa interesses de terceiros” – cfr. MOTA PINTO, TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL, 4ª ED. Revista, Coimbra, 2005, pag. 449 e 450.
E se ainda que imperfeitamente expressa (por omitir o termo “humana”), a declaração de que foram prestados serviços de vigilância e segurança permite efectuar a correspondência aos lotes destinados à aquisição de serviços de vigilância e segurança humana, já não se tolera, como pretenderia a S., que essa correspondência existisse com serviços combinados de vigilância e segurança humana e de ligação à central de recepção e monitorização de alarmes.
Forçoso é reconhecer que as declarações apresentadas não têm qualquer correspondência com o objecto dos lotes 18 a 25 ou com a sua descrição.
Por outro lado, a eventual possibilidade concedida à S. de alterar as declarações apresentadas, no sentido de nelas fazer constar o que havia sido inicialmente omitido, teria oposição do princípio da intangibilidade das propostas, que se mantém na totalidade para as candidaturas.
É que, como assume a jurisprudência a propósito do artigo 72º do CCP (de igual modo o artigo 183º, cujo conteúdo é, no que ora releva, fundamentalmente idêntico):
(…) A ideia essencial deste preceito é , portanto, a de que os esclarecimentos são isso mesmo, algo (uma informação, uma explicação, etc) destinado a aclarar, a tornar claro, congruente ou inequívoco, um elemento que na proposta estava (ou parecia estar) apresentado ou formulado de modo pouco claro ou menos apreensível, não percebendo o júri (ou não percebendo ele seguramente) o que aqui se queria dizer.
Ou então – embora a hipótese já apresente outros contornos -, no caso de as expressões da proposta poderem ser entendidas em mais de um sentido. O esclarecimento há-de assim ter por escopo a melhor compreensão de um qualquer aspecto ou elemento da proposta (…) [ MÁRIO E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina 2011, pag. 601/602]” – cfr. Acórdão deste TCAS de 5 de Julho de 2012, in Rec. nº 8847/12, disponível em www.dgsi.pt. Como se continua no citado Aresto “os esclarecimentos sobre documentos das candidaturas não podem extravasar o conteúdo próprio do que se entende por “esclarecer” que é tornar claro inequívoco e congruente o texto das declarações negociais apresentadas e não proceder a alteração do texto anteriormente apresentado” , dado que é vedado utilizar os esclarecimentos para “introduzir qualquer elemento novo que possa influir na sua apreciação e avaliação, sob pena de violação dos referidos princípios concursais [da concorrência e o seu corolário, da intangibilidade das propostas] (…) Trata-se afinal, de uma tarefa hermenêutica da fixação do sentido de algo que já se encontrava estabelecido.” - – cfr. o citado Acórdão do STA de 22 de Março de 2011, in Proc. nº 1042/10.
Mas para além de o júri não precisar de qualquer esclarecimento por parte da S. para compreender o conteúdo das declarações, constata-se que tal suposto esclarecimento não só implica a alteração do conteúdo das declarações relativamente aos lotes 18 a 22, 24 e 25, como igualmente implica forçosamente a alteração do conteúdo das declarações quanto aos lotes 2 a 6, 8 e 9.
Não o tendo feito em sede procedimental, veio agora nos autos a S. afirmar que as declarações apresentadas, ao referirem “ Prestação Serviços de Segurança e Vigilância” afinal incluíam os serviços de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes (cfr. artigos 170º e 171º da p.i.); que é evidente que essa expressão abrange os dois tipos de serviços em causa (cfr. pág. 22 das alegações).
Ora, apesar dessa extensão de conteúdo não encontrar apoio na letra da declaração, sendo, destarte, inválida resulta das alegações da Recorrente S. que as declarações por si apresentadas no tocante aos lotes 2 a 6, 8 e 9 afinal também incluíam os serviços de ligação a central de recepção e monitorização de alarmes (na medida em que as declarações relativas a uns e outros lotes são idênticas na sua formulação).
Por conseguinte, se há falta de correspondência no texto entre o objecto dos serviços prestados e o objecto dos lotes 18 a 22, 24 e 25 nunca poderia ser qualificada, verifica-se agora que igualmente deveria ser excluída nos lotes 2 a 6, 8 e 9, na medida em que, induzindo o júri do concurso e a ESPAP em erro, incluiu nos documentos de habilitação apresentados para estes últimos lotes valores que não correspondem ao conteúdo dos lotes a que se candidatou.
Dito isto, desde logo, sai reforçada a impossibilidade do pedido e da prestação dos esclarecimentos pretendidos pela S. para os lotes 18 a 22, 24 e 25. Na verdade, a sua prestação para os lotes implicaria uma contradição com o conteúdo das declarações apresentadas para os lotes 2 a 6, 8 e 9. No caso, o artigo 183º nº 2 do CCP impede expressamente a prestação de esclarecimentos que contrariem os elementos que constituem as candidaturas. Do mesmo modo, por não se tornar possível aferir, para os lotes 2 a 6, 8 e 9, qual o valor que, afinal, na tese da Recorrente S., corresponderia a serviços combinados ( já que não foi feita qualquer separação entre o tipo de serviços), verifica-se ainda que a S., ao apresentar declarações aos mencionados lotes, cometeu falsas declarações, visto que agora vem afirmar que afinal tais declarações têm outro conteúdo material, ainda que não expresso, o que constitui igualmente fundamento de exclusão, nos termos do artigo 184º nº 2 al. j) do CCP.
Já no tocante à matéria relacionada com as declarações apresentadas aos lotes 8 a 24 constata-se que elas fazem referência a serviços de vigilância e segurança, mas cujos valores, afinal, incluíam outras prestações. Acresce que, para estes dois lotes (8 e 24), de acordo com a declaração, seja qual for o conteúdo dos serviços prestados, eles foram-no em várias regiões por um preço global. É o que resulta da declaração, nada indiciando que a facturação foi feita por região.
Deste modo, não estava ao alcance do júri do concurso aferir qual o valor dos serviços prestados para cada uma das regiões para que foi apresentada a declaração. E permitir a alteração da declaração através de um suposto esclarecimento seria sempre vedado ao Júri por implicar a alteração da candidatura da S..
Quanto aos lotes 10 a 14 refira-se que o valor de experiência exigido para cada um dos lotes regionais é de € 100.000,00. A declaração, única para todos os cinco lotes em causa, fez alusão a serviços prestados no valor de € 135.433,33. O valor em causa dividido por cinco regiões implica que em todos eles a S. fique abaixo do requisito de experiência exigido: e assim sendo o esclarecimento teria por efeito que a S. sempre seria excluída, senão em todos os lotes, pelo menos em quatro deles.

A última questão prende-se com a alegação de que o júri estaria vinculado a, mais do que verificar o conteúdo da candidatura apresentada pela S., indagar da veracidade ou coerência das declarações dos candidatos, isto é, verificar se, materialmente, a realidade subjacente às declarações apresentadas pelos candidatos tinha correspondência com as declarações apresentadas.
Vejamos.
Indagar da veracidade material independentemente do conteúdo das declarações apresentadas, teria exigido que o júri do concurso tivesse presenciado a prestação dos serviços em questão - o que manifestamente não é viável - pelo que, forçosamente, a aferição do requisito de experiência só pode ter base formal, isto é, depender das declarações que sejam apresentadas pelos candidatos.
Acresce que, a aceitar tal juízo, deixaria de ter sentido a exigência de apresentação de declarações ou de quaisquer documentos destinados a demonstrar o cumprimento dos requisitos de habilitação. No caso em apreço, bastaria que os candidatos identificassem os seus clientes, cabendo ao júri averiguar qual a experiência de cada candidato.
Perante o referido, vale a jurisprudência do STA :
“ I – Se o aviso de abertura do concurso impunha que os documentos oferecidos pelos candidatos fossem “comprovativos” dos elementos relevantes para apreciação do seu mérito~, não merece censura o facto do júri ter desatendido aspectos cuja existência era duvidosa à luz dos documentos apresentados.
II – Os juízos de factos que o júri emitiu sobre o relevo merecido por certos documentos não são censuráveis se, tendo apoio no seu texto, não se mostrassem erróneos nem abstrusos” – cfr. Acórdão do STA de 6.10.2011 in Proc. nº 0190/11, disponível em www.dgsi.pt.
Como aí se evidencia, “ não colhe a ideia da autora de que o júri devia ter usado poderes inquisitórios que suprissem a insuficiência probatória dos documentos por ela oferecidos (…), porque uma tal actuação do júri ofenderia uma fundamental regra do concurso – a de que a prova documental era da responsabilidade de cada candidato e tinha de ser realizada num certo tempo – e atentaria contra o basilar princípio da estabilidade das candidaturas”.
Termos em que, de acordo com os fundamentos expostos, improcedem as restantes conclusões da alegação da Recorrente.

Em conformidade, em sintonia com a argumentação expendida pela Recorrida contra-interessada P. SA, é de negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar o Acórdão recorrido.

*

Acordam, pois, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS, 2º Juízo, em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar o Acórdão recorrido.

*

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 7 de Abril de 2016